“Amazônia e o direito de comunicar”
20 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA
Movimento Xingu Vivo para Sempre e o Discurso da Contestação contra Belo Monte 1
Josiele Sousa da SILVA2
Universidade Federal do Pará, Belém, PA
RESUMO
Com o retorno da polêmica sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio
Xingu (PA), o coletivo de entidades Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) desponta
como o principal antagonista do projeto. Composto por 250 entidades, ele utiliza estratégias
discursivas para desmobilizar a construção da Usina, cujas obras devem afetar cerca de 300
mil pessoas. Uma das armas na luta pelo poder simbólico que marcam suas relações com os
defensores do projeto são os textos informativos publicados pelo sítio institucional do
MXVPS. O objetivo deste artigo é evidenciar como foi elaborado o discurso contestatório por
meio da análise de 22 textos produzidos no período de 14/10/10 a 23/11/10. Todos os textos
têm a marca da defesa de direitos das populações contra Belo Monte.
PALAVRAS-CHAVE: discurso; belo monte; xingu vivo; internet.
Introdução
Idealizada há mais de 35 anos, durante a Ditadura Militar (1964-1982), a construção
da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, na Volta Grande do Rio Xingu (PA), voltou a
ser objeto de discussão quanto a sua viabilidade econômica, social e ambiental a partir de
outubro de 2009. Governo federal, ambientalistas de organizações não governamentais
(ONGs) e representantes de comunidades indígenas e ribeirinhas da Região Xingu tentam
validar suas opiniões divergentes sobre o empreendimento que deverá ser a terceira maior
usina hidrelétrica do mundo. Em fevereiro de 2010, o Ministério do Meio Ambiente (MMA)
concedeu nova licença ambiental prévia para a construção da Usina, sendo realizado, em abril
do mesmo ano, o leilão para a escolha das empresas responsáveis pelas obras e gerenciamento
da hidrelétrica. O Consórcio Norte Energia, liderado pelas Centrais Elétricas do Norte do
Brasil (Eletronorte) e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), subsidiárias da
Eletrobrás, foi o vencedor do leilão, tendo pressa para o início da construção, que estava
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho da II Conferência Sul-Americana e VII Conferência Brasileira de Mídia
Cidadã.
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Mestranda do Programa de Pós-graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM), da Universidade Federal do
Pará, e-mail: [email protected].
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prevista para começar em setembro de 2010, mas foi adiada em decorrência das eleições para
a Presidência da República. A pressa se justificaria pela demanda de energia elétrica capaz de
suprir as necessidades da indústria brasileira e o ritmo acelerado de crescimento econômico
vivenciado pelo país.
Em entrevista concedida ao Instituto Socioambiental em 2002, o atual presidente da
Eletrobrás, José Muniz Lopes, afirmou que Belo Monte poderia ser considerada “a melhor
usina hidrelétrica do mundo” (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2010), e que terá a
capacidade de geração instalada de 11.233 megawatts (MW). Belo Monte possuirá um
reservatório de água com extensão de 516 km², o equivalente a mais de quinhentos campos de
futebol juntos. De acordo com o Movimento Xingu Vivo (MXVPS) (2010a), considerada a
principal organização engajada em impedir o projeto, cerca de 300 mil pessoas serão afetadas
direta e indiretamente pela instalação das barragens em, pelo menos, 11 municípios paraenses
que compõem a Região Xingu (Altamira, Anapu, Brasil Novo, Gurupá, Medicilândia, Pacajá,
Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu). O MXVPS
mobiliza 250 entidades representativas de grupos indígenas, de agricultores, ribeirinhos e
trabalhadores urbanos, reunidas em campanhas de divulgação e protestos que evidenciam os
aspectos negativos da Usina. São eles a inundação de reservas indígenas e de áreas habitadas
por comunidades ribeirinhas, a devastação de parte da fauna e flora da Região Xingu, além de
sérios impactos sociais, entre os quais o inchaço populacional e o aumento da violência nos
municípios abrangidos pela construção da hidrelétrica. O coletivo de ONGs mantém um sítio
eletrônico na internet (www.xinguvivo.org.br) com textos informativos que destacam os
prováveis abusos cometidos pelo Poder Executivo Federal contra os habitantes das áreas onde
será instalada a Usina, na tentativa de iniciar as obras da UHE.
