A CONSTRUÇÃO DE PICTOGRAMAS POR ALUNOS
CEGOS
Aida Carvalho Vita
Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
[email protected]
Verônica Yumi Kataoka
Universidade Bandeirante de São Paulo, Brasil
[email protected]
Irene Cazorla
Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
[email protected]
RESUMO
Neste artigo o objetivo é analisar as respostas de três alunos cegos, de
escolas públicas regulares baianas da Educação de Jovens e Adultos, às
tarefas que exigiam a construção de pictogramas, apresentados por Vita
(2012). As tarefas dessa construção fazem parte da sequência de ensino
(SE) Passeios Aleatórios do Jeferson, que aborda conceitos básicos de
Probabilidade (cbP). Nessa SE os pictogramas foram utilizados para
representar tanto as frequências observadas no experimento aleatório,
quanto as frequências esperadas na árvore de possibilidades, do número de
visitas do Jeferson a cada um dos seus cinco amigos. As categorias de
análise das respostas na construção dos pictogramas, correspondentes aos
resultados do experimento aleatório e da árvore de possibilidades, foram
baseadas na classificação proposta por Watson (2006), que por sua vez tem
como referência a taxonomia SOLO. As construções gráficas envolveram
dois níveis de classificação: uniestrutural e multiestrutural. O nível
relacional, só pode ser atingido após intervenção de Vita (2012). Por fim,
acreditamos que estudos como estes podem auxiliar na construção de
propostas de adaptação de materiais e métodos de ensino de conteúdos
estatísticos e probabilísticos para alunos cegos de maneira mais ajustada às
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suas condições individuais.
Palavras-chave: Alunos cegos; Maquete tátil; Pictogramas; Taxonomia
SOLO.
RESUMEN
En este artículo el objetivo es analizar las respuestas de tres alumnos ciegos,
de escuelas públicas regulares bahianas de Educación para Jóvenes y
Adultos, las tareas que exigían la construcción de pictogramas, presentados
por Vita (2012). Estas tareas son parte de la secuencia de enseñanza (SE)
Paseos Aleatorios de Jeferson, que aborda conceptos básicos de
Probabilidad (cbP). En esa SE los pictogramas fueron utilizados para
representar tanto las frecuencias observadas en el experimento aleatorio
quanto las frecuencias esperadas en el diagrama de árbol, del número de
visitas de Jeferson a cada uno de sus cinco amigos. Las categorías de
análisis de los pictogramas, correspondientes a los resultados del
experimento aleatorio y diagrama de árbol, se basaron en la clasificación
propuesta por Watson (2006), que a su vez tiene como referencia la
taxonomía SOLO. Las construcciones involucraron dos niveles de
clasificación: uniestructural y multiestructural. El nivel relacional solo
puede ser alcanzado después de la intervención de Vita (2012). Creemos que
estudios como este pueden ayudar en la construcción de propuesta de
adaptación de materiales y métodos de enseñanza para contenidos
estadísticos y probabilísticos, y que deben posibilitar a los alumnos ciegos el
aprendizaje de estos contenidos curriculares de forma más adecuada a sus
condiciones individuales.
Palabras clave: Alumnos ciegos; Maqueta táctil; Pictogramas;
Taxonomía SOLO.
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Introdução
Segundo o Artigo 1º da Conferência Mundial sobre a Educação para Todos
(BRASIL, 1990), cada pessoa poderá aproveitar as oportunidades educativas destinadas
a satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem, incluindo as ferramentas e os
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conceitos essenciais para sua formação enquanto cidadão. Nesse cenário, as políticas
públicas brasileiras têm buscado se ajustar a esta determinação para garantir o acesso,
cada vez maior, de pessoas com algum tipo de deficiência na sociedade e,
particularmente, na escola.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9394/96 (BRASIL, 1996), no Capítulo V,
Artigo 58, define a rede regular de ensino como a modalidade de educação escolar
oferecida também para os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE). Para
implementar o exposto nesta Lei, os Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações
Curriculares e Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais
Especiais – PCN: AC (BRASIL, 1998a) reconhece que a escola não dispõe sempre de
uma estrutura apropriada para realizar um fazer pedagógico adequado, portanto o aluno
e a escola devem se aprimorar para alcançar a eficiência da educação a partir de uma
interatividade mútua.
