Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 79 O Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense: Contribuições para a História da Educação Eva Maria Siqueira Alves* Igor Pereira Teles** R e s u m o João Paulo Gama Oliveira*** E ste artigo analisa o processo de constituição do Centro de Edu- cação e Memória do Atheneu Sergipense – CEMAS, criado no ano de 2005. Registra as etapas realizadas e projeta as ações a serem desenvolvidas na perspectiva de atingir a natureza e os objetivos delineados na pesquisa que conta com o apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC/SE). Tece ainda considerações sobre o papel relevante que a massa documental inventariada abre de possibilidades para rever a memória educacional e social do Atheneu Sergipense que é parte significativa da memória do Estado de Sergipe. PALAVRAS-CHAVE: Atheneu Sergipense; Centro de Educação e Memória; História da Educação; Sergipe. * ** *** Eva Maria Siqueira Alves é Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Educação e Licenciada em Matemática pela Universidade Federal de Sergipe; é professora do Mestrado em Educação e do Departamento de Educação da UFS e líder do Grupo de Pesquisa “Disciplinas Escolares: História, Ensino, Aprendizagem” (GPDEHEA). E-mail: [email protected] Igor Pereira Teles é graduando em História pela UFS, bolsista PIBIC/COPES, membro do GPDEHEA. E-mail: [email protected] João Paulo Gama Oliveira é graduando em História pela UFS, bolsista PIBIC/ CNPq, membro do GPDEHEA. E-mail: [email protected] 80 Eva Maria Siqueira Alves; Igor Pereira Teles; João Paulo Gama Oliveira 1. O Início – a caracterização do problema Folgo de registrar aqui a agradavel impressão que sinto ao visitar este notavel instituto de ensino. Tanto pela sua organização e ordem interna, pelo modo como é dirigido, pela excellencia do pessoal docente, como pela propriedade do mobiliario e de todos os apparelhos escolares; julgo que o Atheneu Sergipense é um estabelecimento, no governo, modelar; e deve ser um justo motivo de ufania e orgulho para Sergipe,Estado pequeno, sim, pelo território, mas dos maiores da união pelo espírito do seu povo. Rocha Pombo, 25 de agosto de 1917. As palavras consignadas por Rocha Pombo assemelham-se às de outros personagens da época que, ao visitarem o Atheneu Sergipense, registraram eloqüentemente suas impressões, imortalizando a si mesmos e as imagens daquela instituição. Mas qual o motivo do manifesto entusiasmo? O que havia de especial naquela casa de ensino? Quem eram seus professores e alunos? Quais os cursos e cadeiras disponibilizados? Por que de lá saíram vultos que se projetaram no panorama político e social? Tais indagações instigaram Alves (2005) a adentrar no Atheneu Sergipense, tomando-o como objeto da pesquisa. Relata ainda a autora que, localizadas as primeiras fontes e após percorrer os trâmites legais do processo de apresentação da pesquisa e da pesquisadora, ao chegar ao arquivo do Atheneu Sergipense, encontrou uma razoável organização de pastas, cadernetas, documentos em ordem cronológica. Informaram de outro local, a famosa “sala da banda”. Era uma sala na parte superior da escola, medindo aproximadamente 3m x 2m, com estantes de ferro, onde estavam cuidadosamente organizados os instrumentos musicais da banda escolar. A predileção aqui era semelhante à do Diretor Aristarco do Atheneu de Raul Pompéia. Havia também um armário de ferro com as cadernetas e diários dos professores. E os “papéis velhos”, os “documentos sem valor?” Estes estavam jogados, amontoados em um ex-banheiro anexo à sala. Duas estantes de Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 ferro, em estado mais deteriorado que a dos instrumentos musicais, uma quinquilharia de objetos misturados, vassoura, papelão, cartazes de isopor, e a poeira do tempo... “Espanejando a poeira que testemunha sua antiguidade e seu abandono pelos homens... e ouvindo ‘cuidado, tem gente aqui!’” (Slenes, 1985, p. 173), Alves (2005) privilegiou o período a ser estudado (1870-1908), organizando