Brasília, 24/06/2009
Países desiguais são mais afetados pelo HIV
Estudo aponta que disparidade de renda tem relação mais forte com taxa de Aids
do que educação, pobreza e diferenças entre gêneros
FÁBIO BRANDT
da PrimaPagina
http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=32
30&lay=pde
A Aids afeta mais pessoas onde a desigualdade de renda é
maior, conclui um estudo que consolida outras 11 pesquisas
e cruza indicadores de diversas áreas, relativos a 90 países
em desenvolvimento distribuídos pelos cinco continentes. O
texto, publicado pelo Centro Internacional de Políticas
para o Crescimento Inclusivo, órgão do PNUD em
parceria com o governo brasileiro, afirma que, em nível
global, a iniquidade é mais relevante para explicar a
prevalência do HIV do que alfabetização, pobreza e
desigualdade de gênero, por exemplo.
Leia a íntegra
Texto disponível em inglês em versão
resumida ou completa.
“Ainda que a Aids seja frequentemente designada como uma doença da pobreza, esses
resultados indicam que seria mais justificável descrevê-la como uma doença da
desigualdade”, escreve o economista sueco Göran Holmqvist, autor do estudo, intitulado
HIV e desigualdade de renda: se há uma ligação, o que ela nos diz?. "A
demonstração empírica da ligação entre desigualdade de renda e prevalência de HIV é mais
uma indicação de como as sociedades desiguais com grande diferenças sociais pagam um
preço em termos de saúde pública", afirma.
A relevância dos diferentes fatores muda muito de país para país, observa o autor. A
relação entre proporção de pessoas com HIV e a taxa de alfabetização de adultos, por
exemplo, é significativa em vários casos, mas perde força quando se analisam também as
nações africanas, as mais afetas pela doença — em várias delas a prevalência do vírus é
alta mesmo entre pessoas alfabetizadas. O mesmo ocorre com a desigualdade de gênero: a
diferença entre taxa de alfabetização e IDH ou ouso de contraceptivos por mulheres casadas
é significante em alguns lugares, mas não na África.
Já a ligação com pobreza é fraca tanto na África quanto em outros países em
desenvolvimento, porque a porcentagem de soropositivos é importante também entre
pessoas que vivem com mais de um dólar por dia. O único fator que mantém elo relevante
com o HIV, no continente africano e fora dele, é a desigualdade de renda, medida pelo
Índice de Gini.
A desigualdade de renda é relevante para explicar, inclusive, a diferença entre a prevalência
de Aids entre os países africanos. Nas nações do sul (Zâmbia, Zimbábue e África do Sul, por
exemplo), mais desiguais, o HIV atinge entre 15% e 35% da população. No leste do
continente (onde estão países como Etiópia e Somália), o índice fica entre 3% e 7%. No
oeste (região do Senegal, Mauritânia e Nigéria), a população infectada varia de 1% a 5% do
total. O norte, formado por Egito, Líbia, Argélia e outros Estados da “África Branca”, tem
0,1% da população contaminada (o que também pode ser explicado pela alta concentração
de muçulmanos).
Por que a desigualdade influencia?
O estudo não chega a explicações definitivas sobre a relação entre disparidade de renda e
Aids, apesar de constatar sua existência. Contudo, apresenta quatro hipóteses para
justificar essa correspondência.
A primeira delas relaciona a coexistência de pessoas pobres e ricas numa sociedade a
maiores probabilidades de contaminação para todos. Os pobres assumiriam comportamento
de risco com mais facilidade devido à sua baixa perspectiva de ter um futuro melhor. Já as
pessoas com alta renda manteriam relacionamentos longos e simultâneos (situação mais
favorável à disseminação do vírus do que sequências curtas de relações monogâmicas,
segundo o estudo).
Outra hipótese enfatiza pesquisas que demonstram o enfraquecimento da coesão social
provocado pela desigualdade de renda. Nos locais de fraca coesão social, argumenta o
autor, há mais dificuldade para estabelecer normas e conseguir adesão da população às
campanhas de prevenção contra a Aids promovidas pelo governo.
Uma terceira explicação associa má qualidade dos serviços públicos às sociedades desiguais
(que têm, normalmente, arrecadação de impostos limitada e menos gastos públicos com
saúde, por exemplo). Segundo o estudo, esse limite dos gastos com saúde pode prejudicar
o combate à disseminação de doenças, inclusive a AIDS, porque diminui a capacidade do
país de realizar testes de HIV e campanhas de prevenção contra doenças sexualmente
transmissíveis.
A última hipótese considera fatores históricos, como colonização e migrações forçadas. O
estudo argumenta que os territórios africanos mais afetados pela Aids foram os mais
expostos à dominação europeia e a políticas de segregação, como o apartheid sul-africano,
que contribuíram para o desenvolvimento de sociedades marcadas por disparidades sociais.
Além disso, a colonização europeia de regiões da África Subsaariana diminuiu a influência
do islamismo nessas áreas, o que teria também diminuído o costume da circuncisão –
associado a menor prevalência de Aids.
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