Este trabalho tem como principal objetivo identificar como as estratégias discursivas
do MXVPS constituem-se e se manifestam nos textos como instrumentos de contestação
contra o discurso favorável à UHE Belo Monte. Outro compromisso é averiguar que sentidos
são capazes de proporcionar aos visitantes do sítio institucional, além de apresentar em que
contexto histórico-social da Amazônia foi elaborado o mesmo discurso de contestação e até
que ponto é eficaz para alcançar seus objetivos. Para a compreensão das estratégias utilizadas
nos textos do Xingu Vivo para Sempre, optou-se pela Análise do Discurso Francesa,
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empregada no entendimento dos processos de construção de sentidos nos meios de
comunicação. Foram analisados 22 textos informativos publicados no sítio, no período de
14/10/10 a 23/11/10, que compreende os primeiros quarenta dias de existência do meio de
comunicação após o seu lançamento pelo Movimento. O material observado era o único em
disponibilidade na época da realização deste artigo, cuja ideia surgiu em virtude da criação
do sítio eletrônico. A fim de proporcionar a melhor compreensão do processo discursivo sobre
a UHE Belo Monte no produto midiático, primeiramente se expôs a dinâmica de concorrência
discursiva entre indivíduos e instituições nas relações sociais, a qual é potencializada nos
meios de comunicação, inclusive na internet, somada à retrospectiva histórica da origem dos
movimentos sociais em meio aos grandes projetos de exploração econômica na Amazônia a
partir da Ditadura Militar. Atentou-se, ainda, para os antecedentes que colocaram em
evidência a região amazônica como pólo de atuação de ONGs socioambientalistas.
A disputa pelo poder simbólico
Para se entender os processos comunicativos, nos quais é constante a construção de
sentidos por meio dos discursos, é preciso compreender o conceito de Espaço Social. Esta
terminologia é conceituada por Bourdieu (2010) como uma estrutura
“multidimensional, composta por um conjunto aberto de campos
relativamente autônomos, embora subordinados quanto ao seu
funcionamento e às suas transformações ao campo de produção
econômica” (BOURDIEU, 1998, p. 134 apud COSTA, 2006, p. 61).
Cada campo é “um sistema específico de relações objetivas que podem ser de aliança
e/ou de conflito, de concorrência e/ou de cooperação (...)” (BOURDIEU, 1998, p. 133 apud
COSTA, 2006, p.60). Os campos travam entre si uma batalha permanente no espaço social
para conquistar o poder simbólico, “o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer
crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo,
portanto, o mundo” (BOURDIEU, 2010, p.14). Alguns campos estão em desvantagem em
relação a outros nesta luta, conforme o capital simbólico que dispõem, e têm poucas
possibilidades de influenciar percepções, comportamentos e condutas nas situações do
cotidiano. Os campos detentores de maior capital simbólico utilizam estratégias para legitimar
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a predominância e autonomia em relação aos demais. Esse embate permanente se dá pela
interação sucessiva entre agentes e instituições sociais no interior de cada um deles, engajados
em um contínuo processo comunicativo que implica a construção de sentidos a partir da
interpretação de discursos. De acordo com Certeau (1994), quem tem o poder faz uso de
estratégias para que sua visão de mundo continue predominante, mesmo diante de oposições.
As estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento, que um
lugar oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil
utilização do tempo, das ocasiões que apresenta e também dos jogos que
introduz nas fundações de um poder (CERTEAU, 1994, p.102).
O autor francês confirma o dinamismo das relações sociais, baseadas na troca
simbólica de estratégias e táticas entre os que têm capital simbólico maior e aqueles em
posição de desvantagem em um determinado espaço social, mas capazes de manifestar as suas
opiniões e anseios. Cada discurso traz em si elementos, enunciados e textos que remetem a
outros discursos elaborados em situações anteriores, também vinculados fortemente ao
contexto histórico-social no qual são produzidos e que também o transformam, conforme
defende Maingueneau (2008). O conflito natural das relações sociais é potencializado por
meio dos veículos de comunicação tradicionais (TV, rádio e mídia impressa) e, mais
recentemente, pela Rede Mundial de Computadores, popularmente conhecida como Internet.