a documentação, porém sem deixar de verificar a riqueza de fontes de outros períodos, subsídios para uma gama de futuras pesquisas. Do ponto de vista de Febvre (1949): A história fez-se, sem dúvida, com documentos escritos. Quando há. Mas pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se não existirem. Faz-se com tudo o que a engenhosidade do historiador permite utilizar para fabricar o seu mel, quando falta flores habituais: com palavras, signos, paisagens e telhas; com formas de campo e com más ervas; com os eclipses da lua e arreios; com peritagens de pedras feitas por geólogos, e análises de espadas de metal, feitas por químicos. Em suma, com tudo o que, sendo próprio do homem, dele depende, lhe serve, o exprime, torna significante a sua presença, atividade, gostos e maneiras de ser (apud Le Goff, 2003, p. 107). Tentando superar o deslumbre diante da farta documentação e adotando a perspectiva que vê o passado como construção e reinterpretação constante (cf. Le Goff, 2003), foram catalogados os documentos localizados do arquivo do Atheneu Sergipense. O arquivo para Mogarro (2005) constitui-se no “núcleo duro da informação sobre a escola, corresponde a um conjunto homogêneo e ocupa um lugar central e de referência no universo das fontes de informações que podem ser utilizadas para reconstruir o itinerário da instituição escolar” (Mogarro, 2005, p. 77). Arquivos, Centros de Memória e Museus Escolares têm sido criados no Brasil, objetivando a guarda e a socialização de variados documentos relativos à His- O Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense 81 tória da Educação Brasileira. Embora essa se constitua a razão maior da criação dos Centros de Memória, infelizmente a iniciativa às vezes decorre das dificuldades enfrentadas por pesquisadores que, ao buscarem as fontes nas instituições objeto de suas pesquisas, deparam-se muitas vezes com um emaranhado e largado conjunto de documentos, sem qualquer organização e acondicionamento. atividades lá realizadas quanto a preservação e organização de acervos escolares. A partir dessa visita foi elaborado o projeto “Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense”, aprovado em janeiro de 2005 e contemplado com cinco bolsistas do Programa de Iniciação Científica Júnior – FAP-SE/CNPq, iniciando as atividades em agosto de 2005 e entendendo como Belloto (2002) que: O Centro de Memória da UNICAMP, o Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação da USP, o Núcleo de Documentação e Memória Centro Cultural Professor Waldemar Saffioti / UNESP Araraquara, o Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade da UFRJ, são exemplos de grupos de pesquisas que, além de abrigar, organizar e conservar a memória histórica desenvolve pesquisas referentes à educação brasileira, ganhando visibilidade para além muros. Documentos de arquivo são testemunhos inequívocos da vida de uma instituição. Informações sobre o estabelecimento, a competência, as atribuições, as funções, as operações e as atuações levadas a efeito, por uma entidade pública ou privada, no decorrer de sua existência, estão registradas nos arquivos. De outro lado, também demonstram como decorrem – e decorreram – as relações administrativas, políticas e sociais por ela mantidas, tanto no âmbito interno como no externo, sejam com outras entidades de seu mesmo nível, ou com as que lhe são, hierarquicamente, superiores ou inferiores. (Belloto, 2002, p. 9). Em Sergipe, incipiente tem sido tal iniciativa que, quando ocorre, provém do empenho pessoal de alguns abnegados e interessados na preservação da memória e da história das instituições pesquisadas. Conforme Alves (2003), durante o ano de 2002 o Atheneu Sergipense passou por uma reforma na estrutura do prédio. Em agosto de 2003, o Atheneu foi reinaugurado com o título de “Centro de Excelência”, denominação que provocou artigos na imprensa de Sergipe, questionando e criticando a ação do governo. Foi destinada uma sala para o arquivamento da documentação que, embora não totalmente