Ensinando História na Casa do Povoador Autores Ana Lucia Pedreira c f Lacorte Samantha Gris da Silva Pereira Geni Rodrigues Camargo Jane Aparecida de Oliveira 1. Introdução O trabalho que apresentamos foi desenvolvido em 2S/2005 na disciplina Projetos de Prática de Ensino I integrada no 2º semestre do Curso de História. Nesta disciplina, são desenvolvidos projetos procurando abordar as possibilidades de ensinar História em ambientes não escolares. Assim, são eleitos como objetos de observação, investigação e análise, tanto edificações quanto locais públicos da cidade, arquivos, museus, ou outros, por meio dos quais seja possível realizar uma abordagem didática voltada para o ensino de História. Neste trabalho, com a orientação da profª Joseli Maria Nunes Mendonça, investigamos a história da Casa do Povoador, um edifício histórico da cidade de Piracicaba, e procuramos indicar possibilidades de, por meio dele, ensinar História. 2. Objetivos O objetivo do trabalho foi investigar a história da Casa do Povoador para definir possibilidades de abordagem didática daquele local para o ensino de história. 3. Desenvolvimento O desenvolvimento do trabalho foi feito pelos seguintes procedimentos: - observação do local e registro fotográfico e escrito de suas características, que gerou uma parte do trabalho: a Casa do Povoador em Tempo Atual; - levantamento bibliográfico para estudo histórico do local; - realização de leituras sobre a história da Casa do Povoador e elaboração de um texto sistematizando essas leituras. Este texto compôs a segunda parte do trabalho: Tempo Passado - reconhecimento das possibilidades didáticas do edifício e sua história e elaboração da terceira parte do trabalho: Tempo de Ensinar 1/5 4. Resultados A Casa do Povoador em Três Tempos 1 – Tempo Atual A Casa do Povoador está localizada a margem esquerda do Rio Piracicaba, hoje chamada de Avenida Beira Rio. Trata-se de um prédio grande e rústico de dois andares em bom estado de conservação, com portas, janelões, colunas de madeira e detalhes de uma bem feita construção de pau-a-pique. O prédio foi desapropriado pela prefeitura do município em 1945. Tombado em 1969, foi considerado Monumento Histórico do Estado de São Paulo. Restaurada em 1987, a Casa do Povoador foi inaugurada em agosto do mesmo ano, e atualmente abriga um centro cultural com espaço para exposições e mostras culturais, além de ser sede para o Centro de Cultura e Política Negra. Na Casa do Povoador ocorrem numerosas atividades como exposições, apresentações musicais e de grupos folclóricos com o objetivo de resgatar e preservar o folclore e a arte local e regional. O edifício é um dos locais públicos mais visitados da cidade tornando muito evidente seu valor afetivo para os piracicabanos, sendo identificado como a casa do fundador de Piracicaba. 2 – Tempos Passados Acredita-se que a construção do que é hoje conhecida como Casa do Povoador tenha sido feita entre 1850 e 1860. Segundo Jair Toledo Veiga, que foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, a origem cartorária da propriedade é de 1894.2. O memorialista João Chiarini colheu a versão de Chico Manduca, um dos mais antigos moradores da Rua do Porto, sobre a construção da casa. Chico Manduca, disse ter ouvido de seu pai, o velho Manducão, que ele mesmo havia assistido a construção da suposta casa do povoador entre 1850 e 1860 para o Sr. Jesuíno Arruda.3 A arquitetura do edifício é de meados do século XIX. Muito usada naquela época, a técnica de construção empregou madeira ou bambu estruturados na vertical e na horizontal, unidos através de cipó e preenchidas com barro e fibra.4 De sua utilização original, diz–se que teria servido como entreposto de sal, e como base para apoiar o já intenso tráfego fluvial; para outros teria sido um posto de fiscalização da ponte vizinha do local. Por se situar em ponto estratégico, nunca estava sujeito às enchentes.5 Piracicaba foi fundada em 1767 à margem direita do Rio Piracicaba num porto perto do salto. 