Orientações para a elaboração de projetos de dissertação de mestrado ou tese de doutorado O Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFMG não adota um modelo específico a ser utilizado na elaboração do projeto de pesquisa de dissertação de mestrado ou de tese de doutorado. Esse procedimento se refere tanto ao projeto apresentado no momento do processo de seleção quanto àquele que o(a) aluno(a) deve submeter ao Colegiado no decorrer do segundo semestre do curso. No entanto, esboçaremos algumas orientações gerais sobre o que necessariamente deve conter um projeto. Como a área de educação é bastante ampla e é formada por tradições disciplinares distintas, é possível que, na sua linha de pesquisa, algum item que julgamos relevante seja menos importante ou que, ao contrário, algum tópico que neste texto não abordamos seja considerado significativo na composição do projeto. Em primeiro lugar, é importante destacar que escrever um projeto não é mera formalidade. Trata-se do primeiro momento em que o(a) pesquisador(a), por um lado, organiza e sistematiza o que ele já sabe e, por outro, anuncia o que ainda quer saber. No próprio ato de escrever o projeto, ele amadurece suas reflexões, tornando mais claras suas ideias e as ideias de outros(as) autores(as) que o auxiliarão no desenvolvimento do trabalho. Ao mesmo tempo, como o próprio nome indica, projeta as ações que serão realizadas ao longo do processo de pesquisa. O projeto é, na realidade, um guia, um norteador daquilo que se pretende fazer. Representa, assim, o momento final de um processo – a sistematização do que já se sabe – e o momento inicial de outro – o planejamento do que se quer descobrir, sendo ambos parte do trabalho mais amplo de produção do conhecimento. A nossa experiência nos permite afirmar que o(a) aluno(a) que tenha elaborado um projeto bem descrito e justificado estará mais bem preparado para fazer a pesquisa e escrever a dissertação ou a tese. Em geral, um projeto é julgado pela clareza do problema proposto e pela relação orgânica que apresenta entre o problema, a justificativa, a revisão de literatura, as escolhas teóricas, os objetivos e a metodologia. O projeto deve ser escrito pensando-se em uma suposta audiência de pesquisadores interessados no assunto. A linguagem deve ser clara para profissionais da área em geral e termos e frases com sentido técnico específico em um campo de conhecimento particular devem ser cuidadosamente definidos. Por outro lado, termos e procedimentos amplamente utilizados na pesquisa educacional não precisam ser muito elaborados, a não ser que a pesquisa os utilize em um sentido diferente do usual. Embora varie em sua estrutura, um projeto de pesquisa, de qualquer área do conhecimento, deve sempre trazer alguns elementos: o que se pretende pesquisar; por que se pretende pesquisar o que está sendo proposto; a partir de que trabalhos e autores a pesquisa será desenvolvida; como se pretende desenvolver a pesquisa. Pode-se, ainda, escrever quais respostas se imagina encontrar, quando a pesquisa estiver concluída, para as perguntas propostas. Para cada um desses elementos o(a) pesquisador(a) vai elaborar uma parte do projeto. Essas partes recebem diferentes nomes, que podem variar de acordo, por exemplo, com as tendências teóricas e metodológicas mais apropriadas ao seu trabalho e/ou com a tradição disciplinar em que ele se insere. Neste texto, daremos algumas sugestões de nomes para essas partes, mas essa denominação não é o mais importante. 1. O problema de pesquisa e a justificativa Definir o que se pretende pesquisar talvez seja um dos trabalhos mais árduos e angustiantes que o(a) pesquisador(a) enfrenta. Transformar inquietações e desejos esparsos em problema de pesquisa exige tempo, leituras, amadurecimento, escritas, reescritas. Quando nos referimos a um problema, não estamos, evidentemente, aludindo a um problema de realidade. Muitas vezes, principalmente na área das ciências humanas, essa confusão é feita. Podemos imaginar, por exemplo, que o pesquisador sente um incômodo diante do seguinte problema de realidade: os livros didáticos de língua portuguesa em que ele estudou quando era aluno de escola pública nos anos 1980 não o auxiliaram a aprender a disciplina. Esse problema de realidade pode ser um ponto de partida para elaborar diversos problemas de pesquisa, como: qual o lugar