organizada, diferenciou-se bastante da anterior. Em março de 2004, necessitando de sala, a direção transferiu a documentação para a “copa” da escola. Era um espaço apertado, escuro, sem organização, inclusive com instalações de uma pia, na qual freqüentemente funcionários entram para lavar as mãos. Pelo exposto, este artigo objetiva analisar do CEMAS as etapas realizadas (levantamento da documentação, exposição comemorativa, higienização, acondicionamento) e projetar as ações a serem desenvolvidas com o acervo produzido pelo Atheneu Sergipense, instituição oficial de estudos secundários de Sergipe, abrangendo o período de 1870 a 1950, de modo a preservar, disponibilizar e criar informações necessárias para a construção de um banco de dados, um catálogo de fontes, que possibilitem subsidiar análises de interesses diferenciados para os pesquisadores que tomem essa massa documental, como instrumento de referência. Mas a massa documental da instituição que se encontrava em condições de risco, não poderia ficar organizada unicamente para um pesquisador. Assim entendendo, foi visitado em 2004 o “Centro de Memória da Educação” da USP, de modo a conhecer as 2. O porquê do Atheneu Sergipense A criação de um Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense justifica-se pela posição relevante que a instituição desempenhou como agência Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 82 Eva Maria Siqueira Alves; Igor Pereira Teles; João Paulo Gama Oliveira produtora e irradiadora de práticas e padrões pedagógicos, projetando vultos de destaque no panorama político e social e que prestaram benefícios incalculáveis em todas as profissões e atividades que desempenharam. O Atheneu Sergipense, instituição oficial de estudos secundários de Sergipe, criado a 24 de outubro de 1870 no Governo do Presidente Tenente Coronel Francisco José Cardoso Júnior, quando a cidade de Inácio Joaquim Barbosa completava seus quinze anos, ofereceu inicialmente os cursos de Humanidades, com quatro anos de duração e o Normal, feito em dois anos. O Inspetor Geral da Instrução Pública à época era Manuel Luiz Azevedo d’Araujo que empenhou-se com a criação do Atheneu. Ao longo dos anos o Atheneu Sergipense foi introduzindo novas cadeiras, suprimindo outras, e defendendo um método de ensino que estabelecesse conexões diretas entre a teoria e a prática. A preocupação com o lado prático, utilitário, suscitou modificações na estrutura dos cursos, não só quanto ao tempo de duração, mas também quanto aos compêndios, cadeiras e carga horária a elas destinadas, implantou biblioteca, gabinetes e outros elementos necessários para uma formação satisfatória. Uma singularidade do Atheneu Sergipense é a existência concomitante dos dois cursos: o de Humanidades e o Normal, idealizado por Manuel Luiz, defensor da necessidade de centralizar as aulas de Humanidades e as do curso Normal em um só “estabelecimento publico de linguas e sciencias preparatorios”, com professores lecionando ao mesmo tempo nos dois cursos, em horários estabelecidos para funcionarem as cadeiras em dias alternados. Se o fato dos cursos estarem juntos no Atheneu Sergipense indicava um avanço para época, uma vez que, por exemplo, as Escolas Normais do Rio de Janeiro, São Paulo e Piauí foram criadas como cursos Normais separados dos cursos de Humanidades, muitos foram os problemas daí decorrentes. As dificuldades geradas por essa dupla, mista e fragmentada função, tais como a indisciplina dos alunos, a baixa freqüência, a ausência de autonomia dos cursos e a falta de professores provocaram querelas não só nas reuniões da Congregação, mas também Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 fora dos limites internos, com publicações de artigos na imprensa local. As lutas e negociações desencadearam momentos de separação dos cursos em prédios distintos, chegando ao ponto da desativação do Curso Normal, como também do seu restabelecimento, mostrando, pela insuficiência dos resultados – conforme Relatórios dos Diretores –, não haver sido