Visando melhor esclarecimento sobre as informações dos PCN: AC (BRASIL,
1998), foi publicado o Projeto Escola Viva: Adaptações Curriculares de Pequeno Porte
ou Adaptações Não Significativas (BRASIL, 2000). Nesse documento sugere-se que o
professor incentive a aprendizagem e a participação produtiva de todos os alunos
presentes na sala de aula. Neste sentido, salienta os citados documentos que sejam
desenvolvidas adaptações curriculares, entre elas a adaptação de artefatos, visando
utilizá-los como material didático para a aprendizagem matemática de alunos NEE,
entre eles os alunos cegos.
Ressalta-se que no panorama da Educação Matemática há ainda poucos estudos
voltados para essas adaptações de pequeno porte que possam contribuir no processo de
ensino e aprendizagem de Matemática de alunos NEE em escola regular. Citamos como
exemplos de pesquisas com essa temática, em particular envolvendo alunos cegos:
Ferronato (2002), Fernandes (2004; 2008), Fernandes e Healy (2006) e Vita (2012).
Esta carência de estudos é ainda maior quando se trata da Probabilidade, apesar de
estar recomendado o ensino desse tópico nos PCN do Ensino Fundamental, no bloco de
conteúdo Tratamento da Informação (BRASIL, 1997, 1998b) e nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio no eixo temático Análise de Dados (BRASIL, 2006).
De acordo com os PCN, a abordagem desse conteúdo deve permitir trabalhá-lo como
um conjunto de ideias e procedimentos que apliquem a Matemática em situações nos
quais os alunos possam compreender que vários acontecimentos do cotidiano são de
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natureza aleatória; realizar experimentos e observar eventos, permitindo que as noções
de acaso e incerteza possam se manifestar intuitivamente. Além disso, fazer com que o
aluno represente e conte, por meio de tabelas e/ou diagrama da árvore, os casos
possíveis em situações combinatórias.
De acordo com Gal (2005), o aluno que possui habilidades básicas, formais ou
informais, que os possibilitem ler e interpretar informações probabilísticas presente em
seu dia a dia e, a partir daí, tomar decisões, pode ser considerado letrado em
Probabilidade.
Nessa perspectiva dos PCN e do letramento probabilístico, Vita (2012) trabalhou
com alunos cegos alguns conceitos básicos de Probabilidade (cbP), por meio das tarefas
da sequência de ensino Passeios Aleatórios do Jefferson (PAJ). Dentre as diversas
tarefas, os alunos tinham que realizar uma experimentação aleatória e construir a árvore
de possibilidades que representassem as visitas do Jeferson a cada um dos seus cinco
amigos. Com estas duas tarefas, os alunos obtiveram, respectivamente, frequências
observadas e esperadas e Vita (2012) propôs o uso de um material didático (MD)
adaptado para que os mesmos representassem graficamente esses resultados na forma de
pictogramas. Para Cazorla e Oliveira (2010), o gráfico pictograma é uma representação
icônica, na qual se utiliza ícones ou símbolos que representam o objeto em estudo.
No desenvolvimento das tarefas da PAJ, Vita (2012) ressalta a importância da
participação de todos os alunos cegos na construção dos pictogramas, por entender que
tal atividade se constitui em um estímulo favorável para a aprendizagem dos mesmos. A
afirmação dessa autora está baseada tanto nos resultados da sua pesquisa, como na fala
de um dos alunos cegos da pesquisa de Ferronato (2002, p. 53): “as professoras usavam
cola, traziam os gráficos prontos e eu apenas os tocava, mas nem sabia que significado
tinha aqueles riscos. A construção do gráfico pode facilitar o entendimento do
conteúdo”; e ainda nos procedimentos adotados por Tanti (2006) na condução da sua
pesquisa, qual seja, ter auxiliado o aluno cego, sempre que preciso, na construção de
gráficos de modo que o resultado desejável fosse obtido.
Nesse contexto, objetivamos analisar no presente artigo as respostas de três alunos
cegos, de escolas públicas regulares baianas da Educação de Jovens e Adultos, as
tarefas que exigiam a construção de pictogramas, apresentados por Vita (2012).
A análise dos pictogramas, correspondentes aos resultados do experimento
aleatório e da árvore de possibilidades, está baseada na classificação proposta por
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Watson (2006) para respostas envolvendo a construção desse tipo de gráfico, que por
sua vez tem como referência a taxonomia SOLO (BIGGS; COLLIS, 1991).
