DESENVOLVENDO A CIDADANIA A PARTIR DA ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE DE SALA E CONSELHEIROS DE TURMA NO ENSINO MÉDIO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA João Vicente Hadich Ferreira 1 - UENP / USP Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O título proposto é, na realidade o tema do projeto aplicado no decorrer de seis anos (2006 à 2011) numa escola estadual de Londrina-Paraná, produzido a partir da disciplina de Filosofia no Ensino Médio e que, ao término do período contava com a participação de outras disciplinas e professores. O desenvolvimento da atividade ocorreu suscitada por indagações sobre a democracia e, em um lócus menor, da democracia no interior da escola, através de questões que surgiram pelo incômodo de alguns alunos. Partindo de suas leituras de mundo, eles questionavam o procedimento definido pela administração para a eleição dos Presidentes de Sala e dos Conselheiros de turma (professores) na época. Confirmando-se a prática existente naquele momento pela gestão escolar, e confirmando-se o incômodo, pensou-se o projeto para se constituir num exercício inicial, e prático, de formação política e de uma maior democratização nas relações internas, desde a sala de aula até a instância administrativa. Partindo do pressuposto de que cabe aos educadores este processo formativo, na perspectiva de possuírem, pelo menos teoricamente, a prerrogativa de um maior esclarecimento político, delineou-se a proposta como resposta e para o comprometimento dos alunos com o projeto, mas também para, indiretamente e, diretamente a posteriori, envolver o máximo possível o corpo docente. Com o apoio das Direções de Período e Geral, a Coordenação Pedagógica e alguns colegas, o projeto encontrou seu espaço e manteve-se, pelo menos até o desligamento do autor da sua função de docente na Educação Básica. Contribuiu ainda para a experiência dos Conselhos de Classe participativos, para uma maior participação dos discentes e docentes no Conselho Escolar e para as discussões quando da realimentação do Projeto Político Pedagógico da Escola, da CONAE e de outros projetos que foram desenvolvidos na instituição no mesmo período. Palavras-chave: Democracia. Projeto político. Educação. 1 Mestre em Educação: Filosofia da Educação pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Professor Assistente da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas "Saberes e Fazeres da Docência" - UENP. E-mail: [email protected]. Doutorando em Educação: Filosofia da Educação pela Faculdade de Educação da USP - Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]. ISSN 2176-1396 24588 Introdução O presente relato é fruto de um projeto desenvolvido ao longo de seis anos em uma escola estadual na cidade de Londrina, quando o autor era professor da Educação Básica, na área de Filosofia no Ensino Médio. Intitulado "Desenvolvendo a cidadania a partir da eleição para presidente de sala e conselheiros de turma no Ensino Médio", o projeto constituía-se numa proposta de ensaio e formação política dentro do espaço escolar básico, não só para os alunos, mas também na perspectiva de um trabalho conjunto com os professores da instituição. O mesmo teve início no ano de 2006 e foi conduzido e acompanhado pelo autor até 2011, penúltimo ano de vínculo como docente efetivo na Educação Básica. Exonerei no início do ano de 2012 e, a partir disto, o projeto ficou livre para continuidade ou não com os professores que permaneceram na instituição. Neste sentido, o que pretendo relatar neste espaço, é exatamente a experiência proporcionada pela atividade e sua concepção. Como não era proposta de uma pesquisa efetivamente, mas da minha práxis docente como professor a partir da percepção de uma realidade dada, faltarão talvez alguns elementos que podem ser considerados imprescindíveis no caso de uma pesquisa mas que, nesta situação, acredito não serão relevantes a ponto de comprometerem o relato e sua compreensão pelos leitores ou ouvintes deste trabalho. Por isso, já no intuito de esclarecimento, produzimos o texto livremente, ora na primeira pessoa, ora recorrendo à terceira, de forma a torná-lo mais fluído, se possível. Também omitimos nomes, inclusive da instituição, mais por uma questão de não acharmos necessária tal identificação do que pela possibilidade de algum constrangimento efetivamente. Contexto inicial: motivação do projeto Quando assumi o padrão de Filosofia no Ensino Médio no Estado do Paraná, no ano de 2005, não tinha noção certamente da riqueza que seria para a constituição da minha práxis docente as experiências que vivenciaria nos anos