II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem:
Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
UNIOESTE - Cascavel / PR
AS INTERFERÊNCIAS QUE O CORPO SOFRE NA BODY ART
MAGNANI, Elisangela Furlan Mansano – G (UNIPAN-UNIBAN)1
RESUMO: Este artigo aborda a atuação dos artistas da Body Art, as interferências que
os mesmos realizavam no próprio corpo. A Body Art, ao discutir a relação artista e o
corpo, propõe o corpo como suporte artístico, meio de expressão e de escandalizar o
público. Popularizou-se na década de 1960 com apresentações públicas, por meio de
documentação, de vídeos ou fotografia. A agressividade que choca o público está
presente na obra de artistas como: Schwarzkogler, Vito Acconci, Joseph Beuys entre
outros que chegaram a se mutilarem ou à auto-flagelação. Tem como referencial
teórico: Goldberg, Archer, Argan, Pires, entre outros, que procuram esclarecer as obras,
fazendo uma viagem pelas excêntricas experiências dos artistas já citados. Analisa as
obras da radical artista contemporânea Marina Abramovic, que em seus trabalhos – a
maioria realizada na década de 1970 – pesquisava os limites físicos e mentais do corpo
muitas vezes colocando a sua própria vida em risco. Por meio de uma abordagem
comparativa e crítica, relaciona a Body Art com as tendências artísticas atuais,
enfatizando o corpo como suporte artístico e as novas interferências que ele sofre na
atualidade, especialmente com a Body modification (modificação do corpo), que agrega
acessórios ao corpo, muitas vezes causando sensação de desconforto no público. E por
fim destaca as razões destas tendências artísticas causarem ainda tanta polêmica e
desconforto no público.
PALAVRAS-CHAVE: Corpo, Interferências, Body modification, Público.
1. Introdução
A arte contemporânea revolucionou o modo de fazer e de pensar a arte. Novos
conceitos introduzidos possibilitaram novas formas de produzir arte, fugindo totalmente
da tinta e da tela ou de materiais próprios do fazer artístico. A body art nasce dessa
ruptura com a arte tradicional, como conseqüência direta da action painting de Pollock,
nos anos 1950, e influenciada por Marcel Duchamp, com os ready-mades.
A arte das décadas de 1960 e 1970 buscava enfraquecer o que reprimia a
expressão individual. Protestava amplamente contra a repressão presente nas guerras, na
tortura, na violência, na censura, alienação, puritanismo, capitalismo, machismo e o que
de mais fosse preciso denunciar e modificar. Caracterizava-se pela direta referência ao
corpo do artista, às roupas, objetos pessoais, aos fluidos e fragmentos corporais.
1
Graduanda do Curso de Artes Visuais, da UNIPAN-UNIBAN, Cascavel-PR. Orientação Prof. Ms.
Andrea Pessutti Rampini.
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A body art buscava a transgressão de normas sociais e quebra de tabus,
procurava chocar o público, tirá-lo da sua condição de indivíduo passivo e levá-lo a
reflexão pela investida violenta contra o corpo. A atividade performática potencializa o
corpo; em várias demonstrações os artistas evocam sentimentos e sensações opostas,
“libertando-os das amarras a que os valores culturais, estéticos e sociais o submetem”,
ressalta Pires (2005, p. 132). A performance “é um meio de aumentar a consciência do
público em relação à sua condição de vítima da manipulação – quer pela mídia, quer
pelos próprios performes [...]” (GOLDBERG, 2006, p. 164).
Desde então, conforme Pires,
[...] a utilização do corpo, tanto pela arte como pela publicidade, vem
assinalando um importante crescimento de uma expressiva
diversificação. Para alguns artistas, a partir desse momento não basta
uma arte que retrate o corpo, ou que seja produzida sobre o corpo; ela
tem que ser produzida com o corpo (PIRES, 2005, p. 87).
