SIMULAÇÃO FÍSICA E NUMÉRICA DO FORJAMENTO A FRIO COM MATRIZES CÔNCAVAS Odair José dos Santos(01) Jánes Landre Jr.(02) Paulo Roberto Cetlin(03) As operações de forjamento a frio, dentro dos objetivos da manufatura, vem ganhando proeminência, sobretudo na fabricação de fixadores mecânicos. Isto porque apresentam uma série de vantagens principalmente do ponto de vista de sequenciamento da produção, com a minimização da perda de material, obtenção de altas taxas de utilização das instalações de produção e ainda redução do impacto ao meio ambiente. Nesse caso, tal processo torna-se interessante porque, além de conferir as características demandadas acima, ainda garante ao material um aumento de sua resistência mecânica, decorrente do encruamento. No entanto, dois aspectos limitam o uso dessa tecnologia: o desgaste das matrizes e as eventuais trincas do produto oriundas da operação. Partindo disso, nesse trabalho estudou-se a formação de trincas no forjamento a frio com matrizes côncavas Foram utilizadas duas metodologias: a simulação numérica através de modelagem via método dos elementos finitos e a simulação física, utilizando plasticina como material modelo. O objetivo da utilização das mesmas foi realizar uma comparação entre os resultados obtidos por cada um dos métodos na formação de trincas. Os resultados obtidos foram razoáveis, uma vez que os potenciais pontos de fratura observados na simulação numérica remitiam aos principais tipos de trincas observados na simulação física. Palavras-chave: Forjamento a frio, simulação física, simulação numérica, trincas ____________________________________________________________________________ Contribuição técnica a ser apresentada no 14º CBECIMAT –Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais, São Pedro, SP, 03 a 06 de Dezembro de 2000 (01) - M.Sc, Engenheiro Metalurgista, Aluno do Curso de Pós-Graduação em Engenharia Metalúrgica e de Minas, Escola de Engenharia - UFMG, Belo Horizonte - MG. (02) - M.Sc, Prof. Adjunto do Departamento de Engenharia Mecânica da PUC-Minas, Aluno do Curso de Pós Graduação em Engenharia Metalúrgica e de Minas, Escola de Engenharia – UFMG, Belo Horizonte - MG. (03) - Dr., Professor Titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Escola de Engenharia - UFMG, Belo Horizonte - MG. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35701 1- Introdução A fabricação de produtos metálicos via deformação plástica apresenta uma série de vantagens com relação às operações de usinagem. Há economia de material e aumento de resistência mecânica resultante do encruamento, principalmente nas operações de conformação a frio(1). No entanto, a deformação plástica pode acarretar trincas no produto levando à inutilização do mesmo. No caso das operações de forjamento a frio, sobretudo as relacionadas à fabricação de componentes metálicos de fixação, esse problema pode atingir grandes dimensões, tornando importante sua investigação(1,2,5). Este artigo mostra os resultados obtidos nas simulações física e numérica do forjamento a frio com matrizes côncavas , no tocante à geração dessas eventuais trincas. 2-Revisão Bibliográfica A atual busca de uma menor quantidade de refugos e dispêndio de energia faz com que as indústrias de conformação mecânica procurem a cada dia um melhor entendimento das variáveis que governam a sua produção. Com esses objetivos, o uso de alternativas de simulação de processos são, de forma quantitativa e qualitativa, métodos que visam nortear a variação de determinados parâmetros de processo e avaliar a sua influência no mesmo. A simulação de processos, no caso do forjamento em geral, tem como principais objetivos: assegurar um total preenchimento da matriz,evitar quer se excedam os limites de processamento a fim de se prevenir defeitos e melhorar a qualidade da peça e a sua complexidade, reduzindo, ao mesmo tempo os custos de produção.Tomando isso como base, duas alternativas de metodologias para a simulação de processos têm sido usadas: a simulação física e a numérica. A simulação física consiste em reproduzir o processo real em escala reduzida, ampliada ou em grandeza verdadeira, normalmente envolvendo a substituição do metal-base a ser conformado, por uma material modelo que possua alguma similaridade com o mesmo(3). CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35702 Por outro lado, a simulação numérica envolve a elaboração matemática do processo em questão envolvendo dados pertinentes às propriedades dos materiais envolvidos, condições de atrito e temperatura e sobretudo o processo de deformação(5). Como resultados da simulação física são obtidos os defeitos – trincas, falta de preenchimento, etc- que possam vir a surgir no material e podem ser observadas tendências de fluxo. Na simulação numérica são obtidas as distribuições de tensões e deformações, as tensões efetivas e os perfis de danos (possíveis locais para a ocorrência de fraturas) (5). 