Universidade Federal do Triângulo Mineiro
ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS NO SISTEMA
DIGESTÓRIO EM 93 NECRÓPSIAS DE PACIENTES
HIV POSITIVOS REALIZADAS NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO, NO
PERÍODO DE 1989 A 1996.
Lucinda Calheiros Guimarães
Uberaba, MG, 2010
ii
Lucinda Calheiros Guimarães
ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS NO SISTEMA
DIGESTÓRIO EM 93 NECRÓPSIAS DE PACIENTES
HIV POSITIVOS REALIZADAS NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO, NO
PERÍODO DE 1989 A 1996.
Tese apresentada ao Curso de Pós-graduação em Patologia,
Área de concentração "Anatomia Patológica e Patologia
Forense", da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, como
requisito parcial para obtenção do Título de Mestre.
ORIENTADORA: Profª Drª Sheila Jorge Adad
CO-ORIENTADORA: Profª Drª Adilha Misson Rua Micheletti
Uberaba-MG
Fevereiro/2010
ii
iii
Catalogação na fonte: Biblioteca da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro
G979a
Guimarães, Lucinda Calheiros
Alterações morfológicas no sistema digestório em 93 necrópsias de
pacientes HIV positivos realizadas na Universidade Federal do Triângulo
Mineiro, no período de 1989 a 1996 / Lucinda Calheiros Guimarães. - - 2010.
90 f. : tab. ; graf. ; fig.
Dissertação (Mestrado em Anatomia Patológica e Patologia Forense) Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, 2010.
Orientadora: Profª. Dra. Sheila Jorge Adad
Co-orientadora: Profª.Drª. Adilha Misson Rua Micheletti
1. HIV. 2. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. 3. Autópsia. 4.
Sistema digestório. 5. Língua. 6. Esôfago. 7. Estômago. 8. Intestino. I. Título.
II. Adad, Sheila Jorge. III. Micheletti, Adilha Misson Rua.
CDU 616.98:578.828HIV
iii
iv
“Mortui vivos docent.”
(Rokitansky)
iv
v
DEDICATÓRIA
v
vi
À minha mãe e minha irmã
À memória de minha avó,
pelo afeto e dedicação em
todas as fases da minha vida.
vi
vii
AGRADECIMENTOS
vii
viii
Aos meus pais, que sempre me mostraram o valor do estudo e acreditaram no meu esforço.
À minha irmã, Tereza, pelo apoio incondicional.
À Dra. Sheila Jorge Adad, pela oportunidade de desenvolver este trabalho, pelo exemplo
de dedicação à ciência e à carreira acadêmica.
Aos meus alunos, pelo desafio que representam no ofício de ensinar.
À professora Giltânia Severino de Paula, que compartilhou comigo as mesmas ansiedades,
pelo incentivo.
Aos professores e colegas Dr. Marcelo Sivieri de Araújo e Dr. Sebastião Tostes Júnior,
pelo incentivo e exemplo.
À Lucimar e à Andréa, pela agradável convivência no laboratório.
viii
ix
Ao acadêmico Everton Nunes de Melo Moura, pela dedicação ao trabalho que lhe foi
confiado durante esta pesquisa.
Aos funcionários da Disciplina de Patologia Especial e do Serviço de Patologia Cirúrgica,
pelo apoio à realização deste trabalho, em especial à Luzia, Eliângela e Anuska.
Aos técnicos de necrópsia do Serviço de Patologia Cirúrgica, pelo auxílio na busca das
peças de necrópsias.
À Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba (FUNEPU – Apoio financeiro: processo n°
584/2008); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG –
Bolsa de Iniciação Científica e Pesquisador Mineiro – APQ 5583-4.01-07); Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Bolsa de Produtividade
em Pesquisa – processo n° 309174/2008-2).
ix
x
SUMÁRIO
x
xi
LISTA DE FIGURAS .....................................................................................................
xii
LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS ....................................................
xiv
LISTA DE ABREVIATURAS ......................................................................................
xvi
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................
1
OBJETIVOS ....................................................................................................................
16
MATERIAL E MÉTODOS ...........................................................................................
19
RESULTADOS ...............................................................................................................
23
DISCUSSÃO ...................................................................................................................
44
CONCLUSÕES ..............................................................................................................
54
RESUMO ........................................................................................................................
57
ABSTRACT ...................................................................................................................
60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................
63
ANEXO .........................................................................................................................
A
xi
xii
LISTA DE FIGURAS
xii
xiii
Figura 1 – Bacilos álcool-ácido-resistentes compatíveis com M. avium intracellulare .........................
29
Figura 2 – Cisto íntegro com estruturas compatíveis com T. gondii .....................................................
31
Figura 3 – Formas livres de T. gondii, imuno-histoquímica ...................................................................
31
Figura 4 – Inclusões citomegálicas em células epiteliais .......................................................................
32
Figura 5 – Imuno-histoquímica anti-HSV ……………………......………………......................…….
33
Figura 6 – Esporos compatíveis com Histoplasma capsulatum ............................................................
34
Figura 7 – Esporos e hifas de Candida sp .............................................................................................
36
Figura 8 – Estruturas compatíveis com Cryptosporidium ......................................................................
42
xiii
xiv
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
xiv
xv
Gráfico 1 - Distribuição dos 93 pacientes HIV positivos segundo o sexo...................................... 26
Gráfico 2 - Distribuição dos 93 pacientes HIV positivos segundo a faixa etária............................ 26
Tabela 1 - Principais alterações morfológicas no sistema digestório em 93 necrópsias de pacientes
HIV positivos ................................................................................................................................... 28
Tabela 2 - Principais alterações morfológicas encontradas na língua em 76 necrópsias de pacientes
HIV positivos ................................................................................................................................... 35
Tabela 3 - Principais alterações morfológicas encontradas no esôfago em 78 necrópsias de
pacientes HIV positivos ................................................................................................................... 37
Tabela 4 - Principais alterações morfológicas encontradas no estômago em 85 necrópsias de
pacientes HIV positivos ................................................................................................................... 38
Tabela 5 - Principais alterações morfológicas encontradas no intestino delgado em 88 necrópsias
de pacientes HIV positivos .............................................................................................................. 40
Tabela 6 - Principais alterações morfológicas encontradas no intestino grosso em 88 necrópsias de
pacientes HIV positivos ................................................................................................................... 41
Tabela 7- Doença associada ao HIV/SIDA causadora do óbito com comprometimento
gastrointestinal em 93 necrópsias de pacientes HIV positivos......................................................... 44
xv
xvi
LISTA DE ABREVIATURAS
xvi
xvii
A. lumbricoides: Ascaris lumbricoides
BAAR: bacilos álcool-ácido-resistentes
C. jejuni: Clostridium jejuni
C. neoformans: Cryptococcus neoformans
CDC: Centro de controle de doenças, Atlanta, Estados Unidos da América
CMV: citomegalovírus
EBV: vírus Epstein-Barr
H. capsulatum: Histoplasma capsulatum
HAART: terapia anti-retroviral altamente eficaz
HE: hematoxilina-eosina
HIV: vírus da imunodeficiência humana
HPV: Papilomavírus humano
HSV: Herpes simples vírus
LPO: leucoplasia pilosa oral
M. avium intracellulare: Mycobacterium avium intracellulare
M. tuberculosis: Mycobacterium tuberculosis
P. brasiliensis: Paracoccidioides brasiliensis
P. jirovecii: Pneumocystis jirovecii
PAS: ácido periódico de Schiff
S. stercoralis: Strongyloides stercoralis
SIDA: síndrome da imunodeficiência adquirida
xvii
xviii
SK: Sarcoma de Kaposi
T. cruzi: Trypanosoma cruzi
T. gondii: Toxoplasma gondii
UFTM: Universidade Federal do Triângulo Mineiro
xviii
xix
xix
INTRODUÇÃO
2
Os primeiros casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) foram
descritos em homens homossexuais nos Estados Unidos da América, em 1981
(WAINBERG & JEANG, 2008). Poucos anos depois, em 1983 e 1984, pesquisadores
franceses e americanos, respectivamente, identificaram um retrovírus, o vírus da
imunodeficiência humana (HIV) como causador da síndrome (GALLO, 2006). No Brasil, a
epidemia pelo HIV/SIDA é hoje fenômeno de grande magnitude e extensão, não se
limitando a segmentos populacionais sob particular risco - a princípio, homossexuais e
bissexuais masculinos, hemofílicos e as demais pessoas que receberam sangue e
hemoderivados, e usuários de drogas injetáveis. Atualmente, a transmissão heterossexual
do HIV é o “motor” da dinâmica da epidemia, contribuindo também para o aumento do
número de casos de SIDA entre as mulheres (SZWARCWALD et al, 2000).
Sintomas frequentes em pacientes com SIDA são diarréia e perda de peso, como
evidenciado no estudo clínico de DWORKIN et al (1985), que avaliou prospectivamente
22 pacientes com SIDA através de biópsias duodenais e retais. Diarréia estava presente em
12 (55%) pacientes e perda de peso em 21 (96%) pacientes. Foram observadas infecções
gastrointestinais em 10 (45%) dos casos, sendo diarréia mais comum nos pacientes com
infecção gastrointestinal (90%) que naqueles sem infecção (25%). Má-absorção intestinal
também foi mais prevalente em pacientes com infecção gastrointestinal. Vários patógenos
2
3
puderam ser identificados, incluindo bactérias (M. avium intracellulare, Salmonella sp., C.
jejuni), vírus (Herpes simples vírus - HSV), fungos (Candida sp.) e protozoários
(Cryptosporidium e Giardia). Um agente infeccioso comum em pacientes com SIDA, o
citomegalovírus (CMV), não foi observado nesse estudo, provavelmente refletindo uma
diferente subpopulação de pacientes com SIDA, visto que a infecção por CMV é mais
comum em pacientes homossexuais (MARKOWITZ et al, 1996), que nos usuários de
drogas endovenosas, os quais formavam o maior grupo de pacientes nesse estudo.
Neoplasias foram observadas em apenas dois casos que apresentavam sarcoma de Kaposi
(SK) disseminado, um deles associado à infecção por M. avium intracellulare. Os autores
creditam esse baixo índice de neoplasias também à predominância de indivíduos usuários
de drogas endovenosas e não homossexuais.
