Roteiros a pé com crianças próximos a São Paulo Projeto realizado com apoio: Roteiros a pé com crianças próximos a São Paulo *** Projeto e Edição São Paulo, janeiro de 2008 realização Narrativa Um – Projetos e Pesquisas de História direção de projeto, edição e redação Monica Musatti Cytrynowicz Roney Cytrynowicz pesquisa histórica Fabiano Quicoli (Roteiros 8 e 10) Monica Musatti Cytrynowicz roteiro assinado Fernando Vicente de Oliveira (Roteiro 9) design gráfico e editoração eletrônica Ricardo Assis (Negrito Produção Editorial) Ana Paula Fujita Grazielle Gomes da Veiga www.negritodesign.com.br ilustrações Veridiana Scarpelli fotografias Flávio Magalhães – ZRF Photos & Produções (Roteiros 1, 2, 8 e 10) Acervo Narrativa Um (Roteiros 3, 4, 5, 6, 7 e 9) revisão de texto Mariangela Paganini Editora Narrativa Um – Projetos e Pesquisas de História [email protected] www.narrativaum.com.br São Paulo, janeiro de 2008. roteiro 4 Paranapiacaba: história da ferrovia e do café no alto da Serra do Mar Paranapiacaba: história da ferrovia e do café no alto da Serra do Mar 33 34 Roteiros a pé com crianças próximos a São Paulo P aranapiacaba é uma pequena e simpática vila, com ruas de paralelepípedos e casinhas de madeira, no meio da mata da Serra do Mar. É muito agradável passear a pé por essa vila construída em estilo inglês há cem anos, uma viagem pela história de São Paulo, do café, da ferrovia e da presença inglesa na economia e cultura do Estado e do País. Se você já fez os passeios por Santos com este guia você deve lembrar da importância que a produção e o comércio de café tiveram para São Paulo e de que o produto era exportado através do porto de Santos. O café chegava em Santos por meio de uma ferrovia que ligava várias cidades – onde havia fazendas de café – à capital e dali, a partir da Estação da Luz, o trem descia para Santos. Pois esta pequena vila de Paranapiacaba foi fundada justamente para o funcionamento da ferrovia entre as cidades de São Paulo e a de Santos. O lugar onde está a vila é o melhor ponto, vindo da Estação da Luz, que os engenheiros encontraram para iniciar a baixada rumo ao litoral. E que baixada! Cerca de 10 km de uma descida bem íngreme, como você pode ver, olhando para baixo da Serra. E Paranapiacaba foi então fundada como moradia para engenheiros e trabalhadores que construíram a ferrovia e depois a fizeram funcionar. Esta foi a primeira ferrovia de São Paulo e quem teve a idéia e conseguiu a autorização do governo para construí-la foi o Barão de Mauá. Como ele não tinha todos os recursos para construir procurou sócios na Inglaterra, a capital das ferrovias na época, e, juntos, implantaram a São Paulo Railway. Como os diretores e muitos funcionários eram ingleses, ficou conhecida como “a inglesa”. Os ingle- Paranapiacaba: história da ferrovia e do café no alto da Serra do Mar 35 1A máquina do sistema funicular de 1867, quando inauguraram a ferrovia. ses dirigiram a companhia desde a inauguração em 1867 até 1946, quando a ferrovia foi encampada pelo governo e mudou seu nome para Estrada de Ferro Santos–Jundiaí. Ao chegar a Paranapiacaba, logo vemos a ferrovia, a bela torre com o relógio e uma pequena cidade que existe em torno dela, mas também trens passando, alguns vagões antigos enferrujados, trilhos dividindo a vila, a estação e o museu. É uma cidade ferroviária em todos os sentidos, da atmosfera aos trilhos e trens espalhados pela região. Vamos começar o nosso passeio pelo Museu Funicular. Mas se você tiver a sorte de fazer esta visita em um dia de sol, percorra antes a vila e deixe o museu para o final, porque a vila quase sempre está envolta em uma divertida neblina – que lhe dá um ar “inglês” – e o tempo muda rápido. O Museu Funicular tem esse nome em referência ao sistema que os ingleses construíram para que o trem pudesse descer e subir a Serra, que era muito, mas muito, íngreme. No Monte Serrat, em Santos, o bondinho usa este mesmo sistema, mas para um trecho bem curtinho, nada comparável aos 10 km da Serra do Mar. Como funcionava este sistema? O trecho de subida (e descida) foi dividido inicialmente em várias estações. Em cada uma das estações uma gigantesca máquina movida a vapor (energia disponível na época) puxava o trem por meio de um cabo de aço