vindouros. Inicialmente, podendo contribuir com a produção do Livro Didático Público de Filosofia, logo no começo da minha efetivação, após seleção estadual para a escolha dos autores e, no retorno, após o período de produção, podendo conviver com uma pluralidade de pensamentos e experiências com alunos e professores da instituição na qual me fixara. Neste sentido, surgiu o espaço para o projeto que será relatado. Não é uma visão romântica o que quero apresentar, mas o relato de uma percepção a posteriori daquilo que representou este período. Tanto que, após tantos anos, 24589 decido trazer o relato dando-me conta de que nunca fora compartilhado por mim em nenhum evento, apesar de já ter participado de alguns. Talvez também porque, a rigidez do academicismo a que estamos sujeitos na maioria dos congressos gere, muitas vezes, dificuldades para se produzir ou para se ter aceitação neste tipo de modalidade. Seja como for, entendo que é um bom momento para compartilhar esta experiência que, evidentemente, também foi permeada por dificuldades e embates na sua constituição. O primeiro destaque, neste sentido, se dá exatamente com o resgate da fala de um dos alunos do terceiro ano do Ensino Médio na época que, reproduzirei na sequência, após contextualizar o porque da sua intervenção. Assumindo efetivamente as aulas nas turmas de terceiro ano basicamente, ministrava aula em uma delas quando fomos interrompidos por uma funcionária da secretaria na época. Ela nos solicitou o favor de realizar uma "eleição para presidente de sala" naquele grupo, entregando-lhe posteriormente os resultados. Aquiesci ao pedido e, após uma breve dinâmica, promovendo o sufrágio e decidindo a partir da escolha dos alunos quem seria o "presidente da sala", houve a fala a que nos referíamos. Disse um dos alunos que "não havia democracia naquela escola", sendo apoiado pelos demais no geral e, para meu espanto, sua previsão seria confirmada com o que ocorreria na sequência ao término da eleição. A previsão referia-se ao que ele argumentara comigo quando lhe perguntei "por que não havia democracia" afinal, pressupondo que fizéramos um exercício, mínimo que fosse, desta perspectiva ao eleger o representante da sala. Dissera-me o aluno que apesar de escolherem o representante, a secretária solicitaria os nomes dos três mais votados e a Direção e a Coordenação é que escolheriam, a partir disto, o nome que fosse o "menos problemático", mesmo que não fosse o mais votado. Além disso, no caso dos Conselheiros de Turma, que eram professores, não havia nem sequer escolha por parte dos alunos, mas também era uma indicação da Direção e Coordenação. Confesso que espantei-me com a colocação e ainda tentei ser espirituoso afirmando que assim parecia "lista tríplice" do Governador nas Universidades, o que realmente feria a democracia. Além disso, parecia-me inadequado a questão também do Conselheiro, posto que, aparentemente, a ideia de professor conselheiro nos remete à concepção de que seja alguém que, no mínimo, possui uma empatia e a confiança da turma. Para além do espanto, fiquei realmente assustado e incomodado quando a previsão do aluno se confirmou com o retorno da funcionária e a mesma solicitou em alto e bom tom se eu poderia lhe passar o nome dos três mais votados! Este foi o primeiro fato que motivou a produção do projeto. 24590 Na sequência, fiz uma sondagem com os meus colegas docentes - e é rico nisto o espaço da sala de professores - para entender o que ocorria. O relato deles vinha de encontro à fala dos alunos e, reforçavam-me tranquilamente, a base da justificativa que se apresentava para tal procedimento. Ou seja, consideravam que os alunos escolhiam geralmente os mais "bagunceiros" para representante de sala e, por isso, ao longo do tempo, a Direção e as Coordenações resolveram utilizar este mecanismo para escolher de acordo com o "currículo" dos alunos, evitando problemas e afrontas. No caso do Conselheiro, se deixassem os alunos escolherem, a maioria optaria sempre por professores, considerados "bonzinhos" e não dava pra ser assim. Que em determinado tempo já acontecera do mesmo professor ser conselheiro de várias turmas, o que era difícil também. Confesso que pareceu-me mais uma consideração de que alguns professores causavam ciúmes em outros por apresentarem uma proximidade maior com os alunos e, por isso, seriam sempre escolhidos. Neste sentido, mais fácil do que o exercício democrático, o autoritarismo representa sempre uma zona de conforto maior, mesmo que seja a atitude imperceptível para quem a pratica ou defende. Percebo aqui, hoje, um pouco mais da preocupação de Adorno (1995) quando das suas questões sobre a educação e a emancipação nos textos Tabus acerca do Magistério, por exemplo ou em Educação - para quê?. Perguntei para alguns dos colegas se achavam isto certo - o procedimento adotado - e, alguns foram taxativos de que não tinha como ser de outro modo, já que os alunos não são politizados. Concordei, mas perguntava se não era importante então que os politizássemos o que, apesar da concordância dos colegas, esgotava-se tal aceite somente na compreensão da questão, mas não na efetivação da proposição. Por fim, de posse dessa sondagem, fui confirmar os fatos com a Direção de Período na época e, mais uma vez, repetiu-se a situação. Por isso, já incomodado com a questão, propus que mudássemos esta condição e que me dispunha a apresentar um projeto no sentido de melhorar isto, trabalhando não só uma politização dos alunos mas, se possível, com os próprios professores também. Não entendia como aceitávamos que era mais fácil "punir" os alunos do que educá-los no exercício e formação da sua vida discente. Argumentava que era função nossa, como educadores, formar e propor aos alunos as reflexões necessárias para o desenvolvimento e apropriação de uma vida política mais efetiva futuramente, o que se fundamentava a partir não só dos conteúdos que trabalhávamos mas também de uma perspectiva de democratização das relações no âmbito da escola, mesmo que como ensaio para aquilo que seria a macro-realidade, para além 24591 dos muros da escola. Recebi o apoio desta direção e o mesmo foi conseguido com a Direção Geral ao apresentar e discutir o projeto. Estava lançado o desafio. Constituição, desenvolvimento e fundamentação do projeto Com o apoio e a liberação institucional, portanto, exigi que se mantivessem algumas garantias para a execução do projeto, como a de que a decisão dos alunos seria respeitada, mesmo que nos desagradasse, tanto na escolha do Presidente de Sala como na de Conselheiro de Turma que, a partir deste momento, se daria de forma democrática e sem interferência da administração. Assim, dei início à aplicação do projeto após produzir e apresentar às partes interessadas um pequeno esboço, que manteve-se como a base do mesmo nos anos seguintes. No começo o projeto ficou apenas como uma proposta da minha disciplina, mas já objetivava que ele se expandisse. Como base, entretanto, eu o aplicava apenas nos terceiros anos do Ensino Médio, matutino e noturno, turmas em que eu tinha aulas e, promovia assim, neste espaço da minha disciplina, o desenvolvimento da proposta. Apesar de inverter cronologicamente o trabalho com os meus conteúdos, encaixava-se na discussão da política que, mesmo sendo tratada posteriormente no período letivo, já me permitia proporcionar aos alunos com o projeto uma introdução e vivência do assunto. Neste intento, o que reproduzo na sequência é a proposição final do projeto no ano de 2010 e que serviu ainda para 2011, encampando já algumas contribuições pois, neste período, ocorria de modo mais interdisciplinar com a participação de outros professores de outras disciplinas, além de ter se estendido para todo o Ensino Médio e já para o Fundamental, de 5a. a 8a., na época. Neste caso, era aplicado pela Coordenadora do período vespertino. Basicamente estava assim delineado o projeto, que permearemos com algumas notas de comentário: TEMA: " Desenvolvendo a cidadania a partir da eleição para Presidente de Sala e Conselheiro de Classe no Ensino Médio" CONTEÚDO: Política DISCIPLINA: interdisciplinar TURNOS: Matutino e Noturno TURMAS: todas do Ensino Médio COORDENADOR: ........................ COLABORADORES: .................... 1. Justificativa 24592 Dentro da perspectiva apresentada para o Ensino Médio de formar alunos com consciência cidadã, o presente projeto propõe um "exercício" disto aproveitando a própria realidade dos alunos que, todo ano, elegem um Presidente de Sala e um Conselheiro de Classe. Situação análoga à realidade política e possibilidade de exercício do jogo democrático que se dá na vida social adulta propõe-se, a partir da micro-realidade dos educandos, que é a escola, um entendimento da macro-realidade destes, que é a sociedade. Inicialmente o projeto destina-se aos alunos do terceiro ano do Ensino Médio, podendo estender-se posteriormente às demais turmas e períodos da escola. 2 2. Objetivos3 Geral: levar os alunos ao desenvolvimento de uma consciência mais cidadã, aproximando-os da realidade política e desenvolvendo a responsabilidade por suas escolhas. Específicos: a) possibilitar o desenvolvimento de um senso mais crítico, capacitando o aluno para realizar diversas "leituras" da sua realidade e da realidade global que se apresenta; b) fornecer conteúdos para um aprofundamento da cidadania, conceito filosófico fundamental para um entendimento e participação política mais efetiva na realidade social do educando. 