Cimento Portland versus Ligantes Geopoliméricos Considerações econômicas sobre as implicações do mercado de carbono no custo dos concretos Sumário Com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, teve início um novo paradigma de crescimento econômico que se consubstancia na promoção de um conjunto de mecanismos penalizadores das atividades econômicas com maiores emissões de carbono, como é o caso da indústria cimenteira. Com este artigo, pretende-se avaliar as consequências do comércio de emissões de carbono, na viabilidade do desenvolvimento de ligantes do tipo geopolimérico, alternativos ao cimento Portland e caracterizados por baixas emissões. http://www.geopolymer.com.br Cimento Geopolimérico 1. Introdução O comércio de emissões de carbono em janeiro de 2005, veio contribuir para que se iniciasse uma nova forma de contabilização dos custos dos materiais, imputando-lhes o seu custo ambiental beneficiando os materiais considerados “ecologicamente amigáveis” e penalizando os materiais responsáveis por elevados níveis de emissões como é o caso do cimento Portland. A ameaça da alteração do clima na Terra, responsável nas últimas décadas por inúmeras catástrofes naturais que resultaram em perdas de milhares de vidas e vultuosos prejuízos econômicos, é um dos grandes desafios ambientais a que a sociedade atual tem que fazer face. Para essa ameaça muito contribuem as emissões de gases, responsáveis pelo aumento do efeito estufa, sendo o dióxido de carbono um dos gases que mais contribuem para esse aquecimento com 60% do total. Gases provenientes fundamentalmente do uso intensivo de combustíveis fósseis, da deflorestação e da indústria do cimento, que é o responsável por 5% das emissões mundiais de CO2. A produção de cimento não é possível sem a emissão de CO2, através da descarbonização do calcário (CaCO3), quando incinerado conjuntamente com argilas, aproximadamente a 1450 ºC, para a produção do clínquer de acordo com a seguinte reação: 3CaCO3 + SiO2 ==> Ca3SiO5 + 3CO2 de acordo com a qual, a produção de 1 tonelada de cimento, gera 0,55 tonelada de CO2 de origem química, a que acrescem 0,39 tonelada de CO2 por tonelada de cimento devido ao uso de combustíveis fósseis para a produção de energia necessária a fabricação deste material, o que equivale a afirmar simplificadamente que durante a produção de 1 tonelada de cimento, se produz igualmente 1 tonelada de CO2 (o que constitui 7 vezes mais que o nível de emissão na produção dos ligantes geopoliméricos). http://www.geopolymer.com.br 2 Cimento Geopolimérico Atualmente, a indústria cimenteira produz cimentos com substituição parcial por subprodutos de características pozolânicas, como as escórias e as cinzas volantes, de modo a reduzir o seu nível de emissão e o seu custo. O potencial de redução de emissão obtido dessa forma é, no entanto, segundo alguns investigadores, bastante limitado. Neste contexto, a comunidade científica não tem poupado esforços no sentido de tentar desenvolver ligantes alternativos ao cimento Portland capazes de um melhor desempenho, quer em termos ambientais ou mesmo em durabilidade, mas que não conseguiram até agora afirmar-se como substitutos efetivos, devido em parte mas fundamentalmente ao baixo custo do cimento Portland. Em 9 de março de 2005 as licenças de emissão de CO2, estavam sendo negociadas em 10,7 euros por tonelada métrica. Contudo é previsível que esse valor tenha tendência de elevação no futuro, havendo inclusive alguns cenários que apontam para valores entre 23 a 38 euros por tonelada de CO2, o que constitui 27% a 45% do custo do cimento Portland, o que torna necessário analisar de que forma este aumento previsível de custo para este tipo de ligante, em virtude da sua carga poluente, reduz a sua competitividade comparativamente a ligantes do tipo geopolimérico responsáveis por uma emissão em menor nível. Fig. 1 - Evolução do aumento de temperatura global média com o nível de concentração de CO2 atmosférico http://www.geopolymer.com.br 3 Cimento Geopolimérico 2. Análise de custo dos concretos A tabela I apresenta a composição e a resistência à compressão de quatro tipos de concretos. Dois são do tipo geopolimérico (GA e M9), e os dois restantes são concretos à base de cimento Portland; um deles tem na sua composição cimento tipo I da classe 42,5 com substituição de 60% de cimento por cinzas volantes (CV60), e o outro é um concreto corrente da classe C20/25, à base de cimento tipo II da classe 32,5 (PPC). Tabela I - Concretos: Composição e resistência à compressão http://www.geopolymer.com.br 4 Cimento Geopolimérico A tabela II apresenta o custo dos