Caro Editor e Cara Ombudsman,
Escrevo para fazer diversos comentários sobre questões apontadas na reportagem de Vinícius
Queiroz Galvão, no caderno Cotidiano deste domingo, que fala do embate que ocorre em Heliópolis entre
a Unas e o núcleo esportivo coordenado pelo Instituto Esporte & Educação (IEE), por mim dirigido.
Alguns comentários são bem pontuais, para esclarecer pontos confusos da reportagem _ a questão
é de fato complexa _ que o repórter, apesar de claramente preocupado em fazer um bom trabalho,
dificilmente absorveria em uma primeira visita ao local. Outros são mais graves e para eles peço a atenção
especial do jornal.
No Núcleo Heliópolis funcionam diversos projetos sociais, sendo que os dois mais importantes
são:
a) o CCA, convênio firmado entre a Unas e a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São
Paulo, que atende 60 alunos com atividades extra-curriculares e duas refeições por dia;
b) o Projeto de Esporte Educacional, realizado pelo IEE, que atende 280 mulheres (Grupo de
Mães), 420 crianças e 40 jovens, e que desde o seu início contou com o apoio da Unas.
Os pontos que considero fundamentais colocar são os seguintes:
a) A reportagem diz que a reunião da última quinta foi convocada por mim. A reunião, na verdade,
foi solicitada pelos pais dos alunos atendidos pelo IEE, que estavam desconfiados de
informações que a Unas vinha passando a eles sobre nosso atendimento.
b) O repórter fala de propaganda eleitoral que foi encontrada na entidade. Desconheço qualquer
propaganda eleitoral feita no local. Não temos envolvimento em campanhas, mas não sei de
nada a respeito do que foi mencionado e não fui ouvida sobre o assunto.Também não foi este o
motivo da mobilização dos moradores. Os moradores se mobilizaram porque não queriam
perder o benefício do atendimento dado pelo IEE.
c) A Unas declarou que o IEE cobrava R$ 5,00 para atividades de ginástica, musculação e yoga,
atividades não previstas. O IEE não cobra nenhum valor de nenhum usuário. Isto é uma
colocação muito grave, irresponsável até, e sobre a qual eu não fui questionada pela reportagem.
Foi uma colocação da Unas reproduzida pelo jornal sem nenhum tipo de comprovação material
e sem que nenhum usuário do programa que tivesse pago essa suposta taxa tivesse sido
apresentado como prova.
O Grupo de Mães levanta recurso para comprar equipamentos de musculação e ginástica e
nenhum recurso é passado, de forma nenhuma, para o IEE. Elas produzem uniformes, fazem
atividades extras e cuidam da manutenção da sala de musculação, equipada por elas mesmas.
Esta iniciativa, na verdade, é um resultado da ação social do IEE, pois fomentamos a autonomia
e o protagonismo dos nossos alunos. Quanto às “atividades não previstas”, não existe nenhuma
limitação nas nossas atividades, desde que envolvam “atividades motoras”. Ainda que o meu
nome seja evidentemente ligado ao vôlei, o trabalho que realizamos é bem mais amplo e passa
por diversas atividades.
A Folha, ao dar voz a esse tipo de acusação, deveria, a meu ver, exigir algum tipo de
comprovação ou indício de quem acusa, coisa que a reportagem não apresentou.
d) Num determinado ponto, o repórter descreve quando, na fala de Antônia Cleide, ela pergunta
quem são as alunas da ginástica e quem tinha filhos no vôlei. Na verdade, ela perguntou “quem
tinha filhos no CCA”, projeto da Unas que atende somente 60 alunos. Quem é de lá sabe disso,
mas como o repórter não tinha conhecimento (e esse é um ponto mais específico, difícil de ele
ter captado), ele não percebeu a “jogada” da Cleide. O fato é que a maior parte das mulheres da
ginástica são mães de alunos do Núcleo. Aliás, esse foi o fato que levou à formação deste Grupo
de Mães.
