VINTE ANOS DO DOCUMENTO DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO NA IGREJA
METODISTA
(Um enfoque Unimepiano)
NOME:
INSTITUIÇÃO:
Elias Boaventura
Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP
1. Introdução
O Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado em Belo Horizonte, em 1982, aprovou,
após sofrido e tenso debate, vários documentos importantes, pela natureza do compromisso
social que continham, entre eles o que se convencionou denominar Diretrizes para a Educação
na Igreja Metodista, em vigência até nossos dias e que neste trabalho será referido apenas como
Diretrizes.
Nenhum documento anterior do metodismo brasileiro recebeu tão rápida e ampla
divulgação na Igreja, em suas instituições de ensino e em várias outras organizações brasileiras.
Provavelmente, nenhum outro tenha provocado tanta celeuma e resistência não só no interior da
Igreja Metodista como em outras áreas evangélicas.
O presente trabalho tem como objetivo analisar o Documento, explicitar as forças que
atuaram em sua composição, verificar os pressupostos básicos, conteúdo e impacto provocado,
além de avaliar se ele permanece adequado para responder às novas questões que estão sendo
postas após 20 anos de existência, fase de mudanças muito rápidas e radicais que afetaram não só
a Igreja Metodista, mas a sociedade em geral.
Levantamos com este texto a hipótese de que o Diretrizes é produto de longo processo
histórico, cujo pico se encontra nas décadas de 60 e 70 com o acirramento das contradições no
Interior da Igreja Metodista em conseqüência de sua ambigüidade em relação ao golpe militar de
1964 e do importante diálogo que se travou nas instituições metodistas de ensino superior,
principalmente na Universidade Metodista de Piracicaba, no Instituto Bennett e na Faculdade de
Teologia.
Nosso mirante, local de onde lançamos o olhar sobre o Diretrizes, é a UNIMEP, tanto no
período em que se viveu a elaboração do Documento, como na etapa posterior à sua aprovação
com as eventuais influências por ele exercidas sobre a Universidade mencionada.
Ao reconhecermos esse mirante, consideramos outra hipótese - o Diretrizes constitui em
uma resistência ao reprodutivismo em educação, teoria muito divulgada na década de 70,
insistentemente debatida na UNIMEP e presente nos escritos de Altusser e Bourdieu, entre outros
muitos autores que consideram a escola um aparelho muito importante na reprodução do poder
conservador e injusto, do qual a Igreja aparentemente, pareceu-me, não desejava referendar.
A partir de agora usaremos nesta comunicação, sem muito rigor, as expressões Igreja,
Igreja Metodista, metodismo e movimento metodista, sempre no sentido de Igreja Metodista no
Brasil.
2. Antecedentes Imediatos Gerais
As décadas de 60 e 70 foram marcantes para o metodismo brasileiro pela grave e fértil
crise que enfrentou, tanto em sua vida paroquial, como em sua política educacional, levada a
efeito através de suas instituições de ensino.
Nessas décadas, a urbanização foi bastante acelerada em função do período de
industrialização que marcou o governo Juscelino Kubitschek, na década de 50, e de projetos do
governo autoritário instalado em 1964. Em vastas áreas do País ocorreram deslocamento de eixos
econômicos e certa desorganização urbana. A Igreja, historicamente ligada a pequenas cidades e
ao campo, sentiu-se despreparada no trato dessas mudanças.
Politicamente, estamos na segunda metade da década de 70, o militarismo começava a dar
sinais de esgotamento e a sociedade civil passava a agendar temas pouco simpáticos ao
autoritarismo: o questionamento à perversa política salarial, a “anistia geral, ampla e irrestrita”, o
reatamento diplomático com Cuba; um pouco mais tarde a campanha pelas “diretas já”,
acompanhada de severas críticas à política educacional, repulsa à repressão estudantil e à Lei de
Segurança Nacional.
Além destas questões afetavam também a Igreja Metodista, notadamente a sua juventude,
o avanço da Teologia da Libertação, a força das Comunidades de Base da Igreja Católica, as
conferências de Puebla e de Medelin, a guerra fria com a falsa dicotomia Leste-Oeste e o início
de uma atmosfera de pós-modernidade que as tensões em Paris e as crises em diversos
seminários protestantes brasileiros sintetizam bem.