essa uma confluência profícua. Não se pode falar do Atheneu Sergipense sem se reportar ao Curso Normal, da mesma forma que as pesquisas sobre a Escola Normal precisam fazer referências ao Atheneu Sergipense. Infere-se com isso que a instituição é o Atheneu Sergipense e a Escola Normal tem a sua gênese no Curso Normal. As pesquisas de Alves (2005) indicam que ao longo dos anos o Atheneu Sergipense sofreu variadas denominações: Atheneu Sergipense (1870), Lyceu Secundário de Sergipe (1881), Escola Normal de Dois Graus (1882), Atheneu Sergipense (1890), Atheneu Pedro II (1925), Atheneu Sergipense (1938), Colégio de Sergipe (1942), Colégio Estadual de Sergipe (1943), Colégio Estadual Atheneu Sergipense (1970), e atualmente Centro de Excelência Colégio Atheneu Sergipense (desde 2003). No entanto, mesmo sofrendo modificações significativas de instalação, denominação, tempo, tipos dos cursos oferecidos e quadro de professores, conforme a legislação e o período, o Atheneu Sergipense tentou manter-se fiel aos seus principais objetivos: ministrar uma instrução secundária, de caráter literário e científico, necessária e suficiente de modo a proporcionar à mocidade subsídios para matricular-se nos cursos superiores, como também para desempenhar variadas funções na sociedade. Como qualquer outra instituição, o Atheneu Sergipense produziu e produz uma massa documental que testemunha sua história, quer com documentos do arquivo corrente, quer com a documentação histórica acumulada no “arquivo morto”. Para Zaia (2005), a maior motivação para a organização de um centro de memória dentro de uma instituição, é reunir O Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense documentos de diferentes suportes, formatos e tipos documentais, recolhidos no “arquivo morto” da escola, recebidos através de doações, permuta e acumulados durante o desenvolvimento da pesquisa. Preservar a massa documental acumulada nesses anos de funcionamento do Atheneu Sergipense justifica a envergadura da pesquisa, além de oportunizar aos pesquisadores de hoje e do futuro, manusear o rico acervo, de modo a desencadear investigações (já iniciadas) dentro de pelo menos quatro eixos de pesquisa: História do Ensino Secundário; História das Instituições; História dos Intelectuais e História das Disciplinas Escolares, com possibilidades de sub-projetos de pesquisas dentro dos eixos temáticos. 3. A Metodologia e os Resultados Alcançados É diverso, disperso e extenso o acervo documental histórico do Atheneu Sergipense, decorrentes de suas atividades tanto administrativas como pedagógicas. São atas da congregação, livros de matrículas, mapas de freqüências, correspondências recebidas e expedidas, provas de concursos, registro de visitantes e festividades, dentre outras preciosas documentações. Declara Moraes (2005): As atividades administrativas são atribuições específicas da secretaria, do departamento pessoal, da tesouraria e da diretoria. A sala de aula, ao lado da oficina, constituem os principais locais de desenvolvimento das atividades pedagógicas, onde são produzidos materiais relacionados à situação de ensino-aprendizagem – materiais de uso didático e artefatos técnicos, além de registros sobre classes e sobre cada aluno individualmente (Moraes, 2005, p. 119). No entanto, a precária, ou nenhuma organização do acervo do Atheneu Sergipense é incontestável, sendo por vezes até extraviados, dificultando as pesquisas. Ademais, cientes estamos que organizar é construir uma ordem. Assim, o exercício de organização do arquivo histórico do Atheneu Sergipense ampara- 83 se em autores como Moraes (2002; 2005), Bellotto (2002; 2004) e Zaia (2004; 2005), com um procedimento metodológico de cunho historiográfico deslocando-se pelas seguintes etapas: 1. Aprofundamento bibliográfico: partindo do levantamento bibliográfico inicial, busca-se constantemente aprofundar conceitos intrínsecos à pesquisa (em andamento); 2. Exposição comemorativa: de modo a apresentar para a sociedade, traços significativos da memória dos 135 anos