Ambiente, Imaginário e Representação nos Territórios Turísticos do rio Araguaia – GO Laura M. Jaime Ramos (IESA/UFG) Bacharel em Turismo, Mestre e Doutorando em Geografia, professora do curso de especialização em Educação Ambiental IESA/UFG [email protected] Sandra de Fátima Oliveira (IESA/UFG) Professora Doutora do Instituo de Estudos Socioambientais IESA/UFG, coordenadora do curso de especialização em Educação Ambiental IESA/UFG [email protected] Resumo O presente texto discorre a respeito das relações estabelecidas entre os atores sociais e o ambiente a partir de uma prática cultural muito significativa no estado de Goiás. A chamada temporada turística, ou temporada das praias do rio Araguaia – GO recebe anualmente milhares de pessoas que formam acampamentos nas praias que surgem ao longo de todo o rio e por ali permanecem por dias e semanas, por motivos de lazer e contemplação. Esses atores estabelecem com o rio diversos significados que justificam e fortalecem essa tradição dos acampamentos, já que grande parte dos mesmos é formada anualmente ao longo das gerações. Nosso intuito é apresentar a configuração geral desta prática, bem como propor discussões a respeito de como a teoria das representações sociais e do imaginário podem fornecer instrumentos para pensarmos a prática ambiental e os conflitos gerados, considerando os impactos ecológicos que os acampamentos geram no ambiente. Introdução O presente texto é fruto de discussões teóricas elaboradas a partir da pesquisa de doutoramento que vem sendo realizada no Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás, e tem como temática a análise do turismo de praias no rio Araguaia - GO, com vistas à compreensão das relações do imaginário e da significação, da representação e de apropriação que os sujeitos (turistas) estabelecem com o ambiente (o rio), e dos conflitos gerados a partir destas relações. O turismo de praias fluviais acontece a algumas décadas em grande parte da Bacia do rio Araguaia, e, em se tratando deste trabalho, especialmente na divisa entre os estados de Goiás e Mato Grosso, ocorrendo anualmente no período entre os meses de Junho a Agosto. Esses acampamentos são, por sua própria natureza, geradores de problemas ambientais referentes à conservação e à integridade ecológica do rio. As políticas públicas para o ordenamento territorial do turismo e as ações de informação e de educação ambiental realizadas nas praias levam mais em consideração as práticas comportamentais dos turistas do que os aspectos subjetivos do imaginário e da representação dos sujeitos que ali estabelecem territorialmente. E são justamente estes os aspectos que levam à apropriação anual das praias, gerando a tradição dos acampamentos no Araguaia. Os conflitos existentes entre os aspectos subjetivos da tradição dos acampamentos no Araguaia (imaginário e significação, representação) e os aspectos objetivos destes acampamentos (a própria corporeidade dos sujeitos na ocupação e apropriação do ambiente, as políticas públicas de ordenamento da prática turística) devem ser considerados alicerçados numa análise complexa dos territórios turísticos e de sua conseqüente organização, tanto por parte das políticas públicas quanto das ações educativas a serem ali desenvolvidas. O objetivo deste trabalho é, portanto, discorrer a respeito da configuração das representações estabelecidas entre os acampantes e o rio Araguaia, visando um olhar sobre como estes sujeitos estabelecem seus processos de significação imagética, representação e apropriação territorial com o rio, e como essas relações podem fornecer instrumentos para se pensar a conservação ambiental do Araguaia. Partindo da premissa de que o ser humano é um ser simbólico, e que suas relações com o ambiente são intermediadas por conteúdos simbólicos do imaginário, é que pretendemos orientar o escopo temático desse texto. Metodologicamente, a pesquisa na qual este texto se vincula é do tipo Qualitativa de base Fenomenológica, com foco na análise dos estudos sobre Representação. Utilizamos a pesquisa documental e bibliográfica, observação participante, bem como as entrevistas semi-estruturadas de depoimentos pessoais. A compreensão do imaginário e das representações que os turistas conferem ao rio Araguaia poderá fornecer elementos importantes para entendermos como se dá a construção das territorialidades