A crise interna do metodismo brasileiro se fez explicitar através de fenômenos muito
claros em seu corpo:
- Pequeno crescimento numérico de seus membros e até decréscimo em algumas
paróquias.
- Debandada de grande parte de sua juventude descontente com a aproximação da cúpula
da Igreja ao governo militar.
- Fechamento da Faculdade de Teologia e dispersão dos seminaristas o que provocou
grande mal-estar interno.
- Divisões internas em função de radicalizações ideológicas que acabaram gerando, em
alguns locais, denúncias e perseguições além de cismas altamente prejudiciais ao
metodismo convencional brasileiro como o surgimento da Igreja Wesleyana.
Nessa fase do processo, mais ligado à década de 60, embora tenha explodido no seu final
a crise e o fechamento da Faculdade de Teologia em Rudge Ramos, SP, talvez tenha sido o dado
mais importante que levou a Igreja Metodista a perceber a necessidade de uma revisão em seu
modo de olhar a educação.
A Faculdade e a Igreja Metodista no Brasil historicamente sempre mantiveram uma
relação ambígua de amor e desilusão, de respeito e suspeita. De todas as instituições de ensino,
desconfio que seja a Faculdade de Teologia a mais amada e talvez seja ela o grande vestígio
capaz de lançar luzes ao inexplicável "caso de amor" da Igreja com o Granbery, seu berço de
origem em Juiz de Fora, e importante núcleo formador de quadros metodistas, pelo menos até a
década de 1930.
O fechamento dela feriu o coração da Igreja e embora sua repercussão tenha sido mais
interna, provocou cicatrizes profundas por ter colocado em questão valores e ideais incorporados
até então como imprescindíveis à existência do próprio movimento metodista, abalando sua
fraternidade e sua espiritualidade, colocando-a humilhada e desnudada como não acontecera
antes em momento algum de sua história.
Uma análise mais rigorosa da intelectualidade que contribuiu para o surgimento do
Diretrizes nos levará muito mais à Faculdade de Teologia do que à Piracicaba, como erradamente
se tem admitido nos meios metodistas brasileiros, embora seja significativa a influência exercida
pela UNIMEP, que naquele momento havia acolhido bom número de intelectuais de Rudge
Ramos, descontentes com a situação que lá se vivia.
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Insistimos em nossa hipótese de que o Diretrizes é o resultado de longo processo de
conflitos e diálogos ocorridos no interior do projeto educacional metodista cujas conseqüências
foram muito além dele, até porque as forças que o engendraram, complexas e múltiplas,
constituíram partes de um quadro mais amplo, fruto de múltiplas determinações, que escaparam a
própria percepção e universo dos sujeitos envolvidos.
3. O Contexto na Área da Educação Formal
Na área da educação formal, no Diretrizes tratada como educação secular, duas diferentes
situações ocorreram no período em relação ao projeto educacional metodista no Brasil.
Em primeiro lugar, a crise que atingiu algumas instituições de ensino da Igreja Metodista,
que levou o Conselho Geral das Instituições Metodistas - COGEIME (1969 p. 26, 27, 44) a
realizar pesquisa na área e esboçar algumas conclusões que procuramos sintetizar:
...já não é necessário usar instituições de ensino para adentrar a nossa
sociedade.
...que "a Igreja não precisa mais dos seus colégios".
Temos de reconhecer que muitos dos propósitos iniciais da instituição, embora
nobres e válidos em seu tempo, não servem para o presente.
Deve a Igreja possuir a necessária coragem para determinar que seja extinto, ou
mudado o curso que não tenha mais razão de ser. Ela deve criar aquilo que o
presente e o futuro indiquem ser necessário.
A pesquisa sugere uma série de providências que deveriam ser tomadas para enfrentar as
dificuldades daquele momento e encarar com realismo o esvaziamento de sentido da existência
de muitos colégios, cujos problemas eram encarados mais como incompetência administrativa de
suas direções, do que produto de fortes transformações sociais e políticas.