O desenvolvimento dos meios de comunicação é, em sentido fundamental,
uma reelaboração do caráter simbólico da vida social, uma reorganização dos
meios pelos quais a informação e o conteúdo simbólico são produzidos e
intercambiados no mundo social e uma reestruturação dos meios pelos quais
os indivíduos se relacionam entre si (THOMPSON, 1998, p. 19).
Os participantes dos embates comunicativos tentam sempre silenciar seus discursos
concorrentes. Segundo Araújo (2000), entre as formas mais comuns de silenciamento nas
disputas discursivas por meio dos veículos de comunicação está a denegação e a exclusão. A
primeira modalidade, “nega a legitimidade dos outros discursos, aqueles que disputam o
mesmo
espaço
discursivo,
desqualificando-os
ou
tentando
subordiná-los
ao
do
emissor” (ARAÚJO, 2000, p.163). Na exclusão, o discurso concorrente é totalmente apagado,
excluído, sendo bastante comum esta prática em notícias de sítios institucionais, quando se
procura ressaltar aspectos de interesse das entidades responsáveis por esses produtos
midiáticos. Com a chegada da Internet, no início dos anos 90 do século XX, foi possível aos
que se consideravam excluídos do discurso da mídia tradicional ganhar melhor visibilidade ao
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atuarem no ciberespaço, definido por Lévy (1999) como “o espaço de comunicação aberto
pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY,
1999, p. 92). É nesse espaço que cada indivíduo e entidade, seja instituição pública ou
governamental, possuem a capacidade de criar seus meios de comunicação individuais, no
caso os sítios eletrônicos, blogs e perfis institucionais em redes sociais (Twitter, Facebook,
Orkut), com a publicação de informações alinhadas às suas perspectivas ideológicas. Se antes
tinham de usar táticas nos meios tradicionais para garantir a divulgação de suas ações, na
Internet, os excluídos do discurso da mídia tradicional conquistam visibilidade e podem
definir que estratégias discursivas utilizar em seus próprios medias.
Desenvolvimentismo e socioambientalismo na Amazônia
A partir da década de 60, a temática socioambientalista ganhou destaque nas
discussões políticas, sociais e econômicas estabelecidas entre os países do mundo, conforme
explica Costa (2006), dando margem ao surgimento de conceitos como desenvolvimento
sustentável e povos da floresta3. Critica-se o modelo industrial implementado na sociedade
capitalista. A exploração indiscriminada da natureza sem a preocupação com o futuro das
sociedades e com o elemento humano já não é vista como incapaz de trazer consequências
graves à população mundial. Um novo modelo de conduta passou a ser ditado sob a regência
da Organização das Nações Unidas (ONU) no qual se combate a ideia de crescimento
econômico a todo custo a partir da destruição do meio ambiente.
Neste período, os países mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos
economicamente passaram a travar fortes debates em fóruns internacionais
que trataram sobre a proteção ambiental. Esta passou a ser vista como um
problema não local, nacional ou internacional, mas global. Além disso, meio
ambiente e desenvolvimento econômico e social tornaram-se questões
interligadas (COSTA, 2006, p. 90).
Paralelamente no Brasil, e em específico na Amazônia, o governo federal, integrante
do campo político no espaço social global, idealiza uma série de projetos de exploração de
recursos naturais com caráter desenvolvimentista, cuja principal marca é a conquista de
3
Conceito elaborado por Dutra (2009) como “a posição de grupos que ocupam espaços considerados distantes da cultura
urbana, territórios radicalmente distintos em relação ao universo da cultura civilizada, por isso mesmo invisibilizados, esses
povos, no processo de sua midiatização” (DUTRA, 2009, p.120).
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resultados econômicos positivos e imediatos com o incentivo estatal à produção industrial de
grande porte e à geração de empregos. Nas práticas desenvolvimentistas são relegados a
planos inferiores de importância os possíveis impactos sociais e ambientais. Paes Loureiro
(2003) afirma que, por quase 20 anos, o modelo desenvolvimentista proposto pela Ditadura
Militar à Amazônia, cujas marcas ainda persistem na região, teve como foco a atração de
capitais nacionais e internacionais. A finalidade do modelo era garantir a viabilização de
projetos voltados à exploração de bauxita, ferro, manganês e cassiterita, além da produção de
energia elétrica que alimentasse tais empreendimentos, como a Usina Hidrelétrica de Tucuruí
e a própria UHE de Belo Monte, cuja construção ainda é objeto de polêmica.