Além das infecções, neoplasias gastrointestinais também podem ocorrer no curso
da SIDA. Em estudo clínico prospectivo de DANZIG et al (1991) foram pesquisadas
neoplasias malignas gastrointestinais em pacientes com SIDA. Em 8 anos de
acompanhamento, 869 pacientes com SIDA foram avaliados, dos quais 108 (12%)
apresentaram neoplasias malignas. As neoplasias mais comuns foram SK (65/60%) e
linfoma (37/35%). Envolvimento neoplásico gastrointestinal ocorreu em 35 pacientes,
correspondendo a 32% dos 108 casos de pacientes com SIDA e neoplasias malignas.
Comprometimento do sistema digestório estava presente em 21 (32%) dos 65 pacientes
com SK em diferentes órgãos, incluindo orofaringe, esôfago, estômago, intestinos, fígado e
múltiplos órgãos simultaneamente. SK foi encontrado como parte de doença disseminada
comprometendo também a pele e, apenas em um caso, limitado ao sistema digestório.
Nove
(24%)
dos
37
pacientes
com
linfoma
apresentaram
comprometimento
gastrointestinal, afetando orofaringe, esôfago, estômago, intestinos e fígado. Neoplasias
menos frequentes relatadas nesse estudo foram carcinoma epidermóide do esôfago,
3
4
adenocarcinoma metastático para a adventícia do esôfago (sítio primário desconhecido),
tumor fusocelular do reto e sarcoma epitelióide hepático.
Neoplasias
gastrointestinais
em
pacientes
com
SIDA
geralmente
são
assintomáticas. Entretanto, as manifestações clínicas do SK incluem intussuscepção,
hemorragia gastrointestinal maciça ou oculta, obstrução, perfuração ou formação de cisto
mesentérico (DANZIG et al, 1991). Vários estudos demonstram maior incidência de SK
nos grupos de indivíduos homossexuais com SIDA (FRIEDMAN et al, 1985;
MOSKOWITZ et al, 1985; DANZIG et al, 1991; VALBUENA et al, 1993; KLATT et al,
1994) em relação a outros grupos de risco.
No estudo de DANZIG et al (1991) os linfomas foram predominantemente do tipo
não-Hodgkin, havendo apenas 1 paciente com linfoma de Hodgkin. Diferentemente do SK,
os linfomas gastrointestinais frequentemente originaram dor abdominal como sintoma da
doença.
A despeito de extensa pesquisa de agentes infecciosos e neoplasias através de
biópsias, coprocultura, exame parasitológico de fezes, endoscopia digestiva alta e
colonoscopia, há casos nos quais não são encontradas infecções ou neoplasias em pacientes
com diarréia crônica e má-absorção intestinal (MADI et al, 1991; KOTLER et al, 1984;
ULLRICH et al, 1989). KOTLER et al (1984) descreveram estudo em 12 pacientes com
SIDA, nos quais a coprocultura e a pesquisa de parasitas específicos nas fezes mostraramse negativas; todavia, biópsias retais evidenciaram a presença de inclusões virais
intranucleares em células epiteliais. Alterações histológicas em biópsias jejunais e retais
foram observadas em todos os pacientes com diarréia. Atrofia vilosa, hiperplasia de criptas
e número aumentado de linfócitos intraepiteliais, além de infiltração da lâmina própria por
4
5
mastócitos foram vistos, mostrando que as alterações histológicas intestinais por vezes não
estão associadas à infecção específica.
Estudos posteriores avaliaram a participação do HIV na gênese das alterações
clínicas e morfológicas no sistema digestório de pacientes com SIDA. O HIV infecta
células mononucleares da lâmina própria (NELSON et al, 1988; ULLRICH et al, 1989;
HEISE et al, 1991; EHRENPREIS et al, 1992), células epiteliais e células neuroendócrinas
na mucosa intestinal (NELSON et al, 1988; HEISE et al, 1991), gerando diminuição da
maturação celular, desordens da motilidade e função intestinais, o que resultaria na
“enteropatia por HIV”.
GREENSON et al (1991) definem “enteropatia por HIV” como sendo diarréia
crônica, acima de um mês de duração, em que causa infecciosa não pode ser determinada
após completa avaliação do intestino delgado, inclusive com microscopia eletrônica, em
pacientes com infecção avançada pelo HIV. Nesse estudo, 11 (50%) dentre 22 pacientes
com diarréia e infecção por HIV apresentaram infecção intestinal e apenas 1 (8%) de 13
sem diarréia tinha infecção intestinal. Nos pacientes com diarréia e sem infecção, a
“enteropatia por HIV” foi atribuída aos efeitos do HIV nas células epiteliais levando a
alteração na proliferação e maturação celulares e na arquitetura da mucosa.
Biópsias intestinais são um dos métodos diagnósticos utilizados para a pesquisa da
etiologia da doença gastrointestinal. Infecções previamente conhecidas incluindo
citomegalovirose, tuberculose, micobacteriose, candidíase, isosporíase, adenovirose,
leishmaniose, histoplasmose e agentes infecciosos incomuns como Microsporidium,
Cyclospora e Cryptosporidium têm sido descritos. Microsporídios são parasitas
intracelulares obrigatórios que infectam células epiteliais ou macrófagos da lâmina própria.
São corados positivamente segundo as técnicas de Warthin-Starry ou Brown-Brenn,
5
6
embora possam ser facilmente ignorados em cortes histológicos. Cyclospora é evidenciado
em cortes histológicos como estruturas intracelulares no ápice do citoplasma dos
enterócitos que recobrem os vilos intestinais. Isospora belli é um protozoário intracelular
obrigatório de formato “bananóide”, que pode ser observado à microscopia de luz na
região subnuclear do citoplasma de enterócitos duodenais. O Cryptosporidium pode ser
encontrado na mucosa gástrica, duodenal, ileal, colônica e retal. No duodeno, aparece ao
longo da borda em escova do epitélio dos vilos e das criptas, medindo entre 2 e 5 µm, são
basofílicos e apresentam evidente variação de tamanho. Microsporídios, Cyclospora,
Isospora e criptosporídios têm aspecto muito semelhante à microscopia de luz, todos
originando alterações histológicas inespecíficas como atrofia vilosa, discreta hiperplasia de
criptas e degeneração do epitélio, sobretudo no topo dos vilos. A detecção e o diagnóstico
diferencial entre esses parasitas podem necessitar de microscopia eletrônica. ANSARI et al
(2002), em estudo de necrópsia que incluía 104 indivíduos com SIDA, comentam sobre a
ausência de identificação de microsporídios, criptosporídios e Isospora, provavelmente
porque a autólise postmortem dificulta a identificação desses agentes.
Estudos de necrópsias de indivíduos HIV positivos permitiram a avaliação da
extensão das doenças infecciosas e neoplasias associadas ao HIV e à SIDA. Desde o
surgimento da SIDA observa-se incidência maior de infecções oportunistas como
causadoras dos óbitos que neoplasias. MOSKOWITZ et al (1985) avaliaram 54 necrópsias
de indivíduos com SIDA. A causa imediata do óbito localizava-se no sistema respiratório
em 30 (55%) casos (16 com pneumocistose, 10 com pneumonia por CMV, 1 com
infecções múltiplas, 1 com pneumonia intersticial e 2 com pneumonia bacteriana). O
segundo sítio mais comum de doenças causadoras dos óbitos foi o sistema nervoso central
apresentando 14 (26%) óbitos: 11 encefalites por toxoplasma, 1 leucoencefalopatia
multifocal progressiva, 1 encefalite viral e 1 hemorragia intracerebral. Nesse estudo, SK
6
7
foi encontrado em 9 (17%) casos; em 6 (11,1%) casos foi a causa imediata do óbito, nos
quais a doença tinha comprometimento sistêmico. Nesse estudo os autores não informam
claramente quantos apresentavam SK no sistema digestório.
A importância da realização de necrópsias em pacientes com SIDA é
inquestionável. Estudos de necrópsia mostram discordância entre os diagnósticos clínicos e
os diagnósticos postmortem; revelam diagnósticos adicionais não suspeitados clinicamente
e fornecem informações que podem auxiliar na abordagem clínica dos pacientes.
Contribuem, ainda, para o conhecimento da patogênese das diversas doenças associadas à
SIDA. Artigos brasileiros e internacionais, nos quais houve análise de vários órgãos,
mostram taxas de discordância variáveis entre diagnósticos clínicos e necroscópicos: 54%
no estudo de BORGES et al (1997); 74% na pesquisa de WILKES et al (1988) e 82% na
pesquisa de EZA et al (2006). Essa discordância é maior nos pacientes HIV positivos que
naqueles não infectados (55 versus 35%), segundo BERNICKER et al (1996). Os
principais sítios de alterações encontradas em necrópsias de pacientes com SIDA são
pulmão e sistema nervoso central (MICHALANY et al, 1986; MOSKOWITZ et al, 1985;
KLATT et al, 1988; HOFMAN et al, 1999). O sistema digestório aparece logo em seguida
como o terceiro sítio mais afetado à necrópsia, sendo o comprometimento em geral
extenso, incluindo vários segmentos desde o esôfago até o reto. Estudo realizado por
GUARDA et al (1983) mostrou que a alteração mais frequente foi infecção por CMV,
encontrada em 12 (92%) de 13 necrópsias de pacientes com SIDA. No sistema digestório
cólon e reto apresentaram maior frequência de comprometimento por CMV, seguidos por
intestino delgado, esôfago e estômago em ordem decrescente de ocorrência. A alta taxa de
envolvimento gastrointestinal é de importância prática clínica, considerando que essas
áreas podem ser prontamente acessíveis ao exame endoscópico e à biópsia.
7
8
Séries de estudos de necrópsia relatam em geral as alterações encontradas em vários
órgãos e, menos frequentemente, detalham a avaliação específica de determinado órgão ou
sistema. Os estudos mais abrangentes de necrópsias descrevem os achados globais das
alterações infecciosas e neoplásicas associadas à SIDA. MARKOWITZ et al (1996)
relataram as alterações em necrópsias de 252 pacientes com SIDA em Nova York, Estados
Unidos da América. As infecções mais comuns no sistema digestório foram
citomegalovirose e candidíase e a neoplasia mais frequente foi SK.