3. Desenvolvimento O professor motivará os alunos para a reflexão sobre questões políticas referentes à vida em sociedade, às questões de um bom governo e da construção de uma boa sociedade. Partindo do universo macro-social (sociedade civil), os alunos desenvolverão propostas para uma boa vivência micro-social (sala de aula). Dentro desta perspectiva, serão convidados a refletir sobre as responsabilidades e atribuições de um bom governante e, consequentemente, de um bom presidente de sala e daquilo que se espera de um conselheiro. Partindo destes pressupostos, a turma deverá se mobilizar para a eleição para Presidente de Sala e Conselheiro de Classe. A eleição será democrática, de livre participação e contemplará regras básicas estabelecidas pela própria comunidade escolar após reflexão entre alunos e professores. É facultado a qualquer aluno da sala ser candidato e, todo professor da série em questão é potencial candidato, salvo o caso em que manifeste sua impossibilidade ou sua não participação no processo. A seguir, regras (entre outras) que poderão ser desenvolvidas e que servirão como sugestões do professor para avaliação dos alunos. 2 Optei por conservar a redação original, que constava no primeiro esboço do projeto e previa sua expansão. Estrategicamente, os objetivos referiam-se exclusivamente à relação com os alunos, mas estava implícita para mim a expectativa de atingir os professores também na execução dos mesmos. 3 24593 Na eleição para Presidente de Sala: Os alunos poderão formar partidos e os candidatos deverão, obrigatoriamente, apresentar propostas para a comunidade acadêmica.4 Haverá um período para inscrição dos candidatos e dos partidos políticos, sendo o mesmo de caráter irrevogável e sem perspectiva de prorrogação. Todo candidato deverá apresentar obrigatoriamente um vice para a campanha. Realizadas as eleições, a mesma será referendada pela direção e os candidatos vencedores serão apresentados à comunidade escolar através de um mural onde conste as fotos e o "currículo" dos mesmos, o tempo de mandato e as propostas apresentadas. O mesmo deverá constar em cada sala para que cada professor, ou membro da comunidade escolar tenha acesso às informações. O mandato será determinado pelo período letivo, não superando seis meses. No início de cada semestre serão realizadas novas eleições. Caso o candidato não atenda às normas estabelecidas pelo consenso da comunidade escolar, falte ao decoro, haja de forma imprópria ao cargo e ou não represente de algum modo a comunidade que o elegeu, poderá sofrer um processo de impecheament.5 O mesmo se dará a partir de uma votação simples, em que serão necessários apenas 50% (cinquenta por cento) dos votos mais um para que o candidato seja destituído de suas funções e assuma o vice. Caso o vice esteja comprometido no processo, pode-se convocar nova eleição ou, em último caso, existir a "intervenção" do Conselho Escolar. O candidato que sofrer tal processo fica impedido de se candidatar novamente durante o ano letivo à função de Presidente de Sala ou de qualquer outra que se faça necessária. 4 Os candidatos tinham um espaço na aula para realizar os discursos e para o debate com a turma. Houveram momentos ricos. Um caso, por exemplo, de um aluno que conseguiu construir uma ação política e inverteu a eleição que estava na perspectiva de ser ganha por um grupo considerado "bagunceiro" pelos próprios alunos. O rapaz demonstrou-se um grande articulador, destacando-se inclusive em outros momentos na escola neste amadurecimento político. Em outra situação, candidatos propondo o vale transporte e lanches para todo mundo na cantina. Evidentemente, era um disparate, no sentido de irrealizável e inadequado, pois não era da competência deles tais proposições e nem tampouco era desejável a corrupção. Por isso, fazíamos a análise dos discursos e evidenciava-se assim, a incoerência que está na fala de muitos políticos em campanha, reproduzida na dos próprios alunos candidatos naquele momento. 5 Tivemos um caso no decorrer do projeto e, apesar da descontração do processo aparentemente, mantendo-se uma boa relação entre os alunos, houve o entendimento da turma que definiu pelo procedimento. 