CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
USINA HIDRELÉTRICA BELO MONTE:
IMPLICAÇÕES INSTITUCIONAIS, ECONÔMICAS E SOCIOAMBIENTAIS1
2
Figura 1. Vista do Rio Xingu, Pará
1. Introdução
O Governo federal anunciou, em 2009, que retomaria o projeto de construção
da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, um complexo energético a ser implantado
na parte final do Rio Xingu, região conhecida como Volta Grande do Xingu, no Pará.
Estima-se que esse empreendimento será responsável por acrescentar à
matriz energética brasileira pouco mais de 11 mil megawatts (MW) de capacidade
instalada.3 Com essas características, Belo Monte será a maior hidrelétrica brasileira e
1
2
3
Esse caso didático foi produzido em 2011, no âmbito da Casoteca DIREITO GV, por Ana Mara França
Machado, mestre e doutoranda em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo, Bruno
Ramos Pereira, mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo e advogado em São
Paulo, e Luciana de Oliveira Ramos, mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo,
pesquisadora da Direito GV e responsável pela coordenação dos trabalhos de elaboração deste caso
didático. Para que a equipe possa ter um feedback do uso e aplicação deste caso didático em sala de
aula, colocamo-nos à disposição nos seguintes e-mails: [email protected];
[email protected] e [email protected]. Agradecemos a Luiz Mauricio França
Machado, graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelas contribuições
feitas durante a primeira fase de elaboração deste caso; a todos os profissionais que foram
entrevistados; e aos participantes do Workshop, organizado com a finalidade de debater os produtos
desta pesquisa: Esdras Borges Costa, Fernando A. de Almeida Prado Jr., Francisco Anuatti Neto, Lie
Uema do Carmo, Luciana Reis, Mario G. Schapiro e Rafael Mafei. A redação desse caso didático foi
finalizada em agosto de 2011.
Imagem
disponível
em:
<http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Vale+cria+consorcio+para+disputar+Belo+Monte+/15061>.
Conforme documento produzido pelo Ministério de Minas e Energia e pela Empresa de Pesquisa
Energética. Projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte. Fatos e dados. Fevereiro de 2011. Disponível
1
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a terceira maior do mundo, ficando atrás apenas da Usina de Três Gargantas, na
China, e de Itaipu, que é binacional.
Esse projeto, que tem grande impacto no planejamento energético brasileiro,
vem sendo pensado por mais de vinte anos e foi inserido na pauta do Governo Lula
recentemente, como a principal obra do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)4.
Com o intuito de viabilizar a contratação de um consórcio de empresas para
construir e operar a usina, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) concedeu um financiamento no modelo Project Finance de 80% do
investimento total necessário para a construção e operação do empreendimento.
Como o custo inicial foi estimado em 19,6 bilhões de reais, isso significa que o BNDES
poderá financiar cerca de R$ 15 bilhões do valor do empreendimento ao longo de 30
anos.5 Esse montante corresponde ao mais alto valor já concedido por essa instituição
para uma obra de infraestrutura.
As dificuldades na construção do empreendimento são muitas: desde a
logística e os custos presentes na construção de uma hidrelétrica na região da floresta
amazônica, o impacto da obra nas comunidades locais e no meio ambiente e a
consequente combatividade de parte da sociedade civil que se opõe ao projeto até a
formação de grupos interessados em investir na obra. E essas variáveis elevaram o
custo do empreendimento recentemente, quando o consórcio vencedor reavaliou seus
planos e estimou que o valor do investimento subirá para R$ 25 bilhões.6
Outro possível impacto causado pelas dificuldades acima descritas é o atraso
nas obras da usina. O Governo preocupa-se com os diversos entraves que têm
impedido o início das obras, o que pode atrasar a entrada em operação comercial da
primeira Unidade Geradora, prevista para 2015.
Alguns desses entraves estão relacionados à atuação do Ministério Público
Federal (MPF) do Pará, que, ao longo dos últimos dez anos, propôs doze Ações Civis
Públicas (ACPs)7 questionando a implantação da UHE Belo Monte. Dentre os
em: <http://www.epe.gov.br/leiloes/Documents/Leil%C3%A3o%20Belo%20Monte/Belo%20Monte%20%20Fatos%20e%20Dados%20-%20POR.pdf>. Último acesso em 15 de julho de 2011.
4
O Plano de Aceleração do Crescimento foi lançado em 2007 pelo ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva
e pela então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. O plano prevê políticas econômicas para os
quatro anos seguintes com o objetivo de acelerar o crescimento econômico do país. Em 2010 foi
lançado o PAC 2.
5
Cf. notícia disponível em: <http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/04/credito-do-bndespara-belo-monte-nao-e-subsidio-diz-zimmermann.html>. Acessado em 10 de março de 2011.
6
Cf. notícia disponível em <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,financiamento-do-bndespara-belo-monte-sera-viabilizador-diz-coutinho,45782,0.htm>. Acessado em 8 de abril de 2011.
7
Conforme relação atualizada até o dia 31 de julho de 2011, as ações civis públicas propostas pelo MPF
do Pará são as de número: 1) 5850-73.2001.4.01.3900; 2) 709-88.2006.4.01.3903; 3) 283-
2
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
argumentos apresentados pelo MPF, alguns estão relacionados ao processo de
licenciamento ambiental, processo que antecede o início das obras, enquanto outros
se referem à falta de oitiva das populações indígenas. Este último tema, inclusive,
ultrapassou as barreiras nacionais e chegou à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Provocada por entidades de defesa das comunidades indígenas e tradicionais
do Rio Xingu8, a CIDH determinou, em 5 de abril de 2011, a suspensão imediata do
processo de licenciamento ambiental para a construção de Belo Monte até o
cumprimento de algumas medidas como a realização de oitivas com as comunidades
indígenas afetadas9.
De acordo com a coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre,
Antonia Melo, “no caso de Belo Monte, a Justiça brasileira não funciona e cedeu a
todas as pressões econômicas e políticas do governo e do Consórcio Norte Energia.
(...) Por isso, não existe outra opção senão pedir a intervenção da Comissão
Interamericana”.