concretos, aos quais se quantificou somente os materiais com IVA já incluso, a 19%. Portanto, o custo da mão de obra representa apenas uma pequena parte do custo global do concreto e que se pode considerar invariável nos diferentes tipos de concretos apresentados, já que se considerou, simplificadamente, que todos teriam a mesma trabalhabilidade, o que não sucede. O custo é apresentado por metro cúbico e também em termos de razão custo/resistência. Tabela II - Custo dos concretos (só materiais) Pode constatar-se da análise da tabela II, que em termos do custo por m3, os concretos de base geopolimérica são mais caros que os concretos à base de cimento Portland. O concreto geopolimérico M9 de menor custo é 74% mais caro que o concreto tradicional CV 60 de maior custo. A explicação, reside fundamentalmente no custo dos ativadores alcalinos, que representa em relação ao custo global, 83% no concreto GA e 71% para o concreto http://www.geopolymer.com.br 5 Cimento Geopolimérico M9, o que quer dizer que o custo dos precursores é quase irrelevante, não sendo possível conseguir reduções no custo final através de reduções neste material. Uma solução mais correta será a de se atuar ao nível da quantidade do ativador e da concentração da molaridade do hidróxido de sódio, como aconteceu entre os concretos GA e M9, em que essa alteração originou uma redução de 62% no custo por metro cúbico. Aliás, as investigações atuais no domínio dos ligantes geopoliméricos incidem bastante sobre a questão dos ativadores, procurando melhorar o desempenho dos existentes, quer em termos das suas propriedades quer em termos do seu custo, através de melhorias na economia de sua produção. Em termos de custo por MPa no entanto, as diferenças já são menos expressivas. Nesse caso o concreto de base geopolimérica M9 com o custo menor, tem um custo somente 8% acima do custo do concreto tradicional PPC de menor custo. Contudo o concreto tradicional CV60 de custo mais elevado apresenta um custo 28% superior ao do concreto geopolimérico M9 de menor custo. As figuras 2 e 3 mostram de que forma um aumento do custo do cimento Portland pode influenciar na competitividade dos concretos executados com este ligante face aos seus equivalentes de matriz geopolimérica, já que, em virtude do contexto da economia do carbono, as empresas terão que começar a imputar ao custo dos materiais que produzem, o custo da sua poluição. Em termos de custo por metro cúbico o panorama, só começa a se alterar a partir de um aumento do custo do cimento acima dos 100%, o que quer dizer que tão cedo dificilmente o cimento Portland perderá a sua competitividade. http://www.geopolymer.com.br 6 Cimento Geopolimérico No entanto se a análise for feita em termos de razão custo/resistência, para um aumento do custo do cimento de aproximadamente 50%, os ligantes geopoliméricos já se tornam uma alternativa efetiva. Além disso deve ser também levado em conta que a utilização de concretos com resistências superiores às convencionais, permitem consideráveis reduções do consumo de aço e do próprio consumo de concreto, por redução da seção. Mencionam reduções na ordem de 50% no consumo de aço em pilares e de 33% no consumo de concreto, para um aumento de 3 vezes da capacidade resistente do concreto. O mercado de concreto pronto é caracterizado pelo uso generalizado de baixas classes de resistência, o que constitui um obstáculo aos ligantes de alto desempenho (sendo respectivamente 35% no intervalo (15-25 MPa), 55% no intervalo (25-35 MPa) e somente 10% acima dos 35 MPa). É importante frisar que, não foram objeto de contabilização a favor dos ligantes geopoliméricos, o fato destes terem uma vida útil muito mais longa, de permitirem a colocação das estruturas em serviço muito mais cedo, reduzindo de forma substancial o prazo de conclusão das obras e também ao fato de por serem constituídos por resíduos, permitindo economias em termos de taxas de deposição, cujo custo é tendenciosamente crescente. http://www.geopolymer.com.br 7 Cimento Geopolimérico Fig. 2 – Evolução do custo do concreto por metro cúbico com o aumento do custo do cimento Portland Fig. 3 – Evolução da razão custo do concreto/resistência com o aumento do custo do cimento Portland http://www.geopolymer.com.br 8 Cimento Geopolimérico Cimento Portland versus ligantes geopoliméricos 3. O cimento Portland Patenteado em 1824 por Joseph Aspdin, o cimento Portland deve o seu nome às suas semelhanças com um calcário extraído na região de Dorset (Inglaterra) e designado de Portland. Embora tenha sido o ligante por excelência do século 20, devido em grande parte à sua versatilidade, à abundância de recursos naturais para a sua fabricação, e ao seu relativo baixo custo, o cimento Portland padece no entanto de alguns inconvenientes em termos de durabilidade. Como já reconhecia Sousa Coutinho, “..a sua elevada alcalinidade torna-o um material instável...pelo que a sua duração não será muito longa..”