HOFMAN et al (1999) descreveram os achados de 395 necrópsias de indivíduos
com SIDA na França, falecidos entre 1983 e 1996. As infecções mais comuns em todos os
órgãos foram citomegalovirose (151/38%) e toxoplasmose (101/26%). Nesse estudo houve
comprometimento do sistema digestório por Candida sp. (204/52%), CMV (35/9%),
micobactérias (19/5%), Leishmania (8/2%), T. gondii (4/1%) e bactérias não especificadas
(41/10%).
Outra grande série de estudo de necrópsias de pacientes HIV positivos foi descrita
por LUCAS et al (1993), na qual foram avaliadas 294 necrópsias realizadas na África. Três
doenças infecciosas – tuberculose, bacteremia (predominantemente pneumococcemia ou
salmonelose) e toxoplasmose cerebral – em conjunto, contribuíram para mais de 50% dos
óbitos. Esses autores discutem sobre a baixa sobrevida dos pacientes africanos com SIDA,
que não sobrevivem tempo suficiente para desenvolverem infecções consideradas pouco
virulentas como pneumocistose, infecção por CMV e micobacteriose atípica. De fato, a
frequência dessas infecções nesse estudo (pneumocistose e micobacteriose atípica foram
encontradas, cada uma, em 4% dos casos e infecção por CMV em 26%) foi menor que em
estudos americanos e europeus.
8
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KLATT et al (1994) foram os autores do maior estudo de necrópsias em indivíduos
com SIDA que encontramos na Literatura, no qual foram avaliadas 565 necrópsias
realizadas em Los Angeles, Estados Unidos da América. Nesse estudo os pulmões foram
descritos como a principal sede de doenças causadoras do óbito associadas à SIDA,
seguidos, em ordem de frequência, pelo sistema digestório e sistema nervoso central.
MOHAR et al (1992) referem que na América Latina há um perfil epidemiológico
intermediário entre os Estados Unidos da América e a África, com relação à frequência e
distribuição de infecções oportunistas e neoplasias secundárias à SIDA, tendo como base
dados demográficos e sócio-econômicos. Em estudo de 177 necrópsias de pacientes com
SIDA realizado na Cidade do México, esses pesquisadores relataram taxas de
citomegalovirose disseminada (122/69%) e SK (53/30%) semelhantes às americanas. No
entanto, a prevalência de tuberculose disseminada (42/24%) foi comparável à encontrada
em pacientes africanos. Além disso, infecções frequentes na população norte-americana
com SIDA, tais como pneumocistose e micobacteriose atípica, foram menos comuns.
LUCAS et al (1993), em estudo de 294 necrópsias na África, também mostraram menor
frequência de pneumocistose, micobacteriose atípica e linfomas quando comparada às
taxas norte-americanas. As diferenças na proporção de doenças associadas à SIDA
resultam de diferentes condições geográficas e sócio-econômicas, justificando-se a
relevância do estudo e do conhecimento dessas alterações em cada região, o que permite
traçar estratégias específicas para a abordagem clínica e terapêutica das mesmas.
Avaliação do sistema digestório foi realizada por LANJEWAR et al (1995) em 49
necrópsias de pacientes com SIDA na Índia em um período de 5 anos. Eram 37 homens e
12 mulheres, cujas idades variavam de 18 a 72 anos. Agentes infecciosos foram
observados em 29 (59%) casos, observando-se múltiplos microorganismos em alguns
9
10
deles. O microorganismo mais frequentemente encontrado foi CMV, observado em 13
(27%) casos. Nesse estudo não foram vistas alterações macroscópicas na mucosa
gastrointestinal nos locais infectados por CMV. O comprometimento do sistema digestório
por CMV afetou, em ordem decrescente de freqüência, intestino delgado, estômago, cólon
e esôfago. Parasitas foram encontrados em 9 (18%) casos: Cryptosporidium (5/10%),
Strongyloides stercoralis (3/6%) e verminose (1/2%). Fungos foram observados em 8
(16%) casos: Candida sp. (5/10%) e Cryptococcus neoformans (3/6%). Infecção por M.
tuberculosis ocorreu em 7 (14%) casos. SK foi encontrado em 1 (2%) paciente, afetando o
estômago e o intestino delgado.
No Brasil há escassos estudos de séries de necrópsias de SIDA. Alguns fazem
avaliação global de vários órgãos (MICHALANY et al, 1987; NETTO et al, 1990;
BORGES et al, 1997; CURY et al, 2003). Outros detalham especificamente alguns órgãos
como pulmões (PEREIRA et al, 2002), tireóide (BASÍLIO-DE-OLIVEIRA, 2000),
suprarrenais (DUCH et al, 1998; RODRIGUES et al, 2002) e sistema nervoso central
(CHIMELLI et al, 1992; SILVA, 2008). Com relação, especificamente, à avaliação do
sistema digestório, encontramos apenas um estudo feito por CARVALHO et al (1994) em
Botucatu, SP. Nesse estudo foram revistos cortes histológicos dos segmentos do sistema
digestório (da boca à região anal) de 45 necrópsias consecutivas de pacientes HIV
positivos. Eram 32 homens e 13 mulheres, com idades entre 23 e 58 anos e 37 (82,3%)
deles apresentaram lesões no sistema digestório. As principais alterações encontradas
foram de natureza infecciosa, predominando infecção por CMV encontrado em 16 (35,7%)
casos. A boca foi o local mais frequentemente comprometido (33/73,3%). Sete (15,5%)
neoplasias foram observadas no total, localizadas nos seguintes órgãos: estômago (1 SK e
1 linfoma),
intestino delgado (3 SK) e região anal (2 carcinomas espinocelulares
intramucosos). Lesões múltiplas foram vistas em 17 (37,7%) casos, sendo CMV o agente
10
11
mais comumente encontrado nas associações. Em 5 (29%) casos esse vírus estava
associado à Candida sp., em 3 (18%) à leucoplasia pilosa oral (LPO) e, também em 3
(18%) casos, ao SK.
O primeiro estudo brasileiro publicado de séries de necrópsias em pacientes com
SIDA data de 1987, época do diagnóstico de numerosos casos de SIDA no Brasil e em
todo o mundo. MICHALANY et al (1986) analisaram 15 necrópsias de pacientes com
SIDA no Departamento de Anatomia Patológica da Escola Paulista de Medicina, em São
Paulo, e encontraram resultados semelhantes aos estudos internacionais previamente
publicados. O agente infeccioso e a neoplasia mais comuns foram CMV (7/47%) e SK
(2/13%), respectivamente. Entretanto, a frequência de neoplasias (3/20%), foi muito menor
que a relatada em estudos norte-americanos. Foram observados dois casos de SK (13,3%),
sendo que um desses pacientes apresentava também linfoma do sistema nervoso central.
Levando-se em consideração todas as lesões, esôfago e intestino delgado estavam
comprometidos, cada um, em 4 dos 15 pacientes avaliados. Estômago e ânus foram menos
comprometidos nessa série de necrópsias.
Estudos brasileiros posteriores (NETTO et al, 1990) confirmaram os resultados de
MICHALANY et al (1986) e de estudos norte-americanos. NETTO et al (1990) avaliaram
58 necrópsias realizadas no Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de
Oliveira, em São Paulo. Infecções oportunistas foram observadas em 53 (90%) casos. Em
análise global de todos os órgãos, as infecções mais freqüentes foram por: CMV (34/59%),
T. gondii (13/22%), P. jirovecii (10/17%). Nesse estudo o intestino foi o segmento do
sistema digestório mais frequentemente afetado (24/41%), seguido do estômago (12/21%)
e esôfago (11/19%). SK foi encontrado em 12 (21%) pacientes, 4 dos quais apresentavam
11
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comprometimento gastrointestinal. Linfomas estavam presentes em 4 casos (7% do total),
sendo que apenas 1 paciente apresentava comprometimento gastrointestinal.
BORGES et al (1997) avaliaram 52 necrópsias de pacientes com SIDA na
Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais e encontraram, também, predominância
das lesões infecciosas sobre as neoplásicas. No sistema digestório, as infecções
oportunistas encontradas foram citomegalovirose (intestino e esôfago), histoplasmose
(intestino), candidíase (esôfago) e toxoplasmose (esôfago, estômago e intestinos). As
neoplasias que acometeram o sistema digestório, nesse estudo, foram SK e
adenocarcinoma do intestino delgado. BORGES et al (1997) relataram discordância entre
os achados clínicos e os de necrópsia em 54% dos casos, sendo que 48% dos pacientes
tinham pelo menos uma doença relacionada à SIDA não diagnosticada previamente em
vida. Esses dados reiteram a importância da realização de necrópsias nos pacientes com
SIDA, pois funciona também como instrumento de avaliação do corpo clínico e de
aprendizado de patologistas, clínicos e estudantes de medicina. Os autores comentam ainda
sobre a ausência de infecção por Paracoccidioides brasiliensis nas necrópsias estudadas. A
paracoccidioidomicose, micose sistêmica mais comum na região geográfica da pesquisa,
não foi encontrada em nenhum dos 52 pacientes avaliados; provavelmente, segundo os
autores, porque o P. brasiliensis é sensível às sulfas usadas comumente na profilaxia para
outras infecções nos pacientes com SIDA.
Em outro estudo brasileiro geral de necrópsia, realizado em São José do Rio Preto,
SP, CURY et al (2003) confirmaram uma menor incidência de neoplasias em relação às
doenças infecciosas nos pacientes com SIDA. Esses autores avaliaram 92 necrópsias de
indivíduos com SIDA e relataram que 85 (92%) dos óbitos eram secundários às doenças
infecciosas e apenas 2 (2,2%) decorrentes de neoplasias. Nesse estudo não foi observado
12
13
nenhum caso de SK e as neoplasias malignas encontradas foram três linfomas (dois nãoHodgkin e um Hodgkin). Segundo esses autores, a baixa aderência ao tratamento antiretroviral e à profilaxia contra as infecções oportunistas favorece alta incidência de
infecções oportunistas.