O resultado imediato dessa política pode ser evidenciado desde os primeiros
anos também por duas linhas de consequências. Pela ótica do capital –
concentração de renda e depredação da natureza. Pela ótica da população –
expulsão, migração, empobrecimento e violentação da cultura (PAES
LOUREIRO, 2003, p. 406).
Nos anos 80, o Regime Militar entra em crise, dando espaço à abertura política e à
organização dos movimentos sociais contestatórios que reivindicavam os direitos das
comunidades afetadas pela ação predatória do poder econômico na Amazônia. Gonçalves
(2001) enumera o surgimento de diversas entidades, entre as quais cita a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag), assim como os sindicatos reunidos na Central Única
dos Trabalhadores (CUT) em nível nacional. Na década de 90, a partir da realização da
Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente (Rio-92), com a elaboração da
Agenda 21, aumentam-se as pressões contra as políticas desenvolvimentistas nos países
pobres com o combate ao desmatamento, o controle da exploração mineradora, extrativista e
energética, especialmente na região amazônica. Era necessário usufruir os recursos naturais da
Amazônia e, ao mesmo tempo, atentar para a preservação do meio ambiente, garantindo o
desenvolvimento sustentável das futuras gerações. As ONGs ambientalistas, integrantes do
campo ambiental, também ganham maior visibilidade social a partir do destaque concedido
pelos meios de comunicação à temática da conservação do meio ambiente, bem como o maior
apoio financeiro de parceiros internacionais para atuarem nas causas socioambientais, em
especial, na Amazônia.
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Quem é o Movimento Xingu Vivo para Sempre?
Considerada a principal organização representativa de populações habitantes da
Região Xingu, no Pará, o Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) teve a sua
formação iniciada no I Encontro dos Povos Indígenas, realizado no período de 20 a 25 de
fevereiro de 1989, em Altamira (PA). Três mil pessoas participaram do evento, entre as quais,
650 indígenas, “para questionar a construção de um complexo com cinco hidrelétricas
planejadas pela Eletronorte” (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2010). Essas hidrelétricas
formariam o complexo Kararaô, renomeadas, posteriormente, como Complexo Hidrelétrico
de Belo Monte. Estavam à frente da organização do I Encontro o cacique Paulinho Paiakan,
líder dos Kaiapós, acompanhado de outras lideranças: cacique Raoni, Ailton Krenak e Marcos
Terena. Somente em 2008, as lideranças das tribos indígenas do Xingu e demais organizações
solidárias na luta contra a UHE de Belo Monte reuniram-se em um coletivo composto por 250
entidades nacionais e internacionais de cunho sociopolítico e ambientalista. O MXVPS foi
fundado na ocasião do II Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, ocorrido no período de 19
a 23 de maio de 2008, em Altamira. O coletivo é formado por lideranças de ribeirinhos,
pescadores, trabalhadores rurais, moradores de Altamira, professores, movimento de mulheres
e organizações religiosas. Na Carta do Xingu Vivo para Sempre, o Movimento manifesta sua
posição radicalmente contrária à instalação de hidrelétricas na região, bem como contesta a
invisibilidade à qual estaria supostamente relegado nos processos decisórios sobre o destino
da Amazônia.
Não admitiremos a construção de barragens no Xingu e seus afluentes,
grandes ou pequenas, e continuaremos lutando contra o enraizamento de um
modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente
degradante, hoje representado pelo avanço da grilagem de terras públicas,
pela instalação de madeireiras ilegais, pelo garimpo clandestino que mata
nossos rios, pela ampliação das monoculturas e da pecuária extensiva que
desmatam nossas florestas (Carta do Xingu Vivo para Sempre, Altamira –
PA, 23/05/08).
É esse tom de revolta e o posicionamento contestatório permanente que marcam o
discurso do MXVPS, seja na mídia tradicional formada pelos meios de comunicação massivos
(TV, rádio e impresso) ou no próprio sítio do coletivo, conforme será analisado no próximo
tópico. Atualmente, o MXVPS está sob a coordenação geral de Antonia Melo, residente em
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Altamira, e também coordenadora do Movimento de Mulheres do Campo e Cidade – Pará
(MMCC). Em Belém (PA), o Comitê Metropolitano MXVPS funciona como base
articuladora do coletivo com outras entidades sediadas na capital paraense.
