ESTADO DO PARÁ
Ministério Público do Estado do Pará
Promotoria de Justiça Agrária de Santarém
Ofício nº 238/2014-MP/7PJSTM
Belém, 05 de setembro de 2014.
Ao Ilustríssimo Senhor
Manuel Amaral
Diretor do FSC Brasil
c.c
Conselho Internacional do FSC – Florest Stewardship Council
Assunto: Contestação ao relatório da certificadora SysFlor - SCS Global Services
para recertificação do plano de manejo florestal sustentável da empresa Jari
Florestal (antiga Orsa Florestal), no Município de Almeirim-PA, Brasil.
Senhores Diretores e membros do FSC,
Honrada em cumprimentar Vossas Senhorias, e considerando que esta
Promotoria de Justiça Agrária do Ministério Público Estadual acompanha por meio
de procedimento administrativo nº 01/2013 os conflitos agrários e fundiários entre
comunidades e empresa Jari e Orsa Florestal no Município de Almeirim-PA-Brasil,
acirrados em razão da aprovação do plano de manejo florestal sustentável em área
que empresa entende ser reserva legal de floresta, mas que se sobrepõe as áreas
em que comunidades locais vivem, inviabilizando o livre acesso aos recursos
naturais necessários à subsistência das famílias de agricultores e extrativistas. Além
do plano de manejo florestal sustentável a referida empresa também possui
certificado com selo FSC de monocultura de eucalipto que, do mesmo modo,
sobrepõe-se a áreas de comunidades na região.
Como condicionante a aprovação do plano de manejo florestal, foram
assinados vários termos de compromissos com órgão fundiário estadual – ITERPA,
nos anos de 2006 e 2007, visando a regularização territorial das comunidades
locais, que são amparadas pela legislação nacional, o que até a presente data ainda
não se concretizou, porém, a empresa continua retirando a madeira de grande
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potencial econômico da região em detrimento das comunidades locais que
efetivamente ocupam a área e dela dependem para subsistir.
Há evidências de insegurança fundiária na matrícula dos diversos
documentos fundiários que compõe o imóvel rural de pretensão da empresa, sendo
que o órgão fundiário ITERPA propôs um grupo de trabalho interinstitucional para
dirimir a dúvida tanto da área que pertence ao Estado do Pará quanto da área
privada da empresa, possibilitando uma fórmula jurídica consensual para
regularização das comunidades.
Existem ações judiciais em curso no qual o Estado do Pará, por meio
da Procuradoria Geral do Estado, atua contra empresa Jari para declarar o domínio
público de área que os documentos fundiários da empresa não são válidos para
provar a propriedade.
A regularização das terras que são ocupadas pelas comunidades
depende fundamentalmente da informação se a área é de domínio público ou
privado, bem como qual a modalidade de regularização (individual ou coletiva) que
atende as necessidades das comunidades para sua subsistência e reprodução
cultural, social e econômica no presente e para as futuras gerações.
O papel do Ministério Público, nesse contexto, é de fiscal da lei e
também defensor dos interesses difusos e coletivos, possibilitando que as
comunidades possam ser informadas sobre seus direitos, promovendo uma
regularização fundiária que leve em consideração seu modo de vida tradicional e
seus valores culturais, sociais, econômicos locais, e garantindo oportunidades de
desenvolvimento sustentável para todos – empresas e comunidades.
A disputa pela terra e seus recursos naturais pela empresa e
comunidades tem sido invisibilizada ou minimizadas pelo relatório da certificadora
Sys Flor – SCS Global Services na região. O conflito não é um dado atual, mas
acompanha a história do projeto Jari, desde seu início, na década de 1960.
Há vários livros e artigos publicados que retratam essa trajetória de
empreendimentos
econômicos
na
região
que
desconsideram
direitos
das
comunidades que ali já viviam do extrativismo e da agricultura familiar ou que foram
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trazidos pelo próprio empreendimento e depois foram fixando residência em áreas
desocupadas da região.
No passado, muitas áreas de castanhais de subsistência das
comunidades foram “cortados” para plantação da monocultura do eucalipto.