do Atheneu Sergipense foi realizada no período de 24 de outubro a 5 de dezembro de 2005 no hall do Atheneu, a exposição que contou com o apoio financeiro da extinta FAP/ SE (hoje FAPITEC/SE). O projeto foi apresentado ainda à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Sergipe, que disponibilizou, por meio do Museu do Homem Sergipano, as professoras Terezinha Alves e Verônica Nunes. As referidas professoras, juntamente com o professor de História do Atheneu, Wilembergue Rodrigues Oliveira, fizeram parte da comissão organizadora do evento, planejando com bastante dedicação cada etapa da exposição. O Museu do Homem disponibilizou para a exposição variados materias, como expositores de vidro, colunas, divisórias. Indicou ainda dois alunos estagiários do Museu, para monitorar a exposição, que apresentou os seguintes módulos: Na entrada da exposição o visitante contemplou um amplo mapa localizando os diferentes locais de instalação do Atheneu Sergipense. Ao ser criado, em 1870, o Atheneu localizou-se em uma casa alugada, um local inadequado para as aulas. Com algumas contribuições dos cidadãos sergipanos, novo local foi destinado ao Atheneu, onde hoje é o prédio que abriga a Câmara de Vereadores. Necessitando ampliar o espaço, o Atheneu Sergipense mudou-se para a Rua de Boquim (Praça Camerino) por volta do final do século XIX. Em 1926 um prédio situado na avenida Ivo do Prado foi erguido para abrigar o Colégio. No ano de Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 84 Eva Maria Siqueira Alves; Igor Pereira Teles; João Paulo Gama Oliveira 1950, ampliando o número de alunos, o Atheneu transferiu-se para a praça Gracho Cardoso, aí permanecendo até o momento. Instalado festivamente a 3 de fevereiro de 1871, o Atheneu Sergipense passou por diferentes denominações que o visitante observou na exposição. Compondo as peças documentais do primeiro módulo, esteve exposto o primeiro livro de Atas da Congregação do Atheneu (1871 a 1916), o livro comemorativo do 1o centenário da escola e um livro de correspondências do Liceu de São Cristóvão, datado do ano de 1848. O 20 módulo, “O Corpo Discente: Anima da Escola” retratou os alunos, a vida, a alma. Ser aluno do Atheneu constituía-se orgulho daqueles que lá ingressavam após rigoroso processo seletivo. Gentil Tavares da Motta, primeiro aluno do Atheneu a receber o Grau de Bacharel em Ciências e Letras, em 22 de março de 1911, quando estudante fundou o jornal “O Necydalus”, órgão defensor dos interesses da classe estudantil. Formando-se depois em Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da Bahia, voltou ao Atheneu como professor de Geometria Descritiva. As ações estudantis deslocavam-se por ministrar aulas noturnas para adultos, reunir-se em agremiações, organizar desfiles, torneios, festas, redigir jornais. Compuseram a coleção desse módulo, símbolos que retratavam a vida discente daqueles que buscavam enrijecer as asas para os grandes vôos: livros, cadernos, cadernetas, fardas, livro de punições. São as ordens e os meios disciplinares para manter o Atheneu Sergipense dentro das normas de conduta estabelecidas internamente e cobradas pela sociedade. Os objetos escolares foram cedidos por ex-alunos que ao observarem a exposição, transportavam-se aos tempos mágicos do colégio, as brincadeiras, os namoricos, às farras as escondidas e tudo isso aflorava num arrepio quando a sirene tocava, num olho cheio de lágrimas ao ver sua antiga farda ou até sua velha fotografia exposta. O 30 módulo intitulado “A Douta Congregação”, retratou o corpo docente, os professores, os diretores. As peças selecionadas pela comissão organizadora para Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 esse módulo foram: caderneta de professor, um dos regulamentos do Atheneu, instrumentos dos laboratórios e teses de concursos. Os professores para ingressarem no Atheneu Sergipense faziam provas escrita, oral e prática, além de apresentar uma tese sobre assunto sorteado da matéria. O primeiro quadro docente foi composto por professores