3-Técnicas Experimentais 3.1-Simulação física 3.1.1- Material modelo e matrizes O material escolhido como material modelo para a simulação física foi a plasticina. É um dos materiais mais empregados nos processos de modelamento físico de operações de conformação mecânica e reúne determinadas características importantes tais como: fácil aquisição e confecção; barata e atóxica; deforma-se a baixas cargas à temperatura ambiente e suas propriedades podem ser alteradas com facilidade, de forma que é possível simular processos de materiais-base diferentes(1). A composição de plasticina é muito variável, podendo compor-se de uma mistura de ceras, vaselina, cal e carbonato de cálcio. A plasticina usada neste trabalho foi uma mistura de carbonato de cálcio e vaselina na proporção de 2,5:1 em peso(2,5). Para a realização dos ensaios foram usadas matrizes côncavas, cuja configuração geométrica foi baseada no trabalho de Matilde[2], conforme mostra a figura 1 abaixo, onde: f é o maior diâmetro da matriz; d é o menor diâmetro da matriz, h é a profundidade da matriz e φ é o ângulo de conicidade da matriz. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35703 14,90 mm 13,00 mm 15 mm d Matriz Superior h φ f Corpo de prova Matriz Inferior Figura 1: Desenho esquemático do ensaio de recalque com matrizes côncavas evidenciando a configuração geométrica das mesmas. As dimensões das matrizes são apresentadas na tabela I abaixo: Tabela I: Dimensões das matrizes para forjamento de plasticina Matriz 1 2 3 4 5 6 φ (grau) d (mm) h(mm) 10 5 20 10 10 15 10 15 10 10 20 5 42 20 5 65 10 5 f(mm) 12,2 15,4 18,6 21,8 29 31,5 3.1.2- Corpos de Prova Os corpos de prova de plasticina usados nas operações de forjamento eram cilíndricos com 33 mm de diâmetro e 42 mm de altura, confeccionados por extrusão, conforme mostrado na figura 2 a seguir. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35704 Corpo de prova camisa para extrusão punção de extrusão Figura 2: A matriz de extrusão e o corpo de prova de plasticina 3.1.3-Técnica de Ensaio 3.1.3.1-Simulação Física Forjaram-se os corpos de prova com as diferentes matrizes até o aparecimento de uma primeira trinca e verificou-se o tipo de trincas formadas. Os ensaios foram realizados em triplicata para cada material e estabelecidas condições padrão de ensaio de temperatura da amostra de 20°C e velocidade de deslocamento de 5mm/min, usando talco como lubrificante. Neste caso, o coeficiente de atrito apresenta um coeficiente de atrito de 0,25[3]. Após o recalque foram avaliadas a redução de altura e o tipo de trincas formadas, de acordo com a classificação proposta por Okamoto[4] a partir de ensaios de forjabilidade conforme mostra a figura 3 . Trincas α Externas e longitudinais Trincas β Internas e longitudinais Trincas γ Internas e longitudinais Trincas ε Internas e transversais Trincas δ Internas e longitudinais Trincas η Internas e radiais Trincas λ Trincas µ Figura 3: Alguns exemplos de trincas unitárias CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35705 3.2-Simulação numérica Para a simulação numérica do forjamento utilizou-se o software DEFORM, que é um programa que utiliza o método de elementos finitos para estudos de problemas relacionados à deformação plástica de materiais. O software DEFORM é composto de 3 etapas: • pré-processamento: onde são carregadas a geometria do problema, as condições de contorno, os parâmetros de simulação, as equações constitutivas dos materiais e as variáveis de processamento; • processamento; • pós-processamento Assim, usando o software DEFORM e carregando o seu pré-processador com a geometria do problema ( ilustrada na figura 4 para um caso) e com as equações constitutivas do material, optou-se por deformar os corpos de prova a 40% de altura e determinar seus perfis de isodanos . Os locais de máximo dano são pontos potenciais de fratura dos materiais. Figura 4: Geometria do problema carregada no pré-processador do software DEFORM Os parâmetros de simulação usados foram estabelecidos para reproduzir as mesmas condições do ensaio físico, sendo eles: Velocidade de deslocamento da matriz superior (matriz côncava): 5 mm/min Equação constitutiva do material: plasticina: σ=0,06ε0,36(MPa) (5) CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35706 Número de incrementos: 200 Número de elementos na malha: 1000 Remalhamento: Automático Deslocamento da matriz por incrementos: 0,2 mm Critério de convergência: Newton/Raphson 4-Resultados e Discussão Inicialmente foram