FEVEREIRO / MARÇO DE 2002 - ANO VI - NO 41
A BABEL E O PENTECOSTES
Os desentendimentos que assolam a humanidade
contemporânea tornam presente a imagem da Torre de
Babel. A arrogância, a prepotência e a ambição
humanas tinham o desejo de construir uma torre que
chegasse aos céus. Os valores que moviam os construtores
da torre foram os mesmos que estabeleceram um
irreconciliável desentendimento entre eles. A construção
da torre fracassou.
Não é apenas uma comparação, mas os construtores do
mundo neoliberal são movidos pelo mesmo espírito de
arrogância, prepotência e ambição. Não é apenas uma
comparação, é uma realidade. Por isso a humanidade
contemporânea gera tantos pobres, miséria, guerras,
terrorismo, fome, sede, destruição da natureza, mesmo
tendo o potencial tecnológico para construir a vida e a
paz que nenhuma outra geração humana teve. De que
adianta o potencial técnico se as pessoas não se
entendem, falam línguas diversas que não se
comunicam? Enquanto a dominação se sobrepor à
fraternidade, nenhum aparato técnico será suficiente
para construir a paz.
A UNIÃO DOS POVOS
DA TERRA.
A união dos povos da terra é
inevitável. Ou ela se dá como
“solidariedade”, ou se dá como
“dominação”. Veja o que pensam os
“povos da terra” que se reuniram na
Via Campesina durante o Fórum Social
Mundial.
CONJUNTURA DA TERRA.
O TRABALHO
EM PARCERIA
O trabalho em parceria é uma das
características da CPT. Você pode ler uma
experiência de trabalho desse jeito de
trabalhar no relato da CPT de Itabuna em
NOSSO TRABALHO.
O Pentecostes vem do Fórum Social Mundial. Mais de
50 mil pessoas, falando línguas diferentes, vindas de
países diferentes, com religiões diferentes, com culturas
diferentes, são capazes de se entender porque são
movidas pelos valores da democracia, do respeito às
NÃO AO IMPÉRIO
diferenças, da justiça e da paz. Em cada conferência,
MUNDIAL
em cada seminário, em cada oficina estava a busca ou
de uma “economia solidária”, “de água para todos”,
“de paz para todos”, “de novos valores”, assim por
Nem sempre a unidade é uma virtude. A
diante. Por isso nós, com nossos grandes sonhos e dispersão pode ser a conquista da liberdade.
pequenas iniciativas, estamos juntos nessa caminhada. Uma leitura surpreendente da Torre de Babel
Não se trata de idealizar o Fórum Social Mundial como
por Frei Luciano Bernardi.
algo mágico. Ele aponta para um sonho, já plantado
COLUNA BÍBLICA.
como uma semente em algum canto de nosso pequeno e
lindo planeta. Nada está pronto, ao contrário, o
caminho da paz é árduo e passa pelas pedras. Mas, sem
dúvida, ele indica que “um outro mundo é possível”.
A União dos Povos da Terra
O melhor espaço
de discussão para saber da
situação da terra em nível mundial
- durante o Fórum
Social Mundial - foi a reunião da
Via Campesina. Esse encontro
não fazia parte do espaço oficial
de discussões. A CPT, como
membro da Via Campesina, levou
seus agentes principalmente para
esse espaço. Quem é que estava
lá?
“Somos diversos mulheres e homens,
jovens e adultos,
c a m p o n e s e s c a m p o n e s a s ,
p e s c a d o r e s p e s c a d o r a s ,
moradores da cidade,
os e as trabalhadoras,
desempregados,
e s t u d a n t e s ,
profissionais,
migrantes,
povos
indígenas e gente de
todas as crenças,
cores e orientações
sexuais. A diversidade
é nossa força e sua
expressão é a base de
nossa unidade”.
Lá estavam, portanto, o MST, MAB,
PJR, CPT, movimentos do campo de
toda a América Latina e de outras
partes do mundo. É claro que nos
espaços oficiais houve também
discussão da questão da terra, como
a oficina sobre “Reforma Agrária de
Mercado”, “Soberania Alimentar”,
além de outras. A Via Campesina,
porém, não se restringiu em discutir
as questões da terra. Discutiu a
globalização comandada pelo capital
e as conseqüências para os povos.
