O CRONISTA DA AMÉRICA Ministério da Cultura apresenta Banco do Brasil apresenta e patrocina idealização Paulo Ricardo G. de Almeida FRANCIS FORD COPPOLA organização editorial Ana Rebel Barros Paulo Ricardo G. de Almeida produção editorial José de Aguiar Marina Pessanha O CRONISTA DA AMÉRICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – cip f818 Francis Ford Coppola : O Cronista da América / org. Ana Rebel Barros e Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida. Rio de Janeiro: voa!, 2015. 312 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. isbn 978-85-67153-01-8 1. Coppola, Francis Ford, 1939–. 2. Cinema – História e Crítica. 3. Cinema – Estados Unidos da América – História. I. Barros, Ana Rebel. II. Almeida, Paulo Ricardo Gonçalves de. cdd 791.430973092 cdu 791(092)(73) VOA ! Rio de Janeiro 1ª edição 2015 Ministério da Cultura e Banco do Brasil apresentam Francis Ford Coppola: O cronista da América, retrospectiva completa do premiado diretor, produtor e roteirista norte-americano. A mostra reúne os 24 longas-metragens que Coppola dirigiu, incluindo raros filmes do início de sua carreira e títulos consagrados como a trilogia O Poderoso Chefão. Formado pela Universidade da Califórnia, tornou-se um dos cineastas mais bem-sucedidos dos Estados Unidos e um dos precursores da chamada Nova Hollywood, que deu ênfase a produções mais autorais e introduziu outras técnicas e linguagens no cinema americano a partir da década de 1970. Ao realizar este projeto, o Centro Cultural Banco do Brasil reforça o seu apoio à arte cinematográfica e oferece ao público a oportunidade de conhecer as diversas faces do “padrinho” de uma geração de diretores. — centro cultur al banco do br asil CRÔNICAS EM MOVIMENTO O cinema projeta realidades permeadas de tramas simbólicas, que nos permite, dentre outras experiências, reexaminar nossa civilização. Assim, testemunhamos na grande tela as infindáveis formas de acessar as camadas sensíveis da complexa natureza humana, representada em dimensões distintas, por olhares inquietos que tentam desvendá-la. Nesse sentido, o roteirista, produtor e diretor Francis Ford Coppola desenvolveu sua obra, criando uma estética autoral. Iniciou sua filmografia na década de sessenta e fez parte da geração de diretores norte-americanos que participaram da Nova Hollywood (1967–1980), período em que conquistaram maior liberdade artística. Tal movimento foi influenciado pela propagação de Cinemas Novos em vários países, entre eles a Nouvelle Vague na França. Coppola fundou seu estúdio, projeto ambicioso que poucos diretores experimentaram. Nessa fase, inovou com um formato cinematográfico em série, composto por três partes, com O Poderoso Chefão. Seus trabalhos recentes são produções independentes nas quais explorou os limites da narrativa e as possibilidades estéticas, aproximando-se dos formatos digitais e 3d. Para trazer ao público um panorama da produção do diretor, o Sesc, em parceria com o Centro Cultural Banco do Brasil, realiza a mostra Francis Ford Coppola: O Cronista da América, a qual revela sua trajetória e homenageia os mais de cinquenta anos de sua carreira. Assim, a presente iniciativa possibilita às novas gerações serem apresentadas à poética cinematográfica de Coppola, bem como oportuniza, aos iniciados em sua obra, revê-la, movidos por outros olhares, com experiências decantadas pelo tempo, ascendendo fragmentos de memórias ou celebrando novas descobertas. — sesc são paulo ix APRESENTAÇÃO Para estabelecer a American Zoetrope em 1969 (com os amigos Walter Murch e George Lucas), Francis Ford Coppola pediu à Warner Brothers um empréstimo de 600 mil dólares. Com metade do dinheiro, Coppola adquiriu os mais modernos equipamentos de pós-produção e finalização na Alemanha. Com a outra metade, o jovem diretor se comprometeu a desenvolver e apresentar projetos para a aprovação do estúdio. Coppola levou para a Warner os roteiros de A Conversação (The Conversation, 1974), Apocalypse Now (1979) e Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973), bem como o material já filmado de thx-1138 (1971). O estúdio concordou em finalizar e lançar o primeiro longa-metragem de Lucas, mas rejeitou todos os roteiros. E mais: exigiu que a American Zoetrope devolvesse o empréstimo que eles tinham concedido à produtora. Atolado em dívidas, Coppola (que a esta altura vencera o Oscar de melhor roteiro por Patton: Rebelde ou Herói? [Patton, 1970]) seguiu o conselho do pragmático George Lucas e aceitou dirigir O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) para a Paramount. Apesar de todos os contratempos que envolveram as filmagens – sobretudo as disputas entre o diretor e o chefe do estúdio, Robert Evans –, a adaptação do best-seller de Mario Puzo arrecadou us$ 134 milhões em sua primeira exibição, recorde que seria batido no ano seguinte por O Exorcista (The Exorcista, 1973), de William Friedkin. Em meio à crônica depressão econômica da indústria cinematográfica no começo dos anos 70, faltou visão à Warner Brothers, que não apostou nos jovens diretores que saíam, pela primeira vez, das universidades: Coppola da ucla; Lucas, Murch e Milius da usc; Scorsese da nyu; Brian De Palma da Columbia. Ao exigir que Coppola pagasse o empréstimo, a Warner devolveu os direitos dos roteiros que rejeitara à American Zoetrope. A Conversação ganhou a Palma de Ouro em Cannes; Loucuras de Verão se tornou o maior blockbuster do cinema independente; xi xii e Apocalypse Now também venceu Cannes e foi um estrondoso sucesso de bilheteria, apesar dos estouros no orçamento e da atribulada produção. Apocalypse Now marcou o ápice do poder criativo e econômico de Coppola em Hollywood, o que o cineasta tentou capitalizar com a compra do General Studios e a fundação do Zoetrope Studios em 1980. Mas grandes produtores como David O. Selznick e Louis B. Meyer pertenciam ao passado, na medida em que as decisões sobre os filmes estavam, agora, nas mãos dos diretores de marketing dos conglomerados de mídia, dos quais os estúdios eram apenas a menor parte. O Poderoso Chefão foi, paradoxalmente, uma maldição e uma benção para Coppola. Embora sempre tenha desejado que sua carreira fosse pautada por pequenos filmes autorais, em que ele mesmo escrevesse o argumento, como em Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969) ou em A Conversação, a saga da família Corleone o levou para as grandes produções, em que, não sem motivo, acusaram-no de megalomaníaco. Mas, no alvorecer do século xxi, com as tecnologias digitais mostrando como o “cinema eletrônico” de Coppola as havia antecipado em vinte anos, o diretor finalmente retorna às obras pessoais e autobiográficas em Tetro (2009) e em Virgínia (Twixt, 2011). Francis Ford Coppola: O Cronista da América é a história do outsider dentro da indústria. Do cineasta que tratou Hollywood como Las Vegas (cenário de Do Fundo do Coração [One From The Heart, 1982]), apostou diversas vezes contra a banca, e perdeu. E que maravilhosa derrota! Ótima mostra a todos. — paulo ricardo gonçalves de almeida SUMÁRIO parte i parte ii O INÍCIO, ROGER CORMAN E A AMERICAN ZOE TROPE O AUGE DO PODER De Shows de Marionete a Demência: Os Primórdios de um Cineasta 20 American Zoetrope michael schumacher 52 michael schumacher Se a História nos Ensinou Alguma Coisa… Francis Coppola, a Paramount Pictures e O Poderoso Chefão 80 A Realização de O Poderoso Chefão 106 mario puzo Apocalypse Quando? michael schumacher 138 jon lewis parte iii parte iv O ZOE TROPE STUDIOS E DO FUNDO DO COR AÇÃO JU VENTUDE E RESSURREIÇÃO A Nova Hollywood jon lewis Dor de Crescimento: Vidas Sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta 174 230 EPÍLOGO Seja Ouro, Francis, Seja Ouro ana rebel barros e paulo ricar do g. de almeida jon lewis Ídolos do Rei: Vidas sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta 196 254 294 Noite Assustadora: Drácula de Bram Stoker 274 gene d. phillips david thompson e lucy gr ay gene d. phillips parte v Do Fundo Do Coração SEÇÃO DE FOTOS 302 sobre os autores 351 FILMOGR AFIA 334 créditos finais 352 parte i michael schumacher — fr ancis ford coppola, em uma carta para sua mãe Francis Ford Coppola, o segundo dos três filhos de Carmine e Italia Coppola, nasceu no Henry Ford Hospital em Detroit, Michigan, no dia 7 de abril, 1939. O irmão mais velho de Francis, August, que teve grande influência na vida do cineasta, nasceu cinco anos antes, em 16 de fevereiro, 1934, e sua irmã, Talia, que, sob o nome Talia Shire, viria a se tornar uma atriz de sucesso, chegaria em 1946. Francis recebeu seu nome do avô materno, Francesco Pennino, e do patrocinador de Ford Sunday Evening Hour, um programa de rádio que empregou Carmine Coppola como condutor assistente e arranjador musical. Depois que seu filho se tornou um cineasta internacionalmente famoso, Italia Coppola chegou a confessar um certo arrependimento por ter americanizado o nome do filho, uma vez que Francis parecia absolutamente identificado com sua ascendência italiana. Os pais de Coppola faziam parte de uma primeira geração de ítalo-americanos, filhos de imigrantes que haviam deixado a Itália em direção aos eua na virada do século xix para o xx. Grandes ambições e talento artístico corriam nas veias de ambos os lados da família. Francesco Pennino, um músico e compositor, trabalhou por um tempo como pianista de Enrico Caruso; seu neto o homenagearia usando um fragmento de uma de suas peças musicais, um melodrama chamado Senza Mama, em uma cena de O Poderoso Chefão, Parte ii (The Godfather, Part ii, 1974). Mas a principal contribuição de Pennino para a vida e a obra de Francis Ford Coppola foi seu entusiasmo pelo cinema: ele operou diversas salas de cinema na Grande Nova York e foi responsável por trazer alguns filmes silenciosos italianos para os eua. Ele tinha contatos na Paramount Pictures e chegou a receber uma oferta para trabalhar como compositor das trilhas dos filmes silenciosos do estúdio, mas, Pennino, por todo o seu amor pelo cinema, não queria nada com Hollywood. Augustino Coppola, o avô paterno de Francis, embora não fosse músico, encorajou toda a sua grande família a estudar música, e dois de seus filhos, Anton e Carmine, acabaram seguindo a carreira musical. Augustino trabalhava como maquinista e gabava-se por ter construído o primeiro sistema sonoro Vitaphone para a Warner Bros. Ele também foi imortalizado em uma cena de O Poderoso Chefão, Parte ii: um grupo de mafiosos locais aparece e exige que um armeiro lubrifique suas metralhadoras, o que este faz enquanto seu filho toca flauta ao seu lado. Na vida real, Augustino Coppola foi igualmente abordado por valentões de seu bairro – ele pôs óleo em suas armas enquanto Carmine estava por perto. “Quem é?”, os pistoleiros queriam saber. “Está tudo bem”, assegurou Publicado originalmente sob o título “From Puppet Shows to Dementia: A Filmmaker's Beginnings” em schumacher, Michael. Francis Ford Coppola: A Filmmaker's Life. Nova York: Crown Publishers, 1999. p. 3–34. Tradução de Julio Bezerra. Texto traduzido e publicado sob permissão do autor, 2015. 21 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e OS PRIMÓRDIOS DE UM CINEASTA “Querida mamãe. Eu quero ser rico e famoso. Sinto-me tão desmotivado. Não sei se isso se tornará realidade”. par te i DE SHOWS DE MARIONETE A DEMÊNCIA 23 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e fato aconteceu. Todas as noites, quando as crianças da família Coppola faziam suas orações, elas adicionavam um final, implorando a Deus “que conceda um refresco a papai”. A vida na família Coppola girava em torno da carreira tempestuosa de Carmine. Eles se mudavam bastante, mesmo na zona da Grande Nova York – de modo que Francis perderia a conta do número de escolas em que havia estudado. Ele era sempre o garoto novo da escola, sempre lutando para recuperar o atraso curricular, sempre um “outsider” – pelo menos até revelar aos seus colegas que seu pai era um solista para Toscanini; em seguida, ele se tornaria uma espécie de celebridade, um status que ele claramente apreciava. Segundo August Coppola, a carreira musical de Carmine teve uma influência sutil, porém decisiva, no desenvolvimento de seus filhos. “Nós fomos criados com um sentido de tempo musical, técnica e disciplina – uma estrutura musical”, lembra ele. “A maioria das pessoas é educada para ser consciente, sobretudo, a respeito do espaço. Nós estávamos cientes do tempo. Assim, enquanto as pessoas viviam um dia após o outro, nós vivíamos nota por nota. Era preciso haver uma frase, uma melodia – alguma coisa. Nós crescemos sob a técnica da música. Isso era tudo o que ouvíamos”. Para Carmine Coppola, a vida em torno do Radio City Music Hall era uma questão de trabalho, mas, para Francis, as incursões ocasionais por este reverenciado marco de Manhattan, a agitação nos bastidores, a presença do famoso Rockettes e os crescendos de parar o coração eram mágicos. No dia a dia, a vida na casa dos Coppola era tranquila. Embora certamente não fossem ricos, levavam uma vida confortável de classe média, que contrastava de forma significativa com a existência muito mais modesta de Carmine quando menino. Sempre que podia, Carmine trazia brinquedos e presentes para as crianças, e, quando adulto, Francis olharia para o período pós-Segunda Guerra em Nova York como alguns dos dias mais felizes de sua vida. Carmine nutria sentimentos ambivalentes sobre o sucesso, semelhantes aos que seu filho iria enfrentar muitos anos mais tarde como cineasta. Como músico contratado, Carmine pôde construir uma vida decente, mas nunca iria se transformar no tipo de artista que aspirava a ser; se abandonasse a rota mais segura em nome de seu sonho, enfrentaria a falência financeira – o maior dos fracassos em um país onde o sucesso é medido em dólares e centavos e posses de terra. Os sentimentos de Carmine, claro, não eram diferentes dos de qualquer artista sério tentando equilibrar arte e comércio, mas Carmine, como tantos filhos de imigrantes, havia sido educado no sonho americano e na ideia de que o sucesso servia como uma indicação de sua autoestima e merecimento. Era uma questão complexa, e não facilmente solucionável, pois enquanto ele honrava aqueles que alcançaram fama e fortuna através de muito trabalho, também tinha o mais profundo respeito por aqueles que par te i de shows de marionete a demência 22 Augustino Coppola. “Este é o meu filho. Não se preocupem. Ele está estudando flauta”. Quando Augustino terminou o serviço, os homens lhe deram dinheiro para a educação musical de Carmine. Evidentemente, o lado Coppola de sua família teve um grande número de personagens pitorescas em suas fileiras. Quando adulto, Francis se lembraria das diversas histórias que ouvia a respeito de seus antepassados – casos sobre roubos e assassinatos por “honra” e o tipo de caos que poderia se encaixar perfeitamente em um de seus filmes de O Poderoso Chefão. Contudo, a maior parte das histórias falava de pobreza e das lutas que os imigrantes italianos enfrentaram para viverem decentemente no novo país. A juventude de Carmine Coppola não tinha sido nada fácil. Ele era canhoto e, como muitas crianças canhotas naquela época, teve de suportar as palmadas em sua mão dadas por adultos e professores bem intencionados que tentavam “converter” os jovens a escreverem com a direita. Além disso, Carmine gaguejava, condição que o fez sofrer algumas experiências humilhantes em sala de aula. Aprender a tocar flauta tornou-se um meio urgente de expressão. A flauta também marcou os momentos mais emocionantes de sua jovem vida. “Meu pai era muito ligado a seu irmão mais velho, Archimedes”, lembra Talia Shire. “Eles tinham mais ou menos um ano de diferença, e meu pai o amava demasiadamente. Quando Archimedes entrou para o jardim de infância, meu pai se tornou tão incontrolável que eles não podiam ser separados, de modo que o professor foi sensível o suficiente para deixar Carmine Coppola sentar-se de fraldas no fundo da sala e cursar todo o jardim de infância com seu irmão mais velho”. Quando, aos dezessete anos, Arquimedes estava no hospital à beira da morte, meu pai tocava flauta desesperadamente para ganhar alguns trocados para arcar com as transfusões de sangue. Meu pai visitou seu irmão no hospital, e Archimedes disse: ‘Carmine, você tem um dom. Será que você pode tocar para mim?’ Então, meu pai trouxe sua flauta e tocou para ele. Foi devastador.” Carmine estudou flauta com uma bolsa da Julliard, e saiu-se bem o suficiente para receber ofertas de trabalho em orquestras de prestígio, incluindo a Orquestra Sinfônica de Detroit. Não muito tempo depois do nascimento de Francis, Carmine foi contratado pela Orquestra Sinfônica da nbc em Nova York, onde tocou como primeiro flautista para Arturo Toscanini – uma posição que teria orgulhado qualquer músico no país. Carmine, no entanto, tinha grandes aspirações. Ele queria escrever todos os tipos de música possíveis – canções e músicas sérias, talvez até um ou dois musicais para a Broadway – e os seus 10 anos com a Orquestra Sinfônica da nbc foram marcados por muita insatisfação e a incapacidade de fazer sucesso por conta própria. Ele trabalhou cuidadosamente para estabelecer o tipo de conexões que esperava serem úteis, mas nada de sua carreira” acabou levando-o a um dos episódios mais bizarros de sua juventude. Ele tinha 14 anos de idade e trabalhava durante o verão para a Western Union quando inventou a existência de um telegrama, supostamente escrito pelo diretor musical da Paramount Studios, que convidava Carmine a compor a trilha sonora dos próximos filmes do estúdio. Tudo o que Francis queria era ver seu pai feliz, e, por um breve momento, ele conseguiu. “Chegou a minha hora! Chegou a minha hora!”. Carmine gritou quando recebeu o telegrama falso, acenando-o para todos os lados. Pouco tempo depois, ele foi ao chão quando seu filho lhe contou a verdade. 2. 25 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e Ainda menino, Francis teria seus próprios problemas com aquilo que seus pais chamavam de sucesso. Seu irmão mais velho provava ser o sonho dos pais. Augie era inteligente, bonito e popular, e parecia destinado a conseguir grandes coisas. Italia Coppola fazia questão de comparar seus filhos – algo que poderia ter sido devastador para alguém como Francis, que não gostava de seu nome (em sua opinião, aquele era um nome de menina), se sentia desengonçado e amaldiçoado por um lábio inferior muito grande, e que se esforçava para alcançar a média na escola. Para Italia, “Francie”, como ela o chamava, era “o mais afetuoso da família”, enquanto Tally era “a bela” e Augie, “o brilhante”. Contudo, ao invés de se ressentir de Augie e se tornar competitivo em relação a ele, o que poderia facilmente ter evoluído para uma clássica rivalidade entre os dois, Francis queria ser igual ao irmão. “Ele era a estrela da família”, lembra Francis, “e quase tudo o que eu fazia, fazia-o para imitá-lo. Queria parecer com ele. Queria ser como ele. Cheguei até mesmo a pegar alguns de seus contos e apresentá-los como se fossem meus quando passei a ter aulas de redação na escola… Eu diria que o amor pelo meu irmão formou, em grande parte, o que eu sou”. “Augie abria uma trilha interessante”, acrescentou Talia Shire, “mas ele compartilhava esta trilha com os irmãos. Francis se beneficiou com isso”. Francis tinha sorte. Augie não se ressentia por ter um irmão cinco anos mais novo que vivia ao seu lado, perturbando-o. Muito pelo contrário. Augie pôs Francis sob suas asas, e não apenas permitia que ele o acompanhasse em suas andanças pela cidade, como também o levava ao cinema, ajudava-o com o dever de casa, aconselhava-o sobre como se vestir, como atrair as meninas, e, sobretudo, encorajava-o a florescer em seus próprios termos; os dois viveram anos juntos no mesmo quarto. Francis, uma criança sensível, ficou profundamente tocado pela bondade de seu irmão, e, ao longo de sua vida, o reverenciaria. Os profundos laços familiares teriam um forte efeito sobre Francis quando, adulto, alcançou grande riqueza e aclamação, deixando-o às voltas com sentimentos mistos sobre suas realizações e as de seu pai e de seu irmão. Devido à sua posição, Francis podia – e assim o fez – ga- par te i de shows de marionete a demência 24 se arriscavam, pelos inovadores. O montador automobilístico Preston Tucker, com seus projetos arrojados para um carro mais seguro e eficiente do que os que eram construídos pelas “big three” (General Motors, Ford e Chrysler) de Detroit, era um de seus heróis. “Meu pai se interessava por esse tipo de coisa. Comprou uma televisão Motorola em 1946 e um gravador da Eicor”, lembra Francis. “Ele ouviu sobre o projeto do Tucker e aquilo o deixou fascinado… Ele passou a acompanhar Tucker, nos mostrava reportagens e revistas sobre o carro, e, finalmente, chegou a investir us$ 5000. Ele ainda convenceu seus dois irmãos a investir, e, em seguida, encomendou um Tucker”. O entusiasmo de Carmine contaminou seu filho, e Francis estava em êxtase quando seu pai o levou ao salão do automóvel em que um Tucker estava sendo exibido. Ele esperava ansiosamente pela chegada do Tucker da família, o que, contudo, jamais aconteceria. “Eu tinha oito anos e continuava a perguntar-lhe: ‘Quando chegará o nosso?’ Eu via o Tucker e acreditava se tratar de uma espécie de foguete. Não podia aceitar o fato de que ele não seria feito”. Tampouco Carmine. Ele não somente havia perdido um considerável investimento, como também tinha aprendido uma lição sobre rejeição e o sonho americano. Com o tempo, Carmine foi ficando cada vez mais amargo no que concerne ao progresso de sua carreira e ressentido em relação àqueles que, embora tivessem menos talento, conseguiram um sucesso maior do que o dele. A vida não era justa. Dizem que um dia, tomado pelo sentimento de frustração, correu para o quintal e ameaçou pôr fim em sua carreira colocando a própria mão no cortador de grama. Décadas mais tarde, seu filho contestou a veracidade dessa história, embora admitisse que estava intrigado com o simbolismo daquilo que Carmine disse que havia realmente acontecido. “Meu pai estava com o coração partido no que diz respeito à trajetória de sua carreira”, disse Francis. “Ele estava tentando desistir da flauta e concentrar-se na composição, na condução, nos arranjos – em tudo, menos na flauta. Um belo dia, ele estava aparando a grama, quando o cortador escapou de suas mãos. Ele correu atrás dele, e acabou pulando na direção do cortador para impedir que a máquina batesse em seu carro; mas, ao fazê-lo, ele prendeu sua mão nas lâminas. Felizmente, só removeu as pontas de dois ou três dedos. Claro, isso era uma tragédia para um flautista. No entanto, um cirurgião plástico trabalhou em sua mão a noite toda e consertou-a da melhor maneira possível. Meu pai ainda era capaz de tocar com a ajuda de algumas extensões que eram colocadas em seu instrumento. Era um tanto estranho, eu me lembro de pensar, que tal acidente aconteceu depois dele tomar consciência do quanto aquele instrumento o havia atrasado. Foi um acidente, mas pareceu mau presságio”. A enorme esperança que Francis alimentava a respeito da possibilidade de seu pai superar o que ele mais tarde chamaria de “a tragédia de A grande virada na juventude de Francis Ford Coppola se deu aos nove anos de idade, quando pegou pólio. Ele tinha passado um fim de semana em um acampamento de escoteiros, onde havia caído um dilúvio, encharcando as tendas. Na manhã seguinte, depois de dormir na umidade, Francis acordou com uma rigidez no pescoço. Sob as ordens de seu pai, ele tentou assistir às aulas, mas a enfermeira da escola, alarmada com a sua condição, mandou-o para casa. Pouco tempo depois, ele foi levado de ambulância ao Jamaica Hospital, no Queens, onde a doença mortal foi diagnosticada. 27 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e 3. “O hospital foi incrível”, disse Coppola ao biógrafo e crítico de cinema Peter Cowie. “A epidemia foi tão grande que eles tinham crianças escondidas nos banheiros, três no alto das prateleiras, e nos corredores… A primeira noite foi muito dolorosa, e eu ficava gritando pela minha mãe, mas o que mais me assustava eram os gritos das outras crianças”. Em um primeiro momento, Francis não fazia ideia do que o aguardava e sentia pena das outras crianças. Isso mudaria em breve, quando tentou se levantar da cama do hospital e caiu no chão. Seu braço esquerdo, perna e a lateral do corpo estavam paralisados, assim como as suas costas. “Meus pais, é claro, estavam histéricos”, lembrou ele. “Fui levado para o médico que disse que eu estava paralisado. Ele me disse que eu não ia ser capaz de andar novamente, que eu teria de me tornar um soldado. Eles me levaram para casa e me colocaram no quarto. Eles me prenderam no lençol para que eu não caísse. Foi quando percebi o que estava acontecendo”. Durante a maior parte do ano seguinte, Francis esteve confinado em sua cama, fazendo fisioterapia e recuperando lentamente a sua saúde. Foi uma época terrivelmente solitária. Como a poliomielite é altamente contagiosa, Francis não estava autorizado a receber visitas – especialmente crianças – que não seus familiares mais próximos. Para uma criança, já se sentia como um “outsider”, o isolamento era difícil e doloroso. No entanto, ao refletir sobre esse período três décadas depois, Coppola descreveu o calvário como uma experiência formadora. “Eu acho que sobreviver a momentos difíceis, a crises reais, nos torna diferentes”, explicou. “Geralmente, sinto que as pessoas que sofreram determinados traumas tendem a desenvolver camadas e rugas que realmente agregam alguma coisa a elas.” Para Francis, isso implicou o crescimento de já ativa imaginação. Os Coppola tinham um aparelho de televisão, a que Francis assistia de sua cama, seu programa favorito era Hardart’s Children’s Hour nas manhãs de domingo. Ele também tinha um toca-discos e rádio para entretê-lo, e, quando recuperou o movimento do braço, passou a experimentar com um gravador e um projetor l6mm que seu avô Pennino lhe havia dado – o que daria início a uma obsessão por aparelhos eletrônicos. Grande parte de seu fascínio inicial, Coppola explicaria anos mais tarde, nasceu a partir da necessidade de encontrar uma solução pragmática para os problemas decorrentes da sua deficiência física. “Eu morava em uma cama, incapaz de andar, com uma televisão do outro lado do quarto”, disse ele. “Minha frustração por não ser capaz de mudar os canais me levou a [meu desejo por encontrar uma maneira de] colocar fios em toda a sala como controle remoto”. Já que não podia ver ninguém fora da sua família, Francis criou o seu próprio grupo de amigos fantoches, inventando histórias e conversas. Ao longo dos meses, ele se tornou um titereiro razoável. Ele tinha uma foto autografada de Paul Winchell e Jerry Mahoney e um boneco ventríloquo Jerry Mahoney, que ele aprendeu a manipular. Aquilo o ajudava a passar par te i de shows de marionete a demência 26 rantir trabalho para seu pai – compondo as trilhas de seus filmes –, mas reverter o status de Carmine, uma questão delicada para famílias ítalo-americanas como os Coppola, não foi algo fácil. Carmine Coppola, um homem orgulhoso e com um conhecimento enciclopédico de música, estava, em essência, navegando na aba da reputação de seu filho, e, enquanto ambos, Carmine e Francis, negavam veementemente, por uma boa causa, as acusações cínicas de nepotismo, Francis teria sempre que lidar, pelo menos em seus próprios pensamentos, com o fato perturbador de que seu talentoso e frustrado pai só foi alcançar seu objetivo depois que ele, Francis, encontrou o seu – na cerimônia do Oscar no início de 1975, quando Francis levou para casa três Oscars por O Poderoso Chefão, Parte ii. Na mesma noite, Carmine Coppola recebeu um Oscar pela trilha sonora de O Poderoso Chefão, Parte ii, uma honra que seu filho fez questão de ressaltar em um de seus discursos de agradecimento. “Obrigado por darem um Oscar ao meu pai”, disse Francis aos membros votantes da Academia, acreditando piamente em cada uma daquelas palavras, mas sem fazer ideia de que o discurso soava mais condescendente do que propriamente orgulhoso. “Depois de passar a vida inteira com um homem frustrado e quase sempre desempregado que odiava qualquer um que fosse bem-sucedido”, ele comentou mais tarde “vê-lo receber um Oscar, acrescentou 20 anos à sua vida”. Com seu irmão, a história era um pouco diferente. Augie não aspirava ao mesmo tipo de carreira que seu pai e seu irmão mais jovem, e alcançou uma posição diversa, altamente respeitada, em seus próprios termos, como um escritor e professor de literatura comparada. Francis ficou muito feliz com o sucesso de Augie, falaria bem dele em suas entrevistas, e se sentiria responsável por aquele homem que tinha sido tão bom para ele quando criança – um sentimento que o levava de volta à infância. “Uma vez eu tive um sonho quando criança que me matou de susto”, lembrou ele. “Eu estava em uma rua, onde havia um enorme bueiro, uma grande tampa de bueiro, e algumas crianças valentonas estavam perturbando meu irmão e tentando colocá-lo lá dentro. E eu corri de casa em casa para conseguir um telefone e chamar a polícia. Nunca esqueci esse sonho”. 4. Carmine Coppola tinha grandes planos para seus filhos. August, declarou ele, ia ser médico, e Francis, um engenheiro. Em hipótese nenhuma seus filhos seguiriam carreira nas artes. Os meninos, no entanto, tinham outras ideias. No momento em que Francis entrou no colegial, ele considerava uma carreira como cientista, talvez como um físico nuclear, enquanto Augie estudava filosofia na Universidade da Califórnia e queria ser escritor. Não é nenhuma surpresa que, quando chegou o momento de contestar os projetos que Carmine Coppola havia desenhado para o futuro dos seus filhos, foi Augie quem abriu o caminho, embora tenha tomado um duro golpe em seu ego ao longo deste processo. “Era para eu ser médico”, lembrou ele, “e eu costumava receber kits de médico a cada Natal, como um incentivo de meus pais para me orientar na direção certa. Eu estava realmente me preparando para ser um médico. Mas eu disse para o meu pai, ‘por que não posso ser um artista? Você é’. Ele disse, ‘Sim, mas só pode haver um gênio na família, e como eu já sou ele, que chance você tem?”. Até aquele momento, a fascinação de Francis com a ciência e a tecnologia já havia se transformado em uma obsessão. Ele escondia microfones em toda a sua casa, para que pudesse ouvir as conversas; ele grampeava o telefone da família. Chegou a guardar dinheiro até juntar os cinquenta dólares necessários para comprar um laboratório AC Gilbert de energia atômica, equipado com um contador Geiger e uma câmara de nuvem com uma agulha radioativa. Ele aprendeu a confeccionar pequenos artefatos explosivos, que colocava em seu quintal e disparava por controle remoto. Anos mais tarde, quando escreveu A Conversação, baseou o passado de Harry Caul em algumas de suas experiências de infância. “Em algum momento de sua vida, [Caul] deve ter sido uma daquelas crianças que são as mais estranhas da escola”, disse Coppola. “Você sabe, o tipo de aberração técnica que é o presidente do clube de rádio. Quando eu era criança, eu era um daqueles caras. Na verdade, o meu apelido era ‘Ciência’. Você sabe, ‘Hey, Ciência, vem aqui e diga algo sobre bobinas de indução’. E eu era presidente do clube de rádio. Eu me senti atraído pelo teatro porque combinava os dois pólos da minha vida: as histórias e a ciência”. O ensino médio foi difícil para Francis. Sempre o forasteiro nerd, descobriu que era impossível adequar-se às panelinhas e atividades habituais da escola. Ele nunca tinha sido muito atlético, mas a pólio o tinha limitado ainda mais, deixando-o com uma perna ligeiramente mais curta do que a outra, cortando a menor chance de ser aceito pelos alunos populares¹. Ele ainda 1 Quando adulto, Coppola se tornaria um tanto roliço, mas ele era bem magro no Ensino Médio. Quando estudava na escola militar, ele praticou luta livre na categoria até 63 quilos. 