Na Disciplina de Patologia Especial/Serviço de Patologia Cirúrgica da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), MICHELETTI (2007) pesquisou
neoplasias benignas e malignas em 240 necrópsias de pacientes HIV positivos, no período
de 1989 a 2004. O sistema digestório estava comprometido em 11 (22,4%) de 49 casos que
apresentavam neoplasias, tendo sido encontrados 4 SK, 3 adenocarcinomas (2 gástricos e 1
intestinal), 1 tumor estromal gastrointestinal maligno, 1 mieloma múltiplo envolvendo a
serosa intestinal e 2 lipomas submucosos no intestino grosso.
O agente etiológico mais comumente encontrado em vários estudos de necrópsia foi
o CMV, tendo sido também o principal microorganismo não diagnosticado clinicamente
(GUARDA et al, 1983; HUI et al, 1983; REICHERT et al, 1983; WELCH et al, 1984;
LANJEWAR et al, 1995; BORGES et al, 1997; HOFMAN et al, 1999, EZA et al, 2006).
Não se sabe ao certo o papel desse vírus na doença gastrointestinal dos pacientes com
SIDA, tendo em vista que o CMV pode ou não originar lesões macro e microscópicas. É
possível que a presença do vírus no sistema digestório signifique apenas infecção comensal
(LANJEWAR et al, 1995).
As doenças do sistema digestório na maioria dos estudos publicados não foram
causa imediata do óbito. Segundo MOSKOWITZ et al (1985), as principais causas
imediatas de óbitos de pacientes com SIDA estão localizadas nos pulmões e, em segundo
lugar, no sistema nervoso central. Nesse estudo de 54 necrópsias, a infecção por CMV do
sistema digestório (esôfago) foi causa imediata do óbito em 1 caso. Na maior parte dos
13
14
casos de necrópsia, as doenças do sistema digestório em pacientes com SIDA faziam parte
de doença sistêmica e disseminada ou eram achado de necrópsia.
Lesões na língua de pacientes com SIDA foram objeto de estudo de vários autores.
Estudo brasileiro de FARIA et al (2005) mostrou alterações histológicas na língua em 69
(75%) de 92 necrópsias examinadas. A lesão mais comumente diagnosticada foi LPO,
presente em 42 (46%) casos. Associação de Candida sp. com LPO foi vista em 30 (32%)
casos. A despeito dessa freqüente associação, TRIANTOS et al (1997) referem que não há
melhora clínica da lesão com terapia antifúngica agressiva, não sendo a infecção por
Candida sp. a etiologia da alteração. Ainda segundo FARIA et al (2005), a localização
mais freqüente da LPO foi a região lateral da língua. Lesões concomitantes na língua
foram encontradas em 28 (30,4%) dos pacientes. As lesões simultâneas mais frequentes
foram associação de Candida sp. com LPO.
Critérios histológicos de diagnóstico da LPO foram descritos por FERNANDEZ et
al (1990) em necrópsias de 32 pacientes com infecção por HIV. Além das alterações
microscópicas clássicas dessa condição – acantose, hiperparaceratose de espessura variável
e vacuolização citoplasmática (balonização), associadas a mínimo ou discreto infiltrado
inflamatório – inclusões intranucleares foram o achado histológico mais característico
dessa alteração na língua. Na maior parte dos casos, inclusões intranucleares do tipo
herpético estavam presentes em grande número e eram facilmente identificadas. Nesse
estudo, infecção por Candida sp. estava presente em 23 (71%) dos casos. Pesquisa imunohistoquímica para Papilomavírus humano (HPV) foi positiva em 96,1% dos casos. Apesar
da positividade imuno-histoquímica marcante para o HPV, esses autores defendem que
haja imunorreatividade cruzada entre HPV e um herpesvírus, o vírus Epstein-Barr (EBV),
e que o agente responsável pelo surgimento da LPO é o EBV. TRIANTOS et al (1997)
14
15
também referem a infecção por EBV como causadora da LPO. Outro estudo de necrópsia
avaliando alterações da língua (LEONARD et al, 1997) demonstrou baixo índice de LPO
(5%) em 20 necrópsias analisadas. Os autores referem que a lesão pode desaparecer
espontaneamente e depois do tratamento com zidovudina e aciclovir, sendo que a terapia
antiviral pode ter sido um fator importante para justificar a baixa taxa de LPO nesse
estudo.
Tendo em vista a escassez de estudos de necrópsias avaliando especificamente
alterações gastrointestinais associadas à SIDA no Brasil, e as variações dos achados em
diversas regiões geográficas, este estudo foi feito com a finalidade de avaliar quais as
alterações morfológicas mais comuns no sistema digestório em necrópsias de pacientes
com SIDA em nossa região. São poucos os estudos em necrópsias com foco específico no
sistema digestório e, como vimos, as doenças gastrointestinais são importantes causas de
morbi/mortalidade nos pacientes HIV positivos. O melhor conhecimento das alterações
gastrointestinais associadas ao HIV e à SIDA poderá auxiliar nas condutas preventivas e
terapêuticas de pacientes da nossa região e de outros locais.
15
16
OBJETIVOS
16
17
GERAL
Identificar as alterações morfológicas no sistema digestório em necrópsias de
pacientes HIV positivos, realizadas na Disciplina de Patologia Especial/Serviço de
Patologia Cirúrgica da UFTM, no período de janeiro de 1989 a dezembro de 1996.
17
18
ESPECÍFICOS
1. Determinar o percentual de necrópsias de indivíduos HIV positivos no período
estudado.
2. Determinar a frequência de comprometimento do sistema digestório nas necrópsias
dos HIV positivos.
3. Identificar e descrever as alterações morfológicas no sistema digestório, de forma
global e também detalhada por segmento, em necrópsias de indivíduos com
infecção pelo HIV.
4. Avaliar o percentual dessas lesões do sistema digestório que foram relevantes para
o óbito.
18
19
MATERIAL E MÉTODOS
19
20
Trata-se de estudo retrospectivo do sistema digestório em necrópsias de indivíduos
HIV positivos realizadas pela Disciplina de Patologia Especial/Serviço de Patologia
Cirúrgica da UFTM, no período de 1989, ano em que foi realizada a primeira necrópsia de
indivíduo com SIDA na Instituição, até dezembro de 1996. Esse período é anterior à
introdução da terapia anti-retroviral altamente eficaz (HAART) para o tratamento de
pacientes com SIDA na UFTM.
Este trabalho teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Coordenadoria de Pesquisa e Pós-graduação da UFTM (Anexo A).
Este estudo faz parte de uma linha de pesquisa da Disciplina de Patologia Especial
da UFTM, que possui um banco de dados onde foram listados indivíduos com sorologia
positiva para HIV. No período citado foram feitas 847 necrópsias, das quais 96 eram de
HIV positivos; entretanto, três casos foram excluídos deste estudo por ausência de cortes
20
21
histológicos e de fragmentos de reserva dos órgãos do sistema digestório fixados em
formol. Portanto, o número final de casos analisados foi 93. Nessas necrópsias, após o
exame macroscópico foram coletadas amostras dos órgãos para exame microscópico, as
quais foram fixadas em formaldeído a 10%. Posteriormente, cortes histológicos foram
preparados a partir dessas amostras e corados através da técnica de Hematoxilina-Eosina
(HE). Foram revistos os cortes histológicos e feitos cortes adicionais quando necessário.
Quando observadas alterações microscópicas que justificassem pesquisa de agentes
infecciosos específicos, foram feitas colorações histoquímicas para a pesquisa de
micobactérias (Fite-Faraco) e fungos (Grocott, PAS e mucicarmin). Quando indicado,
realizou-se imuno-histoquímica para T. gondii, CMV, HSV, HPV e EBV.
Foi elaborado um protocolo para o relato das alterações macro e microscópicas
encontradas nos órgãos do sistema digestório. Cortes histológicos de língua, esôfago,
estômago, intestino delgado, intestino grosso e apêndice estavam incluídos na análise
microscópica. Como não havia cortes histológicos de todos esses órgãos em todos os
casos, os resultados serão apresentados na forma de números absolutos e porcentagem
sobre o total de casos avaliados de cada segmento do sistema digestório.
Relatórios dessas necrópsias foram revistos, nos quais constava o sumário do
quadro clínico e a descrição do exame macro e microscópico de todos os órgãos
examinados
na
necrópsia.
Procuramos
analisar
a
importância
das
alterações
gastrointestinais em relação ao quadro clínico e, também, em relação ao óbito do paciente.
Para isso, foram revisados, também, os prontuários médicos dos pacientes.
Por fim, os achados macro e microscópicos foram dispostos em uma tabela que
continha as informações de todos os órgãos do sistema digestório analisados em cada
necrópsia.
21
22
Os resultados foram avaliados por uma análise descritiva e expressos em termos de
freqüência das alterações observadas no sistema digestório como um todo e, a seguir,
detalhados para cada segmento avaliado, desde a língua até o intestino grosso.
22
23
RESULTADOS
23
24
No período de janeiro de 1989 a dezembro de 1996 foram realizadas 847 necrópsias
pela Disciplina de Patologia Especial/Serviço de Patologia Cirúrgica do Hospital de
Clínicas da UFTM. Desses 847 casos, 96 (11%) eram de HIV positivos. Entretanto, 3 casos
foram excluídos deste estudo porque não havia amostras histológicas do sistema digestório.
Portanto, foram analisados 93 casos de necrópsias de indivíduos HIV positivos. Dentre
estes, somente três não apresentavam critérios clínicos para o diagnóstico de SIDA. Todos
os demais 90 (97%) tinham diagnóstico sorológico de infecção por HIV e critérios clínicos
de SIDA. Dos 93 casos estudados, 77 (82,8%) eram do sexo masculino e 16 (17,2%) do
sexo feminino (Gráfico 1), com idade variando de 2 meses a 67 anos, média de 33,2±11,3 e
mediana de 30 anos. Havia apenas uma criança, de 2 meses de idade, cuja mãe era
portadora de SIDA; todos os demais indivíduos eram adultos (Gráfico 2).