Uma das conseqüências nesse mundo
globalizado é que as lutas locais terão
que ter, sempre que possível,
dimensão global. Por isso, quando o
documento final da Via Campesina se
refere às questões da terra, afirma:
“Água, terra, alimentos,
bosques,
sementes,
culturas e as identidades
dos povos são patrimônio
da humanidade para a
presente e as futuras
gerações. Neste sentido, é
fundamental preservar a
biodiversidade. Os povos
têm direito a alimentos sãos
e permanentes sem
organismos geneticamente
modificados. A soberania
alimentar em âmbito
nacional, regional e local é
um direito humano básico e
consegui-lo é a chave para
uma reforma agrária
democrática que garanta o
acesso das camponesas e
camponeses à terra”.
A “luta pela terra”, aos poucos, vai
adquirindo esse sentido mais amplo
de luta pela “água, alimentos sadios,
variedade de sementes, como da
cultura e identidade dos povos”. É
bonita a afirmação que esses
elementos são “patrimônio da
humanidade para a presente e as
futuras gerações”. A reforma agrária,
então, não é apenas a conquista de
algum pedaço de terra para essa ou
aquela família, mas o resgate da terra
como “espaço de vida”, não apenas
enquanto meio de produção, embora
o seja também.
Nesse sentido o documento aponta a
causa mais profunda do
esfacelamento da vida dessas
populações: “o modelo econômico
neoliberal está destruindo
crescentemente os direitos e
condições de vida dos povos”. Ao
final, o documento nos convida para
uma agenda de lutas e resistências em
nível nacional e internacional, como
por exemplo, Dia Internacional da
Luta Camponesa (17 de abril), Grito
dos Excluídos e Excluídas (12 de
outubro), Dia Mundial da Soberania
Alimentar (16 de outubro), Semana
Mundial pelos Direitos Humanos (1014 de dezembro), além de outras. O
documento, infelizmente, esqueceu de
convidar para a “semana da água”, em
Março. Também para o “ 14 de
Março, dia mundial de luta contra as
barragens”
Por outro lado, não adianta buscar “no
vento” os sinais das lutas dos povos.
Elas se encontram lá onde o povo
está, lutando para sobreviver, usando
sua criatividade para viver e resistir.
O povo pode ter dificuldades para
entender as grandes discussões
ideológicas, reservadas mais para
quem pode estudar e refletir
permanentemente sobre essas
questões. Mas o povo pode entender
as grandes lutas a partir de suas lutas
concretas. A conquista da terra, a
nossa luta pela captação de água de
chuva, a resistência contra a
privatização das águas, a luta pelas
sementes crioulas, a luta contra os
transgênicos, nossas experiências de
economia solidária é que dão “chão”
à nossa esperança. Precisamos
enfrentar as lutas ideológicas, sem
deixar de travar as lutas práticas.
Esses são os sinais que o povo
entende. É alimentando essa
esperança com sinais concretos que
podemos continuar com a bandeira
erguida.
“Um outro mundo é possível”.
FORUM DE LUTA POR TERRA, TRABALHO E CIDADANIA:
No triênio de 2001 a 2003 a CPT
continuará o apoio à luta pela e
na terra, a articulação de grupos
em nível regional, integrados à
Coordenação Estadual de
Trabalhadores Assentados e
ACAMPADOS
(CETA).
Continuará ainda seu apoio à
formação de uma regional de
jovens dos assentamentos e
acampamentos. Apoio ainda à
Articulação Regional de Mulheres
Trabalhadoras Rurais (MMTR).
A CPT da Diocese de
Itabuna, existente na região
desde o início da década de
80, sempre esteve
presente como apoio,
acompanhamento e
assessoria aos grupos de
famílias que ocuparam terra
na região. Também
desenvolve trabalho junto
às famílias assentadas que
buscam permanecer na
terra e que estão sempre
em busca de crédito para
plantio, educação,
assistência técnica em
agroecologia para cuidados
com a terra e a produção
sem agrotóxicos.
Além destes trabalhos a CPT se
articula com as Pastorais e
movimentos da Diocese através
da Coordenação do Conselho
Diocesano de Pastoral. Em nível
regional participa do FORUM DE
LUTA POR TERRA, TRABALHO
Em 2000 o Fórum continuou
E CIDADANIA.
consolidando-se. Foi convocada
Esse Fórum começou quando a uma reunião Do movimento “Brasil
CPT, CIMI e FASE convocaram – Outros 500”, onde estiveram
uma reunião com os movimentos presentes 52 representações de
sociais e populares da região. movimentos, entidades e pastorais.