. Apresenta-se uma descrição sucinta das desvantagens dos ligantes de cimento Portland: • Elevado grau de emissões de CO2 ( 1 tonelada por cada tonelada de cimento) • Elevado consumo energético na fase de fabricação, com temperaturas de clinquerização da ordem dos 1450º C • Concretos com vida útil que correntemente não ultrapassa os 60 anos • Concretos sem qualquer resistência ao ataque de ácidos • Concretos com resistência ao fogo quase nula • Concretos com elevada condutibilidade térmica • Concretos com considerável permeabilidade à penetração de agentes agressivos • Concretos sensíveis à ação da carbonatação • Concretos sensíveis ao ataque de cloretos • Concretos sensíveis à ocorrência de reações expansivas do tipo álcali-agregado • Necessidade de utilização de agregados com granulometrias bem graduadas. http://www.geopolymer.com.br 9 Cimento Geopolimérico 4. Ligantes geopoliméricos Embora usualmente designados como ligantes geopoliméricos, são também designados como ligantes obtidos por álcali-ativação, ou cimentos alcalinos. Em termos históricos este tipo de ligante, foi objeto de intensas análises por parte de investigadores do Leste da Europa. Contudo, somente em 1978 foi quando Joseph Davidovits introduziu o termo “geopolímero”, tendo patenteado o produto das suas investigações sobre a polimerização do metacaulim, é que a temática dos ligantes alcalinos sofreu uma inflexão, quer em termos da qualidade da investigação produzida, quer em termos de divulgação midiática, o que justifica a vulgarização do termo “geopolímero”, à semelhança do que aconteceu com o termo “cimento Portland” nos cimentos tradicionais. Em termos físicos, os ligantes obtidos por álcali-ativação, compreendem fundamentalmente duas etapas, uma de dissolução da sílica e alumina da matéria-prima, quando misturada com uma solução alcalina (ativador) e outra de policondensação e endurecimento dos produtos de reação numa estrutura polimérica. http://www.geopolymer.com.br 10 Cimento Geopolimérico Tabela III – Resenha histórica sobre alguns acontecimentos importantes acerca de cimentos obtidos por álcaliativação e cimentos alcalinos Autor Ano Descrição Feret 1939 Cimentos com escórias Purdon 1940 Combinações álcalis-escórias Glukhovsky 1959 Bases teóricas e desenvolvimento de cimentos alcalinos Glukhovsky 1965 Primeiros cimentos alcalinos Davidovits 1979 Termo “ Geopolímero” Malinowski 1979 Caracterização de aquedutos milenares Forss 1983 Cimento tipo F (escórias – álcalis – superplastificante) Langton e Roy 1984 Caracterização de materiais em edifícios milenares Davidovits e Sawyer 1985 Patente do cimento “ Pyrament “ Krivenko 1986 Sistemas R2O – RO - SiO2 - H2O Malolepsy e Petri 1986 Ativação de escórias sintéticas Malek. et al. 1986 Cimentos de escórias com resíduos radioativos Davidovits 1987 Comparação entre concretos correntes e concretos milenares Deja e Malolepsy 1989 Resistência ao ataque de cloretos Kaushal et al. 1989 Cura adiabática de ligantes alcalinos com resíduos nucleares Roy e Langton 1989 Analogias dos concretos milenares Majundar et al. 1989 Ativação de escórias – C12A7 Talling e Brandster 1989 Álcali-ativação de escórias Wu et al. 1990 Ativação de cimento de escórias Roy et al. 1991 Pega rápida de cimentos ativados alcalinamente Roy e Silsbee 1992 Revisão sobre cimentos ativados alcalinamente Palomo e Glasser 1992 Metacaulim com CBC Roy e Malek 1993 Cimento de escórias Glukhovsky 1994 Concretos milenares, modernos e futuros Krivenko 1994 Cimentos alcalinos Wang e Scrivener 1995 Microestrutura de escórias ativadas alcalinamente http://www.geopolymer.com.br 11 Cimento Geopolimérico Ao nível fenomenológico, alguns investigadores afirmam que existem dois modelos distintos de álcali-ativação: • No primeiro modelo, um bom exemplo é o da ativação de escórias de alto-forno, um material com uma elevada percentagem de óxido de cálcio, que ao ser ativado com soluções alcalinas de baixa ou média concentração, origina produtos de reação do tipo silicato de cálcio hidratado (C-S–H). • No segundo modelo, o material composto quase exclusivamente por sílica e alumina, é ativado por soluções alcalinas bastante concentradas originando-se uma reação de polimerização que foi patenteada por Davidovits. De acordo com os trabalhos deste investigador, os ligantes