A atual política da empresa, cujo empreendimento econômico se
expandiu para áreas de florestas nativas, passou a exercer um maior controle da
área territorial de sua pretensão, com uso de segurança privada armada, não mais
permitindo a fixação de agricultores nas áreas rurais, manejando ações possessórias
para retirá-los da região, além de política de migração da população local para
município vizinho de Laranjal do Jari, no Estado do Amapá, pois só com autorização
da empresa se pode permanecer na região.
Os agricultores que resistem e permanecem na área precisam se
submeter a condições impostas pela empresa, e, embora a maioria ocupe a região
há gerações, são “tolerados” pela empresa e até a presente data não foram
regularizadas de forma efetiva suas áreas de ocupação histórica, seja pela empresa
se a área for privada, seja pelo órgão fundiário se a área for pública.
A solução para o conflito fundiário/agrário da região depende da
colaboração de todos os atores sociais, governamentais e não governamentais,
empresas e comunidades, e, espero que o FSC contribua para solução da
questão a fim de salvaguardar também os interesses das comunidades locais
com a regularização das suas terras, e não invisibilize mais tal situação.
A imagem do selo FSC no mercado interno e internacional depende do
cumprimento dos seus princípios previamente estabelecidos, dentre os quais, o
princípio 02 que dispõe sobre o uso da terra e a relação com as comunidades
locais, deixando claro que as inúmeras ações judiciais existentes demonstram um
desequilíbrio de forças e conflito pela terra estabelecido em desfavor de agricultores
das comunidades locais, que precisa ser considerada juntamente com a insegurança
fundiária das terras em que o empreendimento econômico está instalado.
A empresa Jari Florestal (antiga Orsa Florestal) foi certificada pela
empresa SysFlor SCS Global Services e é detentora deste selo FSC na atualidade,
passando para a sociedade e para o mercado consumidor a imagem de respeito e
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cumprimento de todos os princípios estabelecidos por este selo. Mas caso venha a
ser comprovado o descumprimento dos princípios, como ficará a imagem deste selo
perante os consumidores e o mercado? Na legislação pátria, há normas que
preveem responsabilidade por uso de propaganda para atrair o consumidor que não
corresponde com a verdade.
E, por esse motivo, preocupada com a lisura do processo de
certificação do selo que submeto ao Conselho do FSC a presente contestação do
relatório da certificadora SysFlor – SCS Global Services, consoante manifestação
dos técnicos do Ministério Público que estiveram em trabalho de campo com as
comunidades de Almeirim-PA, em anexo, e, ao final, requeiro:
1) a imediata suspensão até revisão completa do conteúdo do relatório
de recertificação produzido pela certificadora Sys Flor – SCS Global
Services, a fim de que seja apurada por uma comissão do FSC a
realidade
enfrentada
na
região,
ouvindo
todos
os
atores
interessados;
2) que o FSC envie equipe para região do Jari, Município de AlmeirimPA, para ouvir todos os interessados e conhecer a realidade de
todas as comunidades, e não somente as lideranças que fazem
acordos com a empresa;
1) que FSC acompanhe e participe do grupo técnico interinstitucional
para regularização fundiária das comunidades e identificação das
áreas públicas e privadas na região do Jari, em Almeirim-PA;
2) que FSC condicione a recertificação do plano de manejo florestal a
conclusão da regularização das comunidades locais, excluindo as
áreas das comunidades do referido plano de manejo florestal
sustentável;
3) que caso seja constatada falhas no relatório da certificadora, que o
FSC descredencie a certificadora e selecione outra empresa para
realizar o processo de recertificação do plano de manejo florestal
sustentável da empresa Jari Florestal;
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4) que FSC passe a indicar a empresa certificadora para auditar os
empreendimentos econômicos, não permitindo que empresa
exerça escolha sozinha;
5) que FSC reavalie também o selo do plantio de eucalipto na região,
e os contratos realizados com as comunidades, pois, pode ter sido
auditado pela mesma certificadora.
Coloco-me a disposição para colaborar com a essa organização por
acreditar que o trabalho conjunto pode fortalecer o processo de certificação do selo
FSC e também auxiliar na proteção de direitos, uso da terra e seus recursos naturais
e na regularização fundiária das comunidades locais.
Atenciosamente,
IONE MISSAE DA SILVA NAKAMURA
Promotora de Justiça Agrária do Ministério Público do Estado do Pará
Atua na região oeste do Pará, com sede em Santarém
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