Ensinar e educar constituíram a base estratégica do metodismo brasileiro para penetrar na
sociedade e, por isto, pode-se concluir o peso que representaram para Igreja as conclusões a que
chegaram seus pesquisadores sobre a situação das instituições de ensino.
No período, a ênfase tecnicista e funcionalista do governo autoritário contaminou várias
instituições, especialmente na ministração do ensino médio, que apressadamente tentaram aderir
à reforma da educação de 1971 e se chocaram de frente com as várias diretrizes existentes na
época como os documentos: Esboço de Educação das Instituições de Ensino da Igreja Metodista
(1964), Objetivo e Filosofia Educacional das Instituições de Ensino da Igreja Metodista (1971),
Filosofia Educacional (COGEIME, 1969) e Fundamentos, Diretrizes, Políticas e Objetivos para
o Sistema Educacional Metodista (1979).
Nos níveis, básico e secundário de ensino, não era tranqüila a situação, quer pelo
achatamento salarial, que comprometia severamente o poder aquisitivo da população, constituída
na clientela metodista, quer pela presença mais efetiva do Estado nos níveis básicos de ensino o
que levou os pesquisadores metodistas a concluir (COGEIME 1969):
Sabemos que as razões citadas para as escolas de ontem não são válidas no
presente.
O governo está construindo mais e mais escolas. A meta dos governos estaduais e
federal é providenciar um lugar na escola para cada criança e para cada jovem
em idade escolar. Sendo assim, alguns argumentam que a Igreja não tem mais
razão para possuir escolas.
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Para equacionar o problema, pesquisa exaustiva do COGEIME traz sugestões objetivas
como: fechamento de internatos, remanejamentos de cursos, preparação de quadros metodistas,
desativação de instituições e outras.
É importante registrar que este quadro ensejou debates, provocou tensões e constrangeu
setores da Igreja Metodista à prática de diálogos com as congregações docentes e a sociedade em
geral, hábitos quase sempre ausentes no mundo eclesiástico, portador de conhecimento revelado e
definitivo.
Os vários documentos que precederam o Diretrizes e o Vida e Missão, não deixam
dúvidas sobre a existência de um mal estar que problematizava a Igreja Metodista e sua vontade
de encontrar soluções para as dificuldades que enfrentava.
Paralelo a este quadro outra situação se esboçava para o metodismo brasileiro, que
passaremos a analisar.
O governo, empossado em 1964, no empenho de preparar mão-de-obra especializada para
o mercado de trabalho, preferentemente sem ônus para o Estado, optou pela privatização do
ensino superior e pelo enquadramento da Universidade à formação de quadros necessários a
implantação da política de desenvolvimento, ao criar, por exemplo, os cursos de formação de
tecnólogos, onde só se aprendia a desembrulhar pacotes tecnológicos estrangeiros.
A política de privatização do ensino abriu caminhos às instituições particulares no ensino
superior e permitiu, com esta iniciativa, o atendimento à demanda reprimida de alunos e, por fim,
ao grave problema dos excedentes que vinha provocando vigorosa reação estudantil.
A Igreja Metodista aproveitou os flancos abertos e entrou fortemente neste nível de
ensino, abrindo diversos cursos em suas instituições em Piracicaba, Rio, Belo Horizonte, Porto
Alegre e S. Bernardo do Campo.
Prestigiados pelo governo militar, os metodistas ocuparam assentos em Conselhos
Estaduais de Educação e também no Conselho Federal, o que facilitou o processo e permitiu que
muitas das instituições se transformassem em Faculdades Integradas e dessem o primeiro passo
concreto na realização do antigo sonho do metodismo brasileiro de ter sua própria universidade,
ainda que numa visão ingênua e paroquial, originária no princípio da missão no Brasil e que se
fez presente, pelo menos até as décadas de 40 e 50. (Expositor Cristão, setembro/outubro de
1950).
Queremos uma Universidade essencialmente cristã, com todos os professores e
funcionários evangélicos, que primem pelo seu viver, de modo a serem exemplos
vivos do poder do Evangelho, e mais pelo exemplo que por outro qualquer motivo
deixem sulcos indeléveis nas personalidades dos futuros guias dos destinos de
nossa Pátria.