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Referencial teórico
O modelo hierárquico Structure of Observed Learning Outcomes – Taxonomia
SOLO - é utilizado para categorizar as respostas do aluno a um conjunto de tarefas préestabelecidas, de acordo com a complexidade estrutural e o número de conceitos
exigidos nas mesmas. De acordo com Biggs e Collis (1982) nesse modelo a suposição é
que o entendimento cognitivo do aluno não é o mesmo para toda tarefa, e depende do
conteúdo e do contexto envolvido. Sendo assim, a análise não foca a estrutura cognitiva
desse indivíduo e, sim, no entendimento específico de uma tarefa, o que difere do
modelo construtivista proposto por Piaget (PANIZZON, PEGG; MCGEE, 2004).
Segundo Panizzon, Pegg e Mcgee (2004), a taxonomia SOLO tem duas
características: a primeira foca na natureza ou na abstração das respostas e é referida
como modo de pensamento, que é o tipo de funcionamento intelectual requerido para
direcionar adequadamente um estímulo particular. A segunda característica depende de
uma competência individual para manipular, com sofisticação crescente, exemplos
relevantes, referindo-se aos níveis de resposta que ocorrem dentro dos modos de
aprendizagem, fornecendo uma descrição hierárquica da natureza da estrutura das
respostas.
Biggs e Collis (1991) definiram cinco modos de pensamento: sensomotor,
icônico, concreto simbólico, formal e pós-formal. De acordo com Watson (2006), a
maior parte da aprendizagem que ocorre nos anos escolares requer o modo concreto
simbólico. Nesse modo de pensamento, a pessoa utiliza um elemento simbólico na
aprendizagem, tal como linguagem escrita ou sistema de números; o pensamento, neste
modo, depende de uma referência do mundo real (BIGGS; COLLIS, 1991).
Quanto aos níveis de resposta, Biggs e Collis (1991) definiram cinco estágios:
pré-estrutural, uniestrutural, multiestrutural, relacional e abstrato estendido. No estágio
pré-estrutural o aluno comete erros de entendimento fundamental, com respostas não
significativas; este nível indica a transição do modo de pensamento anterior para o atual.
No estágio uniestrutural o aluno apresenta diversas conclusões, que podem ser
corretas, mas que não são coerentes entre si, focando apenas um aspecto relevante. No
multiestrutural o aluno mostra entendimento, discute o conteúdo de forma coerente, tem
conhecimento de uma quantidade razoável de conteúdos com várias respostas
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relevantes, mas não coordenadas, podendo apresentar algumas inconsistências. A
característica do estágio relacional é quando o aluno integra as partes dentro de um todo
de forma coerente, isto é, apresenta uma conclusão capaz de relacionar todos os
aspectos relevantes, evidenciando uma coerência global; contudo, a conclusão final
pode não servir para todos os contextos. Por fim, o abstrato estendido em que o aluno
generaliza além das informações fornecidas; este nível indica a transição para o modo
de pensamento subsequente.
Nesse artigo analisaremos as respostas dos alunos às tarefas que exigiam a
construção de pictogramas, correspondentes aos resultados do experimento aleatório,
utilizando somente os quatro primeiros estágios, de acordo com a proposta de
classificação apresentada por Watson (2006).
Watson (2006) apresentou aos alunos o seguinte contexto: a quantidade de livros
lidos por quatro crianças, a saber, Anne 4 livros; Danny 1; Lisa 6 e Terry 3. Foram
utilizadas cartas (Figura 1) tanto com a face das crianças de (8,5cm x 4,5cm), como
cartas com o desenho de um livro (4,0 cm x 4,5 cm).
Figura 1: Cartas utilizadas como matérias para a representação pictográfica
Fonte: Watson (2006), p. 59
Após a apresentação do contexto, a pesquisadora distribuiu as cartas e solicitou
aos alunos que organizassem e representassem essas informações. Alunos mais jovens
apresentaram uma representação pictográfica considerada no nível idiossincrático,
porque apenas empilharam as cartas, separando os montes por criança (Figura 2a); as
respostas foram classificadas no nível uniestrutural quando os alunos apresentaram as
cartas espalhadas, mas separando os montes por criança (Figura 2b). No nível
multiestrutural os alunos enfileiraram as cartas dos livros, o que possibilitou uma
comparação visual mais fácil do número de livros lidos por cada criança (Figura 2c).
Por fim, as construções em que os alunos enfileiraram as cartas dos livros lidos de
acordo com as crianças em ordem crescente, usando uma guia de referência, foram
categorizadas no nível relacional (Figura 2d).
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Segundo Watson (2006) uma das principais características dos pictogramas é ser
um tipo de representação gráfica que aproxima os alunos ao contexto dos dados.
