1 Método A ciência se diferencia de outras naturezas de conhecimento, dentre outras coisas, pelo método científico. O método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros –, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista. (MARCONI; LAKATOS, 2009, p. 46). Assim, o pesquisador que pretende desenvolver uma investigação científica, precisa seguir uma série de ações metódica e sistematicamente dispostas, a fim de alcançar um objetivo e apresentá-lo da maneira mais exata, clara e coerente possível. Marconi e Lakatos (2009), no livro Metodologia científica, apresentam as mudanças na concepção de método, desde Galileu Galilei (1564-1642), passando por Francis Bacon (1561-1626) e Descartes (1596-1650), até chegar na concepção atual de método. A seguir apresentaremos brevemente so aspectos principais do modo como esses pensadores concebiam o método científico. Para a finalidade desse texto, enfatizamos a concepção atual de método, que deve pautar nossas ações enquanto pesquisadores. Galileu Galilei procurou contrapor-se ao pensamento aristotélico ao afirmar que a investigação deve versar sobre as leis que regem os fenômenos. O foco da ciência seriam as relações quantitativas, compreendidas a partir da indução experimental, por meio da qual se chega a leis gerais pela observação de alguns casos particulares (MARCONI; LAKATOS, 2009). Francis Bacon também se contrapõe ao pensamento aristotélico e afirma que o único meio de se verificar a verdade dos fatos é pela experimentação, que desencadeia a formulação de hipóteses, impele à sua repetição, ao teste das hipóteses para então chegar à formulação de generalizações e leis. Observamos que o elemento que diferencia Bacon de Galilei é o fato de o primeiro defender a experimentação como passo inicial da investigação científica, e o segundo postular a observação como primeiro estágio MARCONI; LAKATOS, 2009). 2 Descartes, por sua vez, tem uma atitude diferente em relação à concepção aristotélica de investigação científica. O filósofo francês defende o processo de dedução, a partir do qual se obtém, segundo ele, a certeza pela operação da razão, do pensamento reflexivo. Existem, contudo, quatro regras para o processo de reflexão: certificar-se de que se trata de algo verdadeiro (princípio da evidência), operar a análise para a decomposição do todo, operar a síntese para recompor o todo decomposto pela análise e, por fim, realizar enumerações, para que nada escape à investigação (MARCONI; LAKATOS, 2009). A concepção contemporânea de método é tributária tanto de seus antecedentes imediatos (de Galileu a Newton e Einstein), quanto aos métodos de outras naturezas de conhecimento, principalmente da filosofia e do senso comum. A disposição dos cientistas em buscar respostas que vão além de explicações rasas para as coisas remete à inquietação filosófica, provocada pela insistência de alguns em permanecer e se contentar com um saber superficial, pautado apenas na aparência imediata dos fenômenos. Em contrapartida, a ciência se afasta da filosofia e se aproxima do senso comum ao se preocupar mais em resolver problemas que interferem na vida ‘prática’ dos homens do que ir até o âmago das questões universais – como é o caso da filosofia. As autoras apresentam os elementos que compõem o conceito contemporâneo de método dispostos num esquema que reproduzimos abaixo, para demonstrar as particularidades do modo científico de pensar a produção do conhecimento: 3 Problema ou lacuna Explicação Não explicação Colocação Precisa do problema Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes Tentativa de solução Inútil Satisfatória Invenção de novas ideias ou produção de novos dados empíricos Obtenção de uma solução Prova da solução Satisfatória Conclusão Não satisfatória Início de novo cliclo (MARCONI; LAKATOS, 2009, p. 52) O esquema demonstra que o início do processo é a identificação do problema ou da lacuna no conhecimento existente. Daí a importância do pesquisador conhecer o objeto de pesquisa. 4 Essa verificação conduz à identificação de explicações ou a ausência delas. Dada a ausência de explicações, passa-se à colocação precisa do problema. Depois que o problema foi devidamente estabelecido, o pesquisador precisa procurar conhecimentos e instrumentos que dê condições para responder ao problema de pesquisa. A tentativa de solução pode resultar satisfatória ou inútil. Se resultar satisfatória, o pesquisador passa para a prova da solução, estágio no qual ele submete suas afirmações à reflexão e à crítica. Por meio da prova do resultado, ele pode obter respostas satisfatórias ou não. Caso sejam satisfatórias, ele deve apresentar a conclusão de suas investigações. Caso sejam insatisfatórias, deve reiniciar o processo. Voltemos à tentativa de solução. Se o pesquisador obtiver uma solução inútil, ele deve ter determinação, curiosidade e criatividade para inventar novas idéias e produzir novos dados empíricos que lhe permitam obter uma solução valiosa. Destacamos que o processo de ‘invenção’ e ‘produção’ de novos saberes e novos dados não significa a criação ex nihilo (do nada) de conhecimento e dados. Os cientistas têm fontes e referências teóricometodológicas que os capacitam para esse ato criativo. Obtida a solução e provada pela análise, parte-se para a conclusão (síntese) ou o reinício do processo. Pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa O método científico apresenta-se de diferentes maneiras, de modo que existem muitos meios pelos quais a ciência de fato acontece. A primeira diferenciação que alguns especialistas em metodologia (SEVERINO, 2007; SILVERMAN, 2009; MARCONI; LAKATOS, 2011) apontam é entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa. Segundo Severino (2007), os termos ‘pesquisa quantitativa’ e ‘pesquisa qualitativa’ designam diferentes abordagens metodológicas. As abordagens quantitativas e qualitativas encerram uma série de métodos e referências epistemológicas, que podem ser entendidas a partir das noções de quantidade e de qualidade. 