Sob o argumento de que o impacto ambiental da construção de Belo Monte
estaria colocando em risco a integridade dos indígenas, a CIDH solicitou a
disponibilização dos estudos de impacto ambiental às comunidades e a adoção de
medidas “vigorosas e abrangentes”10 para proteger a vida e a integridade dos povos
indígenas, prevenindo a disseminação de doenças. Essas determinações da CIDH,
feitas no âmbito de uma medida cautelar, no entanto, não foram observadas pelo
Brasil, o que poderá levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Nesse cenário conflituoso, um possível atraso na entrega da usina pode
acarretar problemas na composição da matriz enérgica brasileira, uma vez que a
energia que será produzida pela UHE já foi comercializada e, portanto, já é levada em
conta no planejamento energético brasileiro para os próximos 5 anos. Se Belo Monte
não fornecer a energia esperada e no tempo esperado, o Ministério de Minas e
42.2007.4.01.3003; 4) 71-84.2008.4.01.3903; 5) 218-13.2008.4.01.3903; 6) 25779-77.2010.4.01.3900;
7) 0000363-35.2009.4.01.3903; 8) 26161-70.2010.4.01.3900; 9) 25999-75.2010.4.01.3900; 10) 2599708.2010.4.01.3900; 11) 968-19.2011.4.01.3900; 12) 18026-35.2011.4.01.3900.
8
Dentre essas entidades, destaca-se o Movimento Xingu Vivo para Sempre. Para mais informações ver:
<http://xingu-vivo.blogspot.com/>.
9
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que o Governo brasileiro realize
processos de consulta “prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada” com cada uma das
comunidades indígenas afetadas antes da construção da usina. Cf. decisão da CIDH (Anexo Específico
IX deste caso).
10
Cf. informações disponíveis em notícia veiculada na página eletrônica:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-04-26/governo-rebate-criticas-da-oea-usina-belo-montemas-nao-divulga-teor-da-resposta>. Acesso em 18 de junho de 2011.
3
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
Energia (MME) terá de recorrer a outras fontes energéticas, como por exemplo,
energia
gerada
por
usinas
termoelétricas
que
permaneceriam
normalmente
desligadas. E isso pode trazer mais custos, tanto econômicos quanto ambientais.
2. Preservação do meio ambiente versus desenvolvimento econômico
As polêmicas envolvendo Belo Monte estão, em maior ou menor grau,
presentes desde o surgimento do projeto de implementação de uma UHE no Rio
Xingu, em 1975. Nessa época, a empresa Centrais de Elétricas do Norte do Brasil S.A.
(Eletronorte, uma subsidiária da Eletrobras na Amazônia) foi a responsável pelos
estudos de inventários11 da bacia hidrográfica do rio Xingu a fim de mapear o potencial
hidrelétrico da região. A construtora Camargo Corrêa realizou o mapeamento e a
análise do rio e seus afluentes para possibilitar a escolha do local mais apropriado
para a construção das barragens da usina. O estudo do potencial hidrelétrico da área
foi concluído apenas cinco anos depois, no ano de 1980, com um resultado final
esperado de 19 mil megawatts. Para tanto, a área total alagada alcançaria um raio de
18 mil km2, o que afetaria diversas aldeias indígenas.
Após pressão exercida pelas entidades engajadas na defesa do meio
ambiente, o projeto de construção da usina teve que ser remodelado, diminuindo a
área de inundação, com vistas a aumentar a proteção social e ambiental, de modo a
afetar menos as tribos indígenas que viviam nas proximidades da região afetada.
O novo projeto, apresentado ao Departamento Nacional de Água e Energia
(DNAEE), reduz a área alagada do reservatório de 1.225 km2 para 400 km2, conforme
se pode verificar nas figuras seguintes. Além disso, a relação área-capacidade do
projeto de Belo Monte é de 0,05 km2/MW, valor inferior a de outras usinas no Brasil,
tais como Tucuruí (0,29) e Itaipu (0,10). A média nacional é de 0,49 km2/MW
instalado.12
11
Estudos de inventário são “estudos de engenharia para definição do potencial hidrelétrico de uma bacia
hidrográfica, a partir da análise de divisão de quedas d’água e a definição prévia de aproveitamento
ótimo desse potencial, ou seja, do número de aproveitamentos hidrelétricos que, no conjunto, propiciem
o máximo de energia ao menor custo, com o mínimo de impactos sobre o meio ambiente e em
conformidade com os cenários de utilização múltipla dos recursos hídricos”. Cf. glossário disponível no
Hotsite de Belo Monte (http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/hotsite_beloMonte/index.cfm?p=9>).
12
Cf. informações extraídas do relatório do Ministério de Minas e Energia (fev. 2011), Projeto da Usina
Hidrelétrica
de
Belo
Monte
Fatos
e
Dados.
Disponível
em:
<http://www.epe.gov.br/leiloes/Documents/Leil%C3%A3o%20Belo%20Monte/Belo%20Monte%20%20Fatos%20e%20Dados%20-%20POR.pdf>. Último acesso em 15 de julho de 2011.
4
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Estudos de Viabilidade das Obras de engenharia
Estudos das Décadas de 80/90 x Estudos atuais
Reservatório do Estudo anterior
Reservatório atual
Figuras 2 e 3. Estudos de Viabilidade das obras de engenharia.
Fonte: Ministério de Minas e Energia (fev. 2011), Projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte - Fatos e
Dados. <http://www.epe.gov.br/leiloes/Documents/Leil%C3%A3o%20Belo%20Monte/Belo%20Monte%20%20Fatos%20e%20Dados%20-%20POR.pdf>.
Com esse novo formato, tal projeto foi aprovado no ano de 198813 e logo
depois a Eletronorte foi autorizada, por meio de uma Portaria do Ministério de Minas e
Energia,14 a realizar os estudos de viabilidade15 da usina.
O projeto UHE Belo Monte, assim como outros projetos nacionais de grande
porte, é objeto de licenciamento ambiental conduzido, neste caso, pelo IBAMA. A
competência do IBAMA para conduzir o licenciamento ambiental de Belo Monte não é
ponto pacífico na legislação, o que suscitou a propositura de uma ação civil pública16
pelo MPF para garantir que o licenciamento fosse feito por este órgão e não pelo
órgão estadual ambiental do Pará, por exemplo.
13
Cf. Portaria DNAEE nº. 43, de 2 de agosto de 1988.
Trata-se da Portaria MME nº. 1.077, de 30 de agosto de 1988.
15
Estudos de viabilidade são “estudos posteriores ao inventário, na qual é definida na qual é definida a
concepção global de uma usina, sua otimização energética, técnico-econômica e ambiental, mediante a
elaboração dos Estudos de Viabilidade Técnico-Econômica (EVTE) e dos Estudos de Impacto
Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), com avaliação de seus benefícios e custos
associados. Nessa fase faz-se necessário obter a Licença Prévia ambiental (LP), junto ao IBAMA ou a
órgãos ambientais estaduais, e a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH), emitida
pela Agência Nacional de Águas (ANA) ou órgão estadual de recursos hídricos. São necessários
apenas para empreendimentos com capacidade superior a 30 MW”. Cf. glossário disponível no Hotsite
de Belo Monte (<http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/hotsite_beloMonte/index.cfm?p=9>).