ocupado pelo livro didático de língua portuguesa nas práticas pedagógicas da disciplina nos anos 1980? Qual o perfil dos autores de livros didáticos da disciplina no período? Como eram feitas a exposição dos assuntos e a proposição de exercícios nas principais coleções da época? Como os livros mais adotados faziam a relação entre os usos cotidianos da língua e o português propriamente escolar? Quais tendências teóricas norteavam a produção desses livros? Os problemas de pesquisa poderiam ser multiplicados... Outra distinção necessária é aquela entre tema e problema de pesquisa. Quando um pesquisador afirma que sua pesquisa é sobre “a escola de tempo integral”, ele está anunciando, ainda, um tema de pesquisa. Quando afirma, por sua vez, que a sua pesquisa será sobre “as práticas cotidianas de ensino de matemática na escola de tempo integral” ou sobre “a relação entre a frequência à escola de tempo integral e o desempenho dos alunos em matemática”, já conseguiu formular um problema. Assim, ainda que a preocupação que motiva a realização de uma pesquisa seja usualmente mais ampla que o estudo em si, é preciso focalizar, de modo mais preciso, aquilo que se quer estudar. Essa definição do foco ou, em outras palavras, a delimitação do problema, pode envolver: − a restrição da população (de “estudos filosóficos do currículo” para “estudos filosóficos do currículo por membros de duas escolas de filosofia influentes”; de “estudantes de sociologia” para “estudantes de sociologia do ensino médio em escolas urbanas”; de “história da psicologia da educação no Brasil” para “comparação entre as concepções de fracasso escolar na obra de dois psicólogos importantes no movimento da Escola Nova no Brasil”); − a restrição das variáveis a serem estudadas (de “capacidades cognitivas” para “facilidade verbal e analítica” ou “tamanho do vocabulário, competência sintática e estilos de formação de conceitos”; de “relação entre estrutura familiar e sucesso escolar” para “posição do aluno na fratria e longevidade escolar”); − a seleção dos tratamentos a serem utilizados (de “seleção de trabalhos relevantes para a história da psicologia da educação no Brasil” para “obras publicadas entre 1920 e 1940 que tratem de medidas da inteligência e sua utilização no sistema escolar primário nas áreas urbanas”). É preciso, ainda, fazer uma outra distinção: não se deve confundir problema de pesquisa com metodologia. É o problema que nos faz optar por usar certos métodos e não o contrário (os métodos definiriam nosso problema). Afirmar que a pesquisa é “um estudo de caso sobre uma comunidade quilombola” é dizer sobre o tema e a metodologia e não sobre o problema de pesquisa. Se afirmarmos, por sua vez, que a pesquisa é sobre “práticas não formais de aprendizado da cultura e da história africanas” e, para fazê-la, optamos por focalizar nosso olhar em uma comunidade quilombola em que isso ocorre cotidianamente, estamos colocando as coisas nos devidos lugares. Mas, como chegamos à formulação de um problema? Um primeiro passo, necessário e indispensável, é tomar conhecimento sobre aquilo que já se “descobriu” sobre a questão a que nos propomos investigar (que, nesse momento, ainda é, provavelmente, um tema). Vamos tomar o exemplo das ciências naturais para que isso fique mais claro. Certamente é inimaginável pensar em um pesquisador da área de saúde, que esteja buscando compreender as formas de transmissão do vírus da AIDS de mãe para filho durante a gravidez, que não conheça profundamente as descobertas que já foram realizadas sobre o vírus e sobre as diversas formas de sua transmissão. O gesto inicial de sua pesquisa é, então, ler os artigos científicos já publicados sobre o tema, no Brasil e no exterior, até mesmo para verificar se sua pesquisa é necessária ou se já foi realizada por outro grupo de pesquisadores. O interessante (e lamentável) é que, muitas vezes, o que seria inimaginável nas ciências naturais é até mesmo frequente entre nós, pesquisadores das ciências humanas. Propomo-nos, muitas vezes, a fazer uma pesquisa sem tomar conhecimento das outras que já foram realizadas sobre nosso tema/problema. É verdade que, muitas vezes, não encontramos um trabalho exatamente igual àquele a que estamos nos propondo a fazer e, com isso, nos isentamos de nos referir à produção já realizada. Mas, se não encontramos um trabalho sobre “o” instituto federal de educação que iremos pesquisar ou sobre colégios confessionais “no” município escolhido, certamente encontraremos pesquisas sobre outros institutos federais e sobre outros municípios que servirão de base para nos apontar qual o “estado do conhecimento” sobre nosso tema/problema. Além de estar vinculado ao que a área do conhecimento já produziu, o problema de pesquisa também tem relação com questões teóricas mais amplas postas pelo campo. Retomando a suposta pesquisa sobre “como os livros mais adotados de língua portuguesa nos anos 1980 faziam a relação entre os usos cotidianos da língua e o português propriamente escolar”, podemos imaginar que o(a) pesquisador(a), para propor a sua realização, fez muitas leituras de autores(as) que teorizam sobre o processo de escolarização dos saberes (e sentiu-se “fisgado” pelas inquietações provocadas por elas). Ele acredita, portanto, que a contribuição de sua pesquisa para a área de Educação deve ultrapassar os dados empíricos que ele conseguir levantar: quais eram os livros didáticos mais adotados, quem eram seus autores, que conteúdos privilegiavam, quais os usos cotidianos da língua em outros veículos (como jornais e revistas, por exemplo) etc. Ele acredita que sua pesquisa se somará a outras que, embora se debrucem sobre outros casos, têm as mesmas preocupações de “fundo”: como se dá o processo de escolarização dos saberes nas diferentes sociedades? Como o livro didático torna-se um instrumento de seleção e de normatização de saberes a serem transmitidos pela escola? Como transformar esses saberes, de modo a torná-los adequados ao processo de ensino? Já havia, no período, uma preocupação com os usos sociais da língua – o que, hoje, denominamos de letramento? Essas perguntas não são específicas da pesquisa que ele(a) pretende realizar, mas são comuns a várias outras e, por isso, são postas pelo próprio campo de conhecimento em que seu trabalho se insere. Nessa direção, é importante que, no processo de formulação do problema, o pesquisador tome conhecimento do(s) debate(s) teórico(s) que existe(m) em sua área. Desse modo, embora seja fundamental uma focalização daquilo que se pretende estudar, é importante destacar que o foco não deve ser tão limitado a ponto de os resultados do estudo, embora relevantes, serem praticamente sem consequências. Esse conhecimento do que os outros já descobriram e do debate teórico existente na área é que vai definir, em última instância, se nossa pesquisa é ou não relevante. Afinal, a pesquisa sem consequências para o campo de conhecimento em que se insere não precisa ser feita. A primeira preocupação de um(a) pesquisador(a), portanto, é convencer a si mesmo e aos outros colegas de que sua pesquisa é potencialmente relevante para questões científicas da área do projeto, nesse caso, com consequências para a educação. A resposta adequada à pergunta “por que se preocupar” é possível somente se o pesquisador é capaz de apontar uma situação problemática que a pesquisa pode contribuir para solucionar. Assim, a situação problemática deve ser identificada e analisada ao se iniciar o projeto de pesquisa. A lista a seguir fornece exemplos dos tipos de dificuldades que justificam a pesquisa: − duas teorias bem aceitas produzem predições aparentemente conflitantes quando aplicadas a uma prática educacional importante; − a maneira como uma determinada teoria deveria ser aplicada à descrição de uma prática relevante não está clara; − os métodos utilizados para se avaliar um processo educacional importante não estão claros; − faltam dados sobre um fenômeno educacional importante; − o desconhecimento de fontes potencialmente relevantes tem produzido interpretações incompletas e restritas sobre eventos significativos na história da educação. Cada uma dessas situações (e muitas outras similares) poderia justificar um projeto de pesquisa. A situação problemática deve ser descrita claramente, de forma que fique evidente a existência de uma dificuldade, posta pelo campo1. A relação entre a dificuldade apontada e o conhecimento já disponível deve ser esclarecida. Por isso, é importante que o pesquisador, já nesse primeiro tópico do projeto, anuncie que realizou um levantamento bibliográfico em bibliotecas e em sites acadêmicos, citando-os, e que não encontrou o tema/problema trabalhado da mesma maneira como pensou. Nas ciências