Atualmente, as interferências no corpo ocorrem por meio de modificações
corporais chamadas body modification (modificação do corpo); são interferências que
agregam acessórios ao corpo e intervém no seu projeto original, sendo que o corpo
passa a sofrer modificações de mais diversas formas, chegando a perder a aparência de
ser humana. A body modification cria novas formas corporais, texturas e cores,
tatuagens e introduzem novos elementos, tornando o corpo diferenciado e
surpreendente. Essas intervenções que o corpo sofreu (com a body art) e ainda sobre
com as modificações corporais são o objeto de estudo deste artigo, que fará uma análise
da obra da artista Marina Abramovic, enfatizando as extremas ações que realiza sobre
seu próprio corpo
2. O corpo como suporte de arte: as origens da body art
Tempos antes do surgimento da body art, Duchamp já havia realizado
intervenções em seu corpo: raspou seu cabelo deixando de forma que na parte superior
formasse uma estrela cadente. Não muito tempo depois se transveste, experimentando o
sexo oposto e ainda se apropria de objetos do cotidiano para experimentações, como os
ready-mades (1910). A apropriação é fato decisivo para o surgimento da body art, pois
com sua universalização, autorizou inclusive a conversão do corpo em obra de arte.
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Jackson Pollock, por sua vez, dispensou os pincéis ao realizar as action
painting; que consiste em colocar sobre o chão uma tela de tamanho maior que o usual,
onde o pintor se movimentava vigorosamente e com movimentos corporais distribuía
respingos que jorravam sobre a superfície da tela, convertendo-a em palco e o artista,
em ator, dando assim caráter cênico a obra, e pelos movimentos expressivos deixava
impresso os resíduos de suas atividades de forma performática.
Pollock faz com que o processo de criação ganhe destaque e desperta
um grande interesse. O fato de várias de suas telas serem executadas
diante de uma platéia transforma o ato de pintar num evento e leva a
arte visual percorrer o caminho das artes cênicas. Dessa experiência
nasce a body art, na qual o artista se coloca como obra viva, usando o
corpo como instrumento, destacando sua ligação com o público e a
relação tempo-espaço. (PIRES, 2005, pag. 69).
A body art surge como uma nova forma de estabelecer relações entre o artista
e o corpo. Uma nova produção artística que rompera com todo o formalismo e
tradicionalismo a que estava predestinada à arte. Pires (2005) enfatiza que na década de
1960 ocorrem dois fatos pertinentes ao surgimento da body art. “O primeiro se refere à
queda dos limites entre as formas tradicionais de representação – pintura, esculturas,
desenho. O segundo, à valorização do corpo, que passa a ser visto como um território,
como um espaço de reterritorização” (PIRES, 2005, pag. 69). Em seu período inicial, a
body art causou repúdio e indignação pela extrema intensidade de suas experiências
audaciosas ou até mesmo devido à insanidade de seus artistas.
Factual, busca na reflexão os limites entre corpo e mente, rejeita e nega os
velhos valores estéticos e por vezes morais pertencentes às práticas artísticas, muitas
vezes interpretadas como representações esdrúxulas e incompreendidas. Sendo
constantemente questionada quanto a determinadas ações que a elevava ao status de
arte.
O corpo deixa de ser objeto de representação e passa a ser suporte de arte,
sendo convertido em material de trabalho. Mostrando a inesgotável capacidade e
criatividade de artistas que se submetem a experimentações das mais variadas que vão
de performances de nudez a autoflagelação, e ainda a situações radicais como: se cortar,
se lambuzar de tinta, comer vidro, beber sangue, levar tiros, enlatar merda ou deixar se
manipular de maneira irrestrita pelo público.
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Perplexo, o público reagia com estranhamento, muitos ficavam chocados. A
body art provocava reações que variavam da repulsa à atração, tendo como efeito uma
ampla reflexão sobre a arte clássica e a produção dos artistas. Tal público indagava-se:
seria a body art apenas uma manifestação grotesca, desprovida de qualquer valor
artístico ou uma forma de arte sociológica, crítica e uma reação ao classicismo artístico?
No entanto, seus defensores evitaram que fossem interpretadas como mero repositório
de experimentações esquisitas, porém desde seu início até os dias de hoje, ela é
freqüentemente incompreendida.