feitos recalques na plasticina e encontrados tipos de trincas que receberam uma nomenclatura própria, conforme pode ser vistas esquematicamente na figura 5[5]. α2 ε α1 Figura 5: Tipos de trincas encontrada no forjamento da plasticina com matrizes côncavas Os resultados para a plasticina são mostrados nas tabelas II e a seguir. Tabela II: Tipo de trincas e grau de redução no recalque com as matrizes côncavas para plasticina Matriz Corpo de prova 1 Corpo de prova 2 Corpo de prova 3 1 2 3 4 5 6 Trincas α1 e= 14,29% Trincas ε e= 16,67% Trincas ε e α2 e= 14,29% Trincas ε e α2 e= 9,52% Trincas ε e α1 e= 7,14% Trincas α2 e= 16,67% Trincas α2 e ε e= 19,04% Trincas ε e= 11,90% Trincas ε e α2 e= 9,52% Trincas α2 e= 9,52% Trincas ε e α1 e= 7,14% Trincas α2 e= 16,67% Trincas ε e= 14,29% Trincas ε e= 16,67% Trincas ε e α2 e= 14,29% Trincas ε e= 11,90% Trincas α2 e= 7,14% Trincas α2 e= 16,67% CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35707 Os perfis de isodanos para cada matriz são apresentadas a seguir: Matriz 1 : Local de máximo dano Tipo de trincas prevista: ε Matriz 2 : Local de máximo dano Tipo de trincas prevista: ε CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35708 Matriz 3 : Local de máximo dano Tipo de trincas prevista: ε Matriz 4 : Local de máximo dano Tipo de trincas prevista: ε CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35709 Matriz 5 : Local de máximo dano Tipo de trincas prevista: ε Matriz 6 : Local de máximo dano Tipo de trincas prevista: ε CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35710 No caso da simulação numérica previu-se a ocorrência de trincas ε em todos os casos abordados. A comparação desta previsão com os resultados experimentais contidos na tabela II indica que trincas dos tipos α1 e α2 não foram previstas, para uma redução de altura de 40% do corpo de prova. Por outro lado, a localização esperada para as trincas do tipo ε corresponde adequadamente à realidade. 4-Conclusões Utilizando a simulação numérica como instrumento de simulação de processos, obtiveram-se resultados razoavelmente satisfatórios, já que em vários casos os potenciais pontos de fratura observados por essa metodologia nos remetem e confirmam àqueles obtidos no recalque com plasticina (simulação física). 5-Agradecimentos Os autores agradecem à CAPES e ao PRONEX (Programa de Núcleos de Excelência) o apoio financeiro concedido. 6-Referências Bibliográficas 1-OKAMOTO, T., FUKUDA, T., HAGITA, H., Material Fracture in Cold Forging- Systematic Classification of Working Methods and Types of Cracking in Cold Forging. The Sumitomo Search, no. 09, p.216-225, May 1973 2-MATILDE, S. A., Análise das Condições de Ocorrência de Trincas no Aço SAE 1006 e Plasticina Obtidas Através do Ensaio de Cone Truncado. Belo Horizonte: Escola de Engenharia da UFMG, 1998. (Dissertação, Mestrado em Engenharia Metalúrgica e de Minas).74p. 3-BODNAR, R. L., ROMENUS, D. C., BRAMFITT, B. L., e SHAD, D. C., Physical Modeling of Hot-Deformation Processes – Using Plasticine. Iron and Steel Society of AIME, Bethlehem, p35-46, August 1986. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35711 4-WONG, S. F., HODGSON, P.H., CHONG, C.-J.,THOMSON, P. F., Physical Modelling with Application to Metal Working, Especially to Hot Rolling. Journal of Materials Processing Technology, v.62, p. 260-274, February 1996 5-SANTOS, O.J., Trincas na Plasticina e no Aço SAE 1038D Esferoidizado no Forjamento com Matrizes Côncavas. Belo Horizonte: Escola de Engenharia da UFMG, 2000. (Dissertação, Mestrado em Engenharia Metalúrgica e de Minas).113p. Abstract The objectives of modern manufacturing involve: (a) operations sequencing with minimum material loss (b) reduction of delivery and stock delays (c) high utilization rates of industrial facilities (d) low environmental impact. Cold forging is particularly well suited in order to satisfy the above requirements, especially in the fasteners manufacturing field. In this case, an additional advantage of the process is the improvement of the mechanical properties of the material through work hardening. Two limiting aspects should however be considered: die wear and product cracking. In this work, the material cracking in one type of cold forging was studied. Two methods were used: physical simulation with plasticine and numerical simulation through finite elements. These simulations were performed in order to compare the results obtained in each method. The results showed some similarity, the cracking areas verified by numerical simulation agreed with those observed by physical simulation. Keywords: cold forging, physical simulation, numerical simulation, cracking CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 35712