humanas, esse tipo de relevância – a científica – não precisa ser a única. Um trabalho pode ser também relevante por outros motivos como, por exemplo, por seu impacto social. Todos esses elementos que discutimos anteriormente são necessários para a formulação do problema e para a compreensão de sua relevância. No tópico Introdução ou Justificativa, o primeiro do projeto, o pesquisador deve explicitar claramente seu problema de pesquisa (o quê) e a relevância científica e, se possível, social do trabalho que propõe (o porquê). Nesse tópico, ele pode também, se quiser, escrever de onde se originou seu interesse pelo problema proposto: experiências pessoais, vivências profissionais, pesquisas de que participou anteriormente, incômodo diante de problemas da realidade etc. Essa explicitação é interessante porque faz com que o lugar de produção do autor seja conhecido pelo leitor, dando maior transparência ao processo de pesquisa. Se, por exemplo, quero fazer uma pesquisa sobre “os centros espíritas como espaços de formação de leitores” e anuncio, desde o início, que sou adepto do kardecismo, estou sendo, ao contrário do que se poderia supor, mais rigoroso. Ainda nesse tópico, pode-se explicitar o que chamamos de hipótese. A hipótese é a resposta provisória para nossa questão principal de pesquisa. Se a minha pesquisa é sobre “a relação entre a frequência à escola de tempo integral e o desempenho dos alunos em matemática”, uma das hipóteses prováveis será: os alunos que frequentam a escola integral têm um desempenho em matemática um pouco superior àqueles que não o fazem. Essa hipótese pode, ou não, ser confirmada ao longo da pesquisa. Mas, como o pesquisador chega à formulação de uma boa hipótese? Certamente tomando conhecimento 1 Para exemplos de como redigir um texto em que fique evidenciada a “situação problemática” ou a justificativa da pesquisa, ver Alves‐Mazzotti e Gewandszajder (1999), p.153‐155. Ler bons artigos publicados em periódicos da área também é uma maneira de compreender como os(as) autores(as) elaboram esse tipo de argumentação. do que os outros trabalhos já realizados sobre temas/problemas semelhantes já descobriram. Serão os resultados desses outros trabalhos e as questões teóricas postas pelo campo que darão elementos consistentes para a formulação da hipótese. 2. A revisão de literatura Alguns autores sugerem que o pesquisador inclua a Revisão de Literatura, ou seja, a discussão sobre outros trabalhos já realizados sobre seu tema/problema já no tópico da Introdução/Justificativa. Muitas vezes, no entanto, o pesquisador necessita de um maior espaço para discutir esses trabalhos já realizados. Por isso, é interessante que ele dedique uma parte específica do projeto à revisão de literatura. Essa parte pode ter outras denominações – “A contextualização do problema”, “A problematização do objeto de estudo” – e ser dividida em subtópicos que expressem os diversos aspectos que estão em torno do problema proposto. O importante é que o pesquisador traga os principais resultados de trabalhos que foram realizados antes do dele, de modo a apresentar ao leitor um “estado do conhecimento” sobre o tema. Mas, como selecionar esses trabalhos? O passo inicial para essa seleção é realizar um amplo levantamento bibliográfico nas bibliotecas e sites disponíveis. Artigos publicados em periódicos reconhecidos, livros e capítulos de livros são os veículos mais utilizados para a divulgação dos resultados de pesquisas nas ciências humanas. Os anais de congressos também podem ser consultados. Quando o tema/problema escolhido é ainda relativamente pouco pesquisado, o(a) pesquisador(a) provavelmente identificará com maior rapidez – principalmente observando a bibliografia que se repete nos vários trabalhos levantados – as obras/artigos mais importantes. Quando, por sua vez, o tema/problema proposto já é bastante pesquisado, o pesquisador deve ter alguns critérios para fazer a seleção, priorizando: trabalhos mais recentes (dos últimos cinco anos); trabalhos publicados em periódicos mais bem avaliados2, da área e de áreas afins; pesquisas que investiguem o mesmo período, a mesma cidade/Estado etc. Após realizar o levantamento, é importante que o pesquisador leia os trabalhos escolhidos e selecione as informações mais relevantes para o seu objeto. Essas informações é que comporão a base do texto de