destes sujeitos com o rio, e dos conflitos entre elas, além de propostas para políticas públicas de conservação daquele ambiente. Sobre o rio Araguaia – caracterização da área de estudo Componente significativo formador da bacia Amazônica o rio Araguaia nasce na serra do Caiapó, na divisa entre Goiás e Mato Grosso, numa altitude aproximada de 850m. Corre quase paralelamente ao rio Tocantins, a partir das imediações da Ilha do Bananal, e nele desemboca, após percorrer cerca de 2.100 km. Pertence à macro bacia amazônica e, ao longo de mais de 2000 km de curso, marca a divisa dos estados de Mato Grosso e Goiás, Mato Grosso e Tocantins e, ainda, Pará e Tocantins, desaguando no rio Tocantins, na divisa dos estados de Tocantins, Pará e Maranhão (BRASIL, 2007) (Figura 1). Figura 1: Localização geográfica da Bacia dos rios Araguaia e Tocantins Fonte: Mapa e imagem extraídos da página do Ministério dos Transportes e AGETUR, respectivamente, 2007. Os 450 km compreendidos pela região conhecida como Alto Araguaia apresentam um desnível de 570 m. A região do médio Araguaia sofre um desnível de 185 m nos seus 1.500 km de extensão. A região do baixo Araguaia, nos seus últimos 160 km, até a foz, tem um desnível de 11m. Apesar de predominantemente inserida em área do bioma Cerrado, a bacia apresenta configurações de três aspectos fitogeográficos: Cerrado, Floresta Estacional (Zona de transição) e Floresta Amazônica (PRODIAT, 1983), considerando, para tanto as características ecológicas originais, as formações primitivas da vegetação, aspectos fisionômicos de subformação, estrutura e deciduidade. O Cerrado é o mais abrangente, desde o sul da bacia até as imediações de Conceição do Araguaia/PA, e onde se concentra a maior parte da população e das atividades agropecuárias. De acordo com o mapeamento do PRODIAT (1983), as fitofisionomias de Cerrado encontradas na bacia são: cerradão, cerrado scrito, campo sujo, campo limpo e campo com Murunduns. As Florestas Estacionais da Zona de transição entre Cerrado e Floresta Amazônica encontra-se em faixa contínua entre a Floresta Amazônica até Arapoema/TO, seguindo o eixo do rio Araguaia até Santa Terezinha/MT, na faixa da divisão de águas Xingu-Araguaia. O terceiro domínio vegetacional presente na bacia é a Floresta Amazônica ao Norte, já na confluência do rio Araguaia com o rio Tocantins. A ilha do Bananal é uma formação geomorfológica importante no rio. Está situada, aproximadamente entre os quilômetros 760 e 1156 e compreendida entre os dois braços do Araguaia (Araguaia e Javaé), possuindo uma área de cerca de 20.000 km², e é considerada a maior ilha fluvial do mundo, sendo resguardada como Unidade de Conservação (UC) da Natureza (BRASIL, 2000) Parque Nacional do Araguaia. Além da criação do Parque Nacional do Araguaia, o SNUC ainda contempla a região da Bacia do Araguaia como sua conservação a partir da constituição da Área de Preservação Permanente (APA) Meandros do rio Araguaia, criado em decreto de 02/10/1988. Com uma extensão de 357.126 ha. (perímetro de 600.678 m), a APA Meandros do rio Araguaia situa-se em áreas que abrangem os municípios de São Miguel do Araguaia e Nova Crixás, em Goiás; Cocalinho, no Mato Grosso; e Araguaçú, no Tocantins. A medida de criação da APA Meandros do Araguaia busca mitigar os impactos das ações humanas no meio ambiente, sendo uma medida tomada por parte do Estado relevante ao cumprimento desse objetivo. Aliás, a ilha do Bananal constitui-se também o local referido nas narrativas cosmogônicas dos povos Karajá. É onde os primeiros indivíduos do grupo teriam conhecido o mundo acima das águas e fundaram as primeiras aldeias num tempo não preciso. É região em que se localiza atualmente a maioria das aldeias Karajá no Brasil. (LIMA, 2010). O vale do Araguaia-Tocantins era habitado pelos grupos Caiapós, Xavantes, Carajás, Xerentes e Apinajés (BERTRAN, 1988, p.17). Esses grupos de autóctones foram em sua maioria execrados com a chegada dos colonizadores, nos embates pela disputa das terras e dos recursos naturais, pela escravização de seus corpos e culturas, por doenças e mazelas trazidas pelo modo de vida ocidental. Ainda hoje, os modos de vida dos povos originários são insultados e postos à marginalização. De acordo com Lima (2010), os povos indígenas que ainda vivem na região do vale do Araguaia, ainda que em diferentes regiões das suas