29 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e para as Rockettes, ele estava em movimento novamente, trabalhando com empresas de teatro de estrada e procurando o tipo de trabalho que, finalmente, pudesse lhe oferecer alguma satisfação. par te i de shows de marionete a demência 28 o tempo e a contornar a solidão, mas também proporcionava suas primeiras rudimentares experiências de direção. Quando ele foi finalmente autorizado a receber visitas de fora, os entretia com shows de marionetes e, pouco depois, com exibições de filmes caseiros. Coppola disse: “Tenho certeza de que foi a partir desses shows que me veio a ideia de um estúdio, um lugar onde pudéssemos trabalhar juntos como crianças, com música, fantoches, cenário, luzes, ação dramática, tudo o que quiséssemos”. Usando o gravador que seu pai lhe dera, Francis tentou encontrar formas de sincronizar som e diálogo para os filmes caseiros de sua família. Editou alguns dos filmes e criou novas histórias, geralmente tendo ele próprio como herói de suas próprias aventuras. “Eu estava realmente apenas brincando”, lembrou ele, “e estava mais envolvido com a fase de exibição. Eu estava muito mais interessado em física e engenhocas, e, depois, passei a me envolver com teatro, porque o meu pai [era] um condutor de comédias musicais. Dessa maneira, meus dois interesses – a parte técnica das engenhocas e o gosto pelas peças de teatro, fantoches, teatro e comédia musical – se reuniram no cinema, que era como uma espécie de playground para todas essas coisas.” Embora apenas alguns desses filmes tenham sobrevivido, nenhum deles é mais do que uma brincadeira de criança – indicações precoces de uma mente fértil trabalhando. Um episódio da luta de Coppola contra a pólio – um pesadelo que ele teve quando ainda estava paralisado – acabou virando um fragmento de diálogo em seu filme A Conversação (The Conversation, 1974). Italia Coppola, que geralmente ajudava Francis a tomar banho, tinha deixado o filho na água quente só para sair da sala por um breve período e atender a campainha. Incapaz de ficar sentado na banheira, Francis começou a deslizar para baixo da água, que logo atingiu o queixo e foi subindo até o seu nariz. Italia retornou no último momento. O protagonista de A Conversação, Harry Caul, teve uma experiência idêntica em sua juventude, e ele conta a história em um momento durante o filme. Quando terminou, ele manifestou a sua decepção por não ter se afogado, falando muito sobre o isolamento e o desespero que Francis sentia quando estava deitado na cama, desabilitado pela poliomielite, ouvindo o barulho e as vozes das crianças brincando lá fora. Francis recuperou-se, quase milagrosa e inteiramente, de sua batalha com a poliomielite – embora ainda manque levemente, o único indício que permaneceu e que o faz lembrar de seu calvário. Ele continuou a construir equipamentos rudimentares de filmagem a partir de artigos banais de sua casa, e, ao longo dos meses seguintes, projetou um estúdio de televisão – com direito a câmeras falsas e um microfone – no porão da casa de seus pais. Ele até tentou construir seu próprio aparelho de televisão. Infelizmente, maiores perturbações estariam por vir. Carmine Coppola terminou seu mandato com a Orquestra Sinfônica da nbc, e depois de uma temporada com o Radio City Music Hall, arranjando a música quando ficasse famoso, iria comprar carros esportivos para elas. Eu não sei quantas vezes isso deu certo, mas ele sempre prometia”. Tudo isso só fez aumentar sua insatisfação com a Academia Militar. Quando voltou para casa no outono, flagrou a si mesmo desanimado como nunca. A gota d’água se deu no momento em que ele viu o livro que havia escrito para um musical da escola ser totalmente alterado pelo corpo docente. Como seus pais estavam fora de casa, pois Carmine trabalhava neste período como condutor de orquestra para uma produção itinerária de Kismet, Francis fugiu do campus da escola e perambulou por diversos dias em Nova York, “dormindo onde fosse possível e tendo algumas experiências malucas”, disse ele. “Quando voltei para casa”, continuou, “meu irmão meu deu um livro e disse, ‘Leia isso’. Era O Apanhador No Campo de Centeio. Eu tinha acabo de viver aquilo”. A família Coppola se estabeleceu em Great Neck, Nova York, onde Francis se matriculou em outra escola. Ele se formaria na primavera de 1956. 31 Após suas andanças itinerantes, Francis estava pronto para a vida universitária e para uma possível carreira no teatro. Antes de seguir para a ucla, Augie passou pela Hofstra University, em Long Island, e aconselhou seu irmão mais novo a fazer o mesmo. Era tudo o que Francis queria ouvir. Ele mostrou alguns de seus escritos aos funcionários da universidade, e, com base no seu potencial e talento, acabou recebendo uma bolsa parcial. Ele não se preocupou muito em se estabelecer no campus. Era brilhante e enérgico, talvez um pouco pretensioso e ocasionalmente arrogante, amigável, sempre disposto a aprender, e, sobretudo, autoconfiante. O cinema ainda era o seu grande amor, e em pouquíssimo tempo ele estaria comandando um clube chamado Hofstra Cinema Workshop e organizando exibições de filmes clássicos. Como Francis recordaria mais tarde, os filmes de Sergei Eisenstein, particularmente Outubro (1928), foram decisivos para se tornar cineasta. No mesmo ano em que entrou para Hofstra, ele viu uma sessão de Outubro e foi completamente contaminado pelo filme. “Na segunda-feira”, disse ele, “eu estava no teatro. Na terça, eu queria ser um cineasta”. Havia muitos talentos no departamento de artes cênicas da Hofstra – alguns deles tornar-se-iam famosos como atores. James Caan, que seria lançado por Coppola uma década depois em Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969) e atingiria o estrelato em seu papel de destaque em O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), estudava em Hofstra, assim como Lainie Kazan, que se tornaria uma cantora e atriz de sucesso, e que trabalharia para Coppola em Do Fundo do Coração (One From The Heart, 1982). Joel Oliansky, um futuro e premiado diretor e roteirista de televisão e cinema, o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e 5. par te i de shows de marionete a demência 30 era muito tímido com as meninas, mais inclinado a vê-las como fantasias inatingíveis do que como colegas de classe. Ele tentou andar com uma pequena gangue por um tempo, mas ele não pertencia a este ou a qualquer outro grupo. Afinal, ele era aquele garoto magro, quatro olhos, que sabia todas as coisas em que ninguém mais estava interessado, e que, como se já não fosse o bastante, tocava tuba, talvez o instrumento menos glamoroso de uma orquestra, concebido para combinar e complementar, mas sem jamais se destacar por conta própria. O instrumento foi responsável pela inscrição de Francis na escola que ele mais detestava, a New York Military Academy em Cornwall-on-Hudson, somente para meninos. Ele havia ganhado uma bolsa para estudar tuba nessa escola, e, por mais ou menos um ano e meio, Francis suportou o ambiente machista, em que os das classes mais altas implicavam com os das mais baixas, onde os atletas eram tratados como deuses, enquanto ratos de biblioteca como ele eram tratados como desajustados. Francis podia até estar infeliz, mas era muito engenhoso, colocando as já consideráveis habilidades de escrita para trabalhar a seu favor, cobrando um dólar por página para compor cartas de amor. Os colegas de classe forneciam fotos de suas namoradas e Francis se refugiava em sua terra de fantasia particular, deixando sua imaginação guiá-lo na elaboração de pronunciamentos certeiros para ficar bem na fita de meninas que ele jamais iria sequer conhecer. Ele também estava lendo muito, folheando as páginas de Ulysses e outros clássicos, tentando seguir o caminho de seu irmão mais velho. Francis queria escrever alguma coisa de sua autoria, sobretudo, sob a forma de desenhos e contos, mas, quando chegou ao final de seu primeiro ano na escola, seus interesses já se inclinavam em direção ao teatro. Essa não era a melhor das notícias para seus pais, que ainda estavam em conflito com os altos e baixos da carreira de Carmine e que temiam que o filho caminhasse por uma trilha semelhante se não seguisse uma linha mais estável de trabalho. Os novos interesses de Francis receberam um impulso importante no verão posterior ao seu penúltimo ano de ensino médio, quando foi para a Califórnia viver com Augie. Seu irmão, três outros caras, e, ocasionalmente, um par de meninas estavam vivendo em uma pequena casa em Westwood, não muito longe do campus da ucla. Os dias eram ocupados com leituras, escrita e apaixonadas discussões intelectuais. Para seu deleite, Francis foi incluído nas atividades do grupo, e, por sua vez, começou a escrever mais a sério. “Foi”, ele declarou mais tarde, “um verão maravilhoso.” August lembrou a visita de seu irmão de maneira um pouco diferente, e com algum humor. “Para ser honesto, ele era um pouco chato”, disse August. “Ele teve que ir para a escola de verão, e ele me acordava para levá-lo. Eu realmente queria dormir e ele tinha que ir para a escola. Era minha responsabilidade. Ele conhecia todas as meninas que eu conhecia, e prometia a elas que 33 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e e a coisa toda era tão amadora que o professor chegou a dizer, ‘Ah, nós pensávamos que vocês iam passá-lo de mão em mão, um depois do outro. Foi o Francis, claro, que deu um jeito de fazer um boom. Ele descobriu uma maneira de colocar o microfone em uma vara de pesca. Esse sempre foi o jeito dele, desde o início”. Em seu segundo ano, Coppola sentia-se pronto para tomar as rédeas de uma produção – uma peça de um único ato, The Rope, de Eugene O’Neill. Coppola mergulhou de cabeça no projeto, testando os seus próprios limites, bem como os de sua equipe, e acrescentando seu particular toque criativo a uma produção que desafiaria qualquer diretor mais experiente. Coppola havia decidido que a peça não seria uma mera produção estudantil, simplesmente encenada e rapidamente esquecida; a produção teria cenários interessantes, trilha sonora e uma iluminação complexa. Os estudantes reclamavam que seu líder ditatorial não sabia o que estava fazendo, mas, quando as cortinas da peça se fecharam, o coordenador do departamento de teatro da Hofstra proclamou The Rope como o melhor espetáculo já dirigido por um de seus alunos. Coppola foi premiado com o Dan H. Lawrence Award – o primeiro de três que ele ganharia na Hofstra – pela direção e produção marcantes. Coppola afirmava seu nome. Esse era apenas o começo. Nos dois anos seguintes, Coppola correu à frente do restante de sua turma, encenando peças e reorganizando o departamento de teatro. Ele se destacou de tal maneira que acabou sendo honrado com um Hofstra’s Beckerman Award por direção discente. (“Ele vinha com uma premiação de us$ 200, que era o que realmente me interessava”, brincou Francis, anos mais tarde.) Ele ficou conhecido em toda a universidade por sua enorme ambição, sua peças ficando cada vez maiores, produções complexas que desafiavam o sistema tradicional. Este foi o caso de Inertia, um elaborado musical encenado durante o primeiro ano de Coppola em Hofstra – a primeira produção da história da universidade a ser inteiramente escrita, produzida e dirigida por alunos. Coppola inventou a história da peça, dirigiu e escreveu as letras das músicas. Baseado na história de H.G. Wells “O Homem que Podia Fazer Milagres”, Inertia contava com inúmeras mudanças de cenário, o que seria um enorme desafio para diretores mais experientes. Coppola, contudo, se sairia muito bem. A peça foi um grande sucesso e uma prova incontestável do talento criativo de Coppola. Sua capacidade de organizar as coisas era igualmente impressionante. Quando ainda estava em seu primeiro ano, Coppola foi eleito presidente tanto do Green Wig – o clube de teatro da Hofstra – quanto do Kaleidoscopians – clube de comédia musical da escola. Ele combinou os dois grupos em uma única organização chamada Spectrum Players e anunciou que eles encenariam uma peça toda quarta-feira. Ele, claro, dirigiria todas elas. Ao usar fundos extracurriculares, Coppola foi capaz de juntar dinheiro suficiente para sustentar suas produções, e, para a sua alegria, as peças sempre se saíam bem na bilheteria. par te i de shows de marionete a demência 32 também estudava teatro, além de editar The Word, revista estudantil para a qual Francis contribuiu com artigos e contos. Oliansky, um estudante de transferência um ano à frente de Coppola, gostava do espírito de aventura do departamento de teatro da universidade, que, em comparação com outras instituições, dava muita liberdade aos estudantes. “Eles tinham um departamento de teatro que entusiasmava”, explicou ele, “e a faculdade era boa. Eles eram um pouco presos à tradição, mas queriam que a gente tentasse coisas diferentes. Você sempre pode cometer erros. Eles gostavam de pessoas como Francis e eu; eles achavam que nós éramos diferentes. Eles estavam interessados em qualquer um que pudesse contribuir com algo novo”. Oliansky e Coppola se tornaram amigos, e Oliansky acabou nomeando Coppola para o cargo de editor de drama e música da The Word. “Naquela época, a minha opinião sobre ele”, disse Oliansky a respeito de Coppola em uma entrevista de 1999, “era exatamente a mesma que tenho hoje: ele é incrivelmente talentoso e incrivelmente pretensioso; ele não sabe o que está fazendo na metade do tempo, e na outra metade, ele é brilhante. O que eu amo sobre Francis é que ele não mudou. Ele é consistente. Eu gostei dele logo de cara. Publiquei seus contos na revista da faculdade. Eu tinha uma coluna no jornal da faculdade, e fiz um perfil sobre ele em 1958. Eu dizia que ou ele iria até o fim ou se queimaria para fora daquilo tudo, não haveria meio-termo. A coluna previa que ele faria grandes coisas, e as pessoas me diziam: ‘Você está maluco? Ele é só conversa fiada”. Coppola estava ansioso para dirigir uma peça universitária, mas Hofstra raramente permitia que seus alunos dirigissem grandes produções. Enquanto isso, ele foi absorvendo tudo o que podia aprender sobre produção teatral, adquirindo grande parte do seu conhecimento na prática. Ele trabalhou com iluminação e equipes técnicas; ele construiu cenários. Ele acompanhou a maneira como os outros dirigiram seus atores. Ele interpretou pequenos papéis em várias peças. E continuou a escrever contos e peças curtas, aperfeiçoando suas habilidades narrativas. As pessoas logo tomaram conhecimento, sobretudo, das habilidades técnicas de Coppola, que aumentavam por sua capacidade de improvisar quando as coisas ficavam mais difíceis. Ele buscava soluções enquanto seus colegas congelavam. Oliansky lembra quando foi convidado para dirigir uma produção televisiva de Júlio César para um novo e experimental canal de televisão de uma escola local; ele estava pronto para começar a filmar quando percebeu que tinha apenas um microfone à sua disposição. “Francis estava interpretando Casca para mim nessa produção”, Oliansky recordou, “e graças a Deus ele estava conosco. Tudo o que ele fez foi olhar para as bugigangas eletrônicas ao redor – ‘O que é isso? O que é aquilo? Como isso funciona?’ –, como ele sempre fazia. Eu, por outro lado, fingia não ver nada. Eles só tinham aquele microfone de mão Coppola se formou pela Hofstra na primavera de 1960. Francis era, como ele próprio descrevia, “figura central do departamento de teatro”, um estudante que exercia poder tanto dentro quanto fora da Hofstra. Ao longo de sua passagem pela universidade, ele se esforçou para aprender 35 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e 6. tudo o que fosse possível sobre teatro, orientando seus estudos de acordo com o que dizia Eisenstein, que havia seguido por este mesmo caminho antes de se estabelecer como cineasta. “Eisenstein, que era o meu Deus naqueles dias, dizia que uma base teatral era essencial”, explicou Coppola, “eu, então, me mantive longe do cinema por um tempo”. Havia pouca dúvida de que, até o final de seus quatro anos na Hofstra, Coppola tinha toda a intenção de dedicar a sua vida ao cinema. Tampouco havia qualquer pergunta a respeito de onde ele continuaria sua educação. Não só seu irmão mais velho havia cursado a mesma universidade, como ela tinha a reputação de ser uma das melhores escolas de cinema do país. O timing de Coppola não poderia ter sido melhor. Ele estava entrando na ucla durante um período em que as escolas de cinema estavam prestes a explodir em uma proliferação de talentos que, dentro de uma década, iriam mudar a face da indústria cinematográfica. Como o escritor Dale Pollock observou: “Por feliz coincidência ou predeterminação, um grupo de cineastas emergiu das escolas de cinema em meados dos anos 1960, o que seria uma espécie de equivalente cinematográfico aos escritores de Paris do grupo da década de 1920”. Em apenas alguns anos, George Lucas, John Milius, Caleb Deschanel, Randal Kleiser, Robert Zemeckis e John Carpenter, entre outros, iriam passar pela escola de cinema na University of Southern California, enquanto Martin Scorsese e Brian De Palma deixariam suas marcas na Universidade de Nova York e na Columbia, respectivamente. A ucla produziria Coppola, Carroll Ballard, Steve Burum, Frank Zuniga e Jack Hill. Embora sejam notáveis em retrospecto, a lista impressionante de estudantes da ucla, Southern Cal e nyu foi em grande parte o resultado de uma nova atitude em relação a essas escolas como campo de treinamento para futuros cineastas. No passado, um diretor aspirante não teria sonhado em frequentar uma universidade para aprender o negócio. Ele teria trabalhado seu caminho até a indústria – a indústria, naquele momento, era constituída por uma rede de meninos mais velhos – começando com um emprego humilde e avançando através das fileiras ao longo dos anos. Antes do início dos anos 1960, estudantes de cinema foram desprezados por uma indústria que acreditava que era uma perda de tempo estudar como fazer um filme, quando você poderia aprender com a experiência. “Por um tempo, escolas de cinema pareciam ter um estigma”, observou Martin Scorsese, que apontou que, mesmo depois de Francis e seus colegas terem rompido, ainda havia alguns esnobismos direcionados aos novos cineastas. “Alguns escritores diriam que sua obra é abarrotada de pretensões. Mas há muitos de nós agora. Na verdade, a escola de cinema é um microcosmo da indústria”. Quando relembra seu tempo na ucla, Coppola também costuma elogiar o ambiente da escola de cinema. “Eles nos estimulam bastante, oferecem a oportunidade dos jovens encontrarem alguém – um professor ou outro aluno – que poderá influenciá-los”, comentou. “E, além disso, par te i de shows de marionete a demência 34 Coppola estava aos poucos comandando o departamento e ninguém parecia se importar com isso, exceto alguns membros do corpo docente, que acabaram criando uma nova regra estipulando que um estudante poderia dirigir apenas dois shows por ano. Apesar de todo o seu envolvimento com o teatro, Coppola ainda esperava trabalhar no cinema. Ele vendeu seu carro e usou o dinheiro para comprar uma câmera de 16 mm, e, com ela, fez seu primeiro filme – um curta sobre uma mulher que leva seus filhos para um passeio no campo. Depois de brincar com os filhos, a mãe dorme, apenas para despertar e não mais encontrá-los. Em sua busca frenética pelas crianças desaparecidas, a mãe começa a ver a zona rural, antes um lugar convidativo e cercado de beleza, como uma ameaça para a segurança de seus filhos. “Eu queria experimentar essa dualidade”, Coppola lembrou o filme, “mas eu só filmei uma parte dele e nunca terminei o projeto. Eu ainda não tinha experiência técnica”. Sua primeira produção em seu último ano, uma comédia musical intitulada A Delicate Touch, cujo texto e letras eram de autoria de Coppola, era ainda mais ambiciosa do que Inertia. Desta vez, porém, ele viu seus planos grandiosos serem dizimados por uma série de percalços, incluindo o colapso da fachada de um cenário, que teria caído em cima das fileiras da frente, se não fosse por uma fração de segundo e a atenção de um assistente de palco alerta, que conseguiu puxá-la de volta no último instante. Coppola tinha imaginado um evento que rivalizasse com uma produção da Broadway, com um enorme elenco, uma orquestra de trinta instrumentos, muitos números musicais, mas, devido justamente à ambição e grandiosidade do projeto, nem Coppola nem seus colegas conseguiriam tirá-lo do papel. “Quando assisti, aterrorizado, a todo aquele excesso de Do Fundo do Coração”, Joel Oliansky comentou, referindo-se ao desastroso filme de 1981 dirigido por Coppola, “Eu disse, ‘Não há nada de novo nisso’. Isso é A Delicate Touch’. Era absolutamente a mesma coisa”. Outra produção do último ano de Coppola, Um Bonde Chamado Desejo de Tennessee Williams, conseguiu ser ainda mais memorável. Ironicamente, dois de seus futuros sócios – Robert Spiotta, que se tornaria o chefe do Zoetrope Studios no início de 1980, e Ron Colby, que apareceria como ator em Finian’s Rainbow – competiriam pelo papel de Stanley Kowalski. Spiotta, um jogador de futebol, ganhou a disputa, e seu desempenho garantiu que a saída de Coppola da Hofstra fosse com louvor. 7. Os filmes universitários só fizeram aumentar o apetite de Coppola. Outros talvez pudessem sossegar vendo clássicos em salas escuras, discutindo sobre teoria ou técnica, mas Coppola estava longe de estar satisfeito. “Eles falavam muito, mas pouco ou quase nada acontecia”, ele reclamava. “Eu tinha uma urgência muito grande por fazer filmes; não para ler sobre eles ou vê-los, apenas para fazê-los. O que me faltava era oportunidade”. Quando a oportunidade finalmente chegou, vinha de um lugar absolutamente inesperado. Russ Meyer, que seguiria uma carreira de sucesso no gênero sexploitation, tinha lançado não fazia muito tempo O Imoral Sr. Teas 37 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e a qual deveriam realizar um curta-metragem; era difícil pôr as mãos em algum equipamento. Ele conseguiu montar um filme intitulado The Two Christophers – um pequeno exercício sobre um garoto assassino que quer matar outro menino de mesmo nome – e, no semestre seguinte, um trabalho mais longo, Aymonn the Terrible, que contava a história de um escultor narcisista que só queria criar esculturas de si mesmo. Aymonn the Terrible ajudou a estabelecer a reputação de Coppola na ucla. O roteiro era anos-luz à frente da média dos estudantes, e Coppola demonstrou, como havia feito em Hofstra, uma notável capacidade de fazer o que fosse necessário para realizar o trabalho. Para uma determinada cena, ele precisava filmar o personagem principal ao lado do David de Michelangelo. O Forest Lawn Cemetery tinha uma réplica em tamanho natural da estátua, mas não era nada fácil conseguir autorização para filmar nas suas instalações. Sem se deixar abater, Coppola conversou com um funcionário do cemitério e, depois de explicar o que estava fazendo, um modesto filme não comercial, recebeu permissão para rodar no local. Ele então contatou a Companhia Chapman, construtora da maior e melhor grua do mercado naquele momento, e prometeu dar a Chapman uma fotografia de alta qualidade de uma de suas gruas ao lado do David de Michelangelo em troca de um breve empréstimo do equipamento. Quando assegurou o empréstimo da grua, Coppola seguiu para Forest Lawn, onde acabou chocando os jardineiros ao chegar por lá, não com um grupo pequeno e amador, como era esperado, mas com uma equipe de sessenta homens e uma grua Chapman. “Ele era inacreditável”, disse Carroll Ballard, que trabalhou como maquinista no filme. “Na época, eu era muito amargo sobre isso. Francis apareceu na ucla e, dentro de um período muito curto de tempo, ele parecia ter todo o departamento na palma da sua mão. Quem era esse cara? Ele tinha tudo o que queria e todo mundo trabalhava para ele como um bando de escravos. O que o qualificava a fazer aquilo? Desde então, percebi que as qualidades que ele tinha – e em grande medida – eram justamente as mais importantes para se estabelecer na indústria cinematográfica. Era incrível, que operador ele era”. par te i de shows de marionete a demência 36 eles ainda permitem que você experimente com um equipamento cinematográfico de verdade. Você não pode fazer isso em qualquer lugar, a menos que seja rico o suficiente para comprar o seu próprio”. Em teoria, os alunos que entravam em um programa de dois anos seriam expostos ao que geralmente levaria muitos anos para aprender através de experiência no mercado de trabalho. Além de receber altas doses de história do cinema, os alunos estudavam direção e, em muito menor medida, interpretação, bem como os aspectos técnicos da animação e do cinema e edição de som. Eles trabalhavam na verdade com câmeras de 8 mm ou 16 mm; eles aprendiam o básico de produção e a necessidade de se adequar a um orçamento. Mas o mais importante era operar em um ambiente criativamente fértil, onde poderiam encorajar uns aos outros, trabalhar em projetos diversos e participar de discussões animadas de fim de noite sobre cinema. Coppola chegou à ucla em 1960. As coisas eram muito menos emocionantes do que se tornariam alguns anos mais tarde, quando alguns de seus colegas mais jovens entrariam para a escola de cinema. De fato, Coppola ficou muito decepcionado com a escola de cinema, e, por um bom tempo, considerou voltar ao teatro. A escola de cinema da ucla era localizada em uma área arborizada atrás da universidade, isolada do resto do corpo discente. A maioria dos alunos era mais velha do que Coppola, e ele estava deprimido por sentir algo como uma aura de negatividade que emanava do grupo. “Não havia a camaradagem que eu imaginava enquanto estava na faculdade”, disse ele a respeito de suas primeiras impressões da ucla. “Tudo o que faziam era criticar as estratégias preguiçosas dos produtores de cinema de Hollywood, o que implicava dizer que somente eles poderiam ser capazes de dirigir grandes filmes.” Carroll Ballard, que acabaria dirigindo O Corcel Negro (The Black Stallion, 1979) para Coppola, concordaria. “Era uma coisa altamente competitiva e orientada para o ego”, lembrou. “Todo mundo pensava em si como o próximo Kurosawa. Eu não me lembro deste período como agradável. O que era bacana sobre a escola de cinema não era propriamente a escola; mas o entusiasmo de tantos jovens que alimentavam os mesmos sonhos, e a maneira como isso se cruzava de maneira fértil. Os aspectos acadêmicos eram um grande aborrecimento e um desperdício. Eu achava que a escola de cinema deveria ser como uma oficina; você tem que aprender a bater no para-lamas e tudo aquilo. Conversar não será jamais suficiente”. Alguns poucos “para-lamas” estavam sendo “fabricados” na ucla. Para alguém com o talento e a ambição de Coppola, o programa avançava em um ritmo por demais lento. Apenas dois filmes de estudantes eram financiados por ano pela universidade, e os trabalhos do dia a dia da escola de cinema pareciam totalmente inadequados. Coppola se lembra que os alunos recebiam uma quantidade irrisória de película 16 mm, com 8. Coppola estava prestes a descobrir que não havia mesmo melhor maneira de aprender a fazer cinema. Roger Corman, o rei indiscutível dos filmes B, gostava de empregar estudantes de cinema como mão de obra barata, e Coppola logo se tornaria o primeiro de uma longa linha de ilustres aprendizes. 39 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e que bate com a cabeça e passa a ver vacas como se fossem mulheres nuas; Coppola aceitou juntar os dois filmes com uma trama levemente diversa. Nascia Tonight for Sure (1961). Nele, os dois protagonistas, supostamente em uma cruzada moral para fechar algumas termas locais, encontram-se e conversam: o personagem de Coppola fala de como é a vida de um Peeping Tom e o outro conta a história de um amigo cowboy que bateu com a cabeça e vê mulheres nuas quando olha para suas vacas. Ao combinar os dois filmes, Coppola trabalhou um nível de erotismo e nudez mais do que suficiente para agradar o mercado de então, e ainda assegurou que lhe creditassem como o único diretor do longa, mesmo que, segundo suas próprias contas, mais de 80% da nova obra tenha sido filmada por outra pessoa. Quaisquer que fossem suas reservas às cenas de nudez, Coppola sabia: ele estava finalmente trabalhando como cineasta – e não apenas estudando sobre isso na escola – e ainda ganhava dinheiro para fazê-lo. Pouco depois de completar Tonight for Sure, ele recebeu outra oportunidade, desta vez para terminar um filme alemão de 1958 chamado Mit Eva Fing die Sunde (mais tarde renomeado como The Bellboy and the Playgirls). Mais uma vez: tratava-se de um filme alegre e voyeurista, envolvendo um carregador de malas de um hotel que veste uma série de disfarces num esforço para ingressar em um quarto ocupado por modelos de lingerie. Neste filme, Coppola começou a rodar com June Wilkinson, uma modelo da popular Playboy, e seu trabalho consistia na filmagem de um número de cenas em cor e em 3d para inserir no filme alemão, originalmente em preto e branco. Como lembra Coppola, seus sentimentos mistos em relação à realização de cenas de nudez tornaram-se um problema durante as filmagens. “Havia uma cena em 3d em que cinco meninas apareceriam nuas, e elas tinham sido contratadas e pagas para fazer aquilo. Uma das meninas veio até mim e disse: ‘Eu tenho apenas dezessete anos e meu pai vai me matar’. Eu respondi: ‘Bem, ok, fique com seu sutiã’. Tínhamos então quatro meninas, mais uma com um sutiã, e eu fui demitido porque eles [os produtores] reclamaram, pois haviam pagado us$ 500 para cada menina”. Nos anos seguintes, os filmes eróticos de Coppola seriam embalados e reembalados, às vezes sob diferentes títulos. Em essência, ele havia passado pelo seu primeiro curso prático no cinema. Ele estava pronto para outras experiências. par te i de shows de marionete a demência 38 (The Immoral Mr. Teas,1959), um filme erótico que conseguiu escapar do rótulo de obsceno e acabou fazendo muito dinheiro. Em pouco tempo, todo mundo iria querer fazer filmes de baixo orçamento, e os estudantes de cinema eram candidatos perfeitos para as equipes de produção. Alguns colegas de Coppola esnobaram a oportunidade de investir em algo que soava indigno ao talento deles. Coppola, contudo, não fazia reservas deste tipo. Tudo o que ele queria era a chance de trabalhar atrás de uma câmera, e, embora filmes eróticos fossem algo bem distante de Eisenstein ou Kurosawa, eles ofereciam um aprendizado mais do que necessário. Assim, quando um grupo de investidores contatou Coppola e perguntou se ele toparia produzir um roteiro no estilo de O Imoral Sr. Teas, Coppola não pensou duas vezes e pôs a mão na massa. Os investidores gostaram do roteiro e queriam comprá-lo, mas, infelizmente, para Coppola, não estavam interessados