Posteriormente, em 1998, todos Dali saiu o compromisso de
decidiram criar um Fórum para realização de eventos locais, além
potencializar a luta contra a da participação em Porto Seguro no
exclusão social. Não é um partido evento “Outros 500”.
político, nem espaço de disputa de
poder. Todos respeitam a Em 2000 o Fórum realizou ainda
autonomia e definição própria de outro seminário de um dia para
estudo de capacitação que
cada participante.
desembocou no Grito dos Excluídos,
É um espaço para troca de sendo realizado o Plebiscito da
experiência, articulações de lutas Dívida Externa em diversos
comuns e capacitação coletiva. municípios da região.
Em todo trabalho desenvolvido
para realização dos eventos é feita Em 2001 o Fórum prosseguiu como
a divisão de tarefas, com várias espaço de debate e proposições de
comissões para assumir cada ações coletivas de movimentos
sociais populares, como a semana
uma delas.
dos povos indígenas, semana da
A Coordenação do Fórum cidadania, a campanha da emenda
cresceu em 1999 - tendo constitucional da propriedade da
participado além da CPT, CIMI e terra no Brasil e a realização do Grito
FASE -, a Pastoral da Juventude, dos Excluídos.
Ação Negra (Movimento Negro),
GRAMA (Entidade Ambientalista), O Fórum ganhou dimensão
MST e sindicatos (Servidores da regional, tendo em média a
Saúde, Bancários, Comerciários representação de 19 a 32
municípios.
e Pólo Sindical da Fetag).
CPT DE ITABUNA
Em 2002 está previsto um
seminário para o primeiro
semestre – de um dia – tendo
como tema a Campanha da
Fraternidade, que será um
espaço de estudo e capacitação
para o entendimento da luta por
uma “terra sem males”. Um índio
Pataxó fará exposição de como
entende essa terra, assim como
o coordenador da RACCA-SUL/
CETA. No segundo semestre
haverá a preparação conjunta do
plebiscito sobre a ALCA
conjuntamente com a realização
do Grito dos Excluídos.
O “trabalho em parceria”
é uma das características da Pastoral
da Terra em todo o Brasil.
Entendemos que o trabalho articulado
fortalece a luta dos trabalhadores. Por
isso, é comum parcerias nos mais
diversos assuntos, desde a defesa dos
direitos humanos dos trabalhadores e
trabalhadoras da terra, como a defesa
da água, da vida e a conquista da
própria terra. Essa parceria,
entretanto, não pode eximir as
equipes de uma agenda própria, que
justifique a existência da equipe
naquele local. O trabalho em parceria,
além de fortalecer a luta do povo, é
também um sinal de abertura, de
reconhecimento das lutas dos
parceiros, da importância de todos em
vista de um bem comum. Por isso,
consideramos parceiros todos
aqueles que, de algum modo,
contribuem para a luta. Não só
aqueles que estão na luta cotidiana,
com “a mão na terra”, mas também
aqueles que de alguma forma apóiam
essas lutas, a exemplo das agências
que financiam nossos trabalhos.
Considerá-los parceiros é uma forma
de respeito, já que, de alguma forma,
cada um está contribuindo conforme
sua capacidade para o bem de todos.
IMPÉRIO MUNDIAL NÃO
Nós todos, os leitores desta Coluna, estávamos presentes em Porto Alegre
no Fórum Social Mundial. Aliás todos nós, desde que descobrimos Deus
feito gente, vivemos em fórum social permanente. Isso acontece por intermédio
de nossos olhos abertos à realidade, servindo às organizações, lendo e
aprofundando noticias, textos e símbolos que nos envolvem. Estamos aí com
nossas de perguntas, respostas, entusiasmos, perplexidades.....
Ultimamente, vinculamos a experiência dos Fóruns de Porto Alegre e de Davos/
Nova York - a duas imagens bíblica que, com sua roupagem cultural, tentaram
ler e interpretar a eterna problemática do sentido da história, da economia e da
sociedade, enfim o sentido da civilização que os humanos produzem. Estamos
nos referindo aos textos bíblicos de Babel e de Pentecostes. (Genesis 11,1-9
e Atos 2,1-13).
A interpretação tradicional desses dois fatos simbólicos – Babel e Pentecostes
- parece cristalina e completa: Deus é um só e todos os seus filhos pertencem
a uma única família. Quebra esta unidade quem constrói uma civilização sem
Deus. Daí a dispersão, o desentendimento, a decadência...que só outra
civilização, a do Espírito de Jesus pode resgatar. Os textos da história da Torre
de Babel, porém, adquirem uma luz mais estimulante na medida que os lemos
com mais aderência ao contexto histórico que os produziu como Palavra de
Deus; com muita probabilidade eles descrevem o conflito aberto e permanente
entre os camponeses e os centros urbanos de então que eram sempre cidadelas
religiosas e militares patrocinadas pelos impérios de turno. Eles prosperavam
com suas tecnologia (queimar tijolos, usar betume, construir torres cuja
ponta chega até o céu...), mas, sobretudo, com seu intuito: “tornar célebre o
nosso nome”. Esta expressão, típica do Antigo Testamento, significa criar um
Estado para manter a unidade e a coesão “para que não sejamos espalhados”.
