^ r 9 A601987 A fantasia nao triunfal Jorge S Antunes E a Constituinte e o governo estão i cercados de lobbies por todos os lados, por que não organizarmos mais um — de poetas, músicos e educadores — para levar o Ministério da Educação a promover dois concursos, um para mudar a Jetra do Hino Nacional, outro a sua música, de modo a aproveitar a oportunidade aberta pelo artigo 22 do projeto da Comissão de Sistematização da Constituinte: "A língua -oficial do Brasil é o português, e são símbolos nacionais a Bandeira, o Hino, o Escudo e as Armas da República, adotados na data da promulgação da Constituição"? (grifo meu) O novo país com que sonhamos deverá estar retratado no novo Hino. Num e noutro, singelo e o-peético, sem demagogias nem ^ atríotadas. O «ovo Hino deverá ser como a ^Constituição que queremos. Primará pela .concisão. Falará patrioticamente, de modo r;<3urtG<.e grosso, sobre a nossa realidade de ^nação-festeira e esperançosa. O novo poema r,não falará do ipiranga, pois o brado retumbante ainda está na garganta de todos nós. O -novo Hino há de cantar o impávido colosso sem pessimismos, mas sem mentiras. O novo texto deverá ter, no máximo, duas estrofes. O atual tem oito, o bastante para tirar a_paciência de qualquer cristãopatríõta-xenófobo. Em tempo de extinção de 1 espécies não há porque se afirmar que nossos tfosqúçs têm. mais vida. Que nosso símbolo 'continue a ser o lábaro estrelado, e com mais estrelas, mas que o verde-louro desta flâmula ç|iga "paz no futuro e glória no futuro". Aliás, melhor será que os poetas concorrentes fa>,çam letras sem lábaros, raios fúlgidos, gigan;kes impávidos e clavas fortes, pois a maioria ,do nosso povo não tem dinheiro para comprar dicionários. Necessitamos de um simples, breve e belo poema, que, com melodia bela e fácil, mas não banal, faça com que a massa se agite ao som de um canto novo, exaltando a paz, o trabalho, a justiça e os direitos humanos, acabando com a sonolent a ' do berço esplêndido. mê! Hòsso primeiro hino nacional, ainda que ^fiao oficializado, foi o da Independência (Já 'pppeiç^ da pátria filhos..."), composto por D jpedro, I, com letra de Evaristo da Veiga. r l f t p i a u m a testemunha que o imperador ,Ç5çreveu-o na perna, durante uma viagem a São Paulo, onde foi cantado na Casa da Ópera, na celebração do fato ocorrido no Ipiranga. Tudo no mesmo dia 7 de setembro de 1822. Difícil é acreditar que o imperador, simultaneamente, providenciasse a mise-enscène do teatro que montaria às marens do riacho e arranjase tempo para compor o hino. Mas ele adorava compô-los e deixou outros, um dos quais foi o Hino de Portugal até 1910. A abdicação de D Pedro I trouxe um novo hino, quue celebrou justamente a sua queda. A letra era de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, mas a melodia era a mesma do hino atual. Outros hinos tentaram destroná-lo, inutilmente. Em 1841 receberia nova letra, do mesmo Ovídio Carvalho, agora em homenagem a coroação de D Pedro II. Não pegou. A República aceitou a chata melodia, consagrando-a pelo Decreto 171, de 20.1.1890. Mas a letra que se canta hoje foi obra de outro criador medíocre, o poeta Joaquim Osório Duque de Estrada. Vale um parêntese para registrar a chegada ao Rio, em 1869, de um espalhafatoso e simpático compositor e pianista norteamericano, que aqui viveria seus últimos meses de vida. Seu nome: Louis Moreau Gottschalk. Com pretensões bolivarescas, esse americano de Nova Orieans peregrinava pela América Latina, sustentado pela aristocracia e puxando o saco de tudo o que era governante. Esteve em Cuba, no Chile, na Argentina e no Uruguai, organizando espetaculares concertos em que a nota dominante era o civismo e compondo músicas de exaltação patriótica de cada país. Também aqui realizou concertos do género, depois de conquistar monarquistas e republicanos enrustidos com sua famosa Fantasia triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro. Esta pérola de caretice clássico-cívica está aí até hoje, na interpretação descabelada de Arthur Moreira Lima. Fim do parêntese. Assessorado por Villa-Lobos, Getúlio Vargas baixou o Decreto-Lei 4545, determinando, entre várias tolices, que o andamento metronônimo na interpretação do Hino seria o de uma semínima igual a 120, que a execução instrumental teria de ser em si bemol e que pelo menos uma vez por semana o Hino deveria ser cantado em todas as escolas. Como todas as leis tolas, esta sempre foi e ainda é desrespeitada. O hoje senador Pompeu de Souza, ao ser nomeado secretário de Educação e Cultura do DF, em 1985, baixou portaria determinado que diariamente a meninada cantasse o Hino nas escolas, na entrada e na saída. Acabávamos de assistir a I Do mesmo modo que deseja uma Carta singela e objetiva, o povo quer um novo Hino sem retórica, que exalte a paz, estimule o trabalho e convide a olhar para o futuro • • via crucis de Tancredo, com o hino atravessado na garganta, de tanto ouvi-lo ser cantado em Fafá maior. Mas a comunidade brasiliense resistiu ao comichão nacionalóide e o velho voltou atrás. O hino de Francisco Manuel da Silva, que mudou de letra três vezes, sempre foi imposto de cima para baixo por imperadores e ditadores, e depois de um século ameaça atravessar a Nova República. Chega! Ideal é que a transição seja realmente a transição para um Brasil novo, constituição nova, governo novo, bandeira nova, armas novas e hino novo. Deveria o lema positivista continuar na bandeira? Somos todos adeptos de uma única filosofia? Deveriam continuar nas Armas da República os ramos de café e de fumo? Nossa riqueza comercial não está mais por aí. Mas deixo este assunto para os artistas plásticos e os entendidos em heráldica. O meu assunto, aqui, é o nosso Hino. O T Quando Villa-Lobos, em 1942, começou a fazer a cabeça de Vargas com relação à necessidade de disciplinar a execução do Hino, seus inimigos espalharam que o músico, personalista e agocêntrico, queria substituir a obra-prima de Francisco Manuel por uma composição sua. Hoje, ao defender a substituição da obra-seconda de Francisco Manuel, apresso-me em não ddxar espaço aos meus inimigos. Confesso, de imediato, que gostaria de substituí-los por uma composição minha. Mas não de cima para baixo, através de decreto-lei. Quero ser um dos concorrentes no concurso público que, no meu entender, deveríamos pressionar o governo a promover antes de novembro, antes da promulgação da nova carta constitucional. Jorge Antunes é compositor, maestro, doutor em estética musical pela Sorbonne e professor do Departamento de Música da UnB.