A TRAJETÓRIA ESCOLAR DE ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS ORIUNDOS DE CLASSE ESPECIAL
Taísa Grasiela Gomes Liduenha Gonçalves- UEL
INTRODUÇÃO
O objetivo da pesquisa foi analisar o processo de escolarização de alunos da
Educação de Jovens Adultos (EJA) oriundos de classes especiais. Especificamente
buscamos compreender os sentidos atribuídos por estes alunos à sua trajetória escolar.
Historicamente a educação de pessoas com deficiência foi implementada em
espaços segregados de ensino, fundamentalmente em instituições e em classes especiais.
Tais espaços são marcados por seu distanciamento do ensino regular no que se refere
aos objetivos, métodos e conteúdos de ensino (Meletti, 2009).
O entendimento era o de que havia a necessidade de segregar o aluno com
deficiência, prepará-lo e integrá-lo ao sistema regular de ensino. A partir da década de
1970 temos a ampliação das classes especiais nas escolares regulares que passam a
representar um espaço intermediário entre uma condição segregada e uma integrada,
ainda que com o objetivo de segregar para preparar. No entanto, Ferreira (1995, p.7)
destaca que isso ocorria como se fosse possível “abstrair a pessoa portadora de
deficiência de seu contexto social, „consertá-la‟ ou torná-la menos diferente, e depois
devolvê-la a este contexto de forma que não haveria ou haveria menos motivo para
estigmatizá-la ou excluí-la.”
A partir da década de 1990 é observada uma tendência em fechar as classes
especiais. Bueno et al (2005) mostram que alguns estados brasileiros seguem esta
recomendação e outros não. No caso do Paraná, as classes especiais são mantidas na
rede estadual de ensino e em algumas municipais.
No que se refere ao trabalho
pedagógico desenvolvido, Meletti (2009) aponta para a manutenção dos alunos em
classes especiais até a idade que permite o encaminhamento para a EJA.
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
A pesquisa foi realizada em uma escola de EJA em dois momentos distintos: o
primeiro, cujo objetivo foi identificar quais alunos da EJA eram oriundos de classes
especiais; o segundo, que buscou analisar os sentidos atribuídos por alunos da EJA à sua
trajetória escolar.
Para a identificação dos alunos oriundos de classe especial utilizamos como
instrumento de coleta de dados um questionário, aplicado nos 132 discentes que
frequentavam a escola na ocasião da pesquisa, composto por questões objetivas sobre a
trajetória escolar do aluno.
Identificamos que dos 132 alunos: 7 freqüentaram instituições especiais; 1
frequentou classe especial e instituição especial; e 1 cursou classe especial.
O segundo momento da pesquisa foi realizado com os dois alunos que
freqüentaram classes especiais: José e Rita (pseudônimos).
Rita tem 22 anos, iniciou sua vida escolar em Curitiba (PR) em uma classe
especial, aos sete anos. Também freqüentou instituições especiais, escola regular e EJA.
José tem 19 anos, começou a estudar aos 6 na primeira série, onde permaneceu
por 6 anos. Depois foi encaminhado para a terceira série, onde ficou 2 anos e, em
seguida, freqüentou a classe especial por 4 anos. Após um ano sem frequentar escola foi
para a EJA.
Para a realização desta etapa utilizamos a entrevista recorrente conforme
proposto por MELETTI (2003).
Foram realizadas três entrevistas individuais com cada participante, no próprio
local onde estudavam na ocasião da pesquisa. Todos os cuidados éticos foram tomados.
As entrevistas foram registradas em áudio gravador, que garantiu a transcrição
integral do conteúdo. Em seguida foram formadas as falas que posteriormente
agrupamos de acordo com os assuntos tratados por cada participante. O critério de
formação das falas foi a mudança imediata de assunto no relato dos participantes. Após
o agrupamento das falas organizamos a segunda entrevista de acordo com os assuntos
tratados por cada participante.
Para a segunda entrevista apresentamos a organização dos dados em forma de
narração e falamos para cada participante que eles podiam acrescentar, mudar, tirar o
que quisessem. Esta entrevista foi conduzida conforme os diferentes assuntos
abordados.
Na última entrevista ocorreu a reapresentação cumulativa dos dados. Rita e José
confirmaram os dados lidos e disseram que não tinham mais informações.
Em seguida reorganizamos as falas segundo os temas abordados por cada
participante. Os temas abordados e analisados estão descritos no Quadro I.
TEMAS
CATEGORIAS
- Atividades
CLASSE ESPECIAL
- Relação professor- aluno
- Encaminhamento
CLASSE REGULAR
- Relação professor- aluno
- Visão da Instituição Especial
INSTITUIÇÃO ESPECIAL
- Rejeição
- Atividades
- Relação professor-aluno
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)
-Atividades
- expectativas
Quadro I: Relação de temas e categorias de análise.
A análise foi feita com base nos pressupostos da Análise de Conteúdo
(BARDIN, 1970).
RESULTADOS
No que se refere às atividades realizadas na classe especial, Rita descreve
aquelas desenvolvidas em sala de aula e fora da escola.
Fazia informática, educação física, artes, pintura, artesanato,
pintava pano de prato. Quando era época de páscoa a gente fazia
ovo de páscoa, fazia negócio de natal. Fazia monte de coisa lá (Rita,
Entrevista 1).
Comenta também sobre os passeios realizados.