As performances da body art incitam a relevantes discussões envolvendo
direitos humanos e liberdade de expressão. Colocando o corpo em evidência propiciam
um cenário perfeito para diferentes formas de expressão e o que antes passava sem ser
dada importância, adquire um novo valor, já que, a arte dos anos de 1960 tira o corpo da
dimensão do proibido, da repressão, da alienação e tudo antes restrito socialmente e o
coloca na dimensão de agente receptor ativo.
O corpo antes privado, fechado, inviolado, agora é virado e revirado de dentro
pra fora e de cima pra baixo, evidenciando a comida, a digestão, a excreção e a
procriação, bem como o sexo; e muito além, a cabeça que eleva a reflexão.
Parafraseando Pires (2005), tornando o corpo elemento fundamental numa linguagem,
do que antes era privado agora é evidentemente público, onde gestos e marcas
constituem uma gramática e semiótica.
O corpo é desvendado, desembrulhado dos invólucros artificiais.
Representado e apresentado nu. Seus processos biológicos são
desvinculados das atividades sociais e explorado individualmente. A
busca pela extração do prazer contido nas atividades diárias, pela
percepção dos sentidos empregados nessas atividades, pela
humanização das relações. Pela necessidade de fazer que indivíduo se
perceba como corpo físico, não somente como intelecto, o corpo se
fragmenta, se permite ser visto como carne.(PIRES, 2005, p. 134)
Fazendo do corpo uma semiologia da arte que interfere, infere e injeta como
instrumento abrangente de formas de expor reclames dos artistas, que são parte viva
dessa nova linguagem, os artistas utilizam a expressão corporal, levando ao público o
conhecimento dos limites entre corpo, arte e reflexão.
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3. A investida dos artistas contra o corpo na body art
Com intuito de potencializar as ações utilizando-se de seus corpos, muitos
artistas da body art formaram grupos como: Günther Brus e Hermann Nitsch que
pertenciam ao Grupo de Viena. Desenvolveram as chamadas Aktions, uma nova forma
de linguagem, que provocava grande impacto por colocarem a perigo sua integridade
física e desafiarem valores morais, sociais e religiosos envolvendo grande quantidade de
sangue (corante vermelho), excrementos, órgãos sexuais, estripação de animais,
sensação de perigo e agressividade. O grupo acrescentou à arte um caráter blasfemo,
escatológico, violento, ultrajante e de auto-tortura. Para Nitsch, “um modo estético de
rezar” (ARCHER, 2001, p. 111), que tinha por objetivo de criar uma “arte total”, com
intuito de estimular todos os sentidos pelo uso de diferentes linguagens. Pois, “a arte é,
sobretudo um fazer, embora diverso do fazer comum porque suscitado por um furor
interno”, provocando uma agitação no indivíduo que observa (ARGAN, 1995, p. 131).
Outro artista do grupo vienense, Rudolf Schwarzkogler, também realizava
performances ritualísticas. Schwarzkogler usava recursos de vídeo e de fotografia em
suas ações. A “Aktion” que provocou maior repulsa pela violência foi à mutilação de
seu próprio pênis: o chamado “mito de Schwarzkogler”, pois surgiu a falsa notícia que o
artista tinha feito as mutilações e se suicidado em seguida. No entanto, mais tarde
soube-se que os rituais de mutilação não passaram de uma simulação. As ações de
Schwarzkogler geravam polêmica, pois as performances dos acionistas eram tidas como
verídicas. O que levou Schwarzkogler a manipular tal fato? Seria um evidente protesto à
arte institucionalizada, quebrando convenções e morais de sua época, o que de fato, era
seu objetivo.