revisão de literatura. É comum, em projetos que vimos 2 Para isso, deve consultar o Qualis, sistema de avaliação de periódicos e eventos disponível no portal da CAPES. analisando nos últimos anos, que os pesquisadores façam verdadeiras resenhas dos trabalhos que leram e as transcrevam nesse tópico do projeto. No entanto, como advertem Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999), em texto bastante instigante sobre os tipos de revisão que devem ser evitados, o pesquisador não precisa compartilhar com o seu leitor tudo aquilo que leu, mas deve selecionar os aspectos que mais de perto podem auxiliá-lo na pesquisa que pretende fazer. Por isso, é importante que o texto de revisão seja estruturado a partir das temáticas (e não dos autores/obras), abordadas nos trabalhos lidos, que mais interessam à problematização do objeto. 3. A fundamentação teórica Mas, como já nos referimos acima, para realizar uma pesquisa consistente não é suficiente tomar conhecimento dos estudos que já foram realizados sobre o tema. Toda pesquisa recorre, necessariamente, a conceitos e a tendências que possibilitam, por um lado, situar o que está sendo proposto no interior de um debate teórico mais amplo e, por outro, auxiliar o pesquisador na análise dos dados empíricos que produzirá ao longo da pesquisa. Por isso, os projetos de pesquisa trazem um tópico em que o pesquisador explicita os principais conceitos e/ou as principais bases teóricas que sustentarão a sua pesquisa. Esse tópico pode ter diversas denominações, como “Quadro teórico”, “Fundamentação teórica”, “Explicitando alguns conceitos” etc. Há alguns anos era comum que, nesse tópico, o pesquisador fizesse uma verdadeira “profissão de fé” sobre a tendência teórica que baseava seu trabalho. Mas, normalmente, os pesquisadores iniciantes se sentem inseguros em abraçar uma tendência antes mesmo de iniciar a pesquisa. Por isso, hoje é esperado que os(as) pesquisadores(as) discutam, nesse tópico, menos uma tendência teórica professada e mais os conceitos que nortearão a investigação. Se quero fazer uma pesquisa sobre “processos autodidatas de inserção e participação na cultura escrita no século XVIII”, mais importante do que escrever, nesse tópico, o que é História Cultural, quando surgiu, quem são seus principais autores etc., é explicitar, no interior do debate teórico dessa tendência historiográfica, que conceito estou adotando para autodidatismo e para cultura escrita. Para aqueles(as) que fazem pesquisa no campo da educação, é comum e necessário recorrer a outras áreas do conhecimento para realizar essa discussão. A revisão de literatura mais uma vez o ajudará a dar início a uma interlocução com o debate teórico, já que poderá refutar ou acatar conceitos e teorias utilizados pelos autores revisitados. 4. Os objetivos O projeto de pesquisa deve trazer um item específico em que o pesquisador anuncia, explicitamente, seus objetivos, ou seja, aonde quer chegar quando concluir a pesquisa. Os objetivos são, em linhas gerais, o problema de pesquisa formulado de uma outra maneira – iniciado por um verbo (descrever, analisar, identificar, investigar, levantar, compreender) e em forma de tópicos. O objetivo geral deve traduzir, exatamente, o que o pesquisador pretende com a pesquisa: é a expressão da sua preocupação central. Poderíamos formular como objetivo geral “descrever e analisar os centros espíritas como espaços de formação de leitores” ou “compreender o perfil conceitual de morte por alunos do curso de licenciatura do campo da FaE/UFMG”. Os objetivos específicos devem ser pensados, por sua vez, como metas para se alcançar o geral. Se o pesquisador pretende “compreender a prática pedagógica de uma alfabetizadora bem sucedida”, que passos ele(a) terá que percorrer para alcançá-lo? Poderíamos, então, imaginar que ele terá que: “descrever a rotina da sala de aula”; “analisar os materiais didáticos utilizados”; “reconstruir a trajetória escolar e profissional da professora” etc. Os objetivos específicos podem ser vistos, ainda, como uma etapa intermediária entre o objetivo geral e a metodologia – não devendo, portanto, serem com ela confundidos. Vamos tomar como exemplo o primeiro objetivo específico acima imaginado – “descrever a rotina da sala de aula”. Para que o pesquisador o alcance, ele precisa prever a utilização de determinados instrumentos de coleta de dados, como a observação e a entrevista. Esses instrumentos serão indicados no tópico Metodologia. É interessante destacar que há alguns verbos que não são muito adequados para a formulação de objetivos: estudar, por exemplo. Afinal, estudar é um ato que deve ser realizado ao longo de toda a pesquisa (se não ao longo da vida), mas não expressa o que o pesquisador pretende alcançar quando concluí-la. Contribuir e propor são gestos louváveis, mas são muito mais consequências de uma pesquisa do que parte de seus objetivos. 