A gente fazia um monte de coisa lá, passeava, ia na casa dos colegas,
da professora. A professora fazia visita na casa da gente pra ver
como que era. Cada semana a gente ia na casa de uma pessoa pra ver
os colegas da classe. Aí no outro ia na casa de outro colega e daí a
casa minha ficou por última, aí eu fui na minha casa. Aí depois eu fui
na casa dos professores (Rita, Entrevista 2)
Para José as atividades da classe especial eram:
...as coisa lá era assim muito fraca. Eu queria coisa mais difícil
assim, entendeu? (José, Entrevista 2)
As atividades realizadas indicam a manutenção de um distanciamento daquilo
que alunos das classes regulares vivenciam. Merece destaque a realização de artesanato,
de passeios sem fins pedagógicos, atividades elementares.
A relação entre professor- aluno segundo Cartolano (1998) poderá colaborar
para a redução da segregação e da exclusão dos diferentes. Rita em suas falas sempre se
refere ao docente, ficando nítido o espaço e o peso deste na vida escolar da educanda:
porque eu não lia certo e ela ficava brigando, brigando. Ela gritava,
eu não sabia ler, eu não aprendia. (Rita, Entrevista 1)
José relatou que devido a seus problemas de saúde permaneceu 5 anos na
primeira série do ensino regular. Com uma idade avançada em relação aos outros
educandos da primeira série, José foi encaminhado para a terceira série. Ele considerou
a decisão dos profissionais da educação incorreta:
aí depois me jogaram pra 3ª, não pode fazer isso, e foi muito ruim,
ta loco. Pra você passar pra outra série você tem que estar lendo já,
lendo e escrevendo certinho. (José, Entrevista 2)
No que se refere ao processo de aprendizagem em sua trajetória escolar Rita
comentou:
não aprendi nada lá onde que eu tava (Instituição Especial) nem na
escola normal, então eu falei assim: ah! Então se é assim vamos
parar. Deu nisso também fiquei parada. (Rita, Entrevista 2)
Para Glat et. al. (2006) a insuficiente capacitação e preparação dos professores
que atuam com educando que têm necessidades especiais é talvez a maior barreira em
relação ao processo de inclusão. Rita afirmou que:
a sala normal era mais... bom pra mim, na sala especial foi mais
ruim porque a professora gritava comigo, e na sala normal a
professora foi mais boa pra mim (Rita, Entrevista 3)
José declara que no ensino regular:
tinha bastante dificuldade, não conseguia fazer as coisas, os
trabalhos (José, Entrevista 2)
Com relação à permanência na instituição especial, Rita declarou que não gostou
de estudar neste espaço, pois “tinha muito deficiente mental, gente que gritava e
chorava: gente doidinha” (entrevista 2) e a aluna não se considerou pertencente aquele
ambiente.
Relata ainda que após ter ido neste local,
não conseguia comer, nem dormir, dormia só lembrava que ia voltar
lá. Aí acordei no outro dia e disse: Ah! Mãe não quero mais saber
mais não, não volto mais pra lá não... Lá não fazia matéria, lá só
tinha educação física, educação artística, aula de pintura e de canto
(Rita, entrevista 2)
Com relação à experiência na EJA, José e Rita afirmam que estão gostando. O
primeiro disse que já consegue escrever e na leitura tem muita dificuldade
aqui é melhor, eu consigo fazer as coisas que a professora dá,
escrevo certinho (José, Entrevista 3 )
Rita valoriza muito a relação professor – aluno nesta modalidade educacional e
comenta:
as professoras são muito legais, são simpáticas, são boazinhas (Rita,
Entrevista 1)
Em ambos os relatos é possível apreender o sentido de que a experiência na EJA
é vivenciada como educacional, não só por considerarem os professores simpáticos, mas
fundamentalmente por vivenciarem experiências de ensino e de aprendizagem, ainda
que com os limites presentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa permitiu conhecer o sentido da trajetória escolar destes alunos da
EJA oriundos de classes especiais.
Vale destacar que a trajetória escolar segregada denota a não inserção em
processos efetivos de escolarização, pelo menos no sentido por eles atribuído. Isto
parece se alterar com a experiência no nível elementar da EJA. Paradoxalmente, o
sentido de escolarização está presente na modalidade educacional que deve se ocupar
daqueles que não tiveram acesso à escola na idade regular. No caso de Rita e José o
acesso e a permanência foram garantidos, mas a experiência de escolarização não.
REFERÊNCIAS
AMARAL, L. A. Pensar a Diferença/Deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, 1994.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1970.
BUENO, J. G. S. ; FERREIRA, J. R. ; BAPTISTA, C. R. ; NEPOMUCENO, I. ;
KASSAR, M. C. M. ; FIGUEIREDO, R. V. . Políticas de Educação Especial no Brasil:
estudo comparado das normas das Unidades da Federação. Revista Brasileira de
Educação Especial, Marilia, v. 11, n. 1, p. 97-117, 2005.
CARTOLANO, M. T. P. Formação do educador no curso de pedagogia :a educação
especial. Cadernos Cedes A Nova LDB e As Necessidades Educativas Especiais,
Campinas/SP, v. 46, p. 29-40, 1998.
FERREIRA, J. R. A exclusão da diferença: A educação do portador de deficiência. 3ª
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GLAT, R.; PLETSCH, M.; ANTUNES, ANTUNES, K. C. V. & OLIVEIRA, M. C. de.
A educação especial no paradigma da inclusão: a experiência da rede pública municipal
de educação do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p.01-13 2006. Disponível em
http://www.eduinclusivapesq- uerj.pro.br/livros_artigos/pdf/endipe1.pdf . Acesso em:
05/08/2009
MELETTI, S. F. O relato oral como recurso metodológico de pesquisa em educação
especial. In: Maria Cristina Marquezine; Maria Amélia Almeida; Sadao Omote. (Org.).
Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Editora UEL, 2003, v.01,
p.01-10.
MELETTI, S. M. F. A inclusão de alunos com necesidades educacionais especiais no
município de Londrina – PR. Londrinal, UEL, Relatório de pesquisa, 2009.
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