geopoliméricos a partir do precursor metacaulim, apresentam uma série de vantagens sobre o cimento Portland: • Redução de emissão de CO2 até 6 vezes menos que o cimento Portland • Concretos com resistências mecânicas relativamente elevadas e obtidas em poucas horas • Concretos com baixa condutibilidade térmica • Concretos com capacidade de imobilização de metais pesados • Concretos com resistência a altas temperaturas (Fig. 4) • Concretos resistentes ao ataque químico (Fig. 5) • Concretos imunes à reação alcáli-sílica (Fig. 5) Os ligantes geopoliméricos podem utilizar como matéria-prima qualquer material inorgânico constituído por sílica e alumina e que tenha sido sujeito a um tratamento térmico que torne o material amorfo (mais reativo). As investigações de Davidovits recomendam no entanto que se respeitem determinadas razões atômicas, para se obterem resultados ótimos quer ao nível mecânico quer ao nível da durabilidade. http://www.geopolymer.com.br 12 Cimento Geopolimérico Fig. 4 – Perda de resistência com o aumento de temperatura em concretos à base de cimento Portland e de cimento geopolimérico Fig. 5 – Perda de peso após ataque ácido, em concretos à base de cimento Portland e de cimento geopolimérico Fig. 6 – Reação álcali-sílica. Medição da expansão em argamassas à base de cimento Portland e de cimento geopolimérico http://www.geopolymer.com.br 13 Cimento Geopolimérico Desta forma podem ser utilizadas como matérias-primas para os ligantes geopoliméricos, cinzas, escórias, ou até mesmo resíduos de minas e pedreiras, mesmo contendo metais alcalinos. Apesar das inúmeras vantagens descritas, os concretos à base de ligantes geopoliméricos apresentam no entanto alguns inconvenientes tecnológicos comparativamente aos concretos tradicionais, que a investigação atualmente procura solucionar como: • Um nível de retração ligeiramente superior • Uma trabalhabilidade bastante baixa, originada pela elevada viscosidade das soluções alcalinas com baixos teores de água, que os superplastificantes usuais não conseguem resolver; • Uma elevada dependência das condições de cura, seja em termos da necessidade de impedimento da evaporação, quer em termos de se obterem resultados físicos melhorados com curas a temperatura elevadas. A nível mundial, a investigação na área dos ligantes geopoliméricos, centra-se hoje quase exclusivamente sobre as cinzas volantes (ver Fig. 7), devido à elevada quantidade que é produzida anualmente (600 milhões de toneladas), estimando-se que apenas 14% desse volume seja reaproveitado. Havendo inclusive resultados muito promissores em termos do desenvolvimento de dormentes pré-fabricados para linhas ferroviárias. Fig. 7 – Concretagem de pilar com concreto geopolimérico à base de cinzas volantes http://www.geopolymer.com.br 14 Cimento Geopolimérico 5. Conclusões A indústria cimenteira mundial é um dos grandes responsáveis pela emissão de elevadas quantidades de dióxido de carbono. Por outro lado, o cimento apresenta sérias deficiências em termos de durabilidade. Desta forma assumem-se como alternativas a este material, aqueles que sejam menos poluentes e mais duráveis. Os ligantes geopoliméricos constituem-se como um produto inovador alternativo ao cimento Portland, quer em termos ambientais, devido às suas baixas emissões, quer ao fato de poderem ser produzidos a partir de resíduos, quer mesmo em termos da sua inequívoca superior durabilidade. A maior desvantagem dos concretos à base de ligantes obtidos por álcali-ativação, reside no fato de apresentarem um custo substancialmente superior aos concretos correntes à base de cimento Portland. Não existem, no entanto estudos que permitam quantificar quais as variáveis que expliquem as diferenças entre os dois tipos de ligantes e onde futuras investigações, possam alcançar reduções significativas. Os concretos correntes são atualmente materiais com custos extremamente competitivos, devido ao baixo custo do cimento Portland. Contudo os elevados níveis de emissão de CO2, gerados na produção deste ligante e também o fato de recentemente ter entrado em vigor o mercado de emissões de carbono, fará com que o custo deste material venha, em médio prazo, a englobar o seu custo ambiental. Este fato reduzirá consideravelmente sua competitividade face ao aparecimento de ligantes mais “ecologicamente amigáveis”, como são os ligantes geopoliméricos. Em curto prazo é possível antecipar cenários em que se efetivem penalizações crescentes às empresas que emitam elevadas quantidades de CO2, o que levará inevitavelmente a um aumento da competitividade dos ligantes geopoliméricos. http://www.geopolymer.com.br 15