16
Trata-se da Ação Civil Pública 5850-73.2001.4.01.3900. A petição inicial desta ACP consta no Anexo
Específico I deste caso.
14
5
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
Segundo o MPF, o licenciamento ambiental deve ser realizado por um órgão
federal, pois o rio Xingu é um ente pertencente à União, visto que ele banha mais de
um Estado. A decisão da Justiça Federal confirmou a competência do IBAMA.
Por essa razão, a Eletrobras solicitou ao IBAMA a abertura do processo de
licenciamento ambiental prévio, iniciando também o Estudo de Impacto Ambiental
(EIA). Esse pedido da Eletrobras motivou o MPF a mover uma Ação Civil Pública17
visando sustar, liminarmente, qualquer procedimento empreendido pelo IBAMA para
condução do licenciamento ambiental da UHE Belo Monte. Por meio de uma liminar,
concedida pela Justiça Federal em 28 de março de 2006, o MPF teve o seu pedido
satisfeito.
Diante da suspensão do licenciamento ambiental prévio por força de uma
liminar, impediu-se o prosseguimento de qualquer estudo na área antes que as
populações indígenas que viriam a ser afetadas fossem ouvidas pelo Congresso
Nacional.
Embora a decisão liminar tenha sido favorável ao MPF, a decisão de mérito
não foi. Um ano depois da concessão da liminar, a Justiça Federal em Altamira (PA)
julgou improcedente o pedido do MPF para anular o licenciamento ambiental prévio e,
hoje, o processo tramita em fase recursal no Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF-1).
Dando prosseguimento ao processo de licenciamento ambiental, o IBAMA
realizou algumas avaliações técnicas na área do projeto. Em maio de 2009, o Estudo
de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima) foram
concluídos pela Eletrobras e entregues ao IBAMA para análise.
Os técnicos responsáveis pela elaboração do EIA-Rima concluíram pela
viabilidade de Belo Monte, desde que cumpridos os 14 Planos, 52 Programas e 62
Projetos propostos.18 Além dessas condicionantes, o EIA determinou algumas
mudanças no Projeto de Engenharia da UHE Belo Monte para diminuir os efeitos
negativos sobre o meio ambiente, dentre elas:19
17
Trata-se da Ação Civil Pública nº. 709-88.2006.4.01.3903, proposta pelo MPF em face do IBAMA e da
ELETRONORTE com o objetivo de sustar, liminarmente, qualquer procedimento empreendido pelo
IBAMA para condução do licenciamento ambiental da UHE Belo Monte, especificamente das audiências
públicas programadas para os dias 30 e 31 de março de 2006 nas cidades de Altamira e Vitória do
Xingu. A petição inicial desta ACP consta do Anexo Específico II do caso.
18
Cf. Ministério de Minas e Energia. Informativo Eletrônico AHE Belo Monte, edição 11, março/abril de
2009. Eletrobras.
19
Fonte: EIA-Rima, p. 8. Ver Anexo Específico XII deste caso.
6
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
•
A mudança para a cidade de Vitória do Xingu das 2.500 casas para
funcionários das obras que antes seriam feitas próximas ao local da
casa de força principal, em uma vila residencial;
•
A construção de 500 casas também para funcionários das obras
espalhadas pela cidade de Altamira, ao invés de em uma vila fechada;
•
A construção de um canal ao lado da barragem principal para
passagem de peixes, ao invés de uma escada de peixes;
•
Construção de um mecanismo próximo à barragem principal para fazer
com que os barcos possam passar de um lado para o outro do rio
Xingu;
•
A definição de um hidrograma ecológico para o trecho do rio Xingu
entre a barragem principal e a casa de força, garantindo a navegação e
a sobrevivência de espécies de peixes e plantas.
Não obstante a previsão das referidas condicionantes, o IBAMA acabou por
aprovar o EIA-Rima.
A próxima etapa do processo de licenciamento ambiental é a realização de
audiências públicas. Nesse sentido, o IBAMA publicou, em 26 de agosto de 2009,
edital de convocação de audiências públicas destinadas a ouvir as populações que
serão direta e indiretamente afetadas pelo empreendimento. As quatro audiências
públicas realizadas sobre Belo Monte aconteceram nos municípios de Altamira, Brasil
Novo, Belém e Vitória do Xingu. O objetivo desses encontros foi apresentar os
resultados dos estudos de impacto ambiental às populações indígenas que seriam
atingidas pela construção da usina e ouvir as suas opiniões sobre o empreendimento.
Nessas audiências, dirigentes do IBAMA, juntamente com representantes da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e da Eletronorte, defenderam a importância da
usina, afirmando que ela será responsável pela geração de renda e emprego nessa
região.
Embora tenham sido realizadas audiências públicas de oitiva das comunidades
indígenas, alguns atores criticaram fortemente a participação dos interessados nesses
encontros. O procurador da República Rodrigo Costa e Silva fez questão de
manifestar o seu protesto, criticando o formato das quatro audiências públicas
promovidas até então. Segundo ele:
7
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
“Estamos consignando novamente nosso protesto contra esse formato
de audiência pública. Estivemos presentes às três audiências
anteriores e já tivemos todas as prerrogativas do Ministério Público
cerceadas pelos organizadores. O regulamento aprovado pelo IBAMA
20
não permite a efetiva participação nem do MP, nem a popular”.
Membros da sociedade civil também protestaram contra a audiência pública
realizada em Belém, no dia 15 de setembro de 2009. Um dos diretores do Fórum da
Amazônia Oriental (Faor), Mateus Waterloo, disse:
“Isso é uma palhaçada, estão impedindo os povos da floresta de falar
na audiência e dizer que não querem a usina. O governo veio para a
21
audiência com tudo já decidido”.
De acordo com outros membros do Ministério Público, praticamente não havia
índios na audiência pública na audiência realizada em Belém.22 Em protesto, os quatro
procuradores retiraram-se do teatro Margarida Schivazapa, palco da quarta audiência
pública. Eles prometeram impugnar na Justiça as quatro audiências já ocorridas no
Estado.