originárias, são os Karajá. A configuração da atividade – os acampamentos nas praias do rio Araguaia Há cerca de sete décadas, nas praias fluviais que emergem da dinâmica da seca no rio Araguaia, acontece a atividade social configurada pela construção de acampamentos estruturados de forma abrigar grupos de pessoas, normalmente membros de uma mesma família ou de um mesmo grupo social, por períodos que podem chegar a quatro meses (entre junho e setembro). É comumente chamado de “temporada turística do rio Araguaia”, “temporada do Araguaia” ou de turismo de praia no que se refere a uma tentativa de classificação. Ao longo do rio Araguaia, nas suas margens e ilhas compreendidas, principalmente, entre os municípios de Aragarças/GO e São Miguel do Araguaia, distrito de Luiz Alves/GO – nas imediações da Ilha do Bananal – vem ocorrendo a construção de acampamentos espontâneos desde, aproximadamente, a década de 1940. Essa movimentação de lazer decorre do surgimento das praias no período da seca, sendo essa ocupação sócio-cultural mais intensa no mês de julho. A formação das praias extensas, a facilidade de acesso por vários municípios (ver figura 1), as belezas cênicas da paisagem local compostas por elementos ecológicos da fauna e da flora e as águas piscosas colaboram para que as temporadas de férias no rio Araguaia se firmem como uma atividade cultural substancial desenvolvida, especialmente, pelos goianos. Como resultado dos trabalhos de intervenção em Educação Ambiental que pudemos realizar nos acampamentos fixados entre os municípios acima citados, no mês de julho dos anos de 2004, como educadora ambiental técnica do projeto Couto de Magalhães da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Goiás – SEMARH/GO (2004), algumas inquietações surgiram a respeito dessa prática tão peculiar. Nosso trabalho, que no ano de 2004 consistiu em percorrer os aproximadamente 500 km do rio correspondentes ao trecho acima mencionado, em canoas a remo do tipo canadense, visitando cada um das centenas de acampamentos foi composto por mais cinco educadores, realizamos ações de sensibilização sobre os impactos da atividade dos acampamentos nas praias, sobre as práticas de melhor convivência com o rio e realizando atividades lúdico-educativas para as crianças. Como resultado então, pude inferir algumas considerações a respeito das características ontológicas da atividade a partir da sistematização de uma observação participante: a) a maior parte dos acampamentos acontece a mais de 10 anos, sendo conferidas pelos próprios atores que a praticam como uma atividade tradicional do povo goiano; b) há uma relação afetiva com o rio Araguaia e seus elementos ecológicos, muito explícita nos depoimentos, marcados por uma história de vida repleta de significados simbólicos e emotividade com relação às águas, às praias e às experiências vividas ali; c) a memória coletiva a respeito das alterações ecológicas do rio são congruentes e representativas, e fornecem subsídios para repensarmos as práticas humanas relacionadas ao Araguaia especialmente, e ao ambiente como um todo; d) a afetividade é explicitada nos relatos de memória, mas são recorrentes as incoerências entre a fala, repleta de emotividade e significados simbólicos e o comportamento ainda muito discrepante sob o olhar conservacionista; e) é crescente a disputa por praias mais extensas e de paisagem mais conservada, sendo comum a reserva de praias; f) há, por fim, uma diferenciação entre os acampamentos ditos comerciais (cuja modernização da infra-estrutura e das práticas ali desenvolvidas são nítidas e motivo de críticas por outros acampantes) e os familiares (cujo tradicionalismo está inclusive nos materiais que compõem a infra-estrutura do acampamento). Há, portanto para fins de aglutinação de idéias, a configuração de territórios existenciais subjetivos (BONNEMAISON, 2002)) e estruturais no uso das praias e nas relações estabelecidas pelos acampantes e o rio. Esses acampamentos são, por sua própria natureza, geradores de problemas ambientais referentes à conservação e à integridade ecológica do rio. A infra-estrutura estrutura utilizada para a hospedagem dos grupos que ali se estabelecem é semelhante àquelas utilizadas em locais urbanos, contando com instalações sanitárias, cozinhas e dormitórios, dormitó s, equipamentos de la lazer (com televisão, aparelhagem