... Em outras palavras, uma universidade não poderá possuir e, portanto, não
poderá transmitir aos alunos, o ideal do caráter cristão, e a atitude cristã para
com a vida e com os seus semelhantes, - no sentido evangélico da palavra
"cristão", - a não ser que a orientação da universidade seja evangélica e o corpo
docente seja também evangélico.
Apesar dessa ingenuidade, começou a surgir no próprio interior das igrejas evangélicas,
inclusive na Igreja Metodista, nos poucos programas de pós-graduação existentes, literatura mais
crítica sobre o relacionamento igreja-escola, apontando para a necessidade de um respeito maior
à natureza específica e ao compromisso social mais abrangente da escola (Boaventura 2001)
4. O tenso processo
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No ano de 1974, após o enfrentamento de enormes resistências, finalmente viu-se
concretizar o velho sonho do metodismo brasileiro com o reconhecimento da Universidade
Metodista de Piracicaba, a primeira da América Latina.
O fato trouxe euforia ao metodismo nacional, que entretanto, se encontrava despreparado
para tamanho empreendimento e não possuía quadros nem outros recursos para levar à frente a
iniciativa a bom termo.
O leitor que se der ao trabalho de examinar a História da UNIMEP, em sua fase inicial,
facilmente constatará:
- A precariedade das instalações existentes para atender a avalanche de cursos criados
para que a universidade fosse autorizada.
- Curso de Educação Física sem quadras de esportes e sem piscina, cursos sofisticados de
Engenharia e Tecnologia sem laboratórios e oficinas, cursos na área de saúde sem
clínicas e lugar de estágios e até falta de salas de aula para alunos de outras áreas.
- Estrutura de poder verticalizada com um autoritário processo decisório, onde as mínimas
questões passavam pelo solitário reitor, que não compartilhava suas responsabilidades,
não ouvia os fracos colegiados e por isto sofria fortes e desnecessários arranhões.
- Corpo docente precário. A maioria era apenas portadora de graduação, com uma
presença mínima de mestres e doutores, via de regra horistas, contratados de outras
instituições, onde atuavam em regime de dedicação.
- Pesadíssimo endividamento em função da aquisição de terrenos e início da construção
dos campi Taquaral e Santa Bárbara, que comprometia qualquer tipo de investimento na
área acadêmica.
- A quase completa ausência de quadros metodistas preparados na docência. A maioria
dos metodistas era constituída de jovens bem intencionados, mas sem experiência na
área e com parca titulação. De fato, os metodistas não possuíam formação teórica,
escondiam-se como tarefeiros bem intencionados na burocracia e até se sentiam
prestigiados por se dedicarem às problemáticas atividades de manutenção e controle,
onde não exigia muito esforço de pensamento.
Estas precariedades comprometiam a Igreja Metodista que acabava por ser apontada como
responsável por elas e conivente em relação a uma administração centralizadora, autoritária às
vezes acusada, pela comunidade unimepiana, de nepotista e antidemocrática (Cecílio Elias Neto,
1994).
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Fica a impressão de que muitas destas críticas eram procedentes, uma vez que os órgãos
colegiados como Conselho Universitário, Conselho de Ensino e Pesquisa, Departamentos e
Colegiados de Cursos não funcionavam, deixando a Reitoria entregue à sua própria sorte com um
relacionamento difícil, inclusive com um desconfiado e fraco Conselho Diretor que, também por
despreparo e falta de condições de trabalho, ia a reboque dos acontecimentos.
Paralelamente, movimentos de esquerda, sem espaço político em face da repressão
militar, valendo-se deste vácuo, investiram fortemente no recrutamento de professores de
tendência progressista, alijados por outras instituições. Além disso, organizaram e criaram a
Associação dos Docentes da Universidade Metodista de Piracicaba - ADUNIMEP e passaram a
atuar decisivamente em defesa da democratização interna da instituição, da melhoria das
condições de trabalho dos docentes e da qualidade de ensino, reivindicando e fazendo o que a
Igreja Metodista pregava e deveria realizar.