O discurso da contestação e a defesa de direitos
O sítio eletrônico do MXVPS foi disponibilizado na Internet a partir de outubro de
2010. Ele é dividido em seis seções: Notícias, com textos elaborados pelo próprio coletivo de
ONGs; Documentos, o qual abriga pareceres técnicos de especialistas sobre os impactos
socioambientais a partir da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, o histórico e as
principais dúvidas a respeito do empreendimento; Deu na Imprensa, com notícias publicadas
pela mídia impressa sobre o projeto da Usina; Compartilhar, sendo possível ao visitante
divulgar a existência do sítio nas redes sociais (Orkut, Facebook e Twitter); Quem Somos,
com a identificação do coletivo de entidades, a história parcial do Movimento e integrantes; e
Contatos, que aponta os responsáveis pelo MXVPS, seus respectivos contatos telefônicos e
endereços eletrônicos (e-mails). A publicação eletrônica ainda oferece aos visitantes um
banco de imagens com fotos registradas por Verena Glass, apresentada no sítio como
assessora de comunicação. Há ainda uma lista de 16 blogs cujos conteúdos têm vinculação
com a Usina Hidrelétrica, além de vídeos com depoimentos e explicações sobre Belo Monte.
Este artigo, porém, deteve-se em analisar as estratégias discursivas presentes nos textos
informativos escritos pelo MXVPS no período de 14/10/10 a 23/11/10. Por meio dos 22 textos
não assinados é possível visualizar as estratégias utilizadas pelas entidades a fim de garantir
mais adeptos à causa da preservação do Xingu e aumentar o poder simbólico das ONGs.
Ao criar um sítio eletrônico institucional, o Movimento Xingu Vivo tem à disposição
um livre ambiente discursivo de contestação no qual possui voz predominante por meio de
seus textos informativos contrários à construção da UHE de Belo Monte. No trecho abaixo, o
MXVPS nomeia Belo Monte como fantasma, algo nefasto que amedronta os moradores de
Altamira há anos e que trará impactos negativos ao município, como milhares de migrantes.
O tom eloquente e enfático que alerta para a fragilidade de Altamira é evidente: O que será de
Altamira?, que não estaria preparada para comportar a Usina. As melhorias prometidas pelo
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governo federal não foram cumpridas e a situação de carência do município continua
exatamente a mesma porque absolutamente nada foi feito.
E agora, o fantasma de Belo Monte, que trará no seu rastro milhares de
trabalhadores migrantes em busca de oportunidades de trabalho, ronda o
município. O que será de Altamira? Em outubro, ao analisar os
compromissos assumidos pelo governo e pelas empresas que querem fazer a
usina, o Ministério Público Federal obteve documentos que comprovam que
a situação relativa à saúde, educação e saneamento continua exatamente no
“marco zero”. Absolutamente nada foi feito desde que o Ibama concedeu a
Licença Prévia à obra sob a condição de que a cidade estaria preparada para
seus impactos (Xingu Vivo para Sempre, 04/11/2010, Seção Notícias).
Tratando-se de um meio de comunicação privado no qual não se pode constatar o
combate direto de possíveis discursos concorrentes, o Movimento silencia qualquer discurso
que possa reforçar a viabilidade da hidrelétrica, a possível geração de empregos,
investimentos na infraestrutura, na educação e no serviço de saúde dos municípios da Região
Xingu. O MXVPS declara um discurso no qual assume a responsabilidade sobre o que
publica, a fim de mostrar ao leitor que tem a última palavra. Isso é possível porque o meio de
comunicação, no caso o sítio, e as notícias, são produzidos pelo próprio coletivo de ONGs. Na
construção de seu discurso, o Movimento usa também a ironia, a partir de questionamentos
que desvalorizam qualquer proposição capaz de permitir a construção de sentido positivo a
respeito da Usina, como veremos a seguir
Se o Brasil quisesse tirar hoje seus pobres e indigentes da miséria, teria de
gastar com esta parte da população mais R$ 21,3 bilhões ao ano – em cima
dos R$ 13,4 bilhões do Bolsa Família, segundo cálculos do Centro de
Políticas Sociais da FGV (informa neste domingo, 14.11.2010, a Folha de
São Paulo). Belo Monte custaria, por baixo, entre 19 e 30 bilhões, com cerca
de 80% deste valor advindo de fontes financiadoras públicas e fundos de
pensão. Posto isso, se pudéssemos escolher, o que seria? Belo Monte ou a
erradicação da pobreza no Brasil? (Xingu Vivo para Sempre, 14/11/2010,
Seção Notícias).