E foi o que aconteceu. O MPF propôs a ACP nº. 26161-70.2010.4.01.390023,
na qual sustentou que nem todos os municípios que serão afetados pela construção e
operação da UHE Belo Monte tiveram a sua participação garantida nas audiências
públicas. De acordo com o MPF:
“[...] o próprio IBAMA reconhece como afetados pelo empreendimento
os municípios de Placas, Uruará, Medicilândia, Pacajá, Anapu,
Senador José Porfírio, Porto de Moz e Gurupá, e as localidades de
Belo Monte, Santo Antonio e travessões, além da margem direita do
Xingu e as localidades de Ressaca, Fazenda e Galo, no município de
Senador José Porfírio. Em todos estes locais, entretanto, não ocorreu
audiência pública, sendo os interessados dirigidos a comparecer aos
municípios onde estas se realizariam, com a promessa de que a
Eletrobrás arcaria exclusivamente com as despesas de locomoção.”
Considerando-se a distância entre os municípios e a dimensão do projeto, o
MPF afirma que o número de audiências foi insuficiente para garantir a oitiva de todos
20
Cf. notícia “Índios protestam contra Belo Monte”, veiculada no site do Estadão. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,indios-protestam-contra-belo-monte,435625,0.htm>.
Acessado em 25 de julho de 2011.
21
Idem.
22
Idem.
23
A petição inicial desta ACP consta no Anexo Específico IV do caso.
8
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
os afetados pela construção e operação da usina. Por tal motivo, pede que sejam
declaradas nulas as audiências realizadas pelo IBAMA no licenciamento ambiental do
empreendimento do UHE Belo Monte, nos dias 10, 12, 13 e 15 de setembro de 2009.
Por outro lado, o Governo federal defende que foram cumpridas as exigências
legais que impõem a realização de audiências públicas com as comunidades afetadas
pela construção da usina. Além disso, em resposta a OEA, o ministro das Relações
Exteriores afirmou que:
“[...] estão sendo observadas, com rigor absoluto, as normas cabíveis
para que a construção leve em conta todos os aspectos sociais e
ambientais envolvidos. O governo brasileiro tem atuado de forma
24
efetiva e diligente para responder às demandas existentes”.
Nesse sentido também se manifestou o diretor-geral da Agência Nacional de
Energia Elétrica (ANEEL), Nelson Hubner, ao afirmar que foram feitas audiências
públicas com as comunidades indígenas e que “todas elas [as audiências públicas]
com grande participação das comunidades indígenas, com representantes da
sociedade". Além disso, sustentou que
“todos os processos foram cumpridos, absolutamente cumpridos, com
todo o rigor que tem a nossa legislação, foram feitas todas as
25
audiências públicas”.
Outra ação foi proposta pelo MPF no sentido de proteger as comunidades
indígenas da região. Na ACP ajuizada em 17 de agosto de 2011, o MPF pede a
paralisação das obras pela violação dos direitos de povos indígenas da região, que
terão que ser removidos de suas áreas tradicionais. De acordo com os procuradores, a
Constituição Federal veda a remoção de indígenas de suas terras nativas, exceto “em
caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da
soberania do país”, o que, na avaliação do MPF não é o caso da hidrelétrica.26
Segundo o MPF, dois povos indígenas serão diretamente afetados pelas
alterações: os juruna, da Terra Indígena Paquiçamba, na margem direita da Volta
Grande, e os arara, da Terra Indígena Arara da Volta Grande, na margem esquerda.
24
Cf. notícia Folha, veiculada em 05/04/2011. Notícia “Pedido da OEA sobre Belo Monte irrita diplomacia
brasileira”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/898663-pedido-de-oea-sobre-belomonte-irrita-diplomacia-brasileira.shtml>. Acessado em 22 de junho de 2011.
25
Cf. “Pedido de comissão da OEA sobre Belo Monte é precipitado e injustificável, diz Itamaraty”, notícia
veiculada
no
site
do
jornal
O
Globo.
Disponível
em:
<http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/04/05/pedido-de-comissao-da-oea-sobre-belo-monteprecipitado-injustificavel-diz-itamaraty-924161709.asp>. Acessado em 18 de julho de 2011.
26
Cf. “MPF do Pará move mais uma ação contra Belo Monte”, notícia veiculada na Revista Consultor
Jurídico, de 18 de agosto de 2011.
9
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
Caso o pedido não seja julgado procedente, o MPF requer que a Norte Energia S.A.
seja obrigada a indenizar esses povos, em valores que ainda serão definidos.27
O complexo hidrelétrico de Belo Monte está sendo fortemente defendido pelo
Governo especialmente para evitar uma nova crise do apagão, ocorrida entre 2001 e
2002, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Como reflexo, procurou-se
investir na diversificação e na ampliação da matriz energética brasileira.
“Trata-se de um empreendimento de grande importância que garantirá a
segurança energética brasileira”,28 destacou o ministro de Minas e Energia, Edison
Lobão. Recentemente, a Ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ratificou a
sustentabilidade do empreendimento e afirmou que “Belo Monte será um
empreendimento fundamental para o desenvolvimento da região e do país”.29
Em oposição ao argumento do Governo federal, muitas entidades que visam à
proteção do meio ambiente criticam esse tipo de empreendimento, afirmando que
existem outras fontes de energia menos danosas ao meio ambiente, como a energia
eólica, a energia solar e a proveniente da biomassa. O relatório final da “World
Commission on Dams”, lançado no ano 200030 inclusive, tem como uma de suas
conclusões a de que grandes barragens são muito impactantes do ponto de vista
ambiental e social.
O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, pautado em estudos realizados
pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), defende que a decisão de utilizar
energia hidrelétrica está em consonância com o compromisso assumido pelo Brasil,
em 2009, para reduzir as emissões de CO2 entre 36,1% e 38,9% até 2020.31
Técnicos em energia também apresentam diversos argumentos favoráveis à
escolha política feita pelo Governo de investir na utilização de energia hidrelétrica ao
invés de outras energias as derivadas do carvão, petróleo, gás natural e energia
nuclear.
27
Idem.
Cf. “Belo Monte começará a funcionar em 2015, diz ministro”, UOL Economia. Notícia disponível em:
<http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/06/01/usina-de-belo-monte-comecara-afuncionar-em-2015-diz-ministro.jhtm>. Acessado em 30 de julho de 2011.
29
Cf. “Ministra ratifica sustentabilidade hidroeléctrica Belo Monte”, Prensa Latina. Notícia disponível em:
<http://www.prensa-latina.cu/index.php?option=com_content&task=view&id=316976&Itemid=1>.
Acessado em 22 de agosto de 2011.
30 “Dams and Development: a new framework for decision-making”, disponível em:
http://www.internationalrivers.org/dams-and-development-new-framework-decision. Acessado em 31 de
julho de 2011.