A crise econômico-financeira se agravou. A demanda de investimentos se fazia muito
grande e em determinado momento, somente nos gastos com a folha de pagamento consumia até
90% da receita líquida. O patrimônio físico passou a ser ameaçado, dado que conseguiu
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sensibilizar e preocupar a Igreja Metodista na Região e aguçou os conflitos com a Reitoria, que
sem apoio interno, passava também a enfrentar as desconfianças do pacato Conselho Diretor.
A situação financeira da UNIMEP era muito semelhante às da PUCs no Brasil inteiro. Foi
um período extremamente difícil para as instituições particulares de ensino em função do quadro
econômico pós milagre brasileiro do militarismo que efetivamente não passou de grande fiasco,
conforme constatado posteriormente.
Nesse caos produtivo ocorreram seguidas greves, manifestações de alunos e professores,
descontentamento interno geral, demissões – algumas necessárias, outras autoritárias e injustas - ,
até que em 1978, por ocasião do Concílio Geral em Piracicaba, o pedido de demissão do ViceReitor fez eclodir crise de grande proporção que afetou a imagem da Universidade em Piracicaba,
aumentou a preocupação da Igreja Metodista na Região, provocou prolongado movimento de
protesto de alunos e professores e culminou com a demissão do então Reitor por absoluta
impossibilidade de gerenciamento da crise.
Este episódio, ao inaugurar uma nova fase, difícil e extremamente perigosa, levou a nova
administração a tomar algumas providências radicais e urgentes como:
- Redemocratização das relações internas.
- Fortalecimento dos órgãos colegiados.
- Tentativa de equacionamento da situação financeira que atingia níveis insustentáveis.
- Esforço de restabelecimento do diálogo com o Conselho Federal de Educação e
Ministério de Educação e Cultura, dificultado com o afastamento do Reitor, que merecia
a confiança governamental.
- Recrutamento de quadros, especialmente metodistas, que pudessem dar sustentação ao
diálogo e melhorá-lo.
- Aceleração da implantação dos campi para atender ao grande aumento do número de
estudantes matriculado, em ambientes sem as mínimas condições.
Como tantos outros metodistas vindos de diferentes regiões do País, e até do exterior, em
grande desconforto, participamos do debate, porque o processo tendia a nos empurrar para uma
situação defensiva, fixada, injusta e mais identificada com a ordem estabelecida do que com os
avanços pretendidos pela comunidade unimepiana. Esta, estranhamente empunhando o Credo
Social da Igreja Metodista e os Planos Quadrienais, nos evangelizava e nos cobrava posições
coerentes com a nossa própria pregação.
Felizmente, nesta fase, a UNIMEP recebeu reforços de bons quadros metodistas oriundos
do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, mas sobretudo de Rudge Ramos, de onde
veio um bom número de teólogos, que ao se transferiram para Piracicaba, contribuíram para o
avanço qualitativo do processo e a mudança de patamar dos debates ao lado de outras forças
compromissadas com a redemocratização do País em oposição mais clara e acirrada contra o
autoritarismo dos militares.
O debate ultrapassou os arraiais da UNIMEP, contaminou outras instituições de ensino e a
própria Igreja e detonou uma atrevida prática política, cujos desdobramentos nem de longe se
poderia imaginar quais seriam, como por exemplo, o envolvimento com outros países latinoamericanos dominados por regimes repressivos.
O que era uma situação local se ampliou, pautou a própria filosofia educacional liberal
metodista em todo o País, provocando simultaneamente entusiasmo, angustia, muito espírito de
luta e a sanha de grupos conservadores, sempre suspeitos como nos ensinava com muita
propriedade, Florestan Fernandes (1979):
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Não confio, de maneira alguma, na capacidade de atuação social inovadora do
poder conservador. Este já demonstrou, de vários modos e reiteradamente, que
não tem coragem para lutar senão por sua sobrevivência e fortalecimento.
Os metodistas aderiram ao diálogo, agora com relativa competência, mas inegavelmente,
foram os grupos de tendência marxista, cerceados pelo militares e sem outros espaços de atuação,
que deram o tom das conversações como o leitor poderá perceber através do relacionamento de
algumas das inúmeras iniciativas nas quais a UNIMEP se envolveu, inclusive com o apoio do
Conselho Diretor e do lerdo Conselho Regional.