em contratá-lo para dirigi-lo – o que Coppola sublinharia mais tarde ser “a única coisa que realmente me interessava”. Ele mostrou o roteiro para outros investidores e conseguiu juntar algo em torno de us$ 2000 para rodar ele mesmo o filme. Para os padrões de hoje, The Peeper, filmado em uma loja de departamento abandonada em Venice, Califórnia, e usando cenários construídos pelo próprio Coppola, é bem menos provocativo que a grande maioria dos filmes adultos. O próprio Coppola o compararia a Tom and Jerry – uma comparação nada gratuita dada a natureza cômica da trama do filme, nada mais que uma série de cenas engraçadas que descrevem as experiências fúteis de seu personagem principal. Em The Peeper, o protagonista, um verdadeiro Peeping Tom, descobre que uma sessão de fotos de uma modelo pin-up está sendo realizada em um apartamento ao lado, e o filme se faz através das cômicas tentativas do personagem de flagrar a mulher sendo fotografada. Ele tenta encontrar o lugar mais perfeito possível e acaba caindo; ele arranja um poderoso telescópio, mas só consegue ver pequenas partes do corpo da jovem. Ironicamente, Coppola jamais se sentiria realmente confortável na direção de cenas de nudez, mesmo depois de se tornar um cineasta renomado. “Eu costumo hesitar muito no que concerne às cenas mais eróticas de meus filmes”, ele admitiu quase duas décadas depois. “A minha mãe era bem rigorosa quanto à necessidade de se respeitar as mulheres, e eu cresci acreditando que se você gosta de uma menina, não deve passar por cima da opinião dela. Ou seja: se a atriz me disser: ‘Ah, eu farei isso’, ok, sem problemas, mas se eu tiver que perguntar para ela, eu começo a me sentir como uma espécie de velho tarado…” Fiel às suas convicções, Coppola tentou fazer de The Peeper algo mais do que um filme erótico barato, e, consequentemente, não conseguiu convencer ninguém a distribuí-lo. Um belo dia, um grupo de cineastas o procurou. Eles também tinham feito um filme erótico e cômico – envolvendo um cenário bizarro de western e a história de um cowboy bêbado de shows de marionete a demência 40 O momento, como Coppola notaria mais tarde, era perfeito. Ele estava sem dinheiro e temia que seu telefone fosse desconectado antes de receber a ligação de Corman. Não que ele fosse enriquecer trabalhando para o produtor-diretor: ele ganhou a bagatela de us$ 250 para trabalhar seis meses no projeto de Corman. Esse foi um grande passo para a carreira em franca ascensão de Coppola, que provavelmente estaria disposto a pagar pela oportunidade de trabalhar com Corman. “Naquela época, eu não reclamava de nada”, referia-se Coppola ao seu mísero salário. “Ele tinha um pequeno escritório e algumas salas de edição. Era o máximo. Era como se eu tivesse finalmente dado início à minha carreira”. O primeiro projeto, um filme B chamado Battle Beyond the Sun, era em um certo sentido uma extensão do tipo de trabalho que Coppola tinha feito em Mit Eva Fing die Sunde. Corman tinha comprado algumas ficções científicas russas e pretendia refilmá-las e distribuí-las para o mercado americano. Para fazê-lo, no entanto, era preciso muita cautela, já que na Guerra Fria de 1961, qualquer coisa remotamente russa era vista com maus olhos (“Monstros funcionam muito bem em um drive-in”, sublinhou ironicamente Corman, “comunismo não”). A principal tarefa de Coppola era reescrever o diálogo, que seria dublado nos filmes em inglês. Ele também filmaria algumas cenas e planos. Coppola conseguiu o trabalho dizendo para Corman que ele falava russo – uma mentira que teria poucas consequências a longo prazo. Tudo o que Coppola tinha que fazer era assistir ao filme e inventar diálogos que fizessem sentido. A maior parte do diálogo da versão final do filme era tão genérica que poderia entrar em qualquer ficção científica de Corman. Coppola provou ser tão inventivo na filmagem das cenas de Battle Beyond the Sun quanto havia sido nas peças de baixo orçamento na Hofstra e nos filmes universitários de seus primeiros anos na ucla. Uma das novas cenas demandava uma multidão de pessoas balançando bandeiras. Sem dinheiro para contratar figurantes, Coppola teve que inventar uma forma barata para alcançar seu objetivo. Ele e Jack Hill, um colega de classe que estava trabalhando como diretor de fotografia do projeto, dirigiram até Pasadena, pouco antes do início da Rose Bowl Parade⁴, e depois de anunciarem que estavam fazendo um filme universitário, Coppola distribuiu pequenas bandeiras para as pessoas que aguardavam o início do desfile. “Quando eu der o sinal”, Coppola instruiu as pessoas “balancem as bandeiras com vontade”. A cena não custou quase nada. De todo o trabalho que ele realizou neste filme, Coppola se lembraria de uma cena em particular, tanto pelo que ela significou para ele em termos de aprendizado, quanto a forma como ela simbolizava o método de Corman para repaginar um filme. “Há uma cena em um planeta, onde um astronauta vê a imagem de um astronauta dourado segurando uma tocha dourada de esperança e humanidade”, Coppola rememora. “Roger quis que eu deixasse tudo meio 4 A Rose Bowl Parade é o desfile anual mais popular dos Estados Unidos, celebrado sempre no primeiro dia do ano, exceto quando este cai no domingo. Desde 1923, após o desfile, joga-se a partida de futebol americano denominada Rose Bowl. 41 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e 3 O Servicemen's Readjustment Act de 1944, também informalmente conhecido como G.I. Bill, era um programa que estipulava uma série de benefícios para os veteranos da Segunda Guerra, incluindo bolsas de estudo. Em 1961, não havia ninguém na indústria como Corman – na verdade, jamais haveria alguém como ele. Numa época em que jovens cineastas americanos aspiravam a seguir os passos de John Ford ou Orson Welles, Corman escolheu um outro caminho. Os anos 1950 tinham visto o rápido crescimento dos cinemas ao ar livre (drive-ins) nos Estados Unidos, e, ao longo dos anos, esses parques de estacionamento cobertos de vegetação, com suas telas enormes, seus quiosques bregas e os pequenos stands de microfone tornaram-se um paraíso para os baby boomer², adolescentes que procuravam um lugar barato para se reunir ou, melhor ainda, namorar. A indústria cinematográfica evoluiu para um mercado jovem, e as crianças que frequentavam os drive-ins não estavam mais interessadas em filmes com personagens complexos e enredos longos. A televisão já estava chamando mais atenção, sem falar nas muitas distrações inerentes ao drive-in, faziam do filme de ação simples e direto a opção ideal. Quanto mais sensacional o filme, melhor. Nascido em Detroit, em 5 de abril de 1926, Roger Corman tinha se mudado para Beverly Hills com sua família quando estava para completar catorze anos de idade. Ele frequentou a Stanford University, onde se graduou em engenharia industrial, sendo que sua educação foi interrompida por um período na marinha durante a Segunda Guerra Mundial. Depois de se formar pela Stanford, ele arranjou um trabalho na Twentieth Century-Fox. Corman começou como mensageiro, até chegar ao posto de analista de roteiro. Insatisfeito com os rumos de sua carreira, ele deixou o mercado e ingressou na Oxford University, através do programa G.I. Bill³, onde estudou literatura inglesa moderna. Depois disso, Corman se mudou para Paris, onde morou por um tempo, antes de retornar aos eua e à indústria cinematográfica. Em 1955, ele dirigiu seus primeiros filmes, Five Guns West e Apache Woman, ambos westerns de baixo orçamento. Ele tinha uma misteriosa habilidade para trabalhar rápido e com pouco dinheiro – alguns de seus filmes foram rodados em poucos dias – e logo se estabeleceu como o produtor-diretor dos filmes exploitation de Hollywood, produzindo longas em uma única tacada, obras com títulos dúbios como Attack of the Crab Monsters, The Viking Women and The Sea Serpent, Machine Gun Kelly, The Wasp Woman e The Little Shop of Horrors. Estes e outros títulos não deviam passar pelas cabeças das pessoas quando as indicações ao Oscar eram anunciadas todo ano, mas os longas sempre pareciam fazer algum dinheiro. Quando ele conheceu Coppola, Corman estava embarcando em uma série de projetos mais ambiciosos, incluindo adaptações de clássicos de Edgar Allan Poe – como The House of Usher, The Pit and the Pendulum, The Premature Burial, Tower of London e The Raven. Corman soube de Coppola através da diretora Dorothy Arzner, uma professora da ucla e uma das primeiras entusiastas de Coppola. Corman perguntou a Arzner se ela tinha algum aluno para recomendar para um trabalho de editor em um de seus filmes, e ela imediatamente falou de Coppola. par te i 2 Baby boomers é uma expressão geralmente usada para se referir, sobretudo, àqueles que nasceram entre 1946 e 1965, um período marcado por um boom da taxa de natalidade. [N.T.] Os colegas da ucla não viam a relação com Roger Corman com bons olhos. Para eles, Coppola havia se vendido. Ele estaria se tornando apenas mais um hollywoodiano superficial. Alguns desses sentimentos eram com certeza embalados por inveja, pois Coppola havia se mostrado tão talentoso quanto engenhoso. Isso ficou evidente quando um roteiro de Coppola ganhou o prestigiado Samuel Goldwyn Award, um prêmio normalmente entregue a romances ou peças. De acordo com Coppola, Pilma, Pilma, vagamente modelado a partir de The Two Christophers, seu filme universitário anterior, foi escrito em um único e longo fôlego. Coppola tinha que se apresentar para fazer um exame físico no exército, e na noite anterior, na esperança de encontrar uma maneira de ser reprovado e evitar o alistamento, ele ficou acordado a noite toda, se empanturrando de café e escrevendo Pilma, Pilma. Na manhã seguinte, um Coppola completamente exausto acabou passando no exame físico 5 Segundo Coppola e outras publicações, não se tratava de um roteiro inteiro, mas de apenas uma cena. 43 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e de shows de marionete a demência 9. (embora nunca tenha sido convocado), mas tinha também um roteiro completo para compensar por seu esforço. “Eu ganhei us$ 2000”, disse Coppola a respeito de seu premiado roteiro, “e depois o vendi por us$ 5000. Todo esse dinheiro por apenas uma noite de escrita apaixonada.” Corman, por sua vez, estava muito satisfeito com todo o reconhecimento concedido a seu protegido, e chegou a recortar os anúncios nos jornais que anunciavam o resultado do Samuel Goldwyn Award. Coppola comoveu-se. Corman tinha um outro filme na manga, chamado The Young Racers, a ser filmado na Europa, que teria imagens reais do Grand Prix e seria mais um longa barato de ação simples e direto destinado aos drive-ins. Corman perguntou a Coppola se ele conhecia alguém que pudesse fazer o som do filme, e, sem se importar com o fato de não ter nenhuma familiaridade com gravação de som, Coppola se candidatou ao trabalho. Assim que foi contratado, ele correu para casa e leu o manual The ‘Perfectone’ sound recorder, em uma espécie de curso intensivo sobre o uso do equipamento. De toda maneira, a experiência foi um tanto ambígua. Corman, Coppola e o resto da pequena equipe viajaram corrida após corrida em uma van da Volkswagen. A inexperiência de Coppola com gravação de som enfureceu Floyd Crosby, o principal diretor de fotografia do filme. Ele reclamava que era possível ouvir o barulho da câmera na faixa sonora, o que implicava a necessidade de refazer o filme. Coppola mantinha firmemente que o problema não era culpa sua. De qualquer maneira, ele se saía bem melhor como diretor da segunda unidade, levantando a sobrancelha quando assumia a câmera na mão até a lateral da pista e, deitando-se no chão, filmava os carros passando com apenas alguns metros de distância. As filmagens terminaram na Inglaterra e na Irlanda. O filme tinha sido extremamente barato, mesmo para os padrões de Corman. Sabendo que Corman gostava de cortar gastos filmando dois filmes em um, usando a mesma equipe e os mesmos atores, Coppola sugeriu que ele poderia fazer um outro longa com o dinheiro que havia sobrado de The Young Racers. “Eu sabia que toda vez que Roger levava uma equipe para as ruas, ele não resistia à ideia de fazer um segundo filme, uma vez que já havia pagado pelo trabalho de todo mundo”, contou Coppola. “Eu apostei nisso, convencendo-o de que eu poderia dirigir o filme. Naquele momento, Roger queria fazer um longa no estilo de Psicose (Psycho, 1960), então eu o vendi uma picante cena de horror que o empolgou um pouco”. “Quando estávamos filmando The Young Racers”, Corman relembra, “eu me dei conta que ainda tinha algum dinheiro para fazer um segundo filme. Nós tínhamos todo o nosso equipamento em uma van da Volkswagen, que poderia ser utilizado na realização de um longa barato e rápido. Francis aproveitou a oportunidade. Ele passou a noite inteira escrevendo um tratamento⁵. Era uma coisa inteligente, bem escrita e extremamente demente. Convenientemente, aquilo virou Demência 13 (1963), seu primeiro filme”. par te i 42 desfocado e transformasse aquilo em dois monstros brigando, com um devorando o outro. Esta seria a diferença entre o filme de ficção científica russo e o americano?” Corman queria uma batalha entre uma monstra sexy e bonita e um oponente masculino sexy e bonito, com ela vencendo a luta e devorando seu inimigo, e instruiu Coppola a criar monstros que fossem “sutilmente masculinos e femininos”. Trabalhando em sua banheira, Coppola e um amigo idealizaram os monstros com uma borracha esponjosa; um parecia uma vagina gigante e dissimulada e o outro, um pênis gigante, com direito a um único e hediondo olho. Corman ficou surpreso com as criações de Coppola – “Fiquei surpreso com o que ele considerava sutil, mas não estava chocado” – e temia que elas jamais passassem pelos censores. Coppola argumentou que ninguém notaria a diferença – uma previsão que se comprovaria verdadeira. Coppola queria impressionar seu mentor, indo às últimas consequências para que Corman apreciasse seu esforço. “Eu, deliberadamente, trabalhava a noite inteira para que, quando ele chegasse na manhã seguinte, me visse caído de sono na moviola”, contou Coppola. “Ele passou a me ver como um cara determinado”. Corman recompensava Coppola abarrotando-o de trabalho. Havia outras ficções científicas russas que precisavam ser dubladas e editadas, bem como outros tipos de filmes que também demandavam os cuidados de Coppola. Ele dirigiu os diálogos de Tower of London (1962) e foi o assistente de The Premature Burial (1962). Para um estudante de cinema de vinte e dois anos que almejava entrar na indústria cinematográfica, trabalhar em um set com uma figura do calibre do veterano Vincent Price era tornar um sonho realidade, uma experiência enriquecedora, que Coppola mais tarde descreveria como “emocionante”. 