de som, lanchas e jet-skis) jet skis) ainda que sob diferentes padrões econômicos e de organização. Se buscarmos uma configuração que abranja as diferentes estruturas e objetos a partir dos quais os acampamentos são montados, podemos apresentá-los los em três grupos característicos: a) Acampamentos de super-estrutura estrutura e conforto - neste grupo de acampamentos podemos encontrar equipamentos de instalação, hospedagem, alimentação e sanitário sanitários de luxo e/ou modernos cuja aparência e configuração estão estão próximos a recomposição do espaço urbano no ambiente de natureza,, além de um serviço de atendimento típico de hotelaria (Figura 2); 2) Figura 2: Acampamentos de super--estrutura e conforto Fonte: Ramos, 2010. b) Acampamentos de conforto médio a alto e estrutura rústica: neste grupo de acampamentos os equipamentos de instalação, hospedagem são ainda rústicos, com a utilização de matériasmatérias primas artesanais, os equipamentos de alimentação e sanitários sanitá são ão bem organizados mais ainda com certo grau de rusticidade, dando a sensação de maior contato com os elementos naturais,, podendo ou não haver fornecimento de serviços de governança (Figura 3); 3) Figura 3: Acampamentos de conforto médio a alto e estrutura rústica Fonte: Ramos, 2010. c) Acampamentos rústicos: os equipamentos de instalação, hospedagem são simples, com a utilização de matérias-primas artesanais ou apenas barracas, os equipamentos de alimentação e sanitários são muito simples e não raro, são inexistentes (Figura 4). Figura 4: Acampamentos rústicos Fonte: Ramos, 2010. Há ainda outra categoria de atores que se utilizam das praias do rio Araguaia, mas que, no entanto, configuram outra relação, mais efêmera com o ambiente. Algumas pessoas, a cerca de 10 anos, começaram a utilizar as antes precárias instalações de hospedagem que existiam no município do Aruanã/GO, para hospedagem e algumas até como segunda residência (própria ou casas de aluguel). Com o incremento dessa prática, as infra-estruturas de hospedagem evoluíram, aumentaram quantitativa e qualitativamente. Atualmente, centenas de pessoas então, passam a freqüentar o rio durante o dia, utilizando o serviço de transporte oferecido pelos barqueiros nos portos municipais e retornam ao centro urbano para pernoitar e recorrer aos serviços de alimentação e lazer noturno. Nosso intuito com essa diferenciação e classificação dos acampamentos é apenas para facilitar ao leitor que desconhece essa atividade, a apresentação e a demonstração das diferentes formas com que os atores se estabelecem territorialmente no rio. Não há, para fins de análise dos depoimentos pessoais, do imaginário e das representações, uma diferenciação a partir das referências socioeconômicas que cada uma das tipologias de infra-estruturas possa inferir. Ou seja, não fazemos distinção da classe socioeconômica quando da análise da significação e do afeto dessas pessoas para com o rio Araguaia. O imaginário e as representações do rio Araguaia – uma proposta para o ordenamento A temática “ambiente” é concebida sob várias abordagens científicas, assim, como a concepção de “natureza” que é uma construção social fruto de interesses e possibilidades que motivam a relação dos homens com o ambiente e também é algo construído que se opõem a cultura, de modo que a cultura é sobreposta á natureza: Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada idéia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim, sua cultura. (PORTO GONÇALVES, 1990, p. 22). As diversas ciências entre as quais a Geografia, vem procurando entender as dinâmicas que ocorrem e que compõem o ambiente. Passamos por períodos históricos em que a visão predominante pautava-se em uma abordagem física, designando como “meio ambiente”, especialmente pelos geógrafos físicos no embalo dos movimentos ambientalistas pós-guerra (II Guerra Mundial 1945), os elementos físicos (hidrografia, geomorfologia, vegetação e fauna). Após 1960, os geógrafos da Geografia Humana incorporaram o elemento humano e sua subjetividade à noção de ambiente. Atualmente tem-se procurado enfocar os elementos físicos da paisagem “natural” e social da “cultura” na composição do ambiente, de modo que as relações e as conseqüências da relação dos humanos com estes elementos também sejam analisados. Desta forma a perspectiva propagada de ambiente atualmente