Performances reais foram questionadas pelos críticos da época (Como Thomas
Mcevilley, em “Art in the Dark” 1983), como a do Francês Yves Klein que criou uma
técnica chamada de antropometria, na qual usava corpos femininos nus, cobertos de
tinta azul, e os utilizava como pincéis para realizar suas obras. Já Piero Manzoni, em
1959, enlatou sua merda e colocou a venda em uma galeria de arte, por seu peso em
ouro. Em 1971, Chris Burden encenou um tiro real em seu braço e se deixou crucificar
ao teto de um automóvel Volkswagem. No ano de 1974, dois performers norteamericanos, em ocasiões distintas, fizeram sexo com cadáveres femininos. Como essas
atividades poderiam ser chamadas de arte? Com qual objetivo? Como Manzoni
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explicaria comercializar merda enlatada a preço corrente de ouro? Para ele, não passava
de “uma referência irônica à disposição do mercado de arte para comprar tudo na
condição de que seja assinado”, levando assim o público a refletir a respeito do
consumismo, do valor que tem uma marca, uma assinatura. Ridiculariza então o poder
do próprio artista, e a idéia de que tudo que fora tocado por ele se transformava em uma
obra de arte. Certamente, uma crítica ao poder agregado por um nome impresso,
elevando tudo e qualquer objeto a obra de arte. Objetos comuns eram transformados em
uma preciosa relíquia se autenticado.
Como em Manzoni, a ironia inerente ao fato de eles concentrarem a
obra de arte em suas próprias pessoas, convertendo-se, eles mesmos,
no objeto de arte, era também um modo sério de manipular ou
comentar as idéias tradicionais sobre arte. (GOLDBERG, 2006, p.
157).
O artista Joseph Beuys não procurava uma arte que se enquadrasse ao mundo,
mas simplesmente queria comunicar de que consistia a arte. Para Beuys:
A escultura deve sempre questionar obstinadamente as premissas
básicas da cultura predominante, esta é a função de toda a arte, que a
sociedade está sempre tentando suprimir. [...] Somente a arte torna a
vida possível – é assim radicalmente que eu gostaria de formulá-la. Eu
diria que, sem a arte, o homem é inconcebível em termos fisiológicos.
(ARCHER, 2001, p. 115)
Beuys em sua performance “Como explicar imagens a uma lebre morta”
(1965), apresenta-se sentado com a lebre no colo, a cabeça besuntada com mel e folhas
de ouro – pois, segundo ele, as lebres entendem melhor que os humanos – enquanto o
público observa por uma janela. Em 1974, realizou em Nova York a performance
“Coiote, Eu gosto da América e a América gosta de mim”; ele estava todo enrolado em
feltro, passou cinco dias em uma cela com um coiote. Uma crítica ao poderio norteamericano pelas questões indígenas e outras nações. Em suas obras materiais como
gordura e feltro são constantemente utilizados, pelo valor que tinham para o artista, pois
durante a II Guerra Mundial, o mesmo sofrera um acidente e fora resgatado e mantido
vivo, besuntado com gordura e enrolado em feltro para ficar aquecido.
O americano Vito Acconci explorava intensamente seu corpo, o território de
sua arte: mordia a si mesmo, esfregava-se contra a parede ou masturbava-se deitado
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sobre uma plataforma. Aborda com freqüência temas ligados a relação homem, sexo,
prazer e desejo. Para ele a arte é uma ferramenta ativista frente à arte institucionalizada.
Em 1971, na obra “Enfeites”, passou três horas conversando com seu pênis ao mesmo
tempo em que o vestia com roupas de boneca. Para Acconci, seu pênis era “como um
colega de folguedo”, descrevendo sua atividade como “Virar-me sobre mim mesmo –
dividindo o meu eu em dois – tentando fazer do meu pênis um ser separado, uma outra
pessoa” (ARCHER 2001, p. 112).
Dennis Oppenheim, artista do autoflagelo, foi apedrejado e se deixou queimar
sob o sol. Seguindo a mesma linha Gina Pane, uma artista de grandes investidas contra
o corpo, que em seus atos extremos no sentido de automutilação, valoriza o gesto, o
movimento do corpo. Com o sofrimento, pretendia acentuar o problema da violência da
vida contemporânea na sua relação com a vulnerabilidade e com a própria passividade
com que o indivíduo enfrenta estes temas. Aproximando-se das orientações estéticas de
outras artistas femininas, a obra de Gina Pane pretende abordar, por meio de sofrimento,
a relação entre os sexos, os tabus, os estereótipos e o problema da dominação
masculina, fazendo nascer uma nova linguagem, em que a marca estampada no corpo
passa a simbolizar o sofrimento.