Entre as iniciativas que mais repercutiram e assustaram os conservadores merecem
destaque:
- Movimento de apoio ao reatamento diplomático do Brasil com Cuba e envio de
professores da UNIMEP para conhecerem a Ilha.
- Apoio à Revolução Sandinista da Nicarágua, inclusive com a organização de seminário
de educação popular e participação como observadora internacional em eleição
nicaragüense.
- Defesa da causa palestina com promoção de seminário e assinatura de convênio com a
OLP, hospedagem do congresso SANAUD da juventude palestina, com enorme
repercussão nacional.
- Acolhimento de exilados bolivianos perseguidos pelo ditador Garcia Meza com a
criação de fundo especial de bolsa para os atender.
- Movimento e passeatas em defesa da anistia geral e irrestrita, a contratação e apoio a
vários exilados que voltaram ao País..
- Hospedagem na UNIMEP de dois congressos de ambito nacional da União Nacional dos
Estudantes - UNE, na ocasião, proscrita pelo governo militar.
- Apoio prático e concreto aos excluídos como os negros, favelados, encarcerados,
prostitutas e outros.
Naquele momento, o campus se tornou fervilhante: a UNIMEP passou a ser considerada
um polo perigoso de subversão pelo segundo exército, intelectuais de esquerda, estrangeiros e do
Brasil, começaram a visitá-la como fizeram Paulo Freire, Florestan Fernandes, Luiz Carlos
Prestes, Peres Eskiavel, Henrique Dussel, Mortimer Arias, George Casalis e muitos mais.
Simultaneamente, eram promovidos encontros para debates dos documentos da Igreja
Metodista no Brasil, os escritos de Wesley e, sobretudo, a filosofia educacional cujo debate
alcançou níveis realmente elevados como o último encontro, antes do Concílio Geral, que
aconteceu no Bennett, aprovado pelo Conselho Geral, que chamou para si a coordenação das
iniciativas do processo, juntamente com o Conselho Geral das Instituições Metodistas de Ensino COGEIME, que agasalhava todas as demais instituições metodistas de ensino do Brasil e, por
isso, pode imprimir um caráter oficial e muito mais amplo aos encontros convocados para o
debate.
Ainda hoje é muito agradável recordar o quanto se discutiu o Credo Social e os escritos de
Wesley, que continham ênfase aos aspectos sociais publicados em forma de panfletos e pequenos
livretes pela própria instituição, tais como: 24 de maio Dia do Metodismo e Assim Falou Wesley.
Ao mesmo tempo que a UNIMEP alcançava projeção nacional, trazia à Igreja Metodista,
especialmente ao grupo conservador, desproporcional preocupação até pela pressão
governamental que recebia por suas constantes e contundentes críticas a ela feitas.
O processo que a Igreja Metodista viveu nesta fase preparatória anterior à aprovação do
Diretrizes foi extremamente fértil, muito doloroso, que só não alcançou maiores avanços em
função das convicções arraigadas e as intransigências dos participantes que, de um lado sabiam
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tudo sobre o modelo de revolução que deveriam levar a cabo e só faltavam marcar sua data, e de
outro, os possuidores do saber revelado e da visão de Reino, tão santo e puro, que não
comportava o diferente.
Não houve como a Igreja escapar desse debate que a contaminou e a envolveu e, em boa
parte, a desestabilizou, paradoxalmente por desafiá-la a viver seus próprios documentos.
Foi nesse ambiente de tensão, de questionamentos e desafios que o Concílio Geral em
Belo Horizonte, impactado, discutiu e aprovou, após acirrados debates, o Plano Vida de Missão
e, com ele, o documento Diretrizes para a Educação Metodista, vigente até nossos dias.
Examinaremos agora, apenas o teor do Diretrizes, que alcançou maior aceitação fora do
que dentro da Igreja Metodista, embora saibamos que uma melhor compreensão dele só é
possível quando examinado como parte de um todo que inclui os demais documentos: Plano
Diretor Missionário da Igreja Metodista, Credo Social e o próprio Plano para a Vida e a Missão
da Igreja.