engloba o meio natural e o social. No imaginário da cultura popular vigora uma separação entre “homem” como sujeito e a “natureza” como objeto, separação esta acentuada pelas especificidades e características físicas da natureza. O pensamento predominante é da separação sujeito homem X objeto natureza, pois a mesma não é vista como parte integrante dos sujeitos. Com o ritmo acelerado das cidades, os indivíduos que vivem nos centros urbanos procuram nos locais preservados das ações antrópicas, como no caso das margens do rio Araguaia, um contato direcionado para o descanso e o lazer. Os aspectos físicos na natureza encontrada no rio adquirem um novo valor para esses sujeitos, o valor de fuga de um cotidiano e de retorno a um “paraíso perdido”. A cultura predominante, portanto, destina a estes locais determinados valores que lhe são conferidos por aqueles que reconhecem a importância desses espaços, o designam como natureza e os procuram para satisfazer e estabelecer o contato com o dito “natural”. Os lugares de paisagem natural são, dessa forma, apropriados por demandas turísticas, como produto a ser utilizado pelos grupos sociais que buscam o afastamento do ambiente urbano antropizado. A imagem de natureza preservada vai se opor a imagem dos centros urbanos. Nesse sentido, o turismo é um produtor e um consumidor de imagens; seu mecanismo de funcionamento se dá a partir da venda e do consumo das imagens que um lugar, dito turístico, são construídas e passam a ser oferecidas aos turistas. As áreas naturais, a paisagem, os lugares turísticos tornam-se imagens de consumo a serem oferecidos como produtos turísticos, e que conforme elucida Damasceno (1998, p.55), deve exigir uma apropriação responsável: “A imagem vinculada pelo turismo, sabendo do seu poder de desmontar e montar novos contextos, deve se fundamentar numa ética de representação dos lugares, o mais próximo possível dos valores naturais e culturais”. A autora supracitada ainda nos apresenta o pensamento de que vivemos num mundo que só se dá a conhecer através das representações das imagens, através de interpretação sobre o mundo imagético. Segundo ela (DAMASCENO, 1998, p. 54) A nossa sociedade só se sustenta através da ilusão das imagens. No entanto, toda imagem se apresenta como um recorte da realidade. Na verdade, ela tira uma porção da realidade do seu contexto original e transfere para outro contexto criado, onde ela vai ganhar, necessariamente, uma nova significação. Imagens e representações são facetas de um mesmo conteúdo que é inerente ao aspecto das relações humanas: o conteúdo simbólico. O sistema simbólico humano é o método de adaptação, compreensão, interpretação e representação dos indivíduos ao meio em que vive. Nele, tudo é referenciado, configurado e representado. Nesse sentido, para Cassirer (1972, p. 50) o homem “Já não vive num universo puramente físico, mas num universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes deste universo. São vários os fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada da experiência humana”. A realidade, portanto, não é dada em si mesma ao homem, mas intrinsecamente intermediada pelas percepções e interpretações sobre o mundo. A realidade é ao homem uma representação simbólica. Sobre isso, Cassirer (1972, p. 50) ainda comenta que Já não é dado ao homem enfrentar imediatamente a realidade; não pode vê-la, por assim dizer, face a face. A realidade física parece retroceder proporcionalmente, à medida que avança a atividade simbólica do homem. Em lugar de lidar com as próprias coisas, o homem, em certo sentido, está constantemente conversando consigo mesmo, numa auto-interpretação. O conceito de representações possibilita-nos identificar as configurações representativas que os sujeitos constroem sobre o lugar e o processo de mudança que ocorre em suas particularidades. No entanto as representações são estabelecidas sobre nós, à medida que apreendemos, por meio da percepção, as imagens. Estas são transmitidas como produto de uma seqüência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no curso do tempo. Com as representações pode-se compreender a maneira como os sujeitos apreendem e interpretam os acontecimentos do cotidiano, as características do meio, e absorvem os bombardeios de informações que circulam nas relações sociais. As relações humanas se dão por meio das