3.1 Marina Abramovic e a investida contra seu próprio corpo
Marina Abramovic é uma das artistas da body art que mais provocou
estranhamento devido às suas performances. Artista radical, levava seu corpo a
situações extremas de risco de vida, chegando ao limite físico de esgotamento, de modo
a esvaziá-lo e deixá-lo de prontidão para uma experiência espiritual plena. Nos anos de
1970 suas performances, em maior parte foram chamadas de “Ritmos”, devido a um
trabalho anterior com instalações de som. Incluíam autoflagelo como: gritar até ficar
rouca, desmaiar pela exposição prolongada ao forte vento de um potente ventilador,
dançar até cair de esgotamento, ingerir drogas que alterassem a mente e outras
performances perigosas. Fazia das performances uma experiência constante de
investigação dos limites ou das possibilidades do corpo.
Em 1974, em sua performance “Ritmo 0”, uma das mais polêmicas, realizada
na galeria Studio Mona em Nápoles, Itália, a artista colocou-se ao lado de uma mesa
com 72 objetos de provocação: uma arma, uma bala, uma serra, um garfo, uma escova,
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um chicote, um batom, um vidro de perfume, tinta, facas, fósforos, uma pena, uma rosa,
uma vela, água, correntes, pregos, agulhas, tesouras, mel, uvas, gesso, enxofre e azeite,
entre outros. Na parede, um texto que dizia: “Há 72 objetos na mesa que podem ser
usados em mim como desejados. Eu sou o objeto”. Os espectadores eram convidados a
utilizar os objetos como achassem apropriado.
Convidado então a participação, o público sentiu-se livre para agir:
movimentaram-na, pintaram-na, coroaram-na com espinhos, cortaram-na e arrancaram
suas roupas com lâminas. As ações foram interrompidas seis horas depois, quando
Abramovic estava sem suas roupas (que foram arrancadas) sendo forçada a segurar uma
arma carregada, com o cano em sua boca. Suas ações altamente perigosas deixavam
muito da responsabilidade sobre o público. Conforme Archer: “estas responsabilidades
tinham menos a ver com salvá-la dela mesma do que com o ponto maior de que, por
mais empenhado que um artista possa estar, tal empenho tem pouco valor, a não ser que
encontre igual envolvimento por parte do observador” (ARCHER, 2001, p. 114).
Abramovic buscava constantemente testar os limites do corpo e da mente. O
corpo é o terreno fundamental de sensações; prazer, sofrimento, doença e morte se
inscrevem nele. Ela perturba, rejeita e nega os velhos valores estéticos e morais
assumidamente pertencentes à prática artística. Deixa em explícito o caráter audacioso
de suas ações. Para Argan, “a escolha do artista será sempre, inevitavelmente, unívoca e
parcial, condicionada pelas suas preferências de gosto, tendo como finalidade a obra
que está a realizar” (ARGAN, 1995, p. 135),
Em suas performances fica claro seu gosto pelo audacioso, pelo sofrimento e
pelo doloroso ao qual se submete. Com as performances, ela imprimi suas marcas
efêmeras na história da body art. Marina atinge um elevado nível de satisfação frente a
repulsa do espectador, o que a leva a explorar as possibilidades e limites em suas
performances, ao ponto de arriscar a própria vida em favor e uma arte de conteúdo e não
de aparência. Com intuito de despertar no observador a consciência dos limites de cada
um diante do incerto, pois não previa os acontecimentos ao convidar o público para
interferir junto a ela.
4. O novo corpo: body modification
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Criar, recriar, modificar, alterar, perfurar e implantar elementos no corpo são
maneiras de questionar seus próprios limites e que revelam um novo corpo alterado em
sua expressão natural. Assim é a body modification: um estilo, uma idéia, uma
necessidade de se apropriar do corpo físico e igualar-se à capacidade de se modificar,
passando do aspecto físico natural a um invólucro artificial.