45 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e memorial de Kathleen. Louise escorrega a carta por debaixo da porta de Lady Haloran e volta ao lago, onde se desfaz da máquina de escrever e da mala do marido. Na manhã seguinte, conhecemos o resto do clã Haloran. Eles são, para dizer o mínimo, um conjunto estranho. Depois de sete anos, Lady Haloran permanece de luto pela morte de sua única filha – ao ponto de Justin Caled, o médico da família, preocupar-se com sua sanidade. Richard Haloran, um escultor renomado, é uma presença depressiva que parece estar sempre à beira do colapso; sua noiva, Kane, que chega na manhã do memorial, parece ser uma força estabilizadora em sua vida. Billy Haloran, o caçula, que estava brincando com sua irmã na hora do afogamento, é assombrado por terríveis pesadelos e sentimentos de culpa. Saimon, um amigo da família, vaga pela propriedade, caçando e, normalmente, irritando as pessoas. A cerimônia do memorial nos dá uma ideia de como Coppola lida com rituais – um de seus pontos fortes como diretor – e ele não nos desaponta: todos os membros da família carregam guarda-chuvas pretos e, no final da cerimônia, colocam uma flor no túmulo de Kathleen – uma cerimônia simples, mas que transborda significados e implicações um tanto misteriosas. Na medida em que o ritual se aproxima do fim, Lady Haloran desmaia e Louise se oferece para cuidar dela. Ninguém na família suspeita que Louise tem a intenção de deixá-la sozinha e de enlouquecê-la. Naquela noite, enquanto vagava pelo Castelo Haloran, Louise passa pelo antigo quarto de Kathleen, que, suspeitamos, está do mesmo jeito desde a morte da menina. Louise rouba algumas bonecas de Kathleen e as leva para o lago. Ela amarra as bonecas juntas com um barbante, entra no lago, e está prestes a levá-las até o fundo quando vê o que parece ser o corpo de uma menina – Kathleen – boiando em um monumento submerso ao lado. Amedrontada, ela nada até a superfície. Quando alcança a margem, ela é atacada por um homem empunhando um machado. Ele a assassina antes que consiga escapar. Sem saber do assassinato, a família especula sobre o súbito desaparecimento de Louise. Enquanto almoçam no gramado, a família toma um susto com a visão das bonecas flutuando na superfície do lago. Robert Haloran acredita ser nada mais do que uma brincadeira de mau gosto, mas os outros não estão convencidos. Justin Caleb, intrigado com os acontecimentos na propriedade dos Haloran, e conduzindo sua própria investigação sobre os eventos, sugere que o lago seja drenado. A esta altura, o caos já está instalado – uma reverência, sem dúvida, a Corman. Enquanto caça, Simon tropeça no corpo de Louise, escondido em uma pequena caverna, mas ele é atacado e decapitado pelo (ainda desconhecido) assassino do machado antes que pudesse se defender ou gritar por ajuda. Lady Haloran é atacada da mesma forma quando visita o local onde Kathleen costumava brincar, mas ela consegue escapar. par te i de shows de marionete a demência 44 A cena de Coppola era puro Roger Corman: é tarde da noite e um homem sozinho à beira de um lago. Ele tira cinco bonecas de dentro de uma bolsa e as amarra juntas com um barbante. Ele então tira toda a sua roupa e mergulha no lago, nadando cada vez mais fundo com as bonecas, que ele pretende deixar no fundo do lago. Ele completa sua tarefa e está prestes a retornar à superfície quando enxerga o corpo bem preservado de uma menina de sete anos de idade no fundo do lago. Corman amou a ideia. “Troque o homem por uma mulher”, ele disse a Coppola, “e você poderá fazê-lo”. A audácia de Coppola, mais uma vez, valeu a pena. Havia, contudo, um detalhe importante com o qual Coppola teria que lidar: ele não tinha nenhum roteiro e nenhuma ideia a respeito da direção que a história poderia tomar – somente a cena que ele usou para convencer Corman a deixá-lo fazer o filme. Coppola não estava preocupado. Como ele diria mais tarde, sua vontade de aproveitar ao máximo cada momento era justamente uma das características que o distinguia de seus colegas e aspirantes a cineastas. “Nós estávamos na Irlanda com uma equipe que implorava para ser utilizada”, contou ele. “Eu sonhava com uma ideia para um filme enquanto todos os outros falavam sobre fazer um filme. O segredo por trás das minhas realizações é o fato de que eu sempre assumi grandes riscos com o meu envolvimento pessoal. Enquanto os outros suplicavam, ‘Roger, deixe-me fazer um filme’, eu simplesmente sentei e escrevi um roteiro”. Corman gostou do título Demência, e isso e a cena do lago formaram a espinha dorsal do roteiro. Hoje, quando vemos Demência 13, identificamos uma estranha combinação de influências e talentos, em parte, Coppola, e, em parte, Corman, com toques tanto de Psicose quanto dos filmes de horror para drive-ins daquele momento. A obsessão de Coppola pelas dinâmicas familiares está no coração da história, que nos fala de uma família disfuncional que vive no Castelo Haloran, comandada por uma matriarca meio louca e assombrada pela morte por afogamento de uma de suas crianças. No início da história, a família está reunida para comemorar o aniversário da morte de Kathleen Haloran. É tarde da noite e John Haloran e sua esposa, Louise, estão remando um barco no grande lago da propriedade, discutindo sobre o testamento de Lady Haloran. Lady Haloran, ao que parece, quer doar toda a fortuna da família para a caridade – uma decisão que não é bem aceita por Louise, que, muito provavelmente, casou-se por dinheiro. John Haloran, ficamos sabendo, tem um problema no coração, e enquanto rema o barco e discute com sua esposa, sofre um ataque fatal. Ao se dar conta de que não será mais considerada um membro da família, Louise joga o corpo de Haloran no lago, e, depois, quando retorna sem aviso à propriedade, inventa uma história sobre a ausência do marido. Ela redige e assina uma carta, supostamente escrita por ele, em que John explica que teve de retornar para Nova York e não poderá participar do de shows de marionete a demência 46 Roger Corman tinha que voltar para os eua, e deixou Coppola sozinho para filmar seu longa. Antes de partir, Corman entregou os vinte mil dólares da produção para uma secretária, que deveria coassinar qualquer cheque que fosse emitido. Coppola encontrou rapidamente uma maneira de subverter essa ordem: ele fez a secretária assinar um cheque em branco, que ele preencheu com o valor de vinte mil dólares. Ele então usou o dinheiro para abrir uma nova e distinta conta. Receoso de que talvez precisasse de mais dinheiro para financiar o filme, Coppola encontrou Raymon Stross, um produtor britânico, que ofereceu a mesma quantia pelos direitos britânicos do longa. Como um privilégio, Coppola poderia filmar no Ardmore Studio de Dublin. Coppola estava empolgado. “Nós éramos jovens e estávamos fazendo um filme”, ele se lembra. “Acho que aquele entusiasmo dizia respeito ao fato de que quando se é jovem, seus padrões são mais baixos. Se você filma algo que parece com um filme, isso te deixa eufórico”. Com quarenta mil dólares à sua disposição, Coppola tinha todo o dinheiro que ele precisava para filmar por duas semanas no campo e nove dias nos estúdios de Ardmore. Ele contava com um número de pessoas que não estavam em The Young Racers, incluindo o diretor de arte Al Locatelli, que vinha trabalhando com Coppola desde os filmes eróticos, e o ator William Campbell, que interpretaria Richard Haloran. Luana Anders, outra veterana de Corman, assumiu o importante papel de Louise Haloran, enquanto Bart Patton, um amigo de Coppola da ucla, ficou com Billy Haloran. Coppola completou seu elenco com atores locais que topariam trabalhar por baixos salários ou, em alguns casos, por uma pequena porcentagem dos lucros futuros do longa – se houvesse algum. “Quando eu estava prestes a filmar Demência 13 na Irlanda”, relembra Coppola, “eu avisei a muitos dos meus amigos da ucla que eu estava fazendo um filme – palavras mágicas – e convidei alguns para fazer parte da minha equipe, obviamente por pouquíssimo dinheiro. Eu esperava que um deles, John Vicario, fosse o diretor de fotografia. Ele mencionou que gostaria que sua namorada, Ellie Neil, pudesse ir com ele”. 47 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e 10. Eleanor Neil estava três anos à frente de Coppola na ucla e era uma artista talentosa. Ela era de Los Angeles, tinha se formado pelo departamento de artes com um diploma em design e viajado bastante, visitando o México e o Peru, pedindo carona e dirigindo pela Europa. Ellie havia chegado na Irlanda pensando que a indústria cinematográfica era algo grandioso e glamouroso, mas, como ela se lembraria mais tarde, a primeira vez que pôs os olhos em Coppola, em uma fazenda que servia de base para a produção, viu um personagem desalinhado, despenteado, sem camisa e vestindo somente os shorts do pijama, distribuindo o roteiro de Demência em folhas mimeografadas. Ela soube naquele momento que ele era um líder, e flagrou a si mesma absolutamente atraída por ele. “Eu fui tomada pela sua intensidade e energia”, conta ela. “Todos estavam correndo de um lado para o outro, preparando-se para filmar segundo sua direção, e eu estava impressionada com a maneira que ele comandava a situação. Em um caos de baixo orçamento, ele tinha controle de todos que trabalhavam para ele”. Além de estar atraída pela evidente inteligência e pelo poderoso ar de autoridade de Francis, Eleanor foi conquistada pelo que para ela parecia uma exótica personalidade italiana. “Eu nunca tinha conhecido um ítalo-americano antes”, admitiu. “Ele era divertido, afetuoso e muito expressivo emocionalmente, comparado aos ingleses reservados com os quais estava acostumada. Eu o achava emocionante”. Naquele momento, Coppola estava saindo com uma jovem irlandesa nos fins de semana, e ele e Ellie começaram o relacionamento como amigos. No entanto, quando Coppola encerrou as filmagens, tanto ele quanto Ellie haviam terminado seus respectivos relacionamentos e estavam prontos para transformar aquela amizade em algo mais romântico. Logo tornar-se-iam companheiros. Durante sua estadia na Irlanda, Coppola recebia mensagens de Roger Corman, que vivia incitando-o a colocar mais sexo e violência no filme; ele certamente não queria um thriller psicológico e artístico. Corman, como veríamos mais tarde, tinha mais trabalho para Coppola, e assim que este encerrou as filmagens de Demência, foi despachado para a Iugoslávia, onde supervisionou o roteiro de um mistério intitulado Operation Titian. Ellie acompanhou Coppola até Dubrovnik, mas tinha que retornar para a ucla, onde estava dando um curso, e o que havia se tornado um interlúdio romântico chegou ao fim. Ellie voltou para os eua e Coppola permaneceu na Iugoslávia para terminar o trabalho no filme de Corman. Quando retornou, Coppola montou um primeiro corte de Demência e o mostrou a Corman. O produtor achou o filme confuso em algumas partes e queria mais violência – sobretudo, mais um assassinato – mas estava “feliz” com os esforços de Coppola. “Era um filme pequeno”, disse Corman. “Era preciso acrescentar mais uma cena para chegarmos à sua duração, mas Francis estava ocupado, par te i No dia seguinte, o lago é drenado e a família encontra um misterioso artefato – um busto, feito para Kathleen. Richard é imediatamente acusado como autor do busto, mas ele nega ter qualquer envolvimento com isso. Depois de encontrar o corpo de Louise pendurado em um gancho, Justin Caleb decide atrair o assassino para fora de seu esconderijo. Ele é bem sucedido, colocando uma boneca similar a Kathleen em um chafariz próximo à propriedade, e quando o assassino – Billy Haloran – aparece com um machado, pronto para matar outro membro da família, o médico atira. Quando Billy morre, seu segredo é revelado: ele havia empurrado Kathleen no lago, e enlouqueceu com seus sentimentos de culpa. 49 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e Com efeito, Nicholson havia trabalhado para Corman tempo suficiente para conhecer seus métodos. E estava um pouco impressionado com o fato de Coppola tratar Sombras do Terror com a mesma seriedade que ele, quando o filme na verdade tinha sido planejado como apenas mais um longa de baixo orçamento. “Eu acho que Roger pegou pesado com Francis”, especulou Nicholson, “porque nunca ninguém ultrapassava o orçamento e ele deveria ficar por lá por dias e nós acabamos ficando por onze ou algo assim. Nós achávamos que seríamos metralhados ou que jamais trabalharíamos novamente”. Nicholson relembra uma cena em particular – que Coppola, quando perguntado anos depois, negou qualquer lembrança – em que quase se afogou na arrebentação do Big Sur. De acordo com Nicholson, Coppola o pediu que entrasse na água supostamente para procurar por um dos personagens do filme. Nicholson, vestindo um uniforme militar pesado da era napoleônica, deveria caminhar uma distância significativa para dentro da arrebentação, mas, quando ele o fez, se viu em uma situação temerosa. “Nunca ficava fundo”, ele explicou, “então, para parecer que estava desaparecendo – pensei nisso enquanto caminhava – eu me agachei até os joelhos. Quando as primeiras ondas bateram em mim, elas me derrubaram. Quando afundei com o pesado uniforme do Tenente Duvalier, achei que não conseguiria me levantar. Eu estava preso ao chão por causa do peso do uniforme. Eu tive alguns segundos de pânico porque estava debaixo d’água já por algum tempo. Saí correndo de lá e fui tirando aquela porcaria de uniforme enquanto corria, morrendo de frio”. (“Eu realmente não me lembro de nada neste sentido”, Coppola disse quando contestado a respeito, embora admitisse que havia rodado cenas com Nicholson no Big Sur. “Jack era um cara brilhante e cínico – não consigo imaginar que ele pudesse me deixar colocá-lo em uma situação como essa”). Considerando a fama que ambos teriam em poucos anos, as filmagens de Sombras do Terror tornaram-se um encontro passageiro e revelador de um dos bad-boys mais famosos de Hollywood e um ambicioso e determinado jovem diretor. A história de Coppola sobre Nicholson à beira do córrego seria uma das poucas lembranças que ele teria dessas filmagens. “Em outro momento”, ele lembrou, “encontrei um lugar com milhares de borboletas. Acho que tinham acabado de virar borboletas. Enviei algumas pessoas para juntarem aquelas borboletas, o que levou umas três ou quatro horas. Eu preparei uma locação por onde Jack e sua então esposa, Sandra Knight (que também aparecia no filme), deveriam caminhar amorosamente e depois se beijarem em meio a milhares de borboletas. Nós nos preparamos e começamos a filmar. Quando Jack e Sandra entraram em cena, indiquei que liberassem as borboletas. Jack caminhou na direção da câmera e pôs sua língua para fora. Então, quando todas as borboletas desapareceram, ele disse: ‘Ah, você estava rodando?’” par te i de shows de marionete a demência 48 então nós contratamos Jack Hill para filmar a cena adicional. Francis não estava satisfeito com isso, mas entendeu que era preciso para que o filme tivesse uma duração correta. No final, o filme era muito bom – uma estreia impressionante”. A tutela de Coppola sob Corman estava claramente caminhando para um desfecho, embora Coppola tenha se prontificado a ajudar Corman com um trabalho absolutamente confuso que seria lançado como Sombras do Terror (The Terror, 1963). Corman tinha terminado de filmar The Raven, uma de suas melhores adaptações de Edgar Allan Poe, e ao tomar conhecimento que Boris Karloff, o protagonista do filme, ainda estava em Big Sur, onde The Raven havia sido rodado, ele decidiu realizar um outro longa. Como não tinha nenhum roteiro – ou mesmo uma ideia sobre o que seria a história – ele convocou um roteirista para juntar algumas cenas que pudessem ser filmadas enquanto Karloff ainda estivesse na região. O fato daquilo não fazer nenhum sentido não preocupava Corman: ele ainda tinha a estrela da ucla sob suas asas e ele daria um jeito de fazer este longa. Coppola fez o seu melhor, mas o filme era risível – terrível demais para ser qualquer coisa além de uma péssima paródia de um dos próprios filmes de Corman. O diálogo era incompreensível e a ação dava voltas sem nenhum rumo. No entanto, Sombras do Terror deu a Coppola a oportunidade de trabalhar com um ator desconhecido chamado Jack Nicholson, que também estava sob a tutela de Corman. Para alguém inexperiente como Coppola, Nicholson poderia ser um desafio. “Eu era do tipo estudante de teatro”, Coppola permitiu-se, “e muitas das pessoas que Roger tinha reunido para Sombras do Terror – Dick Miller e Jack Nicholson, para nomear dois – eram veteranos de alguns de seus filmes de baixo orçamento. Quando cheguei, sugeri que nos encontrássemos aquela noite para ensaiar, Jack achou aquilo engraçado: como se pode ensaiar um filme, especialmente um que se passa num bosque? Eles eram um pouco mais velhos do que eu, e não tinham o menor receio em utilizar uma estranha erva que viviam fumando”. “Eu acho que o Jack se divertia me provocando. Um dia, nós estávamos prestes a filmar uma cena em que ele deveria olhar para um córrego e, ao ver peixes nadando, dizer, ‘Olhe, deve haver milhares deles’. Mas ele se recusou a dizer essa linha. Quando eu o perguntei o porquê, ele me respondeu, “Bem, uma vez Roger me pediu para fazer uma cena em que Vincent Price dedilhava um alaúde que fazia twang-twang-twang. Eu tinha que dizer, ‘Que adorável, foi você mesmo que compôs?’ Roger me disse que ele substituiria o twang por um belo som de alaúde. É claro que, no corte final, eu entro e digo ‘Que adorável, foi você mesmo que compôs?’ e ainda estava lá aquele horrível twang-twang-twang. Eu me senti um idiota. Então, se você me pedir para dizer ‘Olhe, deve haver milhares deles’, eu sei que quando você editar essa cena vamos ver apenas três peixes dourados nadando”. de shows de marionete a demência 50 Depois de duas semanas, Coppola chegou ao seu limite. Ele voltou para Los Angeles e disse para Roger Corman que estava seguindo em frente. Em retrospecto, o período em que Coppola esteve com Corman representou a melhor formação que ele poderia ter tido e, embora ele só fosse conseguir fazer outro filme três anos depois, Coppola estava pronto para seguir carreira como cineasta. Em entrevistas futuras, ele sempre expressaria sua gratidão e dívida para com Corman por todas as oportunidades que ele lhe havia oferecido. Para um primeiro filme, Demência 13 (renomeado porque o título Demência já havia sido tomado, e porque Corman acreditava que com o 13 o filme poderia ser exibido nos cinemas no décimo terceiro dia de cada mês) não era lá muito original, mas estava longe de ser vergonhoso. Em alguns momentos, a fotografia em preto e branco era criativa e bonita, e se a história parecia fraca, algumas de suas fragilidades podiam ser atribuídas à juventude de Coppola, à forte influência de Roger Corman e ao fato do roteiro ter sido escrito em apenas três dias. O filme, contudo, não se saiu bem nos drive-ins – ou com a crítica – quando foi lançado em setembro de 1963. Era normal que os críticos dos grandes jornais e revistas sequer escrevessem sobre os filmes adolescentes de Corman, e Demência 13 não era nenhuma exceção. O The New York Times publicou uma crítica, mas não o tipo de coisa a respeito da qual Coppola poderia se gabar. “Não queira saber qual é o sentido de Demência 13 – ou o que aconteceu com as outras 12 demências. Uma é suficiente”, escreveu o crítico Howard Thompson, que descreveu a direção de Coppola como fria. (“De cara, pensei que estivesse escrito “sólida”, sublinhou Coppola, “mas meu irmão me corrigiu”) No New York Herald Tribune, a reação ao filme foi um pouco mais positiva, mas não muito: “Demência 13 é um pequeno, sangrento e misterioso filme que os amantes do horror e das histórias de detetive podem talvez, quem sabe, gostar”. A recepção do filme não teve muitas consequências para Coppola. No momento em que seu primeiro e legítimo longa chegava aos cinemas, ele já estava em outro momento, sem saber quando – ou mesmo se – voltaria a dirigir um filme novamente. — francis ford coppola, discutindo sua mudança para São Francisco Enquanto realizava O Caminho do Arco-Íris (Finian’s Rainbow, 1968), Francis Ford Coppola assegurou a George Lucas que o sucesso do longa seria uma espécie de carta branca para seus filmes futuros. Coppola usaria sua influência para garantir o financiamento de seus projetos futuros, e tudo o que Lucas precisava fazer era seguir na aba de Coppola. A autoconfiança de Coppola, no entanto, começou a se esvair quando finalizou O Caminho do Arco-Íris – apesar das previsões da Warner Bros.-Seven Arts de que se tratava de um sucesso de bilheteria. Coppola reconhecia que O Caminho do Arco-Íris não funcionava muito bem, que um fracasso poderia afundar projetos futuros da mesma maneira que um sucesso poderia assegurá-los, e ao invés de esperar para ver como o filme se sairia com os críticos e o público, decidiu que era urgente garantir o acordo para a realização de Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969) assim que fosse possível. Ele já tinha um roteiro parcial, escrito enquanto ainda filmava O Caminho do Arco-Íris. Era baseado em seu próprio conto The Old Gray Station Wagon (mais tarde alterado para Echoes), redigido em uma aula de escrita criativa na Universidade da Califórnia. Na história, três mulheres – uma jovem dona de casa, casada há apenas algumas semanas; uma mulher de meia-idade, com várias crianças; e outra mais velha – deixam seus maridos e viajam juntas. Coppola se inspirou em um incidente de sua infância: sua mãe, depois de uma briga com seu pai, deixou a família por dois dias. Quando Italia voltou, disse à família que tinha ficado em um motel – embora ela tivesse, na verdade, passado todo aquele tempo na casa de sua irmã. Contudo, a ideia de sua mãe, fora de casa, sozinha e com medo em um quarto de motel, era uma imagem forte e poderosa para o jovem Francis. Embora tivesse começado a escrevê-la ainda em Hofstra, Coppola nunca se satisfez com a conclusão da história. Quando escreveu a adaptação cinematográfica da história, agora intitulada Caminhos Mal Traçados, Coppola decidiu se concentrar em apenas uma mulher – a dona de casa mais jovem que descobre estar grávida – e escreveu o roteiro especificamente para a atriz Shirley Knight, que ele havia conhecido no início do ano no Festival de Cannes. Ele admirava o trabalho de Knight – a atriz de trinta anos de idade já havia sido nomeada para dois Oscars por Sombras no Fim da Escada (The Dark at the Top of the Stairs), em 1960, e para Doce Pássaro da Juventude (Sweet Bird of Youth), em 1962 – e ela tinha entregado recentemente uma performance poderosa no filme britânico Dutchman (1967). Coppola a conheceu justamente após a exibição do longa em Cannes. “Ela estava chorando porque alguém tinha sido rude com ela”, lembrou Coppola. “Fui até ela e disse: ‘Não chore, eu vou escrever um filme para você.” michael schumacher Publicado originalmente sob o título “American Zoetrope” em schumacher, Michael. Francis Ford Coppola: A Filmmaker's Life. Crown Publishers: New York, 1999. p. 62–86. Tradução de Julio Bezerra. Texto traduzido e publicado sob permissão do autor, 2015. 53 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e “Em Los Angeles, a gente fala de negócios. Aqui, falamos de filmes”. par te i AMERICAN ZOETROPE nheiro suficiente, nem mesmo se contava com algum outro investidor caso eles se recusassem. Coppola manteve o blefe. Ele, na verdade, tinha pouco dinheiro, um roteiro de filmagem inacabado e um orçamento incompleto, mas, quando os executivos do estúdio o questionaram sobre os rumores que estavam ouvindo sobre um novo projeto, Coppola agiu como se o filme fosse um negócio certo. “Olha”, ele disse a eles em uma sexta-feira no final do outono de 1967, “eu estou começando a rodar na segunda-feira e preciso de algum dinheiro. Se vocês não quiserem me dar o dinheiro, vou buscá-lo com outra pessoa”. A Warner Bros.-Seven Arts, sem querer contestar seu blefe e arriscar perder um talentoso jovem diretor, decidiu fazer, pelo menos, uma oferta mínima. O estúdio prometeu três quartos de um milhão de dólares para Coppola – uma oferta longe de ser generosa, mas o suficiente para começar o filme. Ao longo de sua carreira, Coppola teria um relacionamento espinhoso com os sindicatos, dos quais ele, com razão, reclamava por alavancarem os custos de produção de um filme e restringirem a espontaneidade. Para alguém como Coppola, que ainda abrigava a mentalidade de um estudante de cinema e que, como de regra, desde o início teve pouca simpatia por sindicatos, lidar com eles era um mal necessário, um fato que ele poderia odiar, mas não ignorar. Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969) trouxe desafios especiais para Coppola. Apesar de ter recebido pouco dinheiro para trabalhar, ele tinha esperança de que, com alguma sorte, poderia manter suas despesas ao mínimo. A produção era para ser modesta, envolvendo um pequeno grupo de atores e técnicos que viajariam de cidade em cidade, em caravana, conectados por walkie-talkies. Paradas não seriam planejadas com muita antecedência. Todos se hospedariam em hotéis baratos de beira de estrada e seriam proibidos de trazer cônjuges, amantes ou membros da família junto. Fazer o filme seria uma aventura. Os sindicatos viam tudo isso de forma diferente. Durante décadas, suas lideranças haviam trabalhado com zelo para estabelecer acordos favoráveis e de longa data com a indústria cinematográfica, e alguém como Coppola representava uma ameaça à ordem estabelecida. Como admitiu o próprio diretor, ele sempre teve entre cinquenta e cem pessoas à disposição durante as filmagens de O Caminho do Arco-Íris (Finian’s Rainbow, 1968); e ao viajar com uma pequena trupe de uma dúzia ou pouco mais para Caminhos Mal Traçados, ele estava eliminando dezenas de postos de trabalho. Além disso, como estava movendo sua empresa de estado para estado, Coppola teria que lidar com os sindicatos locais, cada um querendo a sua 55 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e 2. par te i americ an zoetrope 54 E ela disse: ‘Você vai? Que fofo’. “Eu então voltei no tempo, tirei este projeto de faculdade da gaveta e decidi falar de apenas um personagem”. A ideia de escrever um roteiro para uma atriz, Coppola admitiu, agradava aos seus “preconceitos românticos”. Ele se via como Michelangelo Antonioni, escrevendo roteiros para Monica Vitti. Caminhos Mal Traçados seria um filme sobre autodescoberta. Natalie, personagem principal do longa, apenas deixaria o marido, sem saber o que faria em seguida ou mesmo se um dia voltaria para casa. Em algum lugar ao longo do caminho, ela esbarraria com um ex-astro do futebol americano universitário. Este jovem com sérios problemas mentais se tornaria muito dependente dela. Coppola tinha escrito um roteiro para o filme, mas uma parte da ação, bem como os cenários, decidiu, seriam selecionados ao longo do processo. Ele, seus atores e uma esquelética empresa de produção cairiam na estrada, filmando o que quer que fosse, deixando que os diversos espaços ajudassem a compor a ação do filme. A ideia era ousada e corajosa, mas não do tipo que se poderia facilmente propor a potenciais financiadores, que tendiam a querer detalhes sobre ambos o enredo do filme e custo final do projeto. Coppola, no entanto, tinha aprendido algumas coisas em suas experiências com Hollywood. De Roger Corman, ele havia conhecido uma forma mais rápida e barata de trabalhar, improvisando sempre que necessário. Desde seus dias como roteirista, ele tinha aprendido a amarrar um roteiro em um curtíssimo período de tempo. Ele também colecionara experiências suficientes com os estúdios para saber alguns dos prós e contras de se obter a aprovação de um projeto. Coppola tinha conseguido financiamento para Agora Você É Um Homem (You’re a Big Boy Now, 1966) convencendo um estúdio de que ele faria o filme com ou sem a ajuda da empresa; ele assumiria uma abordagem semelhante, embora levemente diferente, em Caminhos Mal Traçados. Percebendo que poderia fazer as fofocas trabalharem a seu favor, Coppola deixou escapar algumas pistas para a Warner Bros.-Seven Arts de que ele estaria desenvolvendo um novo e secreto projeto – que ele começaria a filmar em breve. Ele então reuniu George Lucas, o ator James Caan e uma pequena equipe de filmagem em Hofstra, onde rodou algumas cenas muito secas de um jogo de futebol – elas seriam usadas como flashbacks em Caminhos Mal Traçados. O estúdio não fazia ideia das verdadeiras atividades de Coppola, mas, pelo pouco que sabiam, concluíram que o cineasta faria o filme de forma independente, se assim fosse necessário. Foi uma jogada inteligente – e mais um blefe bem-sucedido. Coppola tinha investido oitenta mil dólares do seu salário de O Caminho do Arco-Íris em equipamentos de última geração necessários para criar a unidade móvel de filmagem e edição que ele levaria em sua viagem pela estrada, mas não tinha nem de longe o valor necessário para fazer Caminhos Mal Traçados. O estúdio, é claro, não sabia se Coppola tinha ou não di- 57 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e Lucas acabaria por comparar a realização de Caminhos Mal Traçados com o tipo de experiência que ele tinha vivido na escola de cinema. “A equipe de filmagem de Caminhos Mal Traçados era muito, muito pequena, e todos contra o status quo”, disse ele. “Eu acho que havia apenas cerca de treze ou catorze pessoas em toda a equipe. E eu me tornei o assistente geral de todo mundo. Eu fui o terceiro assistente de diretor, o terceiro assistente de direção de arte, o terceiro assistente de câmera – o terceiro assistente de tudo. Como éramos poucos, eu fazia o que era preciso em um determinado momento. Foi divertido. Nós todos compramos aquela ideia, trabalhamos juntos e nos divertimos muito”. Barry Malkin descreveria as filmagens de Caminhos Mal Traçados como “uma das experiências mais interessantes que eu tive no cinema” – e por um bom motivo. Tudo parecia ser feito às pressas, no mais rigoroso dos orçamentos e da forma mais não tradicional possível, mas para o grupo de jovens cineastas, tudo aquilo só fazia aumentar o espírito de aventura. “Eu trabalhei em um trailer que servia a muitos propósitos no filme,” lembra Malkin. “Era uma espécie de ilha de edição. E também carregava os figurinos, a maquiagem e as películas do filme. Fizemos a transferência do nosso som na parte de trás do trailer. Nós enviaríamos a película para Nova York para ser processada e ela seria enviada de volta para nós via Greyhound (empresa de ônibus) – era uma era pré-FedEx. Ocasionalmente, alugaríamos um cinema tarde da noite, onde poderíamos projetar o que havíamos feito com um problema de dez segundos de sincronia. Teríamos um rádio na plateia, onde estaríamos sentados, e outro rádio na cabine de projeção. Dizíamos ao nosso técnico de som para parar a máquina por alguns segundos ou que ele a acelerasse. Essa era a maneira bizarra que tínhamos para assistir ao material na tela grande. Foi uma experiência inesquecível, e nós nos divertimos muito – e nem sempre podemos dizer isso sobre a produção de um filme”. A maior parte da viagem foi capturada em filme por Lucas, que estava filmando um curta documentário sobre o making of de Caminhos Mal Traçados. Logo no início da produção, Lucas se aproximou de Coppola com a ideia de fazer um documentário. Coppola aceitou, deu-lhe uma câmera, película e doze mil dólares (retirados do orçamento para a fotografia) da produção. O documentário de Lucas, Filmmaker, conseguiu captar a essência dos altos e baixos das filmagens de Caminhos Mal Traçados, desde a exuberância de trabalhar em um projeto arriscado, porém gratificante, que desafiava a forma como os filmes eram normalmente feitos em Hollywood, até o raivoso confronto ao telefone entre Coppola e um executivo da Warner Bros.