Na análise dos 22 textos publicados na seção de Notícias, verifica-se que o discurso
favorável à Usina defendido por instituições do governo federal e aliados (Eletrobras,
Consórcio Norte Energia S/A, Advocacia Geral da União e bancos) é, na maioria das vezes,
denegado e excluído pelo Movimento Xingu Vivo. Eles são apenas citados nos textos para
receberem críticas, além de qualificados como opositores daqueles que defendem os direitos
das populações residentes nas áreas a serem afetadas negativamente pelo projeto da
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hidrelétrica. No trecho extraído de AGU interfere novamente e adia julgamento de ação
contra Belo Monte, averigua-se o uso das palavras ameaçado, retiraria e impediram, além da
expressão criar obstáculos como uma estratégia discursiva que reforça a imagem da AGU
como antagonista à tentativa dos moradores do Xingu em lutar pela sobrevivência, que estaria
em risco com a construção de Belo Monte.
Anunciado há um mês, o julgamento foi ameaçado na última sexta-feira, 19,
quando a Advocacia Geral da União (AGU) comunicou que retiraria a
questão da pauta. De fato, nesta segunda, em mais uma ação para criar
obstáculos ao cumprimento legal das premissas constitucionais para a
construção da usina, a AGU apresentou três pedidos formais que impediram
o julgamento de mérito da Ação Civil Pública do MPF (Xingu Vivo para
Sempre, 23/11/2010, Seção Notícias).
O Movimento também destaca nos textos aspectos negativos do empreendimento,
incluindo impactos ambientais e sociais grandiosos a serem provocados pela hidrelétrica,
entre os quais o alagamento de municípios como Altamira a partir da instalação das barragens
na Volta do Rio Xingu. O MXVPS ainda lança a dúvida sobre a concretização do projeto.
Professores de engenharia ligados à Universidade Federal do Pará fizeram na
última semana, a pedido do Ministério Público Federal, medições em
Altamira para determinar quais áreas da cidade ficarão submersas na época
da cheia, se as barragens da usina de Belo Monte forem mesmo construídas.
Um dos reservatórios da usina será em frente à sede do município, que é
banhada pelo rio Xingu (Xingu Vivo para Sempre, 18/10/2010, Seção
Notícias).
É perceptível no discurso proferido pelas entidades do MXVPS o destaque dado às
riquezas naturais presentes na região Xingu, o que evidencia a interdiscursividade com os
discursos de perfil socioambientalista já propagados. No texto Xingu, um símbolo da
diversidade biológica e cultural brasileira, como o próprio título sugere, são evidenciados
aspectos naturais grandiosos como a extensão do Rio Xingu, bem como a excepcionalidade da
localização da bacia hidrográfica homônima, composta por diversas áreas de proteção
ambiental. Os índios são considerados como parte integrante da natureza.
Ao longo de seus 2,7 mil quilômetros, o Rio Xingu corta o nordeste do Mato
Grosso e atravessa o Pará até desembocar no rio Amazonas, formando uma
bacia hidrográfica de 51,1 milhões de hectares (o dobro do território do
Estado de São Paulo) que abriga trechos ainda preservados do Cerrado, da
Floresta Amazônica e áreas de transição. A Bacia do Rio Xingu é única no
planeta: mais da metade de seu território é formada por áreas protegidas.
São 27 milhões de hectares de alta prioridade para a conservação da
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biodiversidade, abrigando 30 Terras Indígenas e 12 Unidades de
Conservação (Xingu Vivo para Sempre, 14/10/2010, Seção Notícias).
O discurso da entidade coletiva ainda se sustenta nas declarações de parceiros e até
mesmo de instituições ora concorrentes, ora aliadas, como o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), socialmente reconhecido como dotado de
legitimidade e legalidade. No fragmento abaixo, utiliza-se o parecer técnico do Ibama para
ratificar a ideia de que a UHE de Belo Monte trará consequências nocivas para a Região
Xingu, no Pará.