2/5 Desde muito antes da fundação, os índios Paiaguás tinham ali suas aldeias por ser um "local mais plano, acessível às águas, com poucos barrancos agrestes"6 O desbravamento desta região, segundo Paulo Dias Neme, inseriru-se no processo de alargamento do território relacionado à exploração de metais nas regiões interioranas da América Portuguesa. As expedições constituídas com esse objetivo, exploravam várias paragens do rio Piracicaba até o rio Paraná, em direção do sertão paulista. Uma dessas paragens era a região do salto, conhecida pelo nome de Piracicaba, dado pelo sertanista e bandeirante paulista Manoel Correa Arzão, que ali construiu uma base de apoio, uma espécie de "quartel general".7 Nos primeiros anos do século XVIII (1726), constituíram-se as primeiras sesmarias (lotes de terras doadas pelo rei português para serem cultivadas), cedidas ao ituano Felipe Cardoso.8 A oficialização da fundação, em 1767, fez surgir a Freguesia de Santo Antonio que contava com pouco mais de 100 pessoas. Segundo a historiadora Marly T. Germano Perecin, em 1784 o capitão Antonio Correa Barbosa (o povoador), considerado o fundador de Piracicaba, transferiu para a margem esquerda, logo abaixo do salto, o povoado de Freguesia de Santo Antonio, mudando o nome para Vila Nova da Constituição em homenagem à promulgação da Constituição Portuguesa. A partir daí começou a sua expansão dando início à ocupação.9 A Casa do Povoador é considerada símbolo histórico deste processo de fundação e povoamento da cidade. Não obstante as indicações de que o edifício foi construído no século XIX e de que o estilo arquitetônico não corresponde aos fins do século XVIII,10 a casa é associada à fundação da cidade, pois a memória instituída sobre ela a identificou como tendo sido a primitiva habitação do capitão Antonio Correa Barbosa. Como registrou Carradore, pela tradição oral do "ouvir dizer", depois encampada por homens de letras que a reproduziram em seus escritos, a memória da casa a transformou numa espécie de mito de origem, símbolo histórico máximo da cidade.11 Segundo Marilza Elizardo Brito: "Os lugares de memória podem ser compreendidos como os meios físicos onde florescem rituais, singularismos, símbolos de identidade coletiva, numa sociedade em que tais expressões não se disseminam mais espontaneamente em toda a sua extensão e profundidade".12 Assim, embora a chamada Casa do Povoador tenha sua história inscrita no século XIX, ela pode ser considerada um lugar de memória que remete ao tempo de surgimento da cidade, no século XVIII. 3 – Tempo de Ensinar Vários aspectos podem ser abordados didaticamente a partir da Casa do Povoador. 3/5 A principal e talvez mais profícua, diz respeito à relação entre história e memória. Vimos que, apesar de a Casa do Povoador ser uma edificação do século XIX, a memória a relaciona ao processo de fundação da cidade no século XVIII. A memória sobre a casa, portanto, não leva em conta as evidência históricas relacionadas à sua existência. Ao contrário de indicar a memória ou o mito de origem como "mentira" – o que é freqüente no senso comum – o importante é abordar junto com os estudantes a importância da construção da memória (e, no caso da Casa do Povoador, da construção do mito de origem) para a formação de identidades (no caso, dos piracicabanos). É importante, também, ressaltar a relevância da transmissão oral na constituição da memória e os sentidos afetivos envolvidos em todo esse processo. Outro aspecto que pode ser abordado a partir de um estudo da Casa do Povoador é o que se relaciona com a fundação da cidade, seus primeiros habitantes e a saga dos bandeirantes. Ao trabalhar a história e a memória da Casa do Povoador, poderemos chamar a atenção para a necessidade de preservar o passado por meio dos vestígios materiais, das narrativas orais, das práticas culturais e das manifestações artísticas. Toda essa abordagem pode ser ainda ampliada com abordagens de outras disciplinas, como por exemplo Geografia. O estudo da Casa do Povoador permite observações sobre o relevo, localização (pontos cardeais) e a preservação do rio e do ambiente ao seu redor (mata ciliar). 5. Considerações Finais O trabalho desenvolvido mostrou que é possível ampliar os materiais e espaços de exercício didático para o ensino de História. A partir de estudos de espaços públicos, de locais de memória, de edificações antigas, é possível tratar conteúdos e temas da História, e também trabalhar comportamentos e atitudes (respeito à memória, à transmissão oral realizada muitas vezes pelos mais velhos, à preservação), estabelecendo assim relações interdisciplinares. 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