imagens, essas como parte de um sistema simbólico complexo. O imaginário, por sua vez, extrapola o signo lingüístico e promove um dinamismo uma rede de imagens que variam de acordo com as referencias individuais de cada um, conectado da natureza humana ao pólo objetivo das manifestações culturais, fazendo com que se relacionem por meio dos esquemas, arquétipos e símbolos. Durand (1989) nos coloca que o imaginário é a soma das representações é possível pensar o imaginário como a soma das representações do homem, sendo “o conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui o capital pensado do Homo Sapiens, ou ainda, como o grande denominador fundamental para onde convergem todas as criações do pensamento humano”. Desta forma, como enfatiza (PITTA, 2005, p. 15) “O imaginário, pode ser considerado como essência do espírito, à medida que o ato de criação (tanto artístico quanto o de tomar algo significativo) completo (corpo, alma, sentimentos, sensibilidade, emoções...), é a raiz de tudo aquilo que para o homem, existe”. O imaginário é composto de imagens provenientes das representações sociais que é uma temática da fenomenologia, remetendo-se a um fundamento epistemológico que despontou com grande incidência na Geografia Humanística, esta envolve o imaginário, os sonhos e outros processos subjetivos de cada indivíduo. O imaginário obedece a processos regrados e a organismos vivos, para Durand (1997) o imaginário nasce na confluência do subjetivo e do objetivo, do mundo pessoal e do meio cósmico ambiente. A imaginação por sua vez é a capacidade de formar imagens fornecidas pela percepção das representações provindas do social, ela é, sobretudo, a faculdade de nos libertar das imagens primeiras, de mudar as imagens. Outra característica desta se refere ao fato da mesma alterar a escala da imagem, oscilar entre dois pontos opostos e anteceder a representação obedecendo a interesses primordiais do sujeito. As imagens são simbólicas e possuem um semantismo próprio com carga de afetividade, e vista também como um refugio da realidade exterior ligando-se aos pensamentos. “Também o fato de que não há pensamento sem imagem nos convida a entender as imagens que estão em construção em nós e em nossas obras” (...). (PITTA, 2005, p.103). As imagens são datadas pelo trajeto antropológico de cada sujeito que é influenciado por fatores do biologismo, psiquismo, da pulsão e por fatores sócio-culturais. Pode ser designada também como uma faceta da representação social referendada por signos que são construções sociais. De acordo com Minayo (1994) a representação social, é um termo filosófico que significa a reprodução de uma percepção retida na lembrança ou do conteúdo do pensamento. Ele acrescenta que nas ciências sociais elas são definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade, explicando-a, justificando-a ou questionando-a. As representações sociais são conceituadas por Moscovici (1978) como: (...) Toda representação é composta de figuras e de expressões socializadas. Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e linguagem, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são o use nos tornam comuns. Encarada de um modo passivo, ela é apreendida a titulo de reflexo, na consciência individual ou coletiva, de um objeto, de um feixe de idéias que lhe são exteriores. (MOSCOVICI, 1978, p. 25) As representações sociais possibilitam-nos “compreender como o indivíduo ou a coletividade interpreta a realidade de uma sociedade, expressando o conhecimento que cada pessoa ou grupo detém sobre um determinado tema”. (ROCHA & AMORAS, 2006, p. 149). Desta forma as representações sociais dos sujeitos podem nos revelar os conhecimentos dos ambientes locais e as formas de relações dos sujeitos com o ambiente. As diferentes maneiras de pensar e representar a “natureza” categorizando-a, classificando-a e delimitando-a dentre todos os seres que compõem o universo relativa-se a cultura predominante de cada sociedade de modo que partindo da idéia de Moscovici (1978, p. 27) temos a princípio que: “Representar não consiste somente em selecionar, completar um ser objetivamente determinado com um suplemento de alma subjetiva. É de fato, ir mais além, edificar uma doutrina que facilite a tarefa de decifrar, predizer ou antecipar os seus atos”. É importante salientar que, em alguns relatos dos indivíduos