Diversas irregularidades marcaram o processo de licenciamento ambiental,
culminando com a emissão da licença prévia (LP) pelo IBAMA no dia 01 de
fevereiro de 2010, contrariando o parecer técnico 06/2010 da equipe de
analistas ambientais do próprio órgão, emitido no dia 29 de janeiro,
afirmando “não haver elementos suficientes que atestem a viabilidade
ambiental de Belo Monte”. Diversos problemas são apresentados pela
equipe técnica: eutrofização das águas nos canais e reservatórios tornando
a água podre nestes locais; o ressecamento do rio num trecho de 144 km na
Volta Grande, devido a liberação de uma quantidade insuficiente de água,
tornando inviável a navegabilidade e a manutenção da vida aquática, da
pesca e do modo de vida das populações ribeirinhas e indígenas;
proliferação de insetos vetores de doenças como a malária, leishmaniose e
outras, etc (Xingu Vivo para Sempre, 14/10/2010, Seção Notícias).
O MXVPS emprega o discurso do parecer técnico do Ibama em outro texto do sítio
como se tivesse sido produzido, originalmente, pelas próprias ONGs. Ele apela ao público
visitante para acreditarem que Belo Monte é realmente ruim aos que vivem nos municípios
margeados pelo rio Xingu. No trecho abaixo, o Movimento realiza a apropriação discursiva,
anteriormente explanada, por meio do grifo em itálico feito pelo próprio coletivo.
Em parecer datado de 5 de outubro, técnicos do Ibama, após analisarem o
cumprimento das condicionantes da Licença Prévia e a solicitação de
Licença de Instalação para Instalações Iniciais do Consórcio, concluíram que
“o não cumprimento das condicionantes da Licença Prévia, bem como a não
realização das ações antecipatórias necessárias à preparação da região para
receber o empreendimento, não fornecem condições necessárias para o
empreendimento começar a se instalar na região. Desta forma, não é
recomendada a emissão de Licença de Instalação para as instalações
iniciais do AHE Belo Monte” (grifo nosso) (Xingu Vivo para Sempre,
16/11/2010, Seção Notícias).
Também se constata a forte presença do Ministério Público Federal (MPF),
representado pelo procurador da República Felício Pontes Júnior, como uma estratégia capaz
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de conquistar simpatizantes na luta contra Belo Monte. O MPF é legitimado como órgão do
Poder Judiciário fiscalizador do cumprimento das leis pelos órgãos públicos e pela sociedade
na esfera federal do Brasil. Dos 22 textos analisados, verifica-se a citação da sigla MPF em 13
deles, sendo que em três desses textos ocorre a valorização do procurador da República
Felício Pontes, apresentado como um indivíduo com muita credibilidade, um representante do
Poder Judiciário sempre a trabalhar pelos mais fracos da Amazônia. Internautas entrevistam
Felício Pontes Jr. é um exemplo de como o Movimento Xingu Vivo utiliza a boa reputação
do procurador como estratégia de combate contra seus concorrentes na disputa discursiva,
buscando validar a ideia de inviabilidade da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O substantivo
procurador é com p maiúsculo, o que valoriza ainda mais a sua posição social.
O Procurador da República Felício Pontes Jr., do MPF do Pará, participou
em 9 de novembro do primeiro Chat Xingu Vivo, um espaço de interação
virtual e em tempo real onde especialistas envolvidos com o processo de
construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. (…) responsável por várias
ações civis movidas contra o governo para tentar barrar Belo Monte, a
atuação de Felício junto às comunidades indígenas, ribeirinhas e à
população de Altamira é uma das principais armas para impedir que o
projeto atual, cheio de irregularidades e atropelos da legislação, continue a
ser levado à frente sob a anuência do Ibama (Xingu Vivo para Sempre,
11/11/2010, Seção Notícias).
Outro trecho extraído do texto informativo Chat Xingu Vivo: Procurador da
República conversa sobre problemas de Belo Monte aponta as qualidades profissionais do
procurador, o qual está investido de poder legal e outros atributos que o qualificam como
alguém capaz de questionar e de receber votos de credibilidade por parte daqueles que
acessam o sítio do MXVPS.
