Sobre o amor e a amizade Eloá Muniz A amizade é o sentimento mais evidente entre as pessoas, independentemente da cultura, credo ou raça. É o único e o mais seguro caminho para a construção da paz. A sociedade contemporânea que estimula o consumo voraz de objetos do desejo poderia incentivar o desejo pelo exercício da amizade como atitude insubordinada ao preestabelecido e, assim, resignificar o social, pois ela representa a forma de excelência moral e é extremamente necessária à vida. Mas a amizade não é somente necessária, ela é dignificante. Numa sociedade midiática, em que o sentimento é descartável, a visibilidade das pessoas amigas de seus amigos e a crença de que a bondade e a amizade se encontram na mesma pessoa é nobilizante, portanto, evidenciar com maior freqüência este comportamento, faria da mídia cumpridora de seu papel social. Quando as pessoas exercitam a amizade entre si, elas não possuem a necessidade de justiça, pois são solidárias, colaborativas e humanas. A forma mais autêntica de justiça é uma disposição amistosa; comportamento abandonado pela educação e desencorajado pela cultura da sociedade contemporânea. Como, então, criar a cidadania? E a auto-estima? A questão da existência de várias espécies de amizade depende do objeto do amor. Há uma tendência imanente na sociedade de parecer que nem todas as pessoas podem ser amadas, sobretudo, merecem ser amadas somente aquelas que apresentam um amor bom, ou agradável, ou útil. O útil é tudo que resulta algum bem ou prazer, portanto, somente o bom e o agradável merecem ser amados objetivamente. O que as pessoas amam: aquilo que é realmente bom, ou o que é bom para elas? Amigos. Ninguém deseja viver sem eles. Os amigos ajudam a evitar erros, amparam durante os momentos de necessidades e estimulam as pessoas à prática de ações significantes quando duas pessoas andam juntas tornam-se mais capazes de pensar e de agir. Na amizade os contrários são parceiros. A harmonia se dá pelas diferenças e tudo nasce do antagonismo. A amizade perfeita é aquela entre as pessoas boas e semelhantes em termos de excelência moral; cada uma das pessoas quer bem à outra de maneira idêntica, porque a outra pessoa é boa, e elas são boas em si mesmas. As pessoas que querem bem aos seus amigos por causa deles são amigas no sentido mais amplo, pela causa da própria natureza dos amigos, e não por acidente; assim, a amizade durará enquanto estas pessoas forem boas, e ser bom é algo duradouro. O amor e a amizade acontecem principalmente entre pessoas semelhantes, por isso são raras, pois a existência desse tipo de amizade pressupõe tempo e intimidade, convívio. A amizade mais sincera é a que existe entre as pessoas boas, pois o amor é uma emoção e a amizade é uma disposição do caráter. Assim, o amor recíproco pressupõe escolhas e a escolha tem origem na disposição do caráter. Gostando de um amigo as pessoas gostam do que é bom para si mesmas, pois a pessoa boa, tornando-se amiga, torna-se um bem para seu amigo. Cada qual ama o seu próprio bem e oferece ao outro uma retribuição equivalente, desejando-lhe bem e proporcionando-lhe prazer. A amizade é igualdade, e ambas se encontram principalmente nas pessoas boas e predispostas ao amor amizade. Dessa maneira, os amigos cuja afeição é baseada no interesse não amam um ao outro por si mesmos, e sim por causa de algum benefício que obtêm um do outro. O mesmo pensamento se aplica àqueles que se amam por causa do prazer; não é por seu caráter que gostamos das pessoas espirituosas, mas porque as consideramos agradáveis. Assim, as pessoas que amam as outras por interesse, amam por causa do que é bom para si mesmas. Ou amam por causa do prazer, pelo que lhes é agradável. Amam a pessoa porque ela é útil ou agradável. Estas são amizades apenas acidentais, pois não é por ser quem ela é que a pessoa é amada, mas por proporcionar à outra algum proveito ou prazer. Estas amizades se desfazem facilmente se as pessoas não permanecerem como eram inicialmente, pois se uma delas já não é agradável ou útil à outra cessa de amá-la, uma vez que a amizade existe apenas como um meio para chegar a um fim. Os amigos que se amam por prazer. São as pessoas espirituosas, amam porque as consideram agradáveis. A amizade por prazer tem alguma semelhança com a amizade por interesse, pois pessoas boas também são reciprocamente agradáveis. Acontece o mesmo em relação à amizade por interesse, pois pessoas boas também são reciprocamente úteis. A amizade pressupõe, então, igualdade e semelhança, especialmente quando as pessoas se identificam pela excelência moral, ética. A amizade ideal é a existente entre as pessoas boas e semelhantes em termos de excelência moral; cada uma quer o bem da outra igualmente, por que a outra pessoa é boa e elas são boas em si mesmas. E por que são boas são úteis e agradáveis. Assim, a amizade entre as pessoas pressupõe a bondade e a excelência moral e a cidadania pressupõe a fortalecimento da auto-estima. A sociedade contemporânea necessita urgentemente, pela educação e cultura, desenvolver novos olhares sobre a relação entre as pessoas e estimular novos conceitos de amor e amizade pelo importar-se com o outro. A construção de novos sentidos para o sentimento de amizade, estimulados pela sociedade midiática, poderá fazer a transformação social pela paz, resignificando o amor.