5. A Metodologia Uma vez definido o problema de pesquisa, o pesquisador deve determinar como vai escrevê-lo nas condições reais. Ao explicitar as abordagens e os procedimentos metodológicos, deve também dizer as razões que o levaram a fazer essas escolhas, em virtude do seu problema de pesquisa. Além disso, deve anunciar os sujeitos que serão estudados e o(s) local(is) da pesquisa. Embora não seja obrigatório, tem sido comum, nos projetos de pesquisa da área de educação, anunciar, nesse tópico, se a abordagem de pesquisa será, predominantemente, qualitativa ou quantitativa (ou se terá uma fase quantitativa e outra qualitativa). A escolha por uma outra abordagem deve ser justificada, recorrendo-se a alguns(mas) autores(as), e deve ser coerente com os instrumentos de coleta de dados que serão utilizados. Há pesquisadores(as) que optam por uma abordagem teórico-metodológica mais específica e advinda de uma tradição disciplinar já sólida, como é o caso da etnografia. Se isso ocorrer, é preciso ter ciência de que não se trata apenas de uma opção metodológica, mas uma escolha que tem implicações muito mais amplas, de natureza epistemológica, em todo o processo de pesquisa. Essas implicações e seus fundamentos devem ser discutidos. O mesmo procedimento deve ser utilizado por aqueles(as) que optam pelas pesquisas com intervenção (como é o caso da pesquisa-ação, da pesquisa participante, da pesquisa colaborativa), pelos estudos de caso e pelas pesquisas experimentais. Todas essas opções devem ser devidamente justificadas e discutidas teoricamente. No caso das pesquisas teóricas e históricas, essas classificações não são pertinentes. Nas pesquisas teóricas, é preciso detalhar as obras/autores que serão objeto de análise, justificando as opções realizadas. Se o(a) pesquisador(a) está interessado(a) em elucidar um conceito na obra de dois autores, por exemplo, é preciso indicar onde as principais fontes de discussão ou controvérsia sobre a questão podem ser obtidas. Nas pesquisas históricas, devem-se elencar os acervos e as fontes que serão pesquisados, apresentando-se uma discussão sobre as especificidades de cada uma delas. Se os depoimentos orais constituírem a principal fonte de pesquisa, por exemplo, é preciso apresentar uma discussão sobre as relações entre memória e história, entre o lugar que o depoente ocupa no presente e a narrativa elaborada etc. Certamente essas discussões estarão pautadas nos(as) autores(as) da denominada “história” oral. Depois de discutida e justificada a abordagem metodológica, é preciso apresentar (e também justificar) as razões das escolhas em relação ao problema de pesquisa, os sujeitos e o(s) local(is) de pesquisa. Em investigações empíricas quantitativas, algumas questões são tipicamente colocadas no que diz respeito à população a ser estudada: o tamanho da amostra é adequado – grande o bastante para expor os efeitos previstos, sem ser grande demais a ponto de prejudicar o controle de qualidade adequado? A amostra é representativa da população estudada? As operações de tratamento estão descritas com clareza, e são representativas? As variáveis a serem tratadas foram isoladas de maneira mais clara possível? Como serão feitas as medidas? Até que ponto são representativas daquilo que o pesquisador realmente quer medir? Como saber se essas medidas são uma representação adequada da situação real (fidedignidade e validade dos instrumentos)? Que tipos de análises essas medidas permitem? Os métodos de amostragem, coleta e tratamento de dados são inseparáveis da análise a ser feita no estudo e das generalizações e conclusões que se deseja. A escolha do design da pesquisa restringe os métodos de análise e, portanto, as conclusões possíveis. Embora nas pesquisas qualitativas as lógicas da amostragem e da “medida” sejam diferentes daquelas utilizadas nas