24
25
Feminino (n=16)
17,2%
82,8%
Gráfico 1 - Distribuição dos 93 pacientes HIV positivos segundo o sexo.
DISTRIBUIÇÃO PORINTERVALOSDE IDADE
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
11-20 21-30 31-40 41-50 51-60 61-70
0-10 11-20
Gráfico 2 - Distribuição dos 93 pacientes HIV positivos segundo a faixa etária.
25
Masculino (n=77)
26
Como observa-se no Gráfico 2, a maioria dos casos de necrópsia foi em adultos
jovens. Chama a atenção, ainda, a escassez de crianças e de idosos.
Quanto ao estudo anatomopatológico, foram encontradas alterações macro e/ou
microscópicas em algum segmento do sistema digestório em 73 (78,5%) dos 93 casos. Na
Tabela 1 encontram-se listadas as alterações morfológicas identificadas de modo global
nos vários segmentos do sistema digestório nos 93 casos de necrópsia de HIV avaliados.
As principais alterações vistas foram de natureza infecciosa, presentes em 71 (76,3%) dos
93 casos. Neoplasias foram raras, tendo sido identificadas apenas em 4 (4,3%) casos. Em
vários casos havia diferentes infecções concomitantes.
26
27
Tabela 1 - Principais alterações morfológicas no sistema digestório em 93 necrópsias de
pacientes HIV positivos.
Lesão no sistema digestório
n
%
T. gondii
9
9,7
Cryptosporidium
2
2,1
Isospora
1
1,1
Candida sp
39
42,0
H. capsulatum
11
11,8
C. neoformans
3
3,2
P. brasiliensis
2
2,1
9
9,7
Citomegalovírus
27
29,0
Herpes simples
3
3,2
S. stercoralis
4
4,3
A. lumbricoides
3
3,2
Taenia
1
1,1
Sarcoma de Kaposi
2
2,1
Adenocarcinoma
1
1,1
Metástase de carcinoma embrionário
1
1,1
INFECÇÕES
Protozoários
Fungos
Bactérias
Micobactérias
Vírus
Helmintos
NEOPLASIAS
Nota: Múltiplos agentes infecciosos foram observados simultaneamente em alguns casos; n = número de casos.
Analisando-se em conjunto todos os segmentos do sistema digestório, nota-se na
Tabela 1 que a infecção mais comum foi candidíase, encontrada em 39 (42%) dos 93
pacientes,
seguida
por
citomegalovirose
(27/29%),
toxoplasmose (9/9,6%) e infecção por micobactéria (9/9,6%).
27
histoplasmose
(11/11,8%),
28
Neste estudo observamos micobactérias com aspecto morfológico diverso. Como o método
preciso para determinação da espécie de micobactéria é a cultura, preferimos agrupar todos
os casos em conjunto, como infecção por micobactérias. Em alguns casos o aspecto
morfológico era sugestivo de M. avium intracellulare (bacilos longos corados pelo método
de Fite-Faraco, por vezes formando globias, dentro do citoplasma de macrófagos - Figura
1). Não foi possível realizar cultura para micobactéria em nenhum dos casos.
Figura 1 – Numerosos bacilos álcool-ácido resistentes, longos, dentro do citoplasma de
macrófagos; aspecto morfológico compatível com Mycobacterium avium intracellulare (FiteFaraco, 1000x).
28
29
Nos órgãos com estruturas morfologicamente compatíveis com infecção por T. gondii
(Figura 2) foi feito estudo imuno-histoquímico, sendo observada positividade em 3 (33%)
de 9 casos (Figura 3). Apesar da negatividade imuno-histoquímica em 6 (67%) casos, o
aspecto morfológico ao HE, associado aos dados clínicos e à análise microscópica dos
demais órgãos, era compatível com toxoplasmose. A negatividade à imuno-histoquímica
talvez possa decorrer do fato de que havia raras formas desse parasita ao HE que não
apareceram na preparação dos novos cortes ou que, por haver autólise intensa, não tenha
sido possível destacar o agente.
29
30
Figura 2 – Mucosa gástrica com cisto íntegro com estruturas compatíveis com T. gondii
(HE, 1000x).
Figura 3 – Mucosa gástrica com formas livres de T. gondii à imuno-histoquímica (1000x).
30
31
Em 26 de 27 casos havia inclusões citomegálicas típicas (Figura 4), observadas em células
endoteliais, epiteliais e da lâmina própria da mucosa. Apenas em 1 caso o diagnóstico só
foi possível através de imuno-histoquímica, pois o aspecto não era característico ao HE.
Figura 4 – Inclusões citomegálicas em células epiteliais da mucosa gástrica (HE, 400x).
31
32
Imuno-histoquímica também foi empregada para confirmação de HSV em um caso de
esofagite ulcerada, no qual as alterações não eram típicas ao HE (Figura 5). A técnica de
imuno-histoquímica foi também utilizada para a pesquisa de EBV e HPV na língua de
pacientes com hiperplasia epitelial, papilomatose e hiperparaceratose para avaliarmos a
relação desses vírus com LPO.
Figura 5 – Imuno-histoquímica anti-HSV em úlcera esofágica (100x).
32
33
Histoplasmose disseminada foi encontrada em 11 (11,8%) dos casos. O diagnóstico
morfológico foi baseado no encontro de pequenos esporos, com brotamento único, por
vezes no interior de macrófagos, corados através da técnica de Grocott (Figura 6).
Figura 6 – Esporos pequenos, com ocasionais brotamentos únicos, compatíveis com
Histoplasma capsulatum (Grocott, 400x).
Com relação aos 4 casos em que foram observadas neoplasias, 2 apresentavam SK
disseminado, 1 adenocarcinoma gástrico e 1 era metástase de carcinoma embrionário para
a serosa intestinal. Desses 4 casos, apenas o paciente com carcinoma embrionário não tinha
critérios clínicos de SIDA; outros 2 pacientes, além de neoplasias, apresentavam infecções
oportunistas (candidíase e criptococose).
33
34
Com relação à freqüência de comprometimento do sistema digestório, alterações
foram observadas em todos os segmentos analisados: língua (48,6%), esôfago (44,8%),
estômago (44,7%), intestino grosso (43,2%) e intestino delgado (28,9%). Observa-se que
apenas no intestino delgado a frequência foi bem menor que nos demais segmentos.
Com relação à língua, foram observadas alterações em 37 (48,6%) de 76 casos em
que foi possível analisar microscopicamente o órgão (Tabela 2).
Tabela 2 - Principais alterações morfológicas encontradas na língua em 76 necrópsias de
pacientes HIV positivos.
Lesão na língua
n
Candidíase
21
27,6
Leucoplasia pilosa oral
4
5,2
Candidíase + leucoplasia pilosa oral
2
2,6
Histoplasmose
3
3,9
Candidíase + histoplasmose
2
2,6
Criptococose
1
1,3
Candidíase + paracoccidioidomicose
1
1,3
Candidíase + criptococose
1
1,3
Candidíase + toxoplasmose + citomegalovirose
1
1,3
Infecção por micobactéria
1
1,3
37
48,6
TOTAL
%
n = número de casos.
Observa-se na Tabela 2 que a alteração mais freqüente foi infecção por Candida sp,
presente em 28 (36,8%) dos 76 casos (Figura 7). Hifas e esporos de Candida sp foram
observados principalmente em áreas de hiperparaceratose na língua, associados a infiltrado
inflamatório polimorfonuclear. Nota-se que em 7 (25%) desses 28 casos de candidíase
havia associação com outra infecção/alteração. Dos 6 casos com diagnóstico de LPO, em 4
foi feito estudo imuno-histoquímico para EBV e HPV, sendo encontrada positividade para
34
35
EBV em 3 casos. Todos os 4 casos foram negativos para HPV e 1 caso foi negativo tanto
para EBV quanto para HPV.
Figura 7 – Esporos e hifas de Candida sp. em áreas de hiperparaceratose na língua (Grocott,
400x).
Com relação ao esôfago, foi possível a análise microscópica em 78 dos 93 casos
(Tabela 3). Em 35 (44,8%) dos 78 casos foram encontradas alterações, representadas por
infecções em 33 (42,3%) deles e neoplasia apenas em 1 (1,3%) caso.
35
36
Tabela 3 - Principais alterações morfológicas encontradas no esôfago em 78 necrópsias de
pacientes HIV positivos.
Lesão no esôfago
n
%
13
16,6
Citomegalovirose
9
11,5
Candidíase + infecção herpética + histoplasmose
1
1,3
Candidíase + infecção herpética + citomegalovirose
1
1,3
Candidíase + citomegalovirose
1
1,3
Histoplasmose
1
1,3
Citomegalovirose + infecção herpética
1
1,3
Citomegalovirose + toxoplasmose
2
2,6
Toxoplasmose
2
2,6
Infecção por micobactéria
2
2,6
Sarcoma de Kaposi
1
1,3
Lacerações longitudinais
1
1,3
35
44,8
Candidíase
TOTAL
n = número de casos.
Como se observa na tabela 3, a infecção mais comum no esôfago foi candidíase,
presente em 16 (20,5%) dos 78 casos. Nota-se, ainda, que candidíase esofágica estava
associada a outros agentes infecciosos em 3 casos. A segunda infecção mais freqüente foi
por CMV, encontrada em 14 (18%) esôfagos; sendo que em 5 desses casos havia outras
infecções concomitantes. A terceira infecção mais freqüente foi toxoplasmose, presente em
4 (5,1%) casos, embora associada a outros agentes infecciosos em 2 deles. No esôfago foi
encontrada neoplasia (SK) em um único paciente, que apresentava comprometimento
também do estômago e intestinos.
Quanto ao estômago, foi possível a análise microscópica em 85 dos 93 casos.
Alterações estavam presentes em 38 (44,7%) dos 85 casos. Como observa-se na Tabela 4,
36
37
as
alterações
gástricas
podem
ser
classificadas
em:
lesões
infecciosas,
pépticas/inflamatórias e neoplásicas.
Tabela 4 - Principais alterações morfológicas encontradas no estômago em 85 necrópsias de
pacientes HIV positivos.