Há várias semelhanças entre a body art e performances e as alterações
corporais da body modification, porém ambas se diferenciam pelo fato de que na body
modification, a relação corpo-objeto é independente da relação tempo-espaço. “O
sujeito é o objeto e não deixará de ser, independente do tempo e do espaço em que se
encontra” (PIRES, 2005, p. 138-139). As performances da body art possuíam caráter
efêmero, já na body modification, o evento não se reduz ao tempo da exposição ou
apresentação, mas o tempo de exposição é o tempo de vida do indivíduo. O espaço não
é mais aquele destinado à performance, mas agora o espaço destinado às modificações é
composto por todos os ambientes em que o adepto a body modification circula.
Interessante é que a maioria dos adeptos às novas formas de expressão, nasceram na
época em os artistas da body art faziam suas performances, em sua maioria, expunham
o corpo a ferimentos e dor.
Erik Sprague, adepto a body modification, vem alterando seu corpo com
freqüência. Ele faz uma análise de nossas personalidades, de modo que “se
conscientemente deixássemos nosso lado animal se extravasar, muito de nosso
comportamento não seria obscuro para nós” (PIRES, 2005, p. 140). Se ligarmos o que
somos com o que desejamos ser, conseguimos conectar uma unidade entre realidade e
desejo, entre concreto e o imaginado, que conseqüentemente aumenta a auto-estima e
potencializa nossa capacidade de agir, evidenciando verdadeiramente o eu interior.
Buscando alcançar uma unidade entre corpo e mente, Erik pretende com as marcas
corporais se transformar em um homen-lagarto. Sua transformação estética ocorre de
forma ciente e planejada, com implantes que dão volume tridimensional nas
sobrancelhas; além de alongar e bifurcar a língua, lixou os dentes da frente para que
ficassem pontiagudos e, gradativamente, vem tatuando escamas que são preenchidas
com a cor verde, por todo seu corpo. Erik trás em suas interferências corporais uma
necessidade de unificar sua essência e seu físico. Suas apresentações são requintadas,
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com inovações sempre ultrapassando limites físicos que provocam estranhamento, mas
segundo Erik, não por causa da aparência, mas por ideologia e crenças.
Como Erik, outros performes também planejam modificações com objetivo de
assemelhar-se com animais. Horace Ridler, em 1943, transformou-se em homem zebra
e Priscilla Davanzo, gradualmente vem adquirindo tatuagens baseadas em manchas de
vacas holandesas, já que, seu projeto é transformar-se em uma vaca. O projeto intitulado
“As vacas comem duas vezes a mesma comida”, frase retirada de um poema de Arnaldo
Antunes, enfatiza que as vacas têm essa capacidade e só retiram o que é necessidade
para suas vidas. Ela faz uma analogia entre a alimentação dos seres irracionais e dos
seres racionais, onde o nutrir-se que as mantém vivas é distintos. Para Davanzo, “Não
digerimos as idéias que recebemos dos livros e filmes; apenas as consumimos sem
refletir”. A artista vai mais além, pois na parte superior de suas costas tem duas formas
elípticas feitas em branding (queimadura ferro) como cicatrizes de remotas asas que lhe
teriam sido arrancadas (PIRES, 2005, p. 144). Seu objetivo é provocar uma reflexão
sobre a primazia da espécie humana em relação às outras espécies.
Estes e outros adeptos ao body modification fazem interferências que vão desde
introduzir assessórios ao corpo, à tatuagens, piercings, implantação de próteses a
escarificações – onde a pele é removida para que formem cicatrizes no formato
desejado. As tatuagens de diferentes formas, tamanhos e cores estão cada vez mais
comum e são usadas por qualquer pessoa, independente de ser um artista; sem falar na
febre dos piercings, freqüentemente inseridos em pessoas de todas as idades e sexo, nos
mais diversos lugares, como nos órgãos genitais, que além da estética tem sua parte
funcional, provocando sensações inusitadas. A body modification tem provocado
sensação de desconforto no observador pelo aspecto de mutilação, sofrimento e dor,
ainda não compreendido por aqueles que não fazem parte desse mundo de alterações
corporais, o mundo do novo corpo.