24594 A foto do candidato que sofreu tal processo e foi condenado, será afixada no referido mural para que a comunidade escolar tenha conhecimento do efetivado. O candidato que concluir seu mandato dentro do pretendido poderá tentar a reeleição no segundo semestre.6 Outras regras que serão discutidas. Na eleição para Conselheiro de Classe: A eleição será democrática também, prevalecendo o voto da maioria. Todo professor que ministre aula na turma votante é potencial candidato a conselheiro. Não concorrerá à eleição o professor que manifestar "que não deseja fazê-lo" ou que se encontrar impossibilitado para tal.7 Cada professor poderá ser conselheiro de apenas uma turma, evitando o acúmulo da função do mesmo. Para evitar a duplicidade, seguir-se-á o seguinte critério para votação: cada aluno deverá votar em 3 (três) opções para conselheiro, na ordem indicada: 1a. Opção, 2a. Opção e 3a. Opção. Cada uma das 3 (três) opções será computada para um eventual desempate. O desempate se dará através do percentual de votos recebidos pelo professor em cada sala e não pelo número de votos diretos (para evitar que uma turma menor seja prejudicada em relação a uma turma maior). Caso o professor escolhido pela turma seja referendado pelo percentual de votos para outra turma, a turma em questão ficará com a segunda opção escolhida. Caso esta segunda opção tenha sido primeira opção em outra turma, será referendado como conselheiro a terceira opção da turma em questão. Caso, mesmo assim, haja um problema de impossibilidade de concluir-se o processo (no caso de nem a terceira opção ser referendada), convoca-se nova 6 Tivemos casos de reeleição. Também tivemos que fazer ajustes, pois em alguns momentos não conseguimos deslanchar com o projeto no segundo semestre e manteve-se o pleito do primeiro semestre. 7 Houve caso de professores que se recusaram a participar. 24595 eleição, onde serão excluídos os professores que já estarão certos como conselheiros.8 Outras regras ou condições que podem ser discutidas. 4. Avaliação Será realizada através de produção textual referente à construção de propostas políticas dos "partidos" e "candidatos" à presidente de sala e conselheiro e relatório final sobre a atividade realizada, observação do professor e discussões em plenárias. 5. Textos sugeridos9 Livro Didático Público de Filosofia - Capítulo intitulado "Em busca da essência do político. Poema sobre o "Analfabeto Político", de Bertolt Brecht. Para concluirmos este ponto, queremos manifestar que, apesar de sua composição simplória, o projeto tinha a pretensão de avançar num exercício de democracia (mesmo que ensaística) no interior da escola. Não era só questão das eleições entre os alunos, mas da própria constituição da APMF, do Conselho Escolar, das relações entre os pares muitas vezes. Como podemos entender a partir de Hannah Arendt em suas discussões sobre o público e o privado no texto A condição humana (2010), estas questões não eram exclusivas daquela instituição, mas da maioria no geral onde, apesar de configurarem-se como instituições públicas - referindo-nos às escolas estaduais -, nossas dificuldades começam já no entendimento do que seja um ou o outro. Considerações e análises: o conjunto da obra Como explicitei anteriormente, o projeto inicialmente estava somente com a minha disciplina mas, no período final, contávamos com o apoio de três professores da Sociologia, mais dois da Filosofia, um de Química, uma professora de Inglês, uma de Português e uma de História. Um dos professores de Sociologia enriqueceu o projeto com a proposta de possibilitar aos alunos um exercício prático da "administração pública" através do recebimento de uma verba simbólica para cada turma. Neste sentido, os alunos deveriam administrar esta verba, prestar contas da mesma e discutir e trabalhar em cima de suas realidades e das necessidades da turma e da escola, como corpo maior. Era uma proposta que, 8 Aconteceu uma única situação ao longo dos anos. Os textos eram trabalhados antes do pleito eleitoral, na perspectiva de fundamentar o desenvolvimento do projeto e as discussões sobre política. 9 24596 entendíamos, podia ser viabilizada, mas não houve tempo hábil, pelo menos para mim, naquele momento. Não sei se posteriormente se efetivou, caso o projeto tenha continuado. Outro desdobramento do projeto foi o de que os alunos do terceiro ano do Ensino Médio, através de seus representantes, já participavam do Conselho de Classe com os professores, pretendendo-se estender o mesmo para as demais séries. Propunha-se, inclusive pela Direção, a participação dos presidentes como observadores no Conselho Escolar (além dos representantes acadêmicos que já eram eleitos) e nos espaços políticos da Escola, podendo evoluir posteriormente para Assembléias com alunos a partir destas representações. Neste sentido, o projeto