Lesão no estômago
n
%
Citomegalovirose
8
9,4
Estrongiloidíase
3
3,5
Citomegalovirose + criptosporidiose
1
1,2
Citomegalovirose + candidíase
1
1,2
Citomegalovirose + toxoplasmose
1
1,2
Criptococose
3
3,5
Toxoplasmose
2
2,4
Criptosporidiose
1
1,2
Histoplasmose
1
1,2
Infecção por H. pylori
1
1,2
Gastrite crônica com metaplasia intestinal
5
5,9
Úlcera péptica crônica
3
3,5
Erosões/ulcerações agudas
5
5,9
Sarcoma de Kaposi
2
2,4
Adenocarcinoma
1
1,2
38
44,7
TOTAL
n = número de casos.
Como se pode ver na Tabela 4, a infecção mais freqüente no estômago foi por
CMV, presente em 11 (12,9%) dos 85 casos. Em 3 desses casos observou-se associação de
infecção por CMV com outros agentes infecciosos. Com relação às alterações pépticas e
inflamatórias, observou-se infecção por H. pylori apenas em 1 caso e gastrite crônica com
metaplasia intestinal em 5 casos, um deles com displasia epitelial leve. Úlceras pépticas
crônicas foram observadas em 3 casos e erosões/ulcerações agudas em 5 casos. As últimas
constituíram foco de sangramento digestivo, contribuindo para o óbito desses pacientes.
37
38
Havia neoplasias gástricas malignas em 3 casos (2 SK e 1 adenocarcinoma de
células em anel de sinete). Em ambos os casos de SK, a neoplasia era disseminada no
sistema digestório; observou-se comprometimento do esôfago, estômago, intestinos
delgado e grosso em um caso, e estômago e intestino delgado no outro caso. O SK
apresentou-se macroscopicamente como lesões planas ou elevadas na mucosa, vermelhovinhosas e disseminadas. Adenocarcinoma gástrico ulcerado com padrão de células em
anel de sinete com carcinomatose peritoneal foi observado em um paciente, no qual a
hemorragia digestiva alta contribuiu para o óbito.
Com relação ao intestino delgado, foi possível a análise histológica em 88 dos 93
casos. Foram observadas alterações em 26 (28,9%) dos 88 casos (Tabela 5).
38
39
Tabela 5 - Principais alterações morfológicas encontradas no intestino delgado em 88
necrópsias de pacientes HIV positivos.
Lesão no intestino delgado
n
%
Citomegalovirose
6
6,8
Infecção por micobactéria
4
4,5
Histoplasmose
4
4,5
Ascaridíase
3
3,4
Estrongiloidíase
2
2,2
Criptococose
2
2,2
Toxoplasmose
1
1,1
Criptosporidiose
1
1,1
Sarcoma de Kaposi
2
2,2
Úlcera péptica crônica
1
1,1
26
28,9
TOTAL
n = número de casos.
Como observa-se na Tabela 5, a infecção por CMV foi a alteração mais freqüente,
presente em 6 (6,8%) dos 88 casos. Além do CMV, observaram-se infecções por fungos,
micobactérias, protozoários e helmintos. SK foi observado em 2 (2,2%) casos já referidos
anteriormente, nos quais houve comprometimento também do estômago. Apenas em 1
(1,1%) caso foram vistas lesões pépticas; tratavam-se de 2 úlceras duodenais crônicas, com
“imagem em espelho”, que não apresentavam sangramento relevante ao óbito.
Quanto ao intestino grosso, foi possível a análise microscópica em 88 dos 93 casos
(Tabela 6), sendo encontradas alterações em 38 (43,2%) deles.
39
40
Tabela 6 - Principais alterações morfológicas encontradas no intestino grosso em 88
necrópsias de pacientes HIV positivos.
Lesão no intestino grosso
n
%
Citomegalovirose
8
9,0
Infecção por micobactéria
7
8,0
Histoplasmose
7
8,0
Estrongiloidíase
3
3,4
Citomegalovirose + criptosporidiose
1
1,1
Citomegalovirose + candidíase
1
1,1
Citomegalovirose + paracoccidioidomicose
1
1,1
Citomegalovirose + histoplasmose
1
1,1
Paracoccidioidomicose
1
1,1
Teníase
1
1,1
Isosporíase
1
1,1
Sarcoma de Kaposi
1
1,1
Toxoplasmose
2
2,2
Criptococose
1
1,1
Candidíase
1
1,1
Metástase de carcinoma embrionário na serosa
1
1,1
38
43,2
TOTAL
n = número de casos.
Observa-se na Tabela 6 que, assim como nos demais segmentos, predominaram as
infecções e, da mesma forma como ocorreu no estômago e intestino delgado, houve
predomínio de citomegalovirose, encontrada em 12 (13,6%) dos 88 casos. Em 3 desses
casos havia associação com outro agente infeccioso. Além de vírus, fungos e protozoários,
identificou-se, também, infecção por micobactérias em 7 (8%) dos 88 casos. Dentre os
protozoários, chama a atenção o encontro de um caso com infecção por Isospora e outro
com infecção por Cryptosporidium (Figura 8). Ambos são agentes infecciosos difíceis de
serem encontrados em material de necrópsia devido à autólise. Em um caso, havia também,
infecção por CMV e H. capsulatum na borda anal.
40
41
Figura 8 – Estruturas morfologicamente compatíveis com Cryptosporidium no topo das
células epiteliais das criptas do intestino grosso (PAS, 400x).
Com relação às neoplasias, observou-se um caso com SK e, em outro caso,
observou-se infiltração da serosa do intestino grosso e presença de êmbolos neoplásicos de
carcinoma embrionário retroperitoneal em vasos linfáticos.
Avaliação histológica do apêndice foi possível apenas em 24 casos. A alteração
mais comumente encontrada foi diminuição do tecido linfóide da mucosa do apêndice
(“depleção linfóide”), observada em 8 casos. Em 2 casos havia infecções intestinais que
comprometiam, também, o apêndice (1 com C. neoformans e outro com micobactérias
atípicas). Em outros 2 casos foram encontradas alterações inespecíficas (apendicecopatia
obliterante e apendicite aguda incipiente).
41
42
Outro aspecto que se tentou avaliar nesse estudo foi se as alterações do sistema
digestório foram relevantes para o óbito e se faziam ou não parte da doença principal em
cada caso. Em 41 (44%) das 93 necrópsias, a doença que ocasionou o óbito comprometia,
também, o sistema digestório. Desses 41 casos, em apenas 5 (5,4% do total de 93
necrópsias), a causa imediata do óbito estava localizada no sistema digestório (choque
hipovolêmico por hemorragia digestiva). Tratam-se dos seguintes casos:
1. paciente etilista crônico com síndrome de Mallory-Weiss, sorologia positiva para
HIV, mas sem doença definidora de SIDA;
2. paciente com esofagite extensa, necro-hemorrágica, com infecção por Candida sp.,
H. capsulatum e HSV e enterocolite hemorrágica por H. capsulatum;
3. paciente com adenocarcinoma gástrico ulcerado de células em anel de sinete, com
carcinomatose peritoneal;
4. paciente com tuberculose disseminada, com comprometimento hepático extenso; e
5. paciente com cardiopatia chagásica grave, úlceras agudas gástricas e infarto
mucoso e mural do ceco e cólon ascendente; HIV positivo, mas sem doença
definidora de SIDA.
Nos demais 36 casos, as doenças infecciosas sistêmicas ou neoplasias disseminadas
que ocasionaram o óbito comprometiam, também, o sistema digestório (Tabela 7):
histoplasmose (11 casos), infecção por micobactéria (9 casos), toxoplasmose (7 casos),
criptococose (3 casos), citomegalovirose (2 casos), paracoccidioidomicose (2 casos),
candidíase (1 caso) e sarcoma de Kaposi (1 caso). Outras alterações encontradas nos
vários segmentos do sistema digestório não tiveram relação com a causa do óbito. De
fato, candidíase foi a lesão mais encontrada e, apesar do desconforto clínico ao paciente
42
43
(dor, disfagia), não justificaria o óbito, com exceção de um caso, anteriormente
relacionado, no qual o comprometimento pulmonar por Candida sp. ocasionou o óbito.
Infecções outras, tais como por HSV, criptosporidiose, isosporíase, ascaridíase,
estrongiloidíase e teníase embora fossem, provavelmente, relacionadas à SIDA, não
eram a causa imediata do óbito.
Tabela 7- Doença associada ao HIV/SIDA causadora do óbito com comprometimento
gastrointestinal em 93 necrópsias de pacientes HIV positivos.
n
%
11
11,8
Infecção por micobactéria
9
9,7
Toxoplasmose
7
7,5
Criptococose
3
3,2
Citomegalovirose
2
2,2
Paracoccidioidomicose
2
2,2
Candidíase
1
1,1
Sarcoma de Kaposi
1
1,1
36
38,7
Doença
Histoplasmose
TOTAL
n = número de casos.
Analisando-se a Tabela 7 percebemos que, das 93 necrópsias estudadas, em 38,7%
havia comprometimento do sistema digestório pela doença principal (infecção ou
neoplasia) causadora do óbito do paciente.
43
44
DISCUSSÃO
44
45
A idade média dos pacientes submetidos à necrópsia analisados nesta pesquisa
(33,2 anos) é semelhante à de outros estudos brasileiros realizados em regiões
geograficamente próximas a Uberaba (BORGES et al, 1997 – 33,3 anos; CURY et al,
2003 – 34,8 anos). A predominância de comprometimento do sexo masculino também está
de acordo com os dados da Literatura.
Neste estudo o comprometimento gastrointestinal ocorreu em 78,5% dos casos, taxa
semelhante a do trabalho de CARVALHO et al (1994), no qual isso ocorreu em 82,3% dos
casos. Alterações foram observadas em todos os segmentos analisados: língua (48,6%),
esôfago (44,8%), estômago (44,7%), intestino grosso (43,2%) e intestino delgado (28,9%).
O apêndice também foi sede de alterações em 2 (8,3%) de 24 casos onde foi possível a
45
46
análise microscópica. Na Literatura, encontramos poucos trabalhos que apresentam as
alterações do sistema digestório por segmentos (CARVALHO et al, 1994), como fizemos.