Cazorla e Oliveira (2010) informam que o uso deste gráfico é importante quando se
trabalha com crianças pequenas ou com alunos que ainda não conhecem o plano
cartesiano.
(b)
(a)
(c)
(d)
Figura 2: Representações pictográficas de alunos para os quatro níveis de resposta
Fonte: Watson (2006), p. 59
Kataoka e Hernandez (2010) recomendam o uso do pictograma quando a variável
oferece poucas categorias e o número de observações é pequeno, podendo-se utilizar a
escala unitária. Estes autores sugerem também “para a construção na lousa ou na
cartolina, utilizar desenhos em cartolina, EVA ou adesivos comprados em papelaria”
(2010, p. 30).
3
Método
Os sujeitos dessa pesquisa foram três alunos cegos (denominados de S1, S2 e S3)
de escolas públicas regulares da Educação de Jovens e Adultos dos municípios de
Itabuna e Ilhéus, Bahia. De acordo com os PCN: AC (BRASIL, 1998a) é considerado
cego o aluno que necessita do método Braille como meio de leitura e escrita.
Na pesquisa de Vita (2012), esses alunos manipularam a maquete tátil para
trabalhar os conceitos básicos de Probabilidade (cbP) na sequência de ensino (SE)
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Passeios Aleatórios do Jeferson (PAJ). Ressalta-se que a maquete tátil, elaborada por
essa pesquisadora, foi constituída de forma sequenciada a partir de cinco protótipos, e
na sua versão final composta por tarefas de reconhecimento tátil do instrumento, tarefas
da SE e artefatos. Os artefatos foram: um tabuleiro 3D, sete formas plásticas com base
retangular contendo 54 compartimentos quadrados organizados em 9 linhas e 6 colunas
que denominamos por colméia; 240 cartas de 2,5 cm x 2,5 cm em emborrachado EVA
com textura atoalhado e liso; e 300 brinquedos, sendo 60 bonecas, 60 ioiôs, 60 apitos,
60 anéis e 60 presilhas; duas tampas e um carrinho (Figura 3).
Figura 3: Versão final da maquete tátil
Fonte: Vita (2012), p. 108.
As tarefas dessa SE PAJ foram divididas em três fichas, sendo que a primeira
tarefa foi apresentar aos alunos a seguinte história:
O Jefferson e seus amigos moram no mesmo bairro (Figura 4). A distância da casa de
Jefferson para a casa de Luana, Marcos, Peter, Orlando e Aida é de quatro quarteirões.
Jefferson costumava visitar seus amigos durante os dias da semana em uma ordem préestabelecida: segunda-feira, Luana; terça-feira, Marcos; quarta-feira, Peter; quinta-feira,
Orlando e sexta-feira, Aida. Para tornar mais emocionantes os encontros, a turma
combinou que o acaso escolhesse o amigo a ser visitado por Jefferson. Para isso, na
saída de sua casa e a cada cruzamento, Jefferson deve sortear uma das duas tampas; se
sair atoalhado, andará um quarteirão para o Norte, se sair liso, um quarteirão para o
Leste. Cada jogada representa um quarteirão de percurso com a parada obrigatória na
faixa de pedestre. Jefferson deve sortear quatro vezes as tampas para chegar à casa de
um dos amigos.
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Figura 4 - Bairro da sequência Os Passeios Aleatórios do Jefferson
Fonte: Vita (2012), p. 76
O foco nesse artigo é apresentar e discutir a execução pelos alunos cegos das
tarefas denominadas de “F2f” e “F3a”, que se referiam à organização gráfica por meio
de um pictograma, respectivamente, das freqüências observadas de um experimento
aleatório e das frequências esperadas na árvore de possibilidades do número de visitas
do Jeferson a cada um dos seus cinco amigos.
Dos artefatos da maquete tátil supracitados foram utilizados para a construção dos
pictogramas as colméias e os brinquedos. As colméias foram utilizadas para servir como
guia de referência para construção dos pictogramas, e os brinquedos para representar os
amigos, sendo a quantidade de cada um deles correspondente as frequências observadas
e esperadas. Salienta-se que o brinquedo utilizado para representar o número de visitas a
Luana foi uma boneca, Marcos o ioiô, Peter o apito, Orlando o anel e Aida a presilha.
Os encontros para construção dos pictogramas aconteceram em salas de recursos,
nos quais os dados foram coletados a partir das filmagens da aplicação oral das tarefas
por Vita (2012), aplicadas individualmente.