foi embrião para um Conselho de Classe participativo, para o fortalecimento da representação dos alunos também no Conselho Escolar e para a compreensão de que, apesar das hierarquias existentes na constituição escolar, era possível um exercício da democracia e, principalmente, de uma gestão mais democrática na perspectiva de discutir a instituição e suas realidades e necessidades. Era um exercício e, como tal, gerou bons frutos, abrindo espaço para outros projetos interdisciplinares e para um, especificamente, chamado de Cine Cult IEEL e que explorou, por duas edições, filmes alternativos e próprios para a discussão das questões pertinentes à Educação. Neste período ainda, tivemos a possibilidade de discutir intensamente e ricamente o Projeto Político Pedagógico da escola, tanto em Grupos de Estudo nas práticas pedagógicas quanto em Assembléias ao longo do tempo, formulando uma opção mais consistente deste importante documento e não, como às vezes acontece, a constituição de uma "colcha de retalhos" que, não raramente, é produzida apenas por algumas pessoas ou membros da equipe pedagógica. Por fim, era o período também das discussões para a CONAE e, mais uma vez, mostrou-se rico o debate e o envolvimento na análise e discussão do documento. Tais experimentações mantiveram-se, sendo depois um pouco mais comprometidas, até o momento em que saímos da escola. Evidentemente, aqui cabe uma observação. Face a uma estrutura de grande amplitude e complicada por fatores alheios muitas vezes à força e a intenção dos professores e ao Projeto Político Pedagógico das escolas, é sempre uma dificuldade para se manter projetos que praticamente recomeçam do zero a cada ano devido ao sucateamento cada vez maior da Escola Pública por gestores cada vez mais alinhados ao capital e não ao que se precisa no âmbito da Educação. É o caso, por exemplo, da volatilidade do corpo docente no âmbito da Educação Básica - com tantos contratos temporários -, o que impede a formação de uma equipe mais coesa e que possa dar continuidade aos trabalhos. Cabe também a ressalva de que muitas vezes ainda, o 24597 reacionarismo dos próprios docentes é mais comprometedor ainda do que as políticas de desmonte que tem permeado a prática dos nossos governantes. Por isso, mudar é sempre um exercício que implica numa radicalidade que não pode estar sujeita à perspectivas sectárias (PAULO FREIRE, 1987). Este é o desafio e, por isso acredito, passa por uma "libertação" da opressão que às vezes nem percebemos que sofremos, como escreve Paulo Freire na sua Pedagogia do Oprimido (1987). Neste contexto, a experiência relatada apresenta-se como uma proposição destes entendimentos e, parece-nos, mostrava-se promissora, pudéssemos ter continuado e amadurecido mais o projeto. Mesmo assim, no seu limite de tempo, caso não tenha continuado ou se "institucionalizado" e "engessado", entendemos que cumpriu um papel importante e produziu momentos ricos naquela instituição e nas relações entre os seus existentes. Vimos muitos professores mudarem suas leituras de mundo, muitos alunos amadurecerem e a constituição de uma boa equipe de trabalho que perdurou por alguns anos. É fato que o desmonte veio, pelo menos em parte, que algumas coisas teriam que recomeçar e que outras esgotaram-se no tempo, que a resistência às mudanças é sempre uma constante e que é difícil vivenciar o espaço político, público, onde se dá a liberdade. Principalmente porque ela não é concessão, mas conquista e exige a ação para que se constitua, no sentido da criação e não apenas da reprodução, da manutenção. Por isso, não manifestamos aqui saudosismo, arrependimento ou frustração, pois entendemos que não temos o controle do processo educativo como se tem o controle de um processo de produção em escala industrial. Tampouco acreditamos que existam fórmulas prontas, ou verdades estabelecidas e determinadas quando pensamos na Educação. Mas, entendemos sim, que somos sujeitos históricos, portanto agentes, capazes de transformar o que parece inexorável em muitos momentos, transformando em possibilidades e potencialidades aquilo que é inerente à nossa condição humana: a capacidade de pensar. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Editora Forense – Universitária. 11. ed. 2010 24598 BRECHT, Bertolt. O analfabeto político. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/poesias/593491. Acesso em: 10/08/2015. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. MENDES, Ademir A. P. et. al. Filosofia: Ensino Médio. Curitiba: SEED-PR, 2006. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/livro_didatico/filosofia.pdf . Acesso em: 10/08/2015.