Em nossa avaliação, o órgão mais comprometido foi a língua (48,6%). Esse índice é
menor que no estudo de CARVALHO et al (1994), no qual a boca foi o local mais
comumente afetado (73,3%). Essa diferença provavelmente é devida à metodologia
empregada, pois, diferente do trabalho citado (CARVALHO et al, 1994), não fizemos
estudo global da cavidade oral, mas apenas da língua. CARVALHO et al (1994)
encontraram a LPO como lesão mais frequente, presente em 16 (35,5%) de 45 necrópsias
avaliadas. A LPO é um marcador de imunossupressão, não sendo exclusiva de pacientes
HIV positivos, mas considerada uma condição sintomática da infecção por HIV (CDC –
categoria B). Em nosso estudo, encontramos 6 (8%) casos de LPO, cujo diagnóstico
microscópico foi feito com base nas alterações histológicas descritas por FERNANDEZ et
al (1990), com exceção das inclusões intranucleares que não foram observadas em nenhum
dos nossos casos. Positividade imuno-histoquímica para EBV, agente supostamente
responsável pelo desenvolvimento da LPO, foi observada em 3 dos 4 casos que avaliamos
por esse método. Outro estudo de necrópsias (FARIA et al, 2005) avaliou apenas a língua,
tendo achado LPO em 45,6% dos pacientes. É possível que parte dessa diferença tenha
relação com a metodologia de amostragem para microscopia. No estudo de FARIA et al
(2005) várias regiões da língua foram representadas histologicamente segundo
padronização prévia e, em nosso estudo, a língua foi amostrada aleatoriamente ou nos
locais com lesão macroscópica. Ademais, outro fator que pode explicar essa diferença é a
subjetividade na avaliação microscópica da lesão. Além disso, tratamento com antivirais
pode ter contribuído para o baixo número de casos dessa condição, situação encontrada
também por LEONARD et al (1997), que em estudo de 20 necrópsias encontrou apenas
5% de LPO.
46
47
Na avaliação dos demais segmentos, notamos predominância de lesões infecciosas
sobre as neoplásicas, à semelhança do encontrado por CARVALHO et al (1994) que
enontraram os seguintes percentuais de comprometimento em cada segmento: esôfago 28,8%; estômago - 28,8%; intestino delgado - 46,6%; apêndice - 6,6%; cólon - 55,5% e
reto/ ânus - 11,1%. Neste estudo, as infecções mais frequentes nos segmentos do sistema
digestório foram: CMV no estômago, intestino delgado e intestino grosso e Candida sp na
língua e no esôfago. Neoplasias foram observadas, também, nos vários segmentos,
diferente de CARVALHO et al (1994), que não relatam o encontro de neoplasias no
esôfago nem no cólon. Os dois pacientes deste estudo com SK apresentaram lesões
disseminadas, um deles com comprometimento do esôfago, estômago, intestino delgado e
intestino grosso. Não observamos nenhum linfoma dentre os nossos casos.
Com relação ao intestino grosso, encontramos alterações em 43,2% dos casos,
percentual menor que o descrito por CARVALHO et al (1994), no qual o cólon
apresentava alterações em 55,5% dos casos. Em ambos os estudos, a infecção por CMV foi
a mais frequente nessa localização, embora com freqüência bem menor em nosso estudo
(33,3% versus 13,6%).
Considerando-se todo o sistema digestório, infecção por CMV ocorreu em 29% dos
nossos casos. Outros estudos mostram o sistema digestório como uma das sedes mais
freqüentes de infecção por CMV. MONFORTE et al (1997) encontraram infecção por
CMV no sistema digestório em 25,4% de 134 necrópsias avaliadas; KLATT & SHIBATA
(1988) em 30% de 164 necrópsias; NETTO et al (1990) em 33% de 58 necrópsias. Na
Índia, em estudo do sistema digestório em 49 necrópsias (LANJEWAR et al, 1995),
infecção por CMV foi observada em 27% dos casos. Além do cólon, encontramos infecção
47
48
por CMV em todos os segmentos pesquisados, tendo sido também a infecção mais
freqüente no estômago e no intestino delgado.
A repercussão clínica da infecção por CMV é variada, sendo observada pouca ou
até mesmo nenhuma reação tecidual no órgão comprometido. Os pacientes geralmente não
apresentam sintomas gastrointestinais. A doença avançada é representada por erosão ou
ulceração mucosa, provocando diarréia aquosa de difícil diagnóstico diferencial com outras
causas de diarréia nos pacientes HIV positivos (YARRISH, 1992), sendo necessário
realizar biópsias das lesões para diagnóstico definitivo. Entretanto, muitas vezes, o mau
estado geral do paciente impossibilita a realização de endoscopia digestiva alta ou
colonoscopia para amostragem tecidual. Infecção por CMV, portanto, deve sempre estar
entre os diagnósticos diferenciais de pacientes HIV positivos com sintomas digestivos.
Infecção por Candida sp. foi a mais frequente, encontrada em 39 (42%) casos. De
fato, candidíase oral e esofágica, os dois principais sítios de infecção por Candida sp., são
comuns em pacientes HIV positivos, sendo a candidíase esofágica considerada critério
indicador de SIDA em pacientes HIV positivos (CDC – Categoria C). Em nosso estudo,
encontramos infecção por Candida sp. comprometendo, ainda, o estômago (1 caso) e o
intestino grosso (2 casos). Em dois desses casos, a candidíase estava associada à infecção
por CMV. As úlceras mucosas causadas pelo CMV podem sofrer superinfecção por fungos
e bactérias, justificando essa frequente associação. A candidíase geralmente é vista nas
superfícies mucosas, ocasionalmente invadindo profundamente os tecidos e produzindo
doença sistêmica. Em nosso estudo um paciente com candidíase oral desenvolveu
comprometimento pulmonar que ocasionou o óbito. GÖRNIG et al (1997), em estudo de
biópsias esofágicas comparando grupos de pacientes imunodeprimidos por infecção por
HIV e por quimioterapia anti-neoplásica, constataram que apenas os pacientes infectados
48
49
por HIV apresentavam Candida sp. invadindo profundamente a muscular própria e a
adventícia esofágica em 2 de 5 biópsias analisadas. Nesse estudo observou-se invasão
vascular por Candida sp. em 3 das 5 biópsias analisadas.
A terceira infecção mais frequente foi histoplasmose (11 casos; 11,8%), micose
profunda cuja via de contaminação é aérea, com desenvolvimento de reação granulomatosa
no parênquima pulmonar e em linfonodos regionais, a exemplo do que acontece na
primoinfecção por M. tuberculosis, geralmente evoluindo com cicatrização e calcificação
das regiões comprometidas. Todavia, em imunodeficientes, essa infecção pode progredir
resultando em micose sistêmica. Por isso, é importante identificar áreas endêmicas para
histoplasmose. É provável que Uberaba seja uma área endêmica de histoplasmose. Esta
hipótese foi feita por ADAD et al (1996), após realização de estudo sequencial de 127
necrópsias de adultos realizadas na UFTM, no qual verificaram que em 39 casos havia
nódulos e/ou linfonodos pulmonares calcificados encontrando Histoplasma capsulatum em
69,2% deles. A partir desses achados, os autores levantam a possibilidade de Uberaba ser
uma região endêmica da histoplasmose (apesar da ausência de estudos epidemiológicos
específicos), o que seria importante para a reinfecção exógena em imunodeprimidos. Em
nosso estudo, encontramos H. capsulatum em todos os segmentos do sistema digestório
pesquisados, com exceção do apêndice. No estudo de CARVALHO et al (1994) houve
apenas três casos de histoplasmose, ambos localizados na cavidade oral. BORGES et al
(1997) em estudo realizado na Universidade Federal de Uberlândia, mesma região
geográfica em que nosso estudo foi desenvolvido, encontraram histoplasmose em 6
(11,5%) de 52 necrópsias de SIDA; em um deles havia comprometimento intestinal.
LANJEWAR et al (1995), na Índia, não encontraram nenhum caso de histoplasmose no
sistema digestório em 49 necrópsias de indivíduos HIV positivos. Em estudo peruano
realizado por EZA et al (2006) 19% de 16 necrópsias apresentaram histoplasmose
49
50
disseminada, em um dos casos houve comprometimento simultâneo dos intestinos delgado
e grosso. No estudo de EZA et al (2006) a histoplasmose disseminada foi causa do óbito
em 3 (19%) casos; em nosso estudo houve 11 (11,8%) pacientes que faleceram em
decorrência de histoplasmose disseminada. Essas diferenças possivelmente devem-se às
variações geográficas e regionais de incidência da histoplasmose. A frequência vista no
estudo em Uberlândia (11,5%) foi similar à do nosso estudo (11,8%), o que pode sugerir
que o Triângulo Mineiro seja mesmo uma área endêmica de histoplasmose, pois os dados
da Literatura (ADAD et al, 1996) parecem indicar que os pacientes com SIDA que
desenvolvem histoplasmose vivem em zonas endêmicas.
Toxoplasmose e infecção por micobactéria ocorreram, cada uma, em 9,6% dos
casos. A toxoplasmose é uma doença provocada pelo protozoário T. gondii, visível em
cortes histológicos corados por HE; no entanto, é necessário diagnóstico diferencial com
outros protozoários (T. cruzi, Leishmania) e fungos (Histoplasma). O diagnóstico
diferencial com fungos pode ser feito facilmente através de coloração histoquímica de
impregnação pela prata (método de Grocott). Todavia, para a diferenciação entre
Toxoplasma e T. cruzi o ideal é utilizar imuno-histoquímica. A forma do parasita
encontrada nos tecidos é de bradizoítos ou taquizoítos, encistados ou livres no órgão
parasitado. Em nosso estudo, formas do T. gondii foram encontradas em todos os
segmentos do sistema digestório avaliados. No esôfago e no intestino grosso estavam
localizados na camada muscular própria. No estômago e na língua, cistos de T. gondii e
formas livres foram vistos na lâmina própria da mucosa. Observamos, também, infecção
por T. gondii localizada no mesentério, associada a esteatonecrose. Os estudos de
necrópsias avaliando o sistema digestório de indivíduos com SIDA de CARVALHO et al
(1994) e LANJEWAR et al (1995) não relatam o encontro de toxoplasmose nesse sítio.