5 De acordo com Abbagnano (2007), no Dicionário de Filosofia, quando pensamos em quantidade, estamos considerando os atos de medir, mensurar ou determinar numericamente um objeto ou fenômeno. Nesse sentido, podemos afirmar que a abordagem quantitativa refere-se a um conjunto de métodos, técnicas e princípios epistemológicos por meio dos quais se procura estabelecer o número ou a quantidade de determinado objeto ou fenômeno. David Silverman (2009), no livro intitulado Interpretação de dados qualitativos: métodos para análise de entrevistas, textos e interações, reflete sobre métodos quantitativos e qualitativos, evidenciando possibilidades e limites de ambos. Ele afirma que precisamos, antes de tudo, considerar nossas intenções para depois questionarmos sobre que método usar: “Na verdade, a escolha entre diferentes métodos de pesquisa deve depender do que se está tentando descobrir” (SILVERMAN, 2009, p. 42). Ao analisar a defesa que alguns cientistas fazem dos métodos quantitativos, o autor afirma que o objeto de pesquisa dessa natureza visa “[...] produzir um conjunto de generalizações cumulativas baseadas no exame crítico de dados” (SILVERMAN, 2009, p. 46). Desse modo, podemos perceber que pesquisas quantitativas têm características generalizantes, de modo que os resultados possam responder questões que ultrapassam os limites do próprio estudo. Silverman (2009) observa, ainda, que os dados obtidos em pesquisas quantitativas decorrem de levantamentos com medidas padronizadas, permitindo relacionar os resultados com fatos e fenômenos semelhantes. O exemplo trazido por Silverman (2009) para apresentar a pesquisa quantitativa é bastante elucidativo. Trata-se de um levantamento que pretende verificar a relação entre a ocupação de pais e filhos. A pesquisa concluiu que 63,4% de filhos que têm pai em ocupação não-manual, também têm ocupação não-manual. Do total de filhos que têm pai em ocupação manual, 72,6% também tem ocupação manual. Podemos observar que os resultados da pesquisa sugerem que a ocupação do pai é uma variável importante na definição da ocupação dos filhos. Além disso, essa influência é mais forte em famílias em que o pai possui ocupação manual. Ela não nos habilita a afirmar, por exemplo, que a ocupação do pai é absolutamente determinante. Ela nos dá subsídios para uma série de 6 inferências sobre o a escolha profissional dos jovens e a importância dos pais na educação dos filhos. Essa é a intenção de uma pesquisa quantitativa: evidenciar por meio de números e quantidades as variáveis que envolvem um determinado fato ou fenômeno. A preocupação sobre as razões que levam um indivíduo a escolher uma ocupação e não outra, bem como o grau de influência da ocupação do pai na escolha profissional do filho é de pesquisas qualitativas. O conceito de qualidade presente do Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007) nos permite refletir sobre a pesquisa qualitativa: Podemos dizer que ela [a qualidade] compreende uma família de conceitos que têm em comum a função puramente formal de servir de resposta à pergunta qual? [...] Em primeiro lugar, entendem-se por Q. os hábitos e as disposições, que se distinguem porque o hábito é mais estável e duradouro que a disposição. São hábitos a temperança, a ciência e, em geral, as virtudes; são disposições a saúde, a doença, o calor, o frio etc. (ABBAGNANO, 2007, p. 957). Essas ideias decorrem do conceito aristotélico de qualidade, mas apesar de advir do pensamento antigo, essa noção se mantém atual e nos permite entender melhor o objeto e a intenção da pesquisa qualitativa. Podemos verificar que ‘qualidade’ remete a condição, aos ‘humores’, que nos tornam particulares e complexos. Nesse sentido, a pesquisa qualitativa se distingue porque sua vontade é investigar esses elementos que particularizam e complicam fatos e fenômenos. O objetivo deixa de ser a quantificação e passa a ser apontar as características de um “[...] fenômeno simplesmente indisponível em qualquer lugar” (SILVERMAN, 2009, p. 51). Isso significa que pesquisadores qualitativos podem estudar realidades constituídas localmente. Por meio de pesquisa qualitativa podemos, por exemplo, tentar verificar porque aqueles 27,4% de filhos que têm pai em ocupação manual escolheram ocupações não-manuais – daí a pergunta: qual a motivação? Os números apontam que a ocupação do pai é uma variável, mas do ponto de vista da pesquisa qualitativa, isso diz muito pouco. 