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BAURU, DOMINGO, 14 DE NOVEMBRO DE 2010
Chefes de família por falta de opção
Violência, falecimento e independência financeira são os principais motivos que levam
as mulheres a assumir a responsabilidade do lar
Malavolta Jr.
Wanessa Ferrari
Mulheres, mães de família,
provedoras do lar, donas de casa
e, em alguns casos, estudantes.
Estas são as funções desempenhadas por 34,9% das brasileiras classificadas como chefes
de família pela Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio
(PNAD), referente ao ano de
2008 e divulgada em 2009.
À primeira vista, uma vida
atarefada e repleta de acontecimentos pode parecer, no mínimo, emocionante. Afinal,
foram anos de luta feminista
para que as mulheres conquistassem direitos como o de trabalhar e o de serem donas do
próprio nariz, entre outros tantos que gozam atualmente.
Porém, a realidade vista de
perto é bem diferente. Se os
números desta pesquisa, realizada em nível nacional, forem aplicados a Bauru, é possível estimar que, dos 107.232
lares existentes na cidade, cer-
ca de 37.400 são comandados
por mulheres, de acordo com
o censo deste ano.
E, ao percorrer os bairros
entrevistando as chefes de família bauruenses, é possível
afirmar que a maioria delas
não vê nenhum glamour no
‘cargo’ que ocupam. Pelo contrário, assumem a posição de
comandantes do lar por pura
falta de opção.
De acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), casamentos desfeitos, violência doméstica, homens que abandonam a família, falecimento do marido, maior participação da mulher no
mercado de trabalho somados
às mudanças culturais lideram
o ranking de causas que levam
as mulheres a assumirem as rédeas da situação.
“Ninguém assume uma família sozinha porque quer,
mas, sim, porque não tem alternativa melhor. Tem dias que
penso que seria preciso que o
Arquivo/Malavolta Jr.
Acyr Motta, do Conselho da Condição Feminina, aponta
que a violência doméstica motiva a mudança de papel
Separada, Rosemari Flores se viu sozinha às voltas com as despesas de casa e com os filhos; na foto, com o neto Miguel
dia tivesse mais de 24 horas
para dar conta de tudo. Logo
que me separei, passei a trabalhar em três empregos e ainda cuidava da casa e das crianças pequenas. Não podia
escapar nada”, recorda Rosemari Flores, que, mesmo sem
ter a intenção, demonstra ter
talento para ‘malabarismos’.
Além disso, outro dado da
pesquisa que chama a atenção
é o aumento significativo de
mulheres declaradas chefes de
família apesar da presença de
um cônjuge no lar: de 2,4%,
em 1998, para 9,1% em 2008.
Para Acyr Santinho Motta,
presidente do Conselho da Condição Feminina de Bauru, este
aumento é um curso natural, fruto da transformação da sociedades. “Creio que, há algumas
décadas, este tipo de liderança
feminina já existia, porém era
invisível, mascarada por uma
sociedade conservadora. Agora
Uma conquista, um problema
Arquivo/João Rosan
Tudo
seria flores se, ao
deixar o lar em busca de renda, a mulher contasse com o
apoio e a compreensão do
marido e o suporte do governo para ter onde deixar os filhos enquanto trabalha. Mas
as coisas não são assim e, infelizmente, o principal resultado da busca pela independência tem sido o aumento da
violência doméstica.
Para a historiadora Lilian
Henrique de Azevedo, pesquisadora de gênero, isto acontece porque, embora a sociedade, no geral, tenha se acostumado com a nova condição
da mulher, o ambiente doméstico ainda sofre muitas
amarras.
“Dentro de cada família
existem amarras internas de
diferentes origens, sejam elas
religiosas, culturais ou educacionais. Agora pense: o que o
marido ganha com uma mulher independente? Ajuda financeira? Mas será que isso
é tão interessante a ponto de
não conflitar com os valores
que herdou?”, questiona Lilian. “É então que surge a possibilidade desta insatisfação
se desencadear em violência
doméstica”, completa.
Acyr Santinho Motta,
presidente do Conselho da
Condição Feminina de Bau-
Para a pesquisadora Lilian Henrique de Azevedo, a maioria
das mulheres se torna chefe de família por falta de opção
ru, acredita que, a melhor
solução para este problema
é a criação de políticas públicas e uma rede de proteção bem estruturada para
dar amparo e orientação a
essas mulheres.
“Atualmente as mulheres já
têm muitos benefícios, como a
prioridade em habitação, financiamentos e proteção por lei,
porém ainda há muito o que
melhorar”, pondera.
Lilian concorda e afirma
que o Estado precisa fornecer
às mulheres a possibilidade
de se rebelar contra a violência. “A mulher precisa ter um
respaldo bom, saber que tem
onde deixar as crianças, que
tem proteção para só então ter
coragem de se arriscar a conhecer o outro lado da moeda”, justifica. (WF)
as coisas mudaram, as pessoas
estão mais flexíveis, e a presença de uma mulher à frente de
uma família passou a ser normal e frequente”, analisa Acyr.
Lilian Henrique de Azevedo, historiadora e pesquisadora
de gênero, acrescenta que esta
transformação ocorreu devido
a uma série de fatores, como o
movimento feminista, iniciado
na década de 70, o surgimento
de grupos organizados a favor
da mulher e a Lei do Divórcio,
criada em 1977. “Além disso,
existe também o fator econô-
mico. O mercado de trabalho
percebeu que a mulher era uma
ótima mão de obra, mais barata, inclusive, e se aproveitou disso, emitindo estímulos para que
a dona de casa deixasse o lar
em busca de independência financeira”, explica Lilian.
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