escolhidos pelo Governo, mas que traziam experiências no magistério em outras localidades. Cuidavam os professores por escolher bons livros para adotarem nas aulas, faziam excursões, exigiam bastante estudo dos seus alunos, desenvolvendo aulas teóricas e práticas, de modo a suscitar conhecimentos literários e científicos. A exposição contou ainda com o apoio da Secretaria de Estado da Educação, Biblioteca Pública Epifâneo Dórea, Biblioteca Pública Clodomir Silva, Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Embora o projeto tenha sido apresentado em tempo hábil a instituições que comumente patrocinam eventos culturais, lamentavelmente delas não obtivemos retorno nem atenção. Só contamos com recursos financeiros da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Sergipe. Driblamos o diminuto recurso reestruturando o evento. O descaso e desinteresse por parte de alguns professores do Atheneu Sergipense foi o obstáculo mais desgastante. Mas a exposição atendeu o seu objetivo. Além do folder ilustrativo dos módulos, o visitante recebia também um folheto com instruções de como aproveitar melhor o evento, tornando-se assim um momento não só de conhecimento histórico, mas também suscitando uma reflexão de como portar-se em uma exposição. A alegria e emoção dos visitantes, o empenho e dedicação dos monitores fizeram da exposição o seu ponto maior. Embora os monitores estivessem aptos a descreverem os módulos, relataram que muitas vezes eram os visitantes, antigos alunos e professores que narravam suas histórias e emoções. Foi, portanto uma ampliação do conhecimento, com as críticas e sugestões apresentadas. O Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense Ainda durante a exposição foi lançado o livro “Atheneu Sergipense: traços de uma história”, (Alves, 2005), patrocinado pela Petrobrás, Sintese, Prefeitura de Aracaju, Funcaju. Especialmente para a coordenação do evento, apresentar para a sociedade momentos da história do Atheneu Sergipense, devolver parte do aprendido na pesquisa do doutorado, foi um grande ganho pessoal e profissional e mostra-nos a necessidade de um contínuo pesquisar. 3. Levantamento do acervo: a metragem inicial encontrada no arquivo do Atheneu Sergipense mede 71 metros, ficando dividido em 19 metros de documentação catalogada e 52 metros de material não pertencente ao período do estudo. Para inventariar o conjunto documental dentro do período de 1870 a 1950, foi elaborada uma ficha de identificação contendo os itens: Título do Documento; Data / Período; Autor; Dimensão; Tipo (transcrição / original); Suporte / Formato; Conteúdo; Número de Folhas; Observações. Até o momento foram inventariados aproximadamente 517 fichas de documentos dos tipos: Livro das Correspondências do Lyceu de São Cristóvão (1848 a 1851); Livro das Atas da Congregação do Atheneu Sergipense (1871 a 1916); Nomeação de Professores, Diretores e Outros Cargos (1904 a 1940); Correspondências Recebidas (1916 a 1922; 1917 a 1923; 1924 a 1927; 1928 a 1937); Correspondências Expedidas (1916 a 1922; 1922 a 1932). Quanto às documentações referentes ao Corpo Docente encontram-se: Inscrição de Concursos (1909 a 1947); Atas de Concursos (1926 a 1930). Relativo ao Corpo Discente há livros registrando: Matrículas (1o, 2o, 3o, 4o e 5o ano do Curso Ginasial, 1907 a 1933); Registro de Alunos da Instrução Militar (1927 a 1933); Exames de Promoção (1922 a 1927); Atas de Exames (Admissão, Promoção, Preparatórios); Lançamento de Notas (1927; 1928 a 1932; 1931 a 1934); Atos de Portarias (1916 a 1943). Como Outras Modalidades há: Livro de Festividades e Eventos (1908 a 85 1935); Livro de Visitas (1916 a 1951); Diário Oficial do Estado de Sergipe (1928 a 1939). Esse conjunto de múltiplas informações refletem a “própria multidimensionalidade e complexidade das realidades escolares e formativas, assim como a diversidade e pluralidade dos meios de intervenção dos agentes educativos” (Mogarro, 2005, p. 83). É a massa acumulada que persistiu em não desaparecer do Atheneu Sergipense. 