Paraense de Belém, Felício de Araújo Pontes Jr. é Procurador da República
há 13 anos. Formado em Direito pela Universidade Federal do Pará, é
mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Iniciou a carreira como advogado
do Centro de Defesa de Direitos Humanos do Rio e, posteriormente, como
Oficial de Projetos da Organização das Nações Unidas, em Brasília (Xingu
Vivo para Sempre, 05/11/2010, Seção Notícias).
Em várias ocasiões, o Xingu Vivo adota uma postura de defensor dos direitos de
indígenas, ribeirinhos e demais habitantes das áreas envolvidas no projeto hidrelétrico. Esta
postura é manifestada de forma até agressiva, como foi possível verificar em Cartas a Dilma
e Serra pedem posicionamento sobre Belo Monte. As entidades que compõem o MXVPS
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assumem o título de defensoras, sem justificá-lo, por se apresentarem dotadas de legitimidade
para representar as prováveis vítimas da Usina e para desqualificarem as informações do
governo federal quanto à realização de debates sobre o futuro dos 11 municípios do Xingu
após Belo Monte. Quando utiliza as declarações de indígenas, pode sensibilizar o público
leitor para o drama das comunidades tradicionais, as quais serão as principais vítimas das
inundações provocadas pelas barragens. O governo federal é acusado de astúcia e engano
quanto ao atendimento das expectativas dos povos da floresta.
Mais uma vez GRITAMOS que não fomos ouvidos, e denunciamos a
manobra mentirosa da FUNAI, IBAMA, ELETRONORTE, ELETROBRÁS
quando de má fé e por ocasião do componente indígena estiveram em nossas
aldeias fazendo estudos antropológicos e apresentação do projeto Belo
Monte, ao afirmarem que não estavam realizando as oitivas, que neste caso o
congresso nacional viria ouvir todos os povos indígenas da região. No
entanto fomos surpreendidos com as declarações do governo afirmando que
já havia realizado as oitivas dos povos indígenas. Denunciamos tal crime e
pedimos providências urgentes (Xingu Vivo para Sempre, 27/10/2010,
Seção Notícias).
Considerações finais
A partir dos 22 textos informativos de seu sítio eletrônico, o MXVPS tem a
possibilidade de publicar seu próprio discurso, não concorrendo, diretamente, como nas
mídias tradicionais, com os discursos elaborados por instituições do governo federal,
empresas eletrointensivas, construtoras nacionais e internacionais que acreditam na
viabilidade social, econômica e ambiental da UHE de Belo Monte. Os textos são marcados
pela defesa dos direitos das populações consideradas excluídas dos processos decisórios na
Amazônia, além de terem caráter socioambientalista, originário das disputas discursivas
historicamente travadas na própria região amazônica. O MXVPS assume a postura de sujeito
representante dessas populações, ainda que em seus textos não sejam vistas declarações dos
representados pelas entidades, com exceção de apenas um deles. Este último aspecto deveria
ser superado, concedendo-se mais espaço a entrevistas com ribeirinhos, indígenas e
moradores a serem atingidos pelas obras da hidrelétrica. O ideal seria não apenas privilegiar
declarações do Poder Judiciário e de pesquisadores que destacam, principalmente, aspectos
ambientais em suas informações, conforme foi constatado na maioria dos textos, esquecendo
de se ressaltar as expectativas dos habitantes da Região Xingu.
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Verifica-se a intenção de invalidar qualquer afirmação favorável à construção da
futura hidrelétrica, muitas vezes de forma autoritária, irônica, demasiadamente eloquente,
capaz de causar más impressões nos leitores e sentidos bem diferentes da proposta do
Movimento. O sítio eletrônico, apesar de proporcionar a divulgação livre das ações do
MXVPS, não pode ser utilizado isoladamente como único meio de comunicação do coletivo
na tentativa de ganhar simpatizantes à causa contra Belo Monte. A Internet, mesmo que
possibilite a livre visibilidade a agentes e instituições sociais, precisa ser empregada em
conjunto com outros meios mais populares, como TV, rádio e jornal, até mesmo para a
divulgação da própria existência do sítio. Nem todos os brasileiros têm acesso à Rede
Mundial de Computadores, inclusive na Amazônia e na Região Xingu do Pará, o que impede
o conhecimento por parte de um número maior de pessoas do discurso contestatório elaborado
pelo Movimento.
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Movimento Xingu Vivo para Sempre e o Discurso da Contestação