investigações quantitativas, é preciso também se perguntar se os sujeitos/locais deliberadamente selecionados são aqueles mais adequados para responder o problema de pesquisa. O(a) pesquisador(a) deve também, no tópico Metodologia, anunciar e discutir as especificidades de cada um dos instrumentos de coleta de dados que utilizará: questionário, entrevista, observação, documento, grupo focal, conversação etc. Caso a pesquisa preveja uma intervenção, é preciso descrevê-la detalhadamente. Se a coleta envolver a utilização de equipamentos, como gravadores ou filmadoras, é preciso também explicitar. Desnecessário afirmar que a escolha desses instrumentos deve decorrer de sua pertinência para responder as perguntas de pesquisa e de sua coerência com a abordagem metodológica utilizada e com o modo como os dados serão tratados e analisados. Por fim, é interessante também que o pesquisador, nesse tópico, anuncie que tipos de procedimento pretende utilizar na análise dos dados. A análise é um processo. Frequentemente, as pessoas se queixam de não poder planejar uma análise previamente, por não estarem seguras sobre o que procuram ou sobre o que vão encontrar. Embora seja verdade que uma análise dificilmente poderá ser planejada de antemão, os passos do processo podem ser explicitados. O plano para chegar à interpretação final a partir da informação coletada pode ser esquematizado previamente. Nos projetos de Mestrado, no entanto, normalmente não se exige esse planejamento da análise dos dados. Nos projetos de Doutorado, essa antecipação é recomendada. Nas pesquisas quantitativas, é necessário descrever os modelos estatísticos que serão utilizados. A análise projetada seria, pois, um plano para organizar e descrever resultados, para descrever relações entre variáveis, para avaliar a informação obtida sobre a população a partir da amostra. Caso se preveja a utilização de algum software para a análise dos dados, este deve ser anunciado. No caso das pesquisas qualitativas, a Análise de Conteúdo e a Análise do Discurso têm sido bastante usadas. No caso da primeira alternativa, é interessante que o(a) pesquisador(a) anuncie que categorias e subcategorias já podem ser determinadas a priori, antes de se iniciar a pesquisa. No caso da Análise do Discurso, é preciso considerar que não se trata apenas de um procedimento de análise de dados, mas uma tendência teórica com implicações mais profundas em todo o processo de pesquisa. É possível também, no caso das pesquisas qualitativas, e mesmo nas teóricas e históricas, recorrer a softwares que auxiliem no processo de tratamento e análise dos dados. 6. Cronograma, referências e bibliografia de potencial interesse Por fim, o projeto deve trazer um cronograma (elaborado em forma de quadro, contendo as atividades a serem desenvolvidas e os meses a elas referentes) e as Referências utilizadas para elaborá-lo. Chamamos de referências todas aquelas obras (artigos, livros, sites) que foram efetivamente citados ou referidos ao longo do texto. As referências devem ser elaboradas de acordo com as normas da ABNT. Essas normas estão disponíveis, para consulta, nas bibliotecas universitárias e estão detalhadas de modo didático em algumas publicações (ver, por exemplo, FRANÇA et al.). Deve-se sempre optar pela consulta direta ao(à) autor(a), evitando-se a “citação da citação”. Deve-se também evitar colocar as referências em notas de rodapé. Segundo a recomendação da ABNT, as notas devem ser, preferencialmente, explicativas. O(a) pesquisador(a) pode, também, acrescentar um tópico denominado Bibliografia de Potencial Interesse. Nele, listará os trabalhos que, embora já tenha localizado e saiba que serão potencialmente úteis para a pesquisa, ainda não pode consultar e incorporar ao texto. Este texto é uma adaptação de: GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; LOPES, Eliane Marta Teixeira. O projeto de pesquisa em história da educação. In: ____. Território plural: a pesquisa em história da educação. São Paulo: Ática, 2010. p.83-94. LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Guia para escrever um projeto de tese. Belo Horizonte, agosto de 2004. Referências: ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1999. p.179-188. FRANÇA, Júnia Lessa de et al. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. 8 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.