Para que essas cidades pudessem exercer seu poder e sua hegemonia era
indispensável que o povo não se espalhasse e falasse uma só língua. A torre
era o pivô de toda esta mentalidade e deste plano de hegemonia cujas vítimas
principais eram o os pobres e os subjugados (os camponeses obrigados aos
trabalhos forçados...). É diante – ou melhor, por cima - desta torre que o
próprio Javé interpreta um projeto que lhe desagrada: querem construir uma
cidade e uma torre para unir e uniformizar o povo numa só cultura e numa só
grandeza política “sem restrição alguma por tudo que intentam fazer” (v.6).
Isso é insuportável. A religião javista aqui, se torna a percepção mais profunda
e radical da história porque revela a sociedade dominante numa dimensão
mais profunda do que normalmente se enxerga e se experimenta. Após a
denúncia, se anuncia um outro mundo. Longe de uma unificação que seria
hegemonia opressora, deve ser construída a “dispersão” que não é castigo,
mas sim solução. È a dispersão como diversidade de cultura e língua, como
autonomia e liberdade para todos os povos. Nada de império mundial....O
Espírito Santo, soprando em Atos 2, com a sua listagem de povos e nomes,
corrobora esta visão produzida pela fé dos camponeses dos 10 séculos
anteriores de Cristo e pelas comunidades do império romano contra aquela
cidade imperial e imperialista que cai fragorosamente, com sua arrogância, em
Apocalipse 18.
Quando nos “nossos” fóruns sociais se invoca o “potencial de rebeldia
contra o status-quo” ou quando se diz que “...no começo do século XXI, o
Fórum de Porto Alegre surge como denúncia da uniformidade imposta pelo
capitalismo consumista e como reivindicação do respeito à diversidade”,
as histórias, os mitos e as sagas do Crescente Fértil e das estradas empoeiradas
da Palestina se tornam Palavras de Deus em favor das aldeias indígenas
latino-americanas e contra as torres de Babel, Davos e New York, etc.
.Ninguém pode servir a dois Senhores (Mt 6,24)
Comissão Pastoral da Terra - Bahia/Sergipe
R. Gal. Labatut, 78
As “Romarias da Terra” – cada vez mais
também da águas – já estão fazendo seu
jubileu por todo o Brasil. Primeiro foi a do
Rio Grande do Sul, celebrada no dia 12 de
fevereiro, data da morte de Sepé Tiaraju.
De 5 a 7 de Julho será a vez da Bahia
celebrar a sua 25a Romaria da Terra e das
Águas.
O tema será “Com o Bom Jesus 25 anos
de lutas e conquistas”.
O lema será “Terra, Água, Direitos: nosso
País de outro jeito”.
Falando em romarias da terra,
a CPT Nacional, aproveitando uma
intuição da CPT do Rio Grande do Sul, vai
promover um encontro nacional (15 a 17
de Agosto) para debater a importância das
romarias na caminhada do povo. O local e
outros detalhes ainda serão definidos.
Os Comitês de Bacia
estão em rápido processo de implantação
em todo o Brasil. O Rio Paraíba é um dos
primeiros formados e já estabeleceu o
valor da água: R$ 0,02 por metro cúbico.
Parece pouco, mas o consumidor final vai
pagar isso na sua torneira ou em outras
formas de uso da água, já que as empresas
simplesmente irão repassar os custos para
o consumidor final.
Atenção pessoal da bacia do São Francisco,
porque vai começar a discussão para a
implantação do Comitê de Bacia do São
Francisco.
A Grande Região Nordeste da CPT
vai se reunir de 27 a 30 de Maio para um
curso sobre recursos hídricos. O encontro
será em Juazeiro da Bahia. A assessoria
será do professor Aldo C. Rebouças,
especialista da Universidade de São Paulo,
organizador de uma espécie de bíblia da
água doce no Brasil chamado exatamente:
“Águas Doces no Brasil”. Vale a pena.
Fone: ( 071 ) 3284672
Fax: ( 071 ) 3284683
E-Mail: cptba @ zumbi.ongba.org.br
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