4. Higienização e acondicionamento: a higienização e o acondicionamento dos documentos são processos fundamentais, embora trabalhosos e morosos, para a preservação do acervo de modo a mantê-lo em estado de uso. Assim todo o acervo levantado tem passado por um processo de higienização dentro dos cuidados básicos apontados por Zaia (2004) (em fase de conclusão). Após a limpeza estes serão armazenados em caixas com identificação (em andamento). 5. Elaboração do Catálogo de Fontes: deverá ser elaborado e impresso um Catálogo de Fontes do Atheneu Sergipense, contendo os documentos catalogados e as informações descritas no item 3 deste. 6. Digitalização: o acervo documental deverá ser digitalizado para ser utilizado nas consultas e os originais preservados, garantindo acesso dessa documentação para pesquisas futuras. 7. Cabe dizer que integrou a equipe do CEMAS, no período de 2005 a 2007, cinco alunas do Atheneu Sergipense – bolsistas do Programa de Iniciação Científica Júnior (PBICJ/ FAPITEC/ CNPq), e que no momento participam das pesquisas alunos do curso de História da UFS. Cabe dizer que o CEMAS é coordenado pela professora Eva Maria Siqueira Alves e integram a equipe, cinco alunas do Atheneu Sergipense - bolsistas do Programa de Bolsas de Iniciação Científica Júnior Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 86 Eva Maria Siqueira Alves; Igor Pereira Teles; João Paulo Gama Oliveira (PBICJ), os signatários desse artigo - estudantes do Curso de História da UFS e duas alunas do curso de História da UFS dentro do projeto de pesquisa aprovado pelo PICVOL/UFS. Um outro dado a apresentar como resultado significativo é constatar que o precioso arquivo do Atheneu Sergipense tem suscitado e amparado pesquisas de Mestrado, Iniciação Científica e Monografia, além de diferentes artigos apresentados em eventos científicos, que investigam aspectos relacionados ao corpo discente e docente, aos métodos educacionais, aos concursos, a história das disciplinas escolares, ampliando e renovando sobremaneira a produção acadêmica. Se apenas por esse ângulo olhássemos, já teria alcançado êxito a organização do Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense. 4. Considerações Partindo de uma dificuldade individual no levantamento dos documentos necessários para a tese de doutorado sobre o Atheneu Sergipense, Alves (2005) buscou meios para cambiar esse quadro, de modo a disponibilizar, pela constituição do CEMAS dados que possam dar consistência aos estudos da história da Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 79-88, jan./jun. 2008 educação brasileira e de modo próprio e singular a educação sergipana. Os documentos catalogados refletem indubitavelmente a estrutura, o funcionamento, a vida daquela Casa de Educação Literária, mas que necessitam ser cruzados com outras fontes de diferentes natureza, tipologia e suporte, às vezes não produzidas por ela, e que se encontram no exterior da escola, como adverte Mogarro (2005) e Moraes (2005). A conclusão (provavelmente parcial, pois a cada momento novas investigações são suscitadas) do projeto com a digitalização, elaboração do catálogo das fontes e a construção da página virtual, poderá sem dúvida abreviar o tempo gasto pelos pesquisadores nas investigações documentais. Direcionando o texto na dupla perspectiva, a de relatar o processo de constituição do CEMAS, apresentando metodologicamente os resultados alcançados, assim como apontar a potencialidade desse acervo documental, com o compromisso de torná-los fontes de estudos e pesquisas, concluímos almejando que o “Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense” aqui exposto incentive instituições públicas e privadas a salvaguardarem suas fontes documentais, preservando a memória da educação brasileira e sergipana. O Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense 87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Eva Maria Siqueira. Atheneu Sergipense – um Centro de Excelência? Jornal da Cidade. 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