Em primeiro lugar, merece destaque a compugente mea-culpa assumida pela Igreja no
Concílio Geral que colocou em questão toda a prática educativa metodista no Brasil, desde seus
primórdios. Diz o texto (Diretrizes, 1983)
Até o momento, nossa ação educativa tem sido influenciada por idéias da
chamada filosofia liberal, típicas de nossa sociedade, resultando num tipo de
educação com características acentuadamente individualistas.
Alguns dos elementos fundamentais dessa corrente são:
- preocupação individualista com a ascensão social;
- acentuação do espírito de competição;
- aceitação do utilitarismo como norma de vida;
- colocação do lucro como base das relações econômicas.
O Diretrizes continua a explicitar de modo claro as razões pelas quais a bem-intencionada
obra educacional metodista no Brasil teria se constituído num equívoco, merecedor de forte
reparo:
No caso específico das nossas escolas, à medida em que a sociedade brasileira
foi se desenvolvendo, elas perderam suas características inovadoras e passaram a
ser reprodutoras da educação oficial. Esvaziaram-se perdendo sua percepção de
que o Evangelho tem também dimensões políticas e sociais, esquecendo, assim,
sua herança metodista. Em razão de suas limitações históricas e culturais a ação
educativa metodista tornou-se prejudicada em dois pontos importantes: primeiro,
porque não se identificou plenamente com a cultura brasileira; segundo, por ter
apresentado pouca preocupação em descobrir soluções em profundidade para os
problemas dos pobres e desvalidos, que são a maioria do nosso povo.
O Diretrizes prossegue insinuando o inconformismo dos educadores e aponta para novos
caminhos que devem ser buscados:
A busca destes novos caminhos deve procurar a superação do modelo
educacional vigente. Não se pode mais aceitar uma educação elitista, que
discrimina e reproduz a situação atual do povo brasileiro, impedindo
transformações substanciais em nossa sociedade. Também não podemos nos
conformar com a tendência que favorece a imposição da cultura dos poderosos,
impedindo a maior participação das pessoas e aumentando cada vez mais seu
nível de dependência.
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Ao apontar as práticas que deveriam ser levadas a efeito, o Diretrizes abandona a idéia de
consenso fácil e valoriza o conflito aberto como forma de luta contra todo tipo de dominação e
recomenda que os metodistas devem:
motivar educadores e educandos a se tornarem agentes positivos de libertação,
denunciar todo e qualquer tipo de discriminação ou dominação que marginalize a
pessoa humana, .
respeitar e valorizar a cultura dos participantes do processo educativo, ...
apoiar os movimentos que visem à libertação dos oprimidos ...
Vale o conflito; é sadio e necessário por permitir a interação com o diferente sem a
necessidade de cooptá-lo e de levar em consideração a importância das incertezas, da
imprevisibilidade e do caótico como elementos indispensáveis para compreensão da realidade.
De modo extremamente feliz termina o tópico o que devemos fazer, que se constitui em
verdadeiro programa de ação para os metodistas:
... toda a ação educativa da Igreja deverá proporcionar aos participantes
condições para que se libertem das injustiças e males sociais que se manifestem
no organização da sociedade, tais como: a deterioração das relações na família e
entre as pessoas, a deturpação do sexo, o problema dos menores, dos idosos, dos
marginalizados, a opressão da mulher, a prostituição, o racismo, a violência, o
êxodo rural resultante do mau uso da terra e da exploração dos trabalhadores do
campo, a usurpação dos direitos do índio, o problema da ocupação
desumanizante do solo urbano e rural, o problema dos toxicômanos, dos
alcoólatras, e outros;
Após estas observações é possível perceber a grande semelhança entre os conceitos, e
linguagem trabalhados pelo Concílio Geral e aqueles utilizados pelo órgãos colegiados da
UNIMEP, onde a maioria não era metodista e se mantinha distante da Igreja.
5. O que revela o Diretrizes
Trata-se de um documento datado e localizado, que revela muito do tempo de sua
elaboração e aprovação, e explicita os pressupostos cujas raízes vão além dele, como passaremos
a observar.