e) O repórter coloca que será realizada uma reunião hoje para auditar o balanço do IEE, o que
sugere um mau uso de recursos públicos. A reportagem cita “R$ 7 milhões captados através da
Lei do Esporte”. Seria importante aqui o jornal ter dito que a) esse valor representa a totalidade
dos valores captados pelo IEE para a realização de três projetos e não o que é gasto com o
núcleo de Heliópolis; b) o núcleo de Heliópolis faz parte de um projeto com captação de R$ 3,5
milhões que envolve ainda a manutenção anual de outros 33 núcleos em cidades dos Estados de
São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro; c) o segundo projeto envolve dez núcleos; d) o terceiro é
um projeto itinerante que realiza ações em regiões carentes de 15 Estados do Brasil. Todas essas
informações são públicas e podem ser checadas no Ministério do Esporte.
O IEE é uma OSCIP, presta contas anualmente para o Ministério da Justiça e para o Ministério
do Esporte a cada seis meses. Sofre também auditoria externa bimestral por parte de
patrocinadores e presta contas para órgãos da Prefeitura de São Paulo e o UNICEF. Nosso
balanço é público e muito claro sobre a grande diversidade de ações que realizamos, para além
do núcleo de Heliópolis.
f) O número de atendimentos e a qualidade das ações que o IEE realiza em Heliópolis são foco de
avaliação externa, realizada por um instituto especializado, contratado pelo nosso mais antigo
financiador, a Unilever. Esta avaliação externa é realizada desde 2003 e aponta resultados
excelentes.
g) Em nenhum momento o jornal procura contextualizar os motivos que levam a Unas a tomar as
atitudes que vem tomando. Será que não existe nenhuma?
h) Em nenhum momento o jornal ouve os principais afetados pelo conflito: os usuários do projeto.
Será que eles estão satisfeitos?
As divergências de fato existem e não é nosso objetivo ocultá-las nem querer que nosso ponto de
vista seja o único a ser colocado pelo jornal. O que pedimos apenas é que a Folha zele pela qualidade da
informação que publica e que procure checar as acusações que publica. Acredito que colocar acusações
entre aspas na boca de terceiros, como se isso a isentasse de qualquer outro tipo de cuidado ou necessidade
de checagem, não é suficiente.
Tenho um trabalho que é de conhecimento público. Ver um jornal da importância da Folha
publicar uma acusação de uma entidade, seja ela qual for, dizendo que não há “transparência, honestidade
e ética” em meu trabalho, sem a menor preocupação de dizer ao seu leitor se existem ou não evidências
disso e quais são essas evidências, é frustrante. Sou fã do trabalho da publicação ao buscar sempre os dois
lados das discussões propostas e não vi isso ocorrer em sua totalidade no texto citado.
O fato de estar em um processo de conflito com a Unas em nenhum momento me fez abordar a
entidade com desrespeito perante a Folha ou repetir o tom agressivo e truculento com que o IEE vem
sendo tratado. O repórter é testemunha disso.
Por fim, acredito que a reportagem abriu e fechou focada em minha pessoa, sem a menor
preocupação com o que realmente interessa: a qualidade do trabalho que será suspenso e o que isso vai
representar para as pessoas que vinham sendo beneficiadas. Essa discussão sim, deveria merecer toda a
atenção do jornal.
O IEE tem como Missão desenvolver o cidadão crítico e participativo. Utilizamos como estratégia
o esporte educacional, através de aulas, eventos e projetos em áreas como cultura, saúde, cidadania,
protagonismo e ação comunitária. O trabalho em Heliópolis gerou um Grêmio de Jovens e um Grupo de
Mães. Dos seis profissionais do IEE que conduzem as atividades, cinco vêm da própria comunidade,
sendo quatro ex-alunos do projeto. A comunidade daquela vizinhança reconhece esse trabalho e por isso
está lutando pela sua permanência.
O IEE é uma organização reconhecida pela qualidade de seu trabalho, pela idoneidade e ética na
relação com os usuários e parceiros. Da maneira como foi colocado na reportagem, estas questões são
postas em dúvida, o que pode prejudicar uma instituição séria como a nossa. Coloco-me à inteira
disposição para mais esclarecimentos e gostaria imensamente de solicitar ao jornal Folha de S.Paulo
o direito à resposta baseado nas colocações acima.
Ana Moser
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