BORGES et al (1997) relatam 2 (4%) casos de toxoplasmose em 52 necrópsias. Em um
50
51
deles havia comprometimento do esôfago. Estômago e intestino estavam comprometidos
no outro caso. Estudo de 395 necrópsias em indivíduos com SIDA, realizado por
HOFMAN et al (1999), mostrou toxoplasmose em 26% dos casos, sendo a segunda
infecção mais frequentemente observada; em 4 (1%) desses casos houve comprometimento
do sistema digestório. A alta frequência de toxoplasmose nesse estudo foi atribuída à alta
prevalência de infecção por T. gondii na França. No Brasil, a prevalência de anticorpos
anti-toxoplasma varia de 50 a 80% (FRENKEL, 2005), podendo explicar o encontro de
formas disseminadas da doença afetando também o sistema digestório em pacientes com
SIDA. Na toxoplasmose pode ocorrer reativação endógena, diferente da histoplasmose, na
qual o fungo em geral está morto no antigo complexo primário (ADAD et al, 1996), sendo
necessária nova infecção pelo agente.
Com relação à infecção por micobactérias, encontramos BAAR comprometendo a
língua, o esôfago, os intestinos e o apêndice. Na literatura há grandes variações quanto à
taxa de infecção por micobactérias no sistema digestório. Em estudo de 350 necrópsias,
MONFORTE et al (1996) demonstraram infecção por micobactérias comprometendo o
sistema digestório em 7 (2%) dos casos necrópsia, enquanto na Índia, LANJEWAR et al
(1995) encontraram comprometimento em 7 (14%) de 49 pacientes analisados. Nesses dois
estudos há maior índice de infecção pelo M. tuberculosis em comparação às micobactérias
atípicas, em contraste com os achados norte-americanos, onde predomina a infecção por
micobactérias atípicas (WILKES et al, 1988). Nosso resultado aproxima-se mais do estudo
de CARVALHO et al (1994), no qual infecção por micobactéria no sistema digestório foi
encontrada em 3 (6,7%) de 45 necrópsias. Nesse estudo houve 2 casos de infecção por M.
avium-intracellulare e 1 caso de infecção por M. tuberculosis. Esses autores se basearam
em critérios morfológicos para determinação da espécie do bacilo, e também não
realizaram cultura para Mycobacterium.
51
52
Observamos ainda outras infecções menos freqüentes, tanto virais (HSV), fúngicas
(criptococose e paracoccidioidomicose), parasitismo por helmintos (ascaridíase, teníase e
estrongiloidíase) e por protozoários (criptosporidiose e isosporíase). Chama a atenção o
raro encontro desses protozoários em necrópsias, apesar de serem patógenos comuns em
pacientes HIV positivos. Esse fato provavelmente se deve à autólise que ocorre no sistema
digestório em material de necrópsia, dificultando a observação de parasitas que infectam a
superfície da mucosa, dificuldade relatada também por outros autores em estudos de
necrópsias (CARVALHO et al, 1994; ANSARI et al, 2002; EZA et al, 2006).
Muitos pacientes apresentaram lesões com mais de uma etiologia, condição comum
nos pacientes com SIDA e observadas em 37,7% dos casos no estudo de CARVALHO et
al (1994).
Com relação às neoplasias encontradas, nossos resultados são concordantes com
estudos brasileiros prévios (MICHALANY et al, 1986; NETTO et al, 1990; CURY et al,
2003; MICHELETTI, 2007), que referem baixa incidência de neoplasias nos pacientes
HIV positivos. Em nosso estudo, apenas 4 (4,3%) pacientes apresentaram neoplasias
comprometendo o sistema digestório: 2 SK, 1 adenocarcinoma gástrico e 1 com metástase
de carcinoma embrionário retroperitoneal na serosa intestinal. No estudo de CARVALHO
et al (1994) foram observadas neoplasias em 7 (15,5%) de 45 necrópsias analisadas (4 SK,
2 carcinomas intramucosos anais e 1 linfoma gástrico). Em outro estudo brasileiro (CURY
et al, 2003), houve apenas 3 (3,2%) neoplasias (2 linfomas não-Hodgkin e 1 linfoma de
Hodgkin) em 92 pacientes com SIDA necropsiados.
As doenças do sistema digestório foram causa imediata do óbito (choque
hipovolêmico por hemorragia digestiva) em 5 (5,4%) casos. Em 36 casos (38,7%), as
infecções sistêmicas e neoplasias causadoras do óbito comprometiam, também, o sistema
52
53
digestório, confirmando a importância desse sistema como sede de alterações patológicas
relacionadas à infecção por HIV e à SIDA.
53
54
CONCLUSÕES
54
55
1- O percentual de necrópsias de HIV positivos no período de janeiro de 1989 a
dezembro de 1996 foi de 11,3% (96 casos) do total de 847 realizadas pela
disciplina de Patologia Especial/Serviço de Patologia Cirúrgica da UFTM.
Entretanto, 3 casos foram excluídos deste estudo por não haver representação
microscópica do sistema digestório.
2- Em 73 (78,5%) das 93 necrópsias de HIV positivos houve comprometimento do
sistema digestório.
3- Análise dos achados dessas necrópsias evidenciou que a principal causa de
comprometimento do sistema digestório em indivíduos HIV positivos é infecciosa.
Analisando-se todos os segmentos do sistema digestório em conjunto, as infecções
mais comuns foram candidíase (42%) seguida por citomegalovirose (29%).
55
56
Alterações foram observadas em todos os segmentos analisados: língua (48,6%),
esôfago (44,8%), estômago (44,7%), intestino grosso (43,2%) e intestino delgado
(28,9%).
4- Neoplasias comumente relacionadas à SIDA (Sarcoma de Kaposi), 1 carcinoma
gástrico e 1 metástase de carcinoma embrionário retroperitoneal na serosa intestinal
foram encontradas no sistema digestório totalizando, em conjunto, 4,3% dos nossos
casos. As neoplasias foram alterações mais raras em nosso meio quando
comparadas a trabalhos norte-americanos e europeus.
5- As doenças do sistema digestório foram causa imediata do óbito em apenas 5
(5,4%) casos. No entanto, em 36 (38,7%) casos a doença que ocasionou o óbito era
sistêmica e comprometia, também, o sistema digestório.
6- Muitas alterações do sistema digestório em pacientes com SIDA são apenas
diagnosticadas em necrópsias, reafirmando a importante contribuição desses
procedimentos no estudo da patogênese da SIDA.
56
57
RESUMO
57
58
Com o objetivo de identificar as alterações morfológicas no sistema digestório
associadas à infecção por HIV e à SIDA em pacientes HIV positivos foram analisadas
retrospectivamente 93 necrópsias de pacientes HIV positivos realizadas no Hospital de
Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro no período de janeiro de 1989 a
dezembro de 1996. A idade variou de 2 meses a 67 anos, com média de 33,2±11,3 e
mediana de 30 anos. Para isso revisamos cortes histológicos da língua ao reto, inicialmente
corados através da técnica de HE, além de relatórios de necrópsias e prontuários médicos.
Quando necessário, foram realizadas colorações histoquímicas e imuno-histoquímicas para
a pesquisa de fungos, BAAR, vírus e protozoários.
58
59
Alterações no sistema digestório foram encontradas em 73 (78,5%) dos casos. As
alterações mais comuns foram de origem infecciosa: candidíase em 39 (42%) e
citomegalovirose em 27 (29%) pacientes; seguidas por histoplasmose (11/11,8%),
toxoplasmose (9/9,6%) e infecção por micobactéria (9/9,6%). Alterações foram observadas
em todos os segmentos analisados: língua (48,6%), esôfago (44,8%), estômago (44,7%),
intestino grosso (43,2%) e intestino delgado (28,9%). Muitos pacientes apresentaram
infecções associadas, com mais de um agente etiológico. Além de infecções, foram
observadas neoplasias em 4 (4,3%) casos (2 sarcomas de Kaposi, 1 adenocarcinoma
gástrico e 1 metástase de carcinoma embrionário retroperitoneal na serosa intestinal). Em
41 (44%) dos casos foi observado comprometimento do sistema digestório por doenças que
causaram o óbito, sendo que em 5 (5,4%) casos a causa imediata do óbito estava localizada
nesse sistema. Esses resultados confirmam a importância do sistema digestório como sede
de alterações relacionadas à infecção por HIV e à SIDA.
59
60
ABSTRACT
60
61
In order to identify morphological changes in the digestive system associated with
HIV infection and AIDS in HIV positive patients, 93 autopsies of HIV positive patients
performed at the Hospital de Clinicas, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, from
January 1989 to December 1996, were retrospectively analyzed. Ages ranged from 2
months to 67 years, mean 33.2 ± 11.3 and median of 30 years. A review of histological
sections from the tongue to the rectum, initially stained by HE technique, and also reports
from autopsies and medical records was realized. When necessary, histochemical staining
and immunohistochemical were performed for the detection of fungi, AFB, viruses and
protozoa. Changes in the digestive system were found in 73 (78.5%) cases. The most
common infections were: candidiasis in 39 (42%) and cytomegalovirus in 27 (29%)
61
62
patients, followed by histoplasmosis (11/11, 8%), toxoplasmosis (9 / 9, 6%) and infection
mycobacteria (9 / 9,6%). Changes were observed in all segments analyzed: tongue
(48.6%), esophagus (44.8%), stomach (44.7%), colon (43.2%) and small intestine (28.9%).
Many patients had infections associated with more than one agent. In addition to
infections, malignancies were observed in 4 (4.3%) cases (2 Kaposi's sarcoma, 1 gastric
adenocarcinoma and 1 metastatic embryonal carcinoma in retroperitoneal intestinal
serosa). Impairment of the digestive system by diseases that caused death were observed in
41 (44%) cases, and the immediate cause of death was located in this system in 5 (5.4%)
cases. These results confirm the importance of the digestive system as the host of changes
related to HIV infection and AIDS.
62
63
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ANEXO
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Alterações morfológicas no sistema digestório em 93 necropsias de