entrevistados, nos quais aparece o termo meio ambiente, entendemos sua correspondência ao aspecto natural do mesmo. Isso porque, para a maioria das pessoas, meio ambiente é entendido por seu aspecto unicamente natural, e não pelas demais interações que o compõem. O conceito de natureza esta subjacente aos movimentos ambientalistas, sendo compreendida hora como algo hostil, lugar de luta de todos contra todos, outrora como uma natureza de harmonia e bondade. Em nossa sociedade, por exemplo, a natureza é vista como algo possível de ser dominado e submetido ao homem. A natureza é, em nossa sociedade, um objeto a ser dominado por um sujeito, o homem, muito embora saibamos que nem todos os homens são proprietários da natureza. Assim, são alguns poucos homens que dela verdadeiramente se apropriam. A grande maioria dos outros homens não passa, ela também, de objeto que pode até ser descartado. (PORTO GONÇALVES, 1990, p.26-27). É importante salientar que, em alguns relatos dos indivíduos entrevistados, nos quais aparece o termo meio ambiente, entendemos sua correspondência ao aspecto natural do mesmo. Isso porque, para a maioria das pessoas, meio ambiente é entendido por seu aspecto unicamente natural, e não pelas demais interações que o compõem. Desse modo, a partir dos depoimentos obtidos, estabelecemos as categorias que representam à relação que os atores acampados entrevistados estabelecem com o Araguaia, apresentadas a seguir (Quadro 1). a) Imaginário de natureza: Representada como Área natural Nos relatos classificados nesta categoria percebemos que a representação de natureza se dá a partir de sua importância enquanto alternativa ao modo de vida da maioria das pessoas que vivem em centros urbanos. As áreas naturais, em especial àquelas protegidas em forma de parques, constituem-se como uma alternativa de fuga do cotidiano gerado nos modos de vida das populações urbanas. A natureza aqui estaria representada como o ambiente da melhoria na qualidade de viver. Novamente, a vida nas cidades, e o desagradável convívio com os diversos problemas ambientais ali existentes são amenizados a partir do contato e da possibilidade de mudança do viver proporcionado pela área natural b) Imaginário de natureza: Representada como Atrativo turístico Os turistas visitam-no, mais como meio variado de lazer do que pela própria busca do contato com a natureza. Por esse motivo, os elementos percebidos como importante por estes turistas estão intrinsecamente relacionados com aqueles os quais possibilitam a recreação, como forma de distração alternativa. A natureza percebida na relação com o rio Araguaia é representada, a partir de macroelementos, cuja referência se dá pela função que os mesmos possam desempenhar para os turistas. Funções estas diretamente ligadas ao visual e ao recreativo. A natureza estaria, então, sendo representada como um complexo de água-praia-sol. c) Imaginário de natureza: Representada como recurso futuro Aqui a natureza aparece especificamente como um mecanismo de manutenção da vida humana futura. As UCs seriam representadas como o reduto genético de espécies preservadas para que, futuramente, mantenhamos os elementos naturais para as futuras gerações. Segundo os paradigmas atuais, o próprio conceito de desenvolvimento sustentável, bastante utilizado pelos diversos atores da sociedade atual, apresenta a idéia de manutenção dos recursos da natureza com vistas às gerações futuras. Essa concepção é de grande importância quando compreendida na sua totalidade, cujas idéias devem ser praticadas por todas as classes, ou seja, quando todos os membros da sociedade, principalmente aqueles cujo poder hegemônico representam, adotarem-nas como prática cotidiana. O alcance desta sustentabilidade surgiria como forma de cumprimento da ética ambiental, pelo respeito às diferenças entre os seres e à igualdade de direitos humanos no acesso aos bens naturais como de direito a vida. d) Imaginário de natureza: Representada no paradigma da fragmentação entre Ser humanoNatureza Uma relação preservacionista com a natureza pressupõe que para mantê-la preservada, qualquer relação humana para com a mesma deve ser evitada, no sentido de utilizá-la apenas para contemplação. Isso quer dizer que o ser humano deve manter um distanciamento em relação à natureza. Esse distanciamento foi a base conceitual que levou á criação das primeiras