Texto de Carlos Magno para a procissão Luz na Cidade
Pede-se a um agnóstico que defina a palavra luz. A tentação primeira, confesso, é dizer que
Luz é Deus
Mas o que é Deus? Quem é Deus?
No princípio era o verbo, diz a Bíblia
A Bíblia tem a palavra como Livro da Revelação.
O livro e a luz sempre andaram associados na nossa cultura
Fazer Jornalismo , diz um amigo meu, é lançar luz sobre as coisas. Não conheço melhor
definição de jornalismo –
Pede-se-me que fale de comunicação
Invoco aqui a Lição do nosso bispo, D. Manuel Clemente, sempre tão claro, concreto e
conciso
Porque o difícil é ser simples
Reconheço em d. Manuel Clemente uma grande economia verbal e um grande rigor
vocabular
E como comunicar é transmitir ao outro um determinado conteúdo , vou citar-lhes aqui a
melhor mensagem que ouvi do nosso Bispo. Sei de cor um discurso que há alguns anos ouvi
a D. Manuel Clemente. Dizia ele:
«Durante muito tempo preocupamo-nos com as almas. Depois passámos a preocupar-nos
demasiado com as coisas. E ainda não percebemos que o segredo é a alma das coisas».
Sublinho aqui a palavra segredo porque me parece que essa palavra segredo significa
exactamente luz. Quando se perde a luz somos incapazes de perceber estes pequenos
segredos
E o segredo da comunicação é muito simples. O segredo do jornalismo, estou sempre a dizer
isso aos meus alunos, é tornar interessante o que é importante.
Claro que há outras dificuldades na comunicação. Quando perguntaram a Stº Agostinho o
que era o tempo ele respondeu:
«Se não me perguntasses eu sabia!»
O que é a Luz?
Não sei dizer. Se não me perguntassem eu sabia. Mas eu vejo aqui vários pontos de luz.
Luz é qualquer coisa que comunica na escuridão
Um farol, talvez
Mas o que é a escuridão?
Será a simples ausência de Luz?
E o buraco negro de que se preenche cada vez mais a vida?!...
Hoje, posso dizê-lo, vejo muitos pontos de Luz na Cidade
E lembro-me de uma adivinha popular tipo «qual é a coisa qual é ela?» Eis a adivinha que a
minha avó me contava: «Do tamanho de uma abelha enche a casa até á telha»
É a Luz que comunica. Comunica-se! Brilhando brilha e brilha brilhando.
Quem brilha na luz?
Pacheco Pereira no prefácio a um livrinho que há anos publiquei escreveu:
«O Porto não é a cidade dos anjos, nem a cidade da luz, nem a cidade branca. É feito, de uma
pedra onde todas as partes brilham - e no entanto é escura, sólida, tensa, pesada.
É feito, de mica que é um pequeno espelho mineral, de quartzo que pode ser absolutamente
transparente, ou de feldspato, de cor sedosa, vagamente rosa. Mas, a pedra do Porto, feita
de tanta luz, é escura e a cidade é assim uma cidade do Norte, iluminada por essa luz que
ninguém melhor do que os pintores dinamarqueses de Skagen conheciam.»
Um teórico da comunicação Marshal MacLuhan dizia que à velocidade da luz ninguém
possui um corpo.
Hoje os media estão em todo o lado mas não são luz
Por isso a comunicação necessária é outra
Como esta aqui na Estação de S. Bento que é uma das portas da nossa cidade com os seus
carris de ferro e os seus belos azulejos que representam a vida.
Comunicar, recordo, é por em comum
Comunico logo existo, diz o prof António Damásio no Erro de Descartes. Emociono-me, logo
comunico comigo próprio e com os outros.
A luz comunica porque ela também é emoção.
Eu acho que Brilhar é um verbo intransitivo dos tais que não pedem complemento directo.
Vou, por isso terminar com um poema que brilha por si próprio. Versos de Jorge de Sena.
Poderiam ser os versos da Torre dos Clérigos que vejo aqui à minha esquerda a brilhar na
noite do Porto:
«Para a minha alma eu queria uma torre como esta,
assim alta,
assim de névoa acompanhando o rio.
Estou tão longe da margem que as pessoas passam
e as luzes se reflectem na água.
E, contudo, a margem não pertence ao rio
nem o rio está em mim como a torre estaria
se eu a soubesse ter...
uma luz desce o rio
gente passa e não sabe
que eu quero uma torre tão alta que as aves não passem
as nuvens não passem
tão alta tão alta
que a solidão possa tornar-se humana.
Mas escolhi para terminar outro poema de Jorge de Sena, fundamental para entender esta
cidade que, como diz Agustina Bessa Luís, é uma presa nocturna e uma brisa do entardecer
O poema de Sena diz simplesmente o seguinte: Ora oiçam
Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumiére
just a little light
una piccola…em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a advinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
Indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
No meio de nós.
Brilha.»
cmagno
Porto, 31 de Maio de 2010
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