31
Cf. Projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte. Fatos e dados. Fevereiro de 2011. Disponível em:
<http://www.epe.gov.br/leiloes/Documents/Leil%C3%A3o%20Belo%20Monte/Belo%20Monte%20%20Fatos%20e%20Dados%20-%20POR.pdf>. Último acesso em 15 de julho de 2011.
28
10
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
Em primeiro lugar porque a energia produzida por usinas hidrelétricas é a mais
competitiva do mercado, pois o seu preço é mais baixo.32 Em segundo lugar, nas
usinas hidrelétricas há pouca emissão de gases causadores do efeito estufa. De
acordo com a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, a
hidroeletricidade é a quarta matriz energética mais limpa, pois emite aproximadamente
60 gramas de carbono equivalente/kWh. Na primeira posição, como a energia que
menos emite gases de efeito estufa, está a energia nuclear, que emite menos que 10
gramas de carbono equivalente/kWh. Em seguida, está a energia eólica (com
aproximadamente 15 gramas de carbono equivalente/kWh), enquanto a biomassa
ocupa
a
terceira
posição
(com
aproximadamente
20
gramas
de
carbono
equivalente/kWh).
2.1. As licenças ambientais
“Decisões são tomadas sequer de forma multidisciplinar. Nós deveríamos ter uma política
energética que fosse pensada, relacionada com a política ambiental, com a política
econômica, com a questão de direitos humanos. Devia pelo menos ser uma instância que a
Marina [Silva, Ministra do Meio ambiente entre 2003 e 2008] chamava de “políticas
transversais”. Não, isso é decidido de forma unilateral e absolutamente de forma não
transparente. Depois que a decisão é tomada então começa a pressão do rolo compressor
para que todos os órgãos que são obrigados por lei a interferir no processo concordem. (...)
Então você dá uma licença de instalação quando as condicionantes da licença prévia para
a licença de instalação não foram cumpridas. Aí você cria a figura da licença de instalação
parcial, que não existe na legislação.” (depoimento de Marijane Lisboa, Relatora de Direito
Humano Ambiental da plataforma DHESCA e ex-secretária de qualidade ambiental do
Ministério do Meio Ambiente)
A primeira licença ambiental exigida pela legislação brasileira – a Licença
Prévia – foi concedida pelo IBAMA em 1º de fevereiro de 2010, após análise e
aprovação do EIA de Belo Monte. Esta licença (Licença Prévia nº. 342/201033) foi
concedida, mas nela estavam previstas quarenta condicionantes que deveriam ser
cumpridas pelo Poder Público.
A concessão dessa licença foi precedida das quatro audiências públicas
supracitadas.
A segunda licença ambiental concedida para viabilizar a construção da UHE
Belo Monte foi a Licença Parcial de Instalação nº. 770/201134, emitida pelo IBAMA em
26 de janeiro de 2011, autorizando a instalação dos canteiros de obras da usina. Essa
32
Cf. dados da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME.
Ver Anexo Específico V do caso.
34
Ver Anexo Específico VI do caso.
33
11
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
licença é válida por um ano e está condicionada ao cumprimento de condicionantes
específicas, as quais impõem a implantação de programas socioambientais e
programas de monitoramento socioeconômicos, que englobam cuidados com a saúde,
educação e saneamento para as comunidades afetadas.
O MPF do Estado do Pará ingressou com nova ação civil pública35 requerendo
a declaração de nulidade da licença de instalação nº. 770/2011, emitida pelo IBAMA
para a remoção da vegetação e a instalação dos canteiros de obras da usina. O MPF
argumenta que esta licença não poderia ter sido emitida sem o cumprimento das
condicionantes impostas na concessão da Licença Prévia nº. 342/2010. Além disso,
sustenta não existir a figura do licenciamento parcial no ordenamento jurídico
brasileiro, artifício que já havia sido usado nas obras da hidrelétrica de Jirau, em
Rondônia.
Segundo o MPF, o projeto não cumpria com vinte e nove pré-condições antes
de receber a licença, no dia 26 de janeiro. Outras quatro condicionantes haviam sido
cumpridas apenas parcialmente e para outras trinta e três não havia qualquer
informação.36 Diante do não cumprimento das condicionantes, o MPF sustentou que o
licenciamento não poderia prosseguir.
Em 25 de fevereiro de 2011, esta licença foi cassada pela Justiça Federal do
Pará, pois prevaleceu o entendimento de que a licença era ilegal por não ter cumprido
as pré-condições estabelecidas pelo IBAMA. De acordo com o juiz da 9ª Vara da
Justiça Federal em Belém, que proferiu a decisão liminar, o consórcio tem imposto ao
IBAMA o modo de condução do licenciamento de Belo Monte, ao invés de o órgão
ambiental conduzir o procedimento.37
O cenário energético para os próximos anos preocupa o Governo e no início de
janeiro de 2011, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que existem
mais de trinta pendências ambientais emperrando projetos de energia no país. O
principal deles, a construção da hidrelétrica de Belo Monte, poderia atrasar em um ano
se a licença ambiental não fosse emitida até fevereiro.38
O atraso da realização da obra em virtude do processo de licenciamento
ambiental é muito criticado pelo Governo e por entidades como o Banco Mundial. No
35
Trata-se da ACP nº. 968-19.2011.4.01.3900, movida em face de Norte Energia, IBAMA e BNDES. (Cf.
Anexo Específico III do caso)
36
Cf. “Justiça do Pará suspende licença do canteiro de obras de Belo Monte”, Valor online, 25 de
fevereiro de 2011.
37
Idem.
38
Cf. “IBAMA libera licença de para iniciar canteiro de obras de Belo Monte”. Folha online, 26 de janeiro
de 2011.
12
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
Relatório do Banco Mundial, “Licenciamento ambiental de empreendimentos
hidrelétricos no Brasil” afirma-se que:
“O licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos no
Brasil é percebido como um grande obstáculo, resultando em
atrasos no desenvolvimento dos empreendimentos. Essa condição
resulta da parcial falta de sincronia entre os marcos regulatórios dos
setores ambiental e elétrico. Na esfera do setor ambiental, as regras
do licenciamento ambiental mantêm-se fundamentalmente
inalteradas desde suas origens e os órgãos ambientais ainda não
alcançaram um significativo aumento de capacidade institucional. Já
no setor elétrico, houve profunda transformação nos últimos 10
anos, mas suas regras ainda não estão sedimentadas. O sistema
centralizado, monopolizado e controlado pelo governo vem dando
lugar a outro, internacionalmente aceito, que promove a regulação,
39
a concorrência e uma maior participação do setor privado.”