Como dito na seção anterior, a análise nesse artigo das respostas dos alunos às
tarefas que exigiam a construção de pictogramas, correspondentes aos resultados do
experimento aleatório, foram baseadas na classificação proposta por Watson (2006), que
por sua vez tem como referência a taxonomia SOLO. Os níveis de resposta utilizados
foram: idiossincrático, uniestrutural, multiestrutural e relacional.
4
Resultados e discussão
Vamos discutir as respostas dos três alunos às tarefas de construção de
pictogramas, tanto no contexto da experimentação aleatória (Tarefa F2f), como da
árvore de possibilidades (Tarefa F3a).
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4.1 Pictogramas do experimento aleatório – Tarefa F2f
No experimento aleatório, repetido 30 vezes, os alunos tinham que sortear uma
das duas tampas, e caminhar para leste quando o resultado era liso e norte quando era
atoalhado (Figura 5).
TAMPA
EVA LISO –
MOVIMENTO
PARA O LESTE
TAMPA EVA
ATOALHADO –
MOVIMENTO
PARA O
NORTE
Figura 5 - Tampas para sorteio
Fonte: Vita (2012, p. 105).
Para cada repetição do experimento o aluno deveria sortear a tampa quatro vezes,
indicando o amigo a ser visitado pelo Jeferson, sendo assim ao final do experimento
cada aluno determinou a freqüência observada em que cada um dos amigos seria
visitado.
Após o experimento, Vita (2012) solicitou aos alunos que organizassem
graficamente os resultados de seu experimento, inicialmente que fizessem da maneira
que sabiam. Segundo essa pesquisadora detectou-se, pela fala dos alunos, que eles não
sabiam como construir um gráfico, pois sempre receberam as representações gráficas
prontas, e nem tampouco sabiam ler e interpretar as informações contidas nas mesmas.
Resultado similar foi encontrado nos estudos de Ferronato (2002) e Tanti (2006).
O gráfico desenvolvido inicialmente por S1 (Figura 6) para representar o resultado
de seu experimento, pode ser classificada no nível multiestrutural (Watson, 2006), uma
vez que os brinquedos foram organizados em linha, separando com um espaço livre
cada tipo de brinquedo, a exemplo do ioiô e os apitos.
Figura 6: Primeiro gráfico construído por S1
Fonte: Vita (2012), p. 194.
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Diante desta organização gráfica, Vita (2012) perguntou a S1 quantas vezes cada
amigo foi visitado, sendo que o mesmo apresentou muita dificuldade para responder.
Assim, a pesquisadora sugeriu ao aluno que utilizasse uma coluna para representar cada
amigo visitado, todos os 30 brinquedos correspondentes às visitas e que ele poderia
seguir a mesma ordem de posicionamento das casas na diagonal do tabuleiro. Desta
forma, ele separou cada tipo de brinquedo sobre a mesa e, em seguida, foi colocando na
colmeia, preencheu a primeira coluna da esquerda para a direita. Durante o registro,
constantemente passava seus dedos das duas mãos nas bordas externas da colmeia
(Figura 7).
Figura 7: Pictograma construído por S1
Fonte: Vita (2012), p. 195.
Essa interferência da pesquisadora conduziu ao aluno a construir um pictograma
que seria classificado no nível relacional (Watson, 2006).
De acordo com Vita (2012) diferentemente de S1, a aluna S2 afirmou que não
sabia construir o gráfico, porque nunca lhe foi solicitado na escola ou requisitado no seu
cotidiano. Baseado nessa informação, supomos que se a aluna tivesse construído a sua
representação gráfica, a mesma poderia ser classificada num dos três primeiros níveis de
resposta (Watson, 2006), uma vez que S1 disse não saber construir e fez uma
representação no nível mulitestrutural.
Com essa afirmação de S2, Vita (2012) apresentou o pictograma de um
experimento fictício para que a mesma fizesse o reconhecimento tátil. A partir daí, ela
organizou o resultado de seu experimento, semelhante daquele que lhe foi dado (Figura
8).
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Figura 8: Pictograma construído por S2
Fonte: Vita (2012), p. 195.
O pictograma da Figura 8 nos mostra que S2 registrou corretamente os resultados
do seu experimento, mas novamente após a interferência da pesquisadora.