7 Indução A indução é um dos processos mentais que fundamenta o modo científico de pensar. Nós não pretendemos esgotar, aqui, o conceito de indução. Pretendemos apresentar alguns elementos que caracterizam a indução enquanto recurso para o desenvolvimento do método científico: Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam. (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 53). Marconi e Lakatos (2011) afirmam que o argumento indutivo parte de dados particulares e, com base na observação atenta, sistemática e contínua, elabora uma constatação genérica. Indução é, para as autoras, ampliar o conhecimento contido nas premissas dos argumentos. Além disso, a conclusão do argumento indutivo não pode ser considerada verdadeira, uma vez que sua intenção é estender os resultados obtidos em experiências particulares para realidades ainda não observadas. Assim, pela indução obtemos conclusões possivelmente verdadeiras. O exemplo abaixo pode ilustrar o argumento indutivo: O brasileiro 1 é pardo. O brasileiro 2 é pardo. O brasileiro 3 é pardo. __________________ (todo) brasileiro é pardo O argumento indutivo contém, de acordo com Marconi e Lakatos (2011), três fases. A primeira delas é a observação dos fenômenos, na qual o pesquisador se detém aos seus objetos de estudo a fim de verificar as causas de seu desenvolvimento. A segunda, o pesquisador deve empenhar-se para analisar as relações entre os fatos e fenômenos observados. A terceira e última 8 fase corresponde à generalização dessas relações, de modo que as relações observadas podem se repetir nas mesmas circunstâncias. Para que essas fases se cumpram sem que o pesquisador corra o risco de cair em afirmações equivocadas, as autoras nos dão algumas diretrizes a serem seguidas para o argumento indutivo: a) certificar-se de que é verdadeiramente essencial a relação que se pretende generalizar – evita confusão entre o acidental e o essencial; b) assegurar-se de que sejam idênticos – evita aproximações entre fenômenos e fatos diferentes, cuja semelhança é acidental; c) não perder de vista o aspecto quantitativo dos fatos ou fenômenos – impõem-se esta regra já que a ciência é primordialmente quantitativa, motivo pelo qual é possível um tratamento objetivo, matemático e estatístico. (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 55). Como podemos observar, não podemos fazer uso do argumento indutivo para concluirmos o que queremos. Devemos seguir esses princípios para que a indução seja um processo positivo para o desenvolvimento do conhecimento científico. Acreditamos que o argumento indutivo é necessário para o progresso da ciência, uma vez que por meio dele se alarga o pensamento e abre possibilidades de reflexão, ainda que possamos cair em exageros. De qualquer modo, precisamos primar pela máxima do bom senso e da integridade intelectual. Dedução A dedução é outro processo mental, diferente da indução, por meio do qual os cientistas elaboram suas conclusões. Ao contrário da indução, a dedução reduz a extensão do pensamento e o limita às premissas. Marconi e Lakatos (2001, p. 64) destacam duas características fundamentais do argumento dedutivo: Característica I – no argumento dedutivo, para que a conclusão ‘todos os cães têm um coração’ fosse falsa, uma das ou as duas premissas teriam de ser falsas: ou nem todos os cães são mamíferos ou nem todos os mamíferos têm um coração. Por outro lado, no argumento indutivo é possível que 9 a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa: o fato de não ter, até o presente, encontrado um cão sem coração, não é garantia de que todos os cães tenham um coração. Característica II – quando a conclusão do argumento dedutivo afirma que todos os cães têm um coração, está dizendo alguma coisa que, na verdade, já tinha sido dita nas premissas; portanto, como todo argumento dedutivo, reformula ou enuncia de modo explícito a informação, já contida nas premissas. Dessa forma, se a conclusão, em rigor, não diz que as premissas, ela tem de ser verdadeira se as premissas o forem; Por sua vez, no argumento indutivo, a premissa refere-se apenas aos cães já observados, ao passo que a conclusão diz respeito a cães ainda não observados; portanto, a conclusão enuncia algo não contido na premissa. É por este motivo que a conclusão pode ser falsa – pois pode ser falso o conteúdo adicional que encerra –, mesmo que a premissa seja verdadeira. Podemos verificar que a conclusão, pela dedução, só pode ser verdadeira se as premissas também o forem. Além disso, a conclusão contém em si o que já foi dito, ao menos implicitamente, nas premissas. Por fim, ressaltamos que indução e dedução são duas formas de produzir conhecimento e de refletir sobre os dados obtidos por meio da experiência da pesquisa científica. Eles podem estar presentes em pesquisas de todas as áreas da ciência, porque são dois mecanismos fundamentais para obter conclusões ao relacionar e comparar dois fatos ou fenômenos. Não consideramos prudente, portanto, assumir a indução e/ou a dedução como métodos capazes de atender as expectativas de determinada pesquisa. Com efeito, são processos mentais de assimilação que estão presentes no cotidiano dos homens e a ciência se apropriou deles para promover seu desenvolvimento. Para que uma pesquisa se sustente metodologicamente, o pesquisador precisa dedicar-se ao estudo dos métodos mais apropriados a cada pesquisa e a cada área do conhecimento. Referências MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2007. 10 SILVERMAN, David. Interpretação de dados qualitativos: métodos para análise de entrevistas, textos e interações. Trad. Magda França Lopes. Por Alegre: Artmed, 2009.