Por outro lado, para Marijane Lisboa, Relatora de Direito Humano Ambiental da
plataforma DHESCA e ex-secretária de qualidade ambiental do Ministério do Meio
Ambiente:
“o problema não é a percepção de que política ambiental tem de ser
alguma coisa integrada. O problema é que grande parte dos atores
e agentes públicos ainda acha meio ambiente uma questão
40
quaternária. A questão ambiental não é levada a sério.”
Passados alguns meses, no entanto, o IBAMA anunciou, em 1º de junho de
2011, a concessão da terceira licença ambiental: a Licença de Instalação nº.
795/201141, que autoriza ao consórcio vencedor dar inicio à construção da usina.
Logo após a emissão da licença de instalação, representantes do Governo
federal mostraram-se otimistas, pois consideram que a emissão desta licença não
atrasará a entrada em operação comercial da usina. Lobão afirmou que, embora o
Governo federal desejasse que a autorização tivesse sido concedida há mais tempo, a
demora não acarretará qualquer prejuízo ao cronograma da obra.
“Não haverá nenhum atraso. Desejávamos que essa licença tivesse
sido concedida há mais tempo, pois isso seguramente nos daria mais
42
folga para a construção da obra”.
39
Licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos no Brasil. Banco Mundial, p. 13.
Cf. trecho de entrevista concedida em 09/04/2011.
41
Ver Anexo Específico VII do caso.
42
Cf. “Belo monte começará a funcionar em 2015, diz Ministro”. Notícia disponível em:
http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/06/01/usina-de-belo-monte-comecara-afuncionar-em-2015-diz-ministro.jhtm. Acessado em 30 de junho de 2011.
40
13
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
Com a emissão da licença de instalação, o Governo anunciou uma série de
medidas para reduzir os impactos ambientais da construção de Belo Monte. Para
tanto, serão investidos quinhentos milhões de reais no Plano de Desenvolvimento
Regional Sustentável (PDRS) do Xingu, conforme declaração da ministra do
Planejamento, Miriam Belchior.43 O PDRS é um programa voltado a preparar a região
de integração do rio Xingu para os grandes impactos das obras da Usina de Belo
Monte. Fazem parte do plano de desenvolvimento sustentável ações na área de
regularização fundiária, licenciamento ambiental, capacitação da população local,
ampliação de escolas e universidades públicas, universalização do acesso à energia
elétrica, melhoria dos transportes rodoviário e hidroviário, entre outras.
Ainda no âmbito do PDRS, a Norte Energia S.A. também terá de destinar R$
3,2 bilhões para iniciativas que visem à melhoria da qualidade de vida da população
indígena, como a construção e a ampliação de escolas e postos de saúde,
saneamento, habitação e apoio à segurança pública.
Não obstante a adoção de tais medidas pelo Governo, o MPF ingressou com
uma ação civil pública, cinco dias após a concessão da licença de instalação,
objetivando a declaração de nulidade desta licença. Segundo o MPF, esta licença foi
emitida pelo IBAMA sem o cumprimento das condicionantes impostas na concessão
da Licença Prévia nº. 342/2010. Esta ação ainda não foi julgada.
3. Interações público-privadas, modelagem contratual e análise de riscos no
contrato de concessão
“Eu já estive no governo e te digo o seguinte: quando não há um empenho muito forte do
governo, o projeto patina, patina e patina. É mais ou menos uma guerra. Para você vencer
uma guerra, você vai ter que deixar alguns inocentes feridos. Se vale a pena, é a sociedade
quem tem que avaliar. Mas, no mundo real, esses projetos precisam ser empurrados de um
modo que, de vez em quando, choca as pessoas. A grande dúvida é: seria possível fazer
diferente? Em parte, sim. O planejamento poderia minimizar esse processo, pois, no Brasil,
sempre há um déficit de planejamento”. (depoimento de interlocutor do setor público com
relevante experiência em projetos de infraestrutura)
O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou, em setembro de
2009, uma Resolução44 indicando o projeto de construção da usina Belo Monte como
43
Cf. reportagem do Jornal Brasil Econômico. “União dá aval de R$ 500 mi em ações ambientais para
liberar Belo Monte”, p. 40. Quarta-feira, 2 de junho de 2011.
44
Resolução nº. 06, CNPE, de 16/09/2009.
14
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
sendo prioritário para licitação e implantação. Mas antes de realizar o processo
licitatório, a ANEEL convocou audiência pública45 para debater a minuta do edital de
Belo Monte.
O referido edital versava a concessão de uso de bem público para geração de
energia elétrica no Rio Xingu, no Estado do Pará, por meio da construção e
exploração da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.O investimento necessário para
construí-la era de R$ 19 bilhões de reais no prazo de trinta e cinco anos. Um negócio
de tal magnitude despertou a atenção de muitas empresas e foi com a publicação do
edital que o Governo federal apresentou seu posicionamento detalhado a respeito das
bases do negócio.
Durante a audiência pública, realizada em 5 de novembro de 2009, foram
recebidas manifestações de empresas como a Companhia Vale do Rio Doce,
Odebrecht, Furnas Centrais Elétricas e Camargo Corrêa. Uma preocupação detectada
por uma dessas empresas diz respeito aos cálculos econômico-financeiros das
empresas interessadas no negócio. Nos documentos contendo contribuições de
mudança do edital na audiência pública, a empresa se manifestou no sentido de que o
edital deveria prever, além da garantia física por unidade geradora, a potência
assegurada. A empresa justifica o seu pedido por meio da afirmação de que “o cálculo
da potência assegurada é de responsabilidade da EPE e deverá ser divulgada antes
da data de realização do Leilão, uma vez que isso influencia as análises econômicofinanceiras das Proponentes”.46
A partir da publicação do aviso da audiência pública (e, especialmente, a partir
da consequente publicação dos documentos que compuseram o edital de licitação), o
Governo federal posicionou-se oficialmente a respeito dos alicerces do negócio que
estava a propor para as empresas privadas ou públicas interessadas em participar da
licitação para a construção e operação da UHE Belo Monte47.
Dentre os documentos do edital, a minuta do contrato de concessão consolidou
os aspectos relevantes para que as estimativas e estratégias das empresas pudessem
ser definidas para a licitação. O contrato de concessão regeria a relação entre a
concessionária e a União por trinta e cinco anos. Tal cenário, alinhado à estimativa de
45
Nessa data, foi publicado no Diário Oficial da União o “Aviso de Audiência Pública nº. 042/2009”, cujo
objetivo era a obtenção de subsídios e informações para eventual aperfeiçoamento do Edital do Leilão
nº. 06/2009 e anexos (conjunto de documentos chamados de “edital” a partir de agora).