Inicialmente, há nele uma forte profissão de fé no poder transformador da educação, que
deve ser colocada à disposição para a construção de um mundo melhor.
Em segundo lugar, admite como fato dado uma dicotomia social, onde existem opressores
e oprimidos e toma partido a favor dos excluídos advogando a solidariedade a todos os
movimentos que visem a libertação dos oprimidos e condena abertamente o liberalismo
individualista.
A aprovação do Diretrizes não foi tão tranqüila como às vezes nos pomos a imaginar
vinte anos depois. Tratou-se de um parto difícil, de tomada de posições muito dura, como registra
Castro (200l), ao referir-se ao Vida e Missão e ao Diretrizes. Eram considerados, pelo setores
conservadores, como documentos influenciados pelo Diretrizes marxismo e pela Teologia da
Libertação, devido à linguagem progressista que permeava os mesmos.
Na mesma obra duas justificativas de votos no plenário do Concílio Geral de 1982,
registradas pelo autor sobre o Diretrizes, dão-nos a temperatura do debate :
O documento Diretrizes ... fere frontalmente o Evangelho e interpreta fatos
históricos, na área educacional, que não se me afigura de forma correta...
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Que há, no documento uma excessiva preocupação pela comunidade, pelos
grupos, pelo social, em contraposição ao pessoal relacionamento com Deus...
Jesus é a vida do crente. Ele é o pão.
Assistia razão aos conservadores para este tipo de reação? Por que teimavam e se
radicalizaram tanto no debate?
O Diretrizes em primeiro lugar admitia o conflito como fato dado e sua aceitação como
parte da metodologia a ser trabalhada. Nessa direção as instituições de ensino não estariam
acenando com a busca de consensos fáceis mas com a necessidade de luta permanente e de
confronto aberto.
As desigualdades sociais não são admitidas como algo normal, de assimilação fácil, mas
como produto da opressão dos poderosos que deveria ser permanentemente combatida por
representar manifestação de injustiça e morte. Como aliás, já aparecia no Credo Social da Igreja
Metodista.
Aberto o conflito, procurou-se explicitá-lo, o que se fez realmente, admitindo a existência
de grupos poderosos, manipuladores, em luta contra os desvalidos e pobres ao lado dos quais a
Igreja Metodista deveria se colocar.
Isto não deveria causar nenhuma surpresa, nem mesmo ser considerado influência
Marxista da UNIMEP, pois já constava do Credo Social (1971) editado bem antes do ano do
Concílio. Diz o Credo:
É injusto aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes confirmando a miséria
dos pobres e oprimidos. Os programas para aumentar a renda nacional precisam
criar distribuição eqüitativa de recursos, combater discriminações, vencer
injustiças econômicas e libertar o homem da pobreza.
A pobreza de imenso contigente da família humana, fruto dos desequilíbrios
econômicos, de estruturas sociais injustas, da exploração dos indefesos, da
carência de conhecimentos, é uma grave negação da justiça de Deus.
Provavelmente o erro mais grave da ala progressista foi o de ter levado a sério os
documentos e tentado vivenciá-los na prática de cada dia em toda a extensão cometendo vários
erros estratégicos.
Pouco se trabalhou no Diretrizes o conceito de salvação graciosa, metafísica e abstrata,
substituído no texto por libertação no sentido de emancipação, tarefa dos homens e compromisso
de Deus, que a educação metodista deveria reforçar a partir da compreensão dos sujeitos que ela
buscaria conhecer (Diretrizes, 1982)
Isto inclui conhecer a maneira como as pessoas vivem e se organizam, são
governadas e participam politicamente, e como isto pode ajudar ou atrapalhar a
manifestação da vida abundante.
Identificando-se com o povo das periferias em seus problemas e lutas.
Por trás desses pressupostos o Diretrizes revela a extraordinária confiança dos
participantes no poder transformador da educação e na oportunidade de colocá-la como
instrumento a sinalizar o Reino, a ser conquistado pela ação de Deus através da participação dos
homens, numa manifestação exagerada de otimismo pedagógico.
Esta utopia permeou todo o Diretrizes e se constituiu em uma convocação aos militantes
a que mantivessem o compromisso de libertação no ato de educar.
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