áreas naturais preservadas em forma de UCs no mundo. Autores como Oliveira, S. (2002), Brito (2003) e Gonçalves (2004) apresentam relevantes discussões a esse respeito. No quadro a seguir apresentamos trecho dos depoimentos seguindo as respectivas classificações quanto ao conteúdo representativo e imagético, a partir da significação do rio Araguaia para essas pessoas. Quadro 1: Fragmentos de discurso de acordo com categorias e elementos de análise Categorias de significados Fragmentos de discurso Conforto psicológico “O rio Araguaia representa vida, natureza, ecologia, sossego e paz” “O rio Araguaia é o descanso do goiano, paz, natureza, coisa boa só” “Representa nosso bem estar.” Necessidade “Se o céu for assim eu estou pronto pra morrer.” contemplativa/ imagem “é... paz, natureza, coisa boa só. Nada de ruim, só coisa boa”. paradisíaca “È um lugar que você vem pra descansar, é gostoso, bonito, muito bonito...” Espaço de educativa vivência “Pra mim o rio é isso aqui....(muitas crianças presentes) mostrar pra criançada que o rio é nosso pra não deixar acabar.” Espaço de lazer “Você não pode ir a praia lá na frente, no mar, mas pode vir aqui” “O rio proporciona alegria e lazer pra todo mundo”. Natureza sacralizada “O rio Araguaia não é nosso ele faz parte de uma coisa que sabemos que é Deus” Elementos de análise Mudança de Paisagem “Eu me lembro que a 25 anos o pessoal chegava nos acampamentos com peixes grandes de 1 metro 1 metro e vinte, eu nunca mais vi isso, o peixe acabou. Só ta acabando, o rio esta assoreando, a navegação está difícil nele por causa do desmatamento. A cada ano que passa fica mais difícil.” “Outra coisa que estou observando, todo anos nós ouvíamos os guaribas e este ano e no ano passado eu não ouvi, não se vê mais, porque não se está ouvindo? Porque houve desmatamento ali.” Dinâmica ecossistêmica “Então ele sobe, a 6, 7 esse ano foi a 8 metros de altura. Ele lava, limpa e enxuga e entrega pra nós, hoje pra nós porque os animais desapareceram... Ele se auto administra, ele enche, lava tudo e põe a disposição dos goianos uma praia maravilhosa fácil de vir e de acesso de qualquer poder aquisitivo... Dimensão não-racional “Eu nunca consegui explicar o que é o Araguaia. Porque de uma coisa da percepção Divina você não tem poder de falar, tem que sentir.” Incorporação de “Precisamos educar as crianças para preservar o rio. A nossa praia é o discursos (*) Araguaia “Porque se a gente não zelar eles não vão desfrutar nem os filhos deles.” Fonte: depoimentos coletados em julho de 2004 e 2010. Organizado por Ramos, 2010. Com relação ao conforto psicológico e à necessidade contemplativa nota-se que o turista encontra às margens do rio a tranqüilidade que não encontraria na cidade, na vida cotidiana, nos seus afazeres e na complexidade diária inerente às grandes áreas urbanizadas. Segundo Tuan (1980, p.118) “quando a sociedade alcança certo nível de desenvolvimento e complexidade, as pessoas começam a observar e apreciar a relativa simplicidade da natureza”. Considerações finais A relação entre os sujeitos e o meio do qual é parte inerente é proveniente da sua composição subjetiva e dos elementos que formam sua estrutura vivencial para com o ambiente. Cada sujeito configura específicas representações sociais diferenciadas em relação a uma dada realidade. Assim, propomos para este trabalho uma reflexão e análise da composição imaginativa dos sujeitos em relação a natureza na condição de turistas e visitantes Os diferentes entendimentos e as várias formas de relações que cada indivíduo estabelece com a natureza influenciam diretamente o planejamento das atividades de uso público, bem como os distintos tipos de abordagens educativas dos programas ou ações de Educação Ambiental das áreas. Esses conteúdos devem, portanto, se adequar a seu público correspondente; seus objetivos devem atuar especificamente na mudança de determinados paradigmas que esses indivíduos possuem em relação à natureza. O levantamento do que a área natural representa para cada sujeito, auxilia na formulação de estratégias para implementação das atividades educativas e no ordenamento das ações humanas. Referencias Bibliográficas BERTRAN, P. Uma introdução à história sócio-econômica do Centro-Oeste do Brasil. Brasília: CODEPLAN, Goiás: UCG, 1988. BONNEMAISON, J. 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