46
Cf. documento contendo as contribuições feitas pela Furnas Centrais Elétricas S.A. à minuta do edital
de leilão de Belo Monte.
47
Por mais que o Ministério de Minas e Energia houvesse publicado no mês anterior uma portaria com as
diretrizes para o leilão da energia de Belo Monte, tal portaria não é comparável ao edital propriamente
dito, muito mais rico em informações sobre o negócio.
15
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
investimento necessário nesse prazo, demandou análises pormenorizadas do referido
contrato.
A minuta de edital, portanto, deu nortes para os debates que até então vinham
sendo travados entre os potenciais investidores e permitiu que estes pudessem
organizar-se de modo mais efetivo tendo em vista a futura licitação.
Entretanto, mesmo antes da publicação do edital, principalmente a partir do
momento em que a usina de Belo Monte entrou com mais intensidade na agenda
política do Governo federal, vários atores interessados já haviam começado a dialogar
e a organizar-se tendo em vista o futuro negócio. De certa forma, os investidores
estavam acostumados com o modelo de negócio proposto pelo Governo federal para
as usinas hidrelétricas. Afinal, não seria a primeira vez que um leilão para a produção
de energia hidrelétrica seria realizado no Brasil. No passado recente, as usinas de
Santo Antônio (RO) e Jirau (RO) foram licitadas e houve relevante interesse por parte
dos investidores.
Belo Monte, no entanto, apresentava desafios particulares. Entre eles, a
questão ambiental, cujo equacionamento era essencial que os investidores tivessem
plena consciência das condicionantes que o vencedor do leilão deveria satisfazer, na
medida em que tais condicionantes implicariam mais ou menos custos e impactariam o
retorno do investimento.
O fato de que houve questionamento por parte do MPF sobre o processo de
licenciamento ambiental fez com que certa instabilidade fosse adicionada à fase que
antecedeu a publicação do Aviso de Audiência Pública nº. 042/2009.
Outros desafios específicos de Belo Monte seriam: a logística que envolveria a
construção de uma grande obra na região da floresta amazônica; o fato de que as
redes de transmissão de energia elétrica que atenderiam Belo Monte ainda seriam
construídas; o relacionamento com as comunidades locais (entre elas, as indígenas); a
combatividade da sociedade civil que se opunha ao projeto; a possível sobreposição
do processo de licitação com o processo eleitoral que se aproximava (eleições
presidenciais de 2010); o custo de capital durante o prazo de vigência do contrato;
entre outros.
Na fase anterior à publicação do edital, foram suscitados tópicos relevantes na
imprensa especializada sobre a viabilidade econômico-financeira do negócio, o que,
por sua vez, tornava público que havia vários desafios a serem solucionados pelo
Governo federal, responsável pela estruturação do leilão, antes da publicação do edital
16
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
do leilão. Entre os tópicos, é possível destacar: o papel do autoprodutor na licitação
como integrante de consórcio48; o nível de competição que o leilão geraria; a
estimativa de investimento para o projeto (variando, dependendo do autor do cálculo
ser o Governo federal ou a iniciativa privada, entre 16 e 30 bilhões de reais);
participação dos fundos de pensão das estatais federais na formação de consórcios; o
valor teto do megawatt por hora (MWh) no mercado cativo; e o papel da Eletrobras no
negócio.
Nos casos de Santo Antonio e Jirau, as estatais federais do setor elétrico
integraram os consórcios vencedores, com cotas menores que 50% do capital social
das sociedades de propósito específico que foram criadas e se tornaram
concessionárias. A imprensa especializada produziu análises no sentido de que um
engajamento similar das estatais também ocorreria em Belo Monte. Uma sinalização
concreta a respeito dessa possibilidade veio com edição do Decreto nº. 7.058, de 30
de dezembro de 2009, que permitiu que empresas estatais, entre elas a Eletrobras,
oferecessem garantias financeiras em empréstimos que tomassem vinculados a
projetos de infraestrutura em que atuassem em consórcio, possibilidade inexistente até
então. A medida teve como efeito esperado a redução dos custos dos empréstimos
junto ao BNDES.
No mesmo sentido, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou a
Eletrobras a elevar sua capacidade de endividamento em mais R$ 8,5 bilhões no ano
de 2010 e, em 2008, já havia sido aprovada a lei nº. 11.65149 que fortaleceu algumas
das subsidiárias da Eletrobras.
Por meio dessas medidas, o Governo federal estava preparando o terreno para
que a Eletrobras tivesse uma atuação relevante no leilão de Belo Monte.
De acordo com profissional que trabalhou na estruturação de um dos
consórcios participantes do leilão:
“Financiar uma obra dessa magnitude é muito difícil para a iniciativa
privada e trazer o governo, via estatais, significa não ter que buscar e
fornecer garantias para grande parte do financiamento do projeto. De
20% a 30% seria de capital próprio e o resto, via BNDES. Na iniciativa
privada, ninguém era contra que a Eletrobras participasse com até
49%. Houve, inclusive, alteração legislativa para que as subsidiárias da
Eletrobras pudessem dar garantias para o financiamento do projeto.
Minha percepção é que o setor privado, (...), via a necessidade do setor
48
Característica que não esteve presente nos leilões de Santo Antônio e Jirau, na medida em que os
autoprodutores não foram autorizados a integrar os consórcios participantes da licitação.
49
Decorrente de conversão da Medida Provisória nº. 396 de 2007.
17
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
público na posição de sócio como um mal necessário. A grande
discussão era como minimizar os riscos políticos dentro de uma
companhia de 30 bilhões com sócios do setor público. Essa foi a
50
grande discussão.”
Visão semelhante é apresentada por especialista com vasta experiência no
setor público e em projetos de infraestrutura que apresenta a seguinte justificativa para
a ampla participação da Eletrobras no consórcio vencedor de Belo Monte:
“Não se trata somente de uma questão de porte dos investimentos,
mas também dos riscos envolvidos. Risco e modicidade tarifária são
duas variáveis que se relacionam e quando há mais acionistas
compartilhando riscos, o negócio tende a ser mais viável, em função do
compartilhamento ou mitigação de riscos. A participação das estatais
51
tende a ser um instrumento de mitigação de alguns riscos”.