5. Considerações Finais
As experimentações da body art fazem com que o artista veja o corpo como
parte integrante da obra, sendo o público/espectador sujeito ativo na obra, pois podiam
interferir. No entanto, muitos dos artistas adeptos a body art, por suas expressões
extremas, foram perseguidos porque agrediam a moralidade social da época;
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conseqüência da arte que leva a reflexão das condições sociais a que os sujeitos se
dispõem é defendida por artistas polêmicos, que buscam respostas críticas de existência
social.
Atualmente, nos deparamos com um crescente número de técnicas e dos
adeptos das modificações corporais, ou body modification, que são cada vez mais
divulgadas, assimiladas e colocadas em prática por um número maior de pessoas. As
body modifications recebem conotação diferenciada, mas ainda provoca repulsa, pelo
fato de descaracterizar o físico e a estética humana. Os adeptos da expressão extrema da
body modification configuram-se um descompasso entre o corpo e o entorno. Transmite
de modo preciso, o que desejam por se destacarem simbolicamente, por se tratar de um
meio concreto de exprimir visualmente uma mensagem, são pensamentos que são
transmitidos por uma linguagem física.
Modificações como marcas corporais colocam em questão valores de uma
sociedade, que por vezes impõem um modelo estético padrão determinado, como ideal
de aceitação. Assim o corpo passa a contar a história do individuo, não apenas pelas
marcas do tempo expressos na pele, articulações e coordenação motora, mas sim
aquelas feitas conscientemente com intuito de registro intencional. Possuir adornos
corporais traz ao sujeito o poder. No entanto, um poder individual ou reconhecido
apenas por aqueles adeptos dessas práticas.
Os artistas da body art são assim considerados diferentes, no ato de sua
performance. Como nas obras de Marina Abramovic, que chocam pelo extremo
radicalismo em ações de sofrimento, dor, esgotamento e deixar-se submeter à
manipulação pelo público como melhor o conviessem. Com performances efêmeras,
apenas quem estava presente poderia refletir a respeito dos limites entre o corpo e a
mente presente na ação, o que se difere da body modification, que choca pela
transmutação do corpo ao implantar objetos externos a esse corpo. Os adeptos a body
modification serão reconhecidos constantemente pelos adornos e acessórios
incorporados por todo o espaço-tempo que ocuparem, pois são marcas que não se
deixam passar despercebido pelo público.
Nos dias atuais, as modificações corporais ainda geram muito desconforto em
quem as observa, pelo fato de objetos ou porções externas estarem agregadas a um
corpo que perde suas características naturais, que por vezes são consideradas totalmente
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fora dos padrões estéticos sociais, dos quais a busca pela beleza leva a modificações por
meio de processos cirúrgicos. Esses processos, em sua maioria, são de implantes de
silicone ou de retirada, como lipoaspiração, moldando corpos que também perdem seu
projeto original, mas se encaixam num padrão totalmente aceitável para época. Nota-se
que num meio consumista, influenciado pela mídia, cada vez mais as pessoas
recorrerem a esses processos, visando o bem estar individual numa aceitação de estética
perfeita, de busca real para uma satisfação individual.
Referências bibliográficas:
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. Trad. Alexandre Krug,
Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Coleção A)
In ARGAN, G. C. Arte e critica da arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance: do futurismo ao presente. Trad.
Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2006. (Coleção A).
PIRES, Beatriz Ferreira. O corpo como suporte de arte: piercing, implante,
escarificação, tatuagem. São Paulo: Senac São Paulo, 2005.
GODOY, Vinícius Oliveira. Violência e tragédia: A arte na margem do dizível.
Disponível
em:
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/10564/000599690.pdf?sequence=1
Acesso em: 30/ago/2010
SILVA, Priscilla Ramos da. O ataque ao Corpo na Body Art.
Disponível em: http://www.iar.unicamp.br/extensao/aperfartesvisuais/priscilla01.pdf
Acesso em: 15/ago/2010
SANTOS, José M. P. Breve histórico da “Performance Art” no Brasil e no mundo.
Disponível em: http://www.revistaohun.ufba.br/01_Artigo_Ze_Mario_Ohun_4.pdf
Acesso em: 22/ago/2010
ISSN 2178-8200
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as interferências que o corpo sofre na body art