No que tange ao primeiro registro de S3, podemos classificá-lo no nível
uniestrutural (Watson, 2006), pois a mesma tentou organizar as visitas de seu
experimento colocando os brinquedos apenas nas laterais da colmeia, mas separados de
acordo com os amigos visitados (Figura 9).
(a)
(b)
Figura 9: Imagem de S3 construindo o seu primeiro gráfico
Fonte: Vita (2012), p. 196
Segundo S3, esta organização dos brinquedos se assemelhava ao posicionamento
no tabuleiro da casa do amigo correspondente. Por exemplo, observa-se na distribuição
dos brinquedos na colméia da figura 9a, que a mesma colocou a presilha e a boneca
juntas justificando que os dois brinquedos tinham a mesma quantidade, qual seja uma
unidade. Em seguida, separou-os informando que as casas dos amigos que
correspondiam estes presentes estavam nas pontas do tabuleiro (Figura 9b).
4.2 Pictogramas da árvore de possibilidades – Tarefa F3a
Na tarefa F3a, Vita (2012) solicitou aos alunos que determinassem quais eram os
caminhos possíveis para visitar cada um dos amigos por meio da construção da árvore
de possibilidades. Em seguida a pesquisadora solicitou que os alunos verificassem as
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frequências observadas de cada um dos amigos e construíssem o pictograma referente a
este registro.
Os três alunos conseguiram construir corretamente os pictogramas. Esses
resultados nos levam a supor que a interferência da pesquisadora para a construção dos
pictogramas na tarefa F2f surtiu o efeito positivo, possibilitando que todas as três
representações fossem classificadas no nível relacional (Figura 10).
Figura 10: Pictograma de S1 das frequências observadas
Fonte: Vita (2012), p. 199.
Observando o pictograma de S1 verifica-se que o mesmo organizou na colmeia
seu pictograma com os 16 caminhos possíveis, com um jeito muito particular de
organização, sempre tendo o cuidado de criar um ponto de referência para facilitar a
leitura (borda da colmeia). Este aluno, já demonstrava o domínio da construção do
pictograma, pois registrava e lia as informações com habilidade. Neste caso específico
ele organizou os brinquedos em colunas e fez a leitura tátil e oral das colunas de cima
para baixo. Apesar de não ser usual esta forma de leitura, o aluno demonstrou coerência
na sua representação gráfica e justificou informando que a posição da colmeia não era
relevante, mas a organização do primeiro brinquedo de cada um dos amigos deveria
manter um mesmo alinhamento.
Nessa análise da construção dos pictogramas, ressaltamos que a adaptação do
material realizado por Vita (2012), qual seja, uso das colméias e brinquedos, permitiu
que os alunos construíssem esse tipo de gráfico de forma eficaz, possibilitando aos
mesmos ter um guia de referência. Entendemos assim, que este material cobriu uma
lacuna existente, qual seja, falta de um método padronizado, nas escolas públicas
inclusivas investigadas, para a construção desse tipo de gráfico por alunos cegos.
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Considerações Finais
A análise dos pictogramas dos alunos, correspondentes aos resultados do
experimento aleatório, nos permitiu considerar que estas construções gráficas
envolveram os níveis uniestrutural e multiestrutural propostos por Watson (2006). O
nível relacional só pode ser atingido após intervenção de Vita (2012), posto que os
alunos inicialmente afirmaram não saber construir, ler ou interpretar as informações em
gráficos e após discussões e contato com um exemplo de pictograma apresentado pela
pesquisadora, conseguiram executá-lo satisfatoriamente.
Tal procedimento de intervenção dessa pesquisadora nos pareceu plenamente
justificável e fundamental por favorecer aprendizagem dos alunos, uma vez que os
mesmos conseguiram construir pictogramas na tarefa seguinte da árvore de
possibilidades (Tarefa 3Fa). Além disso, a pesquisadora seguiu as recomendações dos
PCN: AC (BRASIL, 1998a), que sugerem que sejam feitas entre outras adaptações, a do
método de ensino e da organização didática. Salienta-se também que procedimento
similar foi adotado por Tanti (2006), como dito, quando ela auxiliou um aluno cego na
construção dos gráficos.
Por fim, acreditamos que estudos como estes podem auxiliar nas discussões sobre
propostas de adaptações de materiais e métodos de ensino de conteúdos estatísticos e
probabilísticos. Essas adaptações devem possibilitar aos alunos cegos a aprendizagem
desses conteúdos curriculares de maneira mais ajustada às suas condições individuais.
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A CONSTRUÇÃO DE PICTOGRAMAS POR ALUNOS CEGOS