preso a uma 36 Roteiros a pé com crianças próximos a São Paulo locomotiva, com o curioso nome de “serra-breque” e, depois, “locobreque”. Ao chegar a cada uma das estações o cabo era solto e engatado à máquina da estação seguinte. Você pode ver duas destas enormes máquinas no museu. Uma é de 1867, quando inauguraram a ferrovia, e está em um galpão chamado “4ª Machina”. A outra, que data da ampliação da ferrovia em 1896, fica em um salão subterrâneo e é preciso descer uma escada para achá-la lá embaixo. Esta segunda máquina é ainda maior e mais impressionante, uma bela engrenagem com um design exuberante. A utilização de novas máquinas de tração dos cabos garantiu mais segurança e economia no transporte dos vagões. Nesta visita é possível compreender em detalhes como funcionavam estas máquinas, que, assim como o trem, eram movidas a vapor. E por falar em trem a vapor, do museu sai um passeio de maria-fumaça, curto mas bem divertido e promovido pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária – ABPF (a exemplo do que esta associação faz no Memorial do Imigrante, em São Paulo). A associação faz tudo para recuperar a época e a atmosfera, com condutores uniformizados, apitos e explicações que nos conduzem a uma viagem no tempo. 5A máquina fixa de 1896, com sua bela engrenagem e design exuberante. Paranapiacaba: história da ferrovia e do café no alto da Serra do Mar 37 1O passeio de maria-fumaça nos conduz a uma viagem no tempo. O museu mantém ainda outros equipamentos, como vagão funerário, um vagão que serviu D.Pedro II, locomotivas e vários equipamentos, placas de sinalização e fotografias que nos inserem no clima das ferrovias. No final da área do museu, onde existe uma pequena guarita elevada, pode-se, em um dia claro, ver Cubatão, olhando para baixo da Serra. E ter a dimensão da descida! Ainda deste local, olhando a linha de trem bem ao lado, pode-se ver a cremalheira, sistema que substituiu o funicular desde 1974 – no meio dos trilhos há um terceiro trilho dentado e nele vai encaixada uma roda dentada fazendo com que esta engrenagem segure o vagão na descida e na subida da serra – que está em pleno funcionamento, tracionando trens de carga para cima e para baixo. Como se organiza uma cidade Agora vamos passear pela vilazinha. Sugerimos um roteiro, mas, mais do que pontos específicos, o interessante é caminhar pelas calmas ruas de paralelepípedos e sentir aquela atmosfera diferente e especial em meio às construções de uma típica vila inglesa do início do século passado. É possível passear à vontade pelas simpáticas ru- 38 Roteiros a pé com crianças próximos a São Paulo azinhas, mas lembre-se que em algumas das casas vivem famílias. Outras casas se tornaram ateliês de arte, bares e pequenos restaurantes A São Paulo Railway precisava de muitos trabalhadores para manter a linha funcionando: maquinistas para dirigir os trens, foguistas para manter as caldeiras, ferroviários para organizar a passagem dos trens subindo e descendo, mecânicos para manter as máquinas fixas funcionando, operários para manter os trilhos em ordem e trabalhadores para todos os outros trabalhos necessários, além dos engenheiros e do diretor da empresa. E foi por isso que a empresa resolveu construir aqui uma cidadezinha para todas essas pessoas morarem. No começo a empresa construiu as casas perto da estação, que você pode conhecer subindo a Rua Direita, e que ficou conhecida como Vila Velha. Mas a partir de 1896, quando o movimento da ferrovia aumentou muito e era preciso mais trabalhadores, os ingleses resolveram fazer uma vila mais completa com mais casas, ruas, praça, clube, hospital, escola, mercado e assim por diante, uma cidade 1No alto da Serra do Mar, uma simpática vila, com ruas de paralelepípedos e casinhas de madeira. Paranapiacaba: história da ferrovia e do café no alto da Serra do Mar 39 bem organizada e planejada, desenhada primeiro no papel. Os ingleses fizeram as casas da forma como eles faziam na Inglaterra, inclusive com muitos materiais importados da Europa, como a madeira, por isso a vila ficou com este ar inglês – na vila brinca-se que eles trouxeram até a neblina – e com nome inglês: Vila Martim Smith. Entrando no Caminho do Mendes, chegamos à casa mais importante de toda a