3.1. O leilão de Belo Monte
Depois de aprovado o edital do leilão nº. 06/200952, a diretoria da ANEEL
determinou que a licitação fosse realizada no dia 20 de abril de 2010. Em meio a
muitos protestos, nesta data foi levado a cabo o procedimento licitatório, na
modalidade leilão, para a concessão de uso de bem público para geração de energia
elétrica por meio da construção e exploração da UHE Belo Monte.
Participaram do leilão dois consórcios de empresas: o consórcio Norte Energia
e o consórcio Belo Monte Energia. O primeiro era formado por nove empresas:
Companhia Hidrelétrica de São Francisco (Chesf), Construtora Queiroz Galvão S.A.,
Galvão Engenharia S.A., Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A., Serveng-Civilsan
S.A., J. Malucelli Construtora de Obras S.A., Contern Construções e Comércio Ltda.,
Cetenco Engenharia S.A. e Gaia Energia e Participações S.A. Já o segundo consórcio
participante contava com seis empresas: Andrade Gutierrez Participações S.A., Vale
S.A., Neoenergia S.A., Companhia Brasileira de Alumínio S.A., Furnas Centrais
Elétricas S.A. e Eletrosul Centrais Elétricas S.A.
O procedimento licitatório da UHE Belo Monte é um leilão descendente, o que
significa dizer que ganha a concessão quem ofertar a menor tarifa de energia elétrica,
em reais por megawatt-hora (R$/MWh). O preço-teto da tarifa é definido pelo MME. No
50
Cf. trecho de entrevista que foi concedida à equipe no dia 13/07/2011.
Cf. trecho de entrevista concedida à equipe no dia 28/06/2011.
52
O Leilão nº. 06/2009 da ANEEL seguiu as diretrizes aprovadas pelo MME por meio das Portarias nº.
417/2009 e 434/2009. Para mais detalhes sobre o edital do leilão, conferir Anexo Específico X do caso.
51
18
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
caso de Belo Monte, o preço-teto foi fixado em 83 reais o MWh. Esse preço-teto foi
bastante criticado pelo mercado, pois foi considerado muito baixo diante do porte do
empreendimento.
“O leilão da usina hidrelétrica de Jirau, por exemplo, com potência de
cerca de 3 mil megawatts, teve preço-teto estipulado de 91 reais o
megawatt. Segundo estimativa da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), Belo Monte teria custo total de 19 bilhões de reais, valor
questionado pelas empresas interessadas na obra, que estimam algo
53
em torno de 30 bilhões de reais”.
O leilão foi encerrado logo na primeira fase54 com o preço de lance de 78 reais
por MWh, representando um deságio de 6,02% em relação ao preço inicial fixado pelo
MME.
Figura 4. Informações sobre o leilão de Belo Monte (http://www.youtube.com/watch?v=cqhj7DRsJnw)
Com o lance de R$ 78,00 o MWh, o consórcio Norte Energia venceu o leilão de
energia da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O grupo destinará 70% da geração para
o Ambiente de Contratação Regulada (ACR), 20% para Ambiente de Contratação
Livre (ACL) e os 10% restantes para as empresas autoprodutoras.
Após vencer o procedimento licitatório, foi constituída a Norte Energia S.A.,
sociedade de propósito específico (SPE) à qual foi outorgada a concessão para
construção e exploração da UHE de Belo Monte. A outorga foi feita por meio da
celebração do contrato de concessão nº. 01/2010-MME-UHE-Belo Monte, celebrado,
em 26/08/2010, pela União e pela Norte Energia.
53
Cf. notícia disponível em: <http://sendosustentavel.blogspot.com/2010/04/camargo-correa-e-odebrechtdesistem-de.html>. Acessado em: 11 de novembro de 2010.
54
O leilão de Belo Monte foi decidido em um único lance. Para mais informações sobre o leilão, ver vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=cqhj7DRsJnw.
19
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
A composição societária da Norte Energia, quando esta venceu o leilão, era a
seguinte:
Tabela 1: Composição societária da Norte Energia S.A. (21 de abril de 2010)
Acionista
Participação (%)
Eletronorte S.A.
19,98%
Companhia Hidrelétrica de São Francisco - Chesf
15,00%
Eletrobras S.A.
15,00%
Bolzano Participações S.A.
10,00%
Fundação Petrobrás de Seguridade Social - Petros
10,00%
Gaia Energia e Participações S.A.
9,00%
Caixa FIP Cevix
5,00%
Construtora OAS Ltda.
2,51%
Construtora Queiroz Galvão S.A.
2,51%
Fundação de Economiários Federais - Funcef
2,50%
Cetenco Engenharia S.A.
1,25%
Contern Construções e Comércio Ltda.
1,25%
Galvão Engenharia S.A.
1,25%
Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A.
1,25%
Serveng-Civilsan S.A.
1,25%
J. Malucelli Construtora de Obras S.A.
1,00%
Siderurgica Norte Brasil S.A. - Sinobras
1,00%
J. Malucelli Energia S.A.
0,25%
Fonte: CADE, Ato de Concentração nº. 08012.009965/2010-11. Voto do Conselheiro Olavo Zago
Chinaglia, pp. 1-2.
O principal acionista do consórcio, como se verifica na tabela acima, é o Grupo
Eletrobras, que detém 49,98% do capital social da Norte Energia S.A. por meio de três
empresas: Eletronorte S.A., Eletrobras S.A. e Chesf.
A conformação da participação societária do consórcio se alterou um pouco
porque recentemente a Companhia Vale do Rio Doce também entrou no consórcio
para a construção de Belo Monte, comprando parcela da participação de empresas do
grupo Bertin, Gaia Energia e Participações S.A. e Contern Construções e Comércio
Ltda.55
55
Cf. notícia publicada no Valor Econômico, disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/valor/2011/04/28/vale-confirma-entrada-em-belo-monte-com-compra-de-parcela-dobertin.jhtm>.Acessado em 16 de maio de 2011.
20
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
No que diz respeito à comercialização da energia que será gerada por Belo
Monte, especialistas56 do setor energético enfatizam a necessidade de a usina estar
em operação em 2015, como quer o Governo, em virtude de a energia que será
gerada a partir desse ano já ter sido vendida nos leilões de energia. Isso significa que
o preço das tarifas de energia elétrica já foi estabelecido para os anos de 2015-2020
considerando-se a produção de Belo Monte. O atraso nas obras da usina, portanto,
pode gerar um desequilíbrio no balanço do consórcio responsável pela geração de
energia de Belo Monte.
56
Dentre eles, destaca-se o engenheiro Fernando A. de Almeida Prado Jr. que nos concedeu uma
entrevista muito enriquecedora na segunda etapa da pesquisa.
21
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