vila, onde morava o engenheiro-chefe da ferrovia. Ela fica no meio da vila e no alto de um morro e de lá se pode ver e vigiar tudo o que acontece. Por isso, os trabalhadores logo a apelidaram de Castelinho. Vale a pena entrar no hoje Museu Castelinho para ver a vista lá de cima. De cada quarto da casa se vê um trecho da vila: a ferrovia e a torre com o relógio, a estação, a Vila Velha, a Vila Martim Smith, a Vila Alta (do outro lado dos trilhos e que não pertencia à ferrovia) e Cubatão embaixo, ao pé da Serra. Além disso, dentro do museu estão expostas fotos antigas da vila, como as crianças na escola, a banda de música, o grupo de teatro e a antiga estação. Veja também objetos que sobraram da casa e da São Paulo Railway, alguns bem estranhos, como as botas de escafandro, que eram utilizadas para permanecer no fundo do rio e fazer consertos. Há também uma meticulosa ma5O Castelinho pode ser visto de qualquer lugar da vila. 40 Roteiros a pé com crianças próximos a São Paulo 1A bilheteria do Clube União Lyra-Serrano. quete da vila. Repare que existem casas de vários tamanhos, muitas geminadas e separadas só pelos jardins. É que no projeto dos ingleses cada categoria de trabalhador recebia um tipo de casa. Passeando pela vila você vai ver várias delas. Saindo do Castelinho e continuando pelo Caminho do Mendes se chega à praça onde está o antigo mercado. Se você andar um pouco pela Avenida Rodrigues Alves você vai ver as maiores casas da vila: casas amplas, com vários quartos, salas e varandas, construídas com paredes duplas e lareiras para proteger do frio no inverno. Era onde moravam os engenheiros. Bem em frente ao mercado fica o Cdarq, a sede de um centro de pesquisa e exposição muito bem organizado e montado, com maquetes e painéis que mostram os diversos projetos de casas, os materiais utilizados e as formas de construção das diferentes categorias de funcionários existentes na vila. As dos ferroviários, construídas em madeira, ainda podem ser vistas pela cidade. Da praça do mercado, seguindo à esquerda na Avenida Campos Sales em direção ao relógio e entrando na Avenida Schnoor, chegase à Casa Fox. Esta é uma das primeiras construções da Vila Martim Smith, do final do século 19. É uma construção para duas mo- Paranapiacaba: história da ferrovia e do café no alto da Serra do Mar 41 mais informações Horário: todos os museus e atrações estão abertos de 3ª a 6ª das 9 h às 16 h e sábados, domingos e feriados das 9 h às 17 h. Passeio de maria-fumaça: sábados, domingos e feriados das 10 h às 16 h. Ingressos: Museu Castelinho (R$ 2,00) e Museu Funicular (R$ 2,00). Cdarq, Clube Lyra e Casa Fox têm entrada gratuita. Como chegar: De carro a forma mais fácil é pela Rodovia Anchieta até a saída 29, contornar em direção a Ribeirão Pires e depois seguir as indicações (pela SP31 e SP122) até Paranapiacaba. radias, construída de uma madeira chamada pinho-de-riga trazida da Europa. Mas, além de trabalhar e estudar, o que faziam as pessoas que moravam aqui? Entre outras atividades, havia a Sociedade Recreativa Lyra da Serra, que oferecia aulas de música e uma banda que era responsável pela animação dos bailes, das festas e pela trilha musical das sessões de cinema, naquela época mudo. Depois a Lyra manteve também um grupo de teatro. Havia também um clube de futebol chamado Serrano, fundado em 1903. O futebol, aliás, football, foi trazido ao Brasil pelos ingleses e nesta época havia muito poucos clubes locais, ainda não éramos o “País do futebol”. O clube de futebol Serrano tem um campo de futebol na vila, que foi um dos primeiros do País com as medidas oficiais, do football association, um esporte jogado com campo e regras definidas e não mais uma brincadeira na rua. Na década de 1930 os dois clubes se uniram e fizeram uma sede. A sede do Clube União Lyra-Serrano pode ser visitada e para chegar lá você deve seguir pela Avenida Fox. Construída em madeira, com dois andares e pintada de cor clara, pode ser vista de longe. Tem um grande salão que era transformado em teatro, cinema ou salão de bailes. Conheça também o palco, o salão de jogos e uma sala de troféus – um deles marca a vitória do Serrano sobre o Corinthians em uma partida da década de 1920... 42 Roteiros a pé com crianças próximos a São Paulo