- Seven Arts, durante o qual o cineasta ameaçava abertamente o sistema que ele aos poucos havia passado a odiar tão intensamente. “O sistema vai cair por seu próprio peso”, Coppola gritou ao telefone. Para George Lucas, a filmagem de Caminhos Mal Traçados seria lembrada como um momento em que as sementes para grande parte do seu futuro par te i americ an zoetrope 56 fatia do bolo – uma situação que o diretor, com suas limitações financeiras, não podia se dar ao luxo de ignorar. Após algumas negociações, eles chegaram a um acordo. “Nós fizemos um acordo muito criativo com os sindicatos locais”, lembra Coppola. “Nós tínhamos uma equipe de nove homens, e se levássemos três homens de Nova York, três de Chicago e três de Los Angeles, poderíamos viajar por todo o país e trabalhar em qualquer jurisdição. Eu achei aquilo realmente útil e muito criativo”. A equipe de Coppola em Caminhos Mal Traçados era excelente. George Lucas o ajudou de diversas maneiras, colaborando com o trabalho de câmera e som e, em geral, agindo como uma espécie de faz-tudo. A direção de fotografia ficou com Bill Butler, que rodaria dezenas de filmes no futuro, incluindo vários longas da franquia Rocky, Tubarão (Jaws, 1975) e Um Estranho no Ninho (One Flew over the Cuckoo’s Nest, 1975) – pelo qual ele receberia, juntamente com Haskell Wexler, uma indicação ao Oscar. Barry Malkin, amigo de Coppola há mais de uma década, subiu a bordo como montador do filme. Embora Shirley Knight fosse a atriz mais famosa do elenco, Coppola atribuiu papéis principais para dois atores que, dentro de poucos anos, se tornariam grandes nomes da indústria cinematográfica. James Caan, um aluno de Hofstra, que costumava em geral fazer pequenas participações, assumiu seu primeiro papel principal, interpretando Jimmie “Killer” Kilgannon, o ex-jogador de futebol americano. Robert Duvall, até então mais lembrado por ter vivido Boo Radley em O Sol É para Todos (To Kill a Mockingbird, 1962), ficou com o outro papel masculino, um policial conturbado chamado Gordon. A viagem de Caminhos Mal Traçados começou no início de abril de 1968 em Long Island, Nova York, e seguiu por 18 semanas, atravessando dezoito estados em 105 dias de filmagem e com uma pequena caravana de sete veículos. Coppola ajustava o roteiro conforme a viagem avançava, adaptando algumas cenas para as locações pelas quais passavam. Em Kentucky, a empresa se deparou com um obstáculo quando um operador de uma barca se recusou a autorizar que eles filmassem a bordo da embarcação; Coppola apelou aos funcionários do Estado e acabou conseguindo a permissão. Em Chattanooga, Tennessee, o grupo assistiu a um desfile de Dia das Forças Armadas, que Coppola filmou e incorporou engenhosamente ao filme. (“Eu estava um pouco envergonhado”, disse James Caan a respeito da experiência do desfile, “mas Francis era muito corajoso. Claro”, Caan brincou,”é fácil ter coragem quando você só tem que mandar seu ator ir para o meio do desfile”.) Quando eles chegaram no Sudoeste, Coppola, Lucas e outros integrantes da equipe rasparam a barba e tentaram parecer mais apresentáveis para o povo local, que tendia a desconfiar de qualquer um que se assemelhasse a um hippie. “Coppola estava irreconhecível sem sua barba”, lembrou Lucas com algum divertimento “e ninguém iria ouvi-lo.” 3. Mas filmes, Coppola sabia muito bem, não são, necessariamente, reescritos ou revisitados. “Os filmes são como ex-namoradas”, observou ele, em 1974, traçando uma comparação que o faria estremecer décadas mais tarde, quando lembrado dela. “Uma vez que você já as teve e não quer mais nada com elas, você não vai voltar.” 59 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e permitir que ele a guiasse como diretor. “Quando olho para trás agora”, declarou ele, “sinto que o verdadeiro problema é que ela tinha um gosto ruim na boca de sua experiência em Hollywood; ela preferia o teatro. Eu cheguei e prometi uma maravilhosa espécie idealista de cinema. Quando começamos a trabalhar, ela percebeu que não era só aquilo, talvez tenha começado a sentir que este era apenas mais um filme de Hollywood”. As diferenças de opinião marcaram a personagem de Natalie na versão final do filme. Como desenvolvido por Coppola, Natalie era para ser uma mulher compassiva e decente, conduzida à beira do desespero pelo medo e a incerteza de ter um filho. Algumas de suas ações menos elogiáveis deveriam ser encaradas como resultado da intensa pressão provocada pela gravidez e seu relacionamento com o infantil Kilgannon. No entanto, como retratado por Knight, Natalie parecia às vezes muito antipática – distante, egoísta e até mesmo cruel – e os espectadores encontravam dificuldades para ver seu ponto de vista. “O personagem que Francis estava procurando era um pouco mais simpático”, comentou James Caan quando questionado sobre os problemas que Coppola teve com sua atriz principal. “Mas ela era mesmo um pouco má e isso dificultava a relação com o espectador. Lembro de uma vez em que puxei os fios para fora do telefone em uma cabine. Era para a Shirley sair da cabine de telefone e me repreender. Mas, de repente, ela me deu um tapa no rosto e cravou as unhas na minha bochecha; ela arrastou as unhas pelo meu rosto e me cortou, literalmente. Eu estava tão dentro do personagem que eu gritei ‘Você me machucou’, mesmo que aquilo não estivesse escrito no roteiro. Francis gostou e deixou aquilo no filme. Ela tinha esse tipo de maldade”. Os problemas da personagem, Coppola acabaria compreendendo, também eram culpa sua. Quanto mais irritado ele ficasse por seus confrontos com Knight, mais ênfase ele colocava em Kilgannon. Uma grande quantidade de atenção e substância foi atribuída a outros personagens, em particular ao policial e a um guarda de zoológico que empregou Kilgannon brevemente. A personagem de Knight acabou encolhendo e, no processo, suas ações e motivações tornaram-se menos claras. A solução de Coppola para seus problemas com a atriz poderiam tê-lo poupado mais sofrimento no set, mas em última análise, danificado seu filme. “Eu me acovardei”, ele acabaria por confessar, acrescentando que gostaria da oportunidade de reescrever o filme. par te i americ an zoetrope 58 estavam germinando. Ele estava ganhando experiência prática em cinema e, através de diversas discussões com Coppola e outros membros da equipe, ele formava ideias que marcariam seus estúdios e carreira, primeiro na American Zoetrope e, depois, nas empresas da Lucasfilm. Além disso, quando estava rodando Caminhos Mal Traçados em Nebraska, Lucas começou a planejar o filme com o qual ele seria mais frequentemente associado. “George teve a ideia de fazer Guerra nas Estrelas enquanto fazíamos Caminhos Mal Traçados”, lembrou Mona Skager, uma produtora associada do filme de Coppola. “Estávamos sentados no lobby do motel, à espera de Francis e Ellie, e George assistia a Flash Gordon (1980) na televisão. De repente, ele começou a falar sobre como deveria fazer um filme como esse, com hologramas e tudo. Eu nem sabia o que era um holograma. Mas foi quando ele falou pela primeira vez em Guerra nas Estrelas”. Embora a maioria das pessoas que trabalhou em Caminhos Mal Traçados lembre com carinho da experiência, havia muita tensão ao redor do filme, dentro e fora do set. A incerteza diária deixava Coppola emocionalmente esgotado. Ele enfrentava, como na produção de seus dois longas anteriores, responsabilidades dobradas. Esperavam que ele fosse um líder, mas, toda vez que pisava atrás da câmera, Coppola tinha que lidar com seus próprios sentimentos de insegurança, temendo não estar à altura da tarefa. “Eu estou cansado de ser a âncora quando vejo meu mundo ruir”, confessou Coppola no documentário de Lucas. Na maior parte do tempo, Coppola se dava bem com seu elenco e equipe, embora tenha enfrentado alguns problemas quando, após emitir um memorando proibindo a presença de familiares e amantes no set, trouxe Ellie, Gio e Roman, sendo que eles passaram a acompanhar as filmagens em uma minivan Volkswagen. Eram, contudo, contratempos menores se comparados ao que Coppola enfrentava com Shirley Knight. A atriz, acostumada a trabalhar em produções mais estruturadas, não gostava das improvisações de Coppola, que, segunda ela, estava transformando completamente a personagem que inicialmente retrataria. Ela odiava ver os outros membros do elenco e da equipe atenderem a todos os caprichos de Coppola, como se ele fosse Orson Welles, e se ressentia das condições de trabalho, dormindo em um motel diferente a cada noite, comendo comida ruim de estrada e ainda tentando encontrar a história do filme. Ela e Coppola discutiam com frequência a respeito do filme e de sua personagem, mas pouco se resolvia seguindo suas vontades. “Se ele tivesse feito tudo o que disse que ia fazer, teria sido um filme maravilhoso”, ela disse mais tarde. Coppola se sentia mal sobre a forma como as coisas estavam, mas ele não podia fazer muito. Ele e Knight tinham chegado a um impasse. “Ela é muito talentosa, mas é a única atriz com que eu realmente não me dei bem”, Coppola disse ao roteirista Stephen Farber anos mais tarde, explicando que, em sua opinião, o coração de seus problemas residia em uma básica desconfiança por parte de Knight e uma relutância dela em 4. No final das filmagens de Caminhos Mal Traçados, Coppola estava confiante o suficiente para anunciar que ele escreveria todos os roteiros de seus filmes futuros. O cineasta disse ao The Hollywood Reporter que ele tinha quatro projetos em mente, cada um custando menos de um milhão de dólares, embora ainda tivesse que decidir qual filme seria levado adiante. “Só ainda não fiz minha cabeça”, explicou ele, “porque quero passar os próximos seis meses com Barry Malkin e Caminhos Mal Traçados”. 61 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e Os dois viajam de cidade em cidade, de uma autoestrada para outra, até chegarem a Nebraska. Natalie para em uma pequena fazenda e tenta convencer o proprietário a contratar Kilgannon para limpar gaiolas e cuidar dos animais. O fazendeiro, no entanto, está mais interessado no dinheiro de Kilgannon do que em contratá-lo. Natalie se sente confinada como os animais e acaba fugindo daquele lugar. Não demora muito e ela é parada por um policial rodoviário chamado Gordon, que emite uma multa por excesso de velocidade e insiste que ela o acompanhe à cidade para pagar a taxa. Eles acabam voltando à fazenda para ver como anda Kilgannon. Como era de se esperar, as coisas não deram muito certo para Kilgannon. Ele liberou todos os animais de suas jaulas e o proprietário da fazenda quer o dinheiro de Kilgannon como compensação. Natalie socorre-o novamente, mas agora, sem emprego, sem casa e sem dinheiro, Kilgannon é mais dependente dela do que nunca. Para piorar a situação, ele se tornou tão possessivo como uma criança, quer Natalie apenas para si mesmo e quebra o telefone quando ela tenta ligar para o marido. Enfurecida, Natalie lhe dá um tapa e o deixa sozinho – dessa vez, para sempre. No começo do dia, Natalie tinha concordado em se encontrar com Gordon, que vive em um trailer com Rosalie, sua precoce jovem filha. Tudo vai bem até que, tarde da noite, ao voltarem para o trailer, Natalie se incomoda quando Gordon manda a filha sair de casa. Rosalie sai e Natalie, mesmo contra seu melhor juízo, decide ficar. Enquanto caminha ao redor do parque de trailers, Rosalie esbarra em Kilgannon. Ele conseguiu de alguma forma seguir Natalie e Gordon, mas, sem um plano de ação, ele sente prazer em ter companhia. Eles andam de trailer em trailer, olhando pelas janelas e jogando conversa fora. Enquanto isso, no trailer de Gordon, Natalie decide já ter ficado bastante tempo com o policial. Gordon tem seu próprio torturado passado, incluindo o horror de ter visto sua mulher pegar fogo até a morte em um incêndio em casa. Ele é muito carente e um tanto agressivo com Natalie. Quando tenta agarrá-la, Natalie pega sua arma. Ele, contudo, é forte demais para ela. No último instante, Kilgannon aparece e começa a bater em Gordon. Temendo pela segurança do pai, Rosalie arranca a arma e atira em Kilgannon. Natalie chora por seu herói abatido, prometendo cuidar dele para sempre, embora ele morra antes que ela possa pedir ajuda. par te i americ an zoetrope 60 No entanto, apesar de suas fragilidades – especialmente um final que parecia desconfortavelmente maquinado – Caminhos Mal Traçados era de longe o trabalho mais bem acabado de Coppola até aquele momento; diante dos longas que ele faria nas décadas seguintes, a obra se destaca como um filme bem-intencionado, muitas vezes brilhante e, em geral, engenhoso, com uma história que ainda é atraente hoje. A história começa em um bairro tranquilo, em Long Island. É início da manhã, a luz do dia começa a dar as caras e uma chuva fina cai na rua lá fora; Natalie Ravenna desperta e se move em silêncio pelo seu quarto, na esperança de não perturbar o marido, Vinny. Depois de se vestir, ela vai para a sala de jantar, onde se senta e escreve um bilhete para o esposo dizendo que o está deixando por um curto período de tempo e que ele não deveria se preocupar com ela. Natalie não tem um plano, exceto o de que vai dirigir ao redor do país em seu carro enquanto tenta resolver sua cabeça. Ela ama seu marido e odeia fazê-lo sofrer, mas ela acabou de saber que está grávida e tem sentimentos mistos sobre a responsabilidade de ser mãe. Ela mal teve tempo de crescer sozinha. Antes que ela se dê conta, já deixou Nova York e conduz na direção da Pensilvânia. Em sua primeira noite fora, solitária em um quarto de motel, ela se lembra de sua lua de mel e reflete sobre sua vida conjugal. No dia seguinte, ela dá carona a um jovem; enquanto viajam, Jimmie Kilgannon conta a sua história. Não muito tempo atrás, ele tinha sido um jogador de futebol americano, a estrela da faculdade, mas agora está sozinho e não frequenta mais a universidade. O pai de sua namorada prometeu um emprego em West Virginia e ele estava a caminho quando Natalie o pegou. Naquela noite, eles dormem em quartos separados em um motel. Natalie, atraída por Kilgannon, convida-o para o quarto dela, onde planeja seduzi-lo, mas, depois de dançarem e conversarem por um tempo, ela percebe que há algo de errado com o jovem. Apesar do corpo atlético e do fato de ter frequentado a faculdade, ele não passa de uma criança. Ela o convida para brincar de “o mestre mandou”, o que acaba tomando um rumo um tanto perverso quando Natalie exige que ele se ajoelhe e se curve para ela. Ele o faz e Natalie percebe uma cicatriz em sua cabeça, onde ele tem uma placa de metal – resultado, ele diz, de uma grave lesão sofrida durante um de seus jogos. Kilgannon explica a ela que, após a lesão, ele chegou a varrer a faculdade, mas os diretores da instituição lhe deram um envelope fechado com mil dólares com a condição de que ele fosse embora. Comovida com a história, Natalie leva Kilgannon para West Virginia, mas ele também é rejeitado por lá. Sua namorada, Ellen, não quer nada com ele em sua atual condição. Natalie, que não queria nada mais do que passar aquela responsabilidade para outra pessoa, se sente presa, mas se recusa a abandoná-lo. 63 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e forçado a fazer obras comerciais. Eu ainda estava interessado em fazer filmes de vanguarda, sem narrativa, sem personagens. Cresci vendo Scott Bartlett e Bruce Conner e toda a turma de realizadores underground de São Francisco. Então, para mim, foi ótimo. Era o mundo para o qual eu queria voltar”. A ideia parecia ainda mais atraente quando, pouco tempo depois, Lucas contou a Coppola de um encontro casual que teve com John Korty, que tinha conseguido se firmar como um cineasta independente morando em São Francisco. Por insistência de Lucas, Coppola falou com Korty e explicou seus planos, e eles concordaram em se reunir após as filmagens de Caminhos Mal Traçados. Quando Coppola, juntamente com Lucas e Ron Colby, produtor de Caminhos Mal Traçados, foram ao estúdio Stinson Beach de Korty, ficaram maravilhados com o que viram. Tratava-se de um estúdio totalmente equipado, modesto, mas absolutamente funcional. Era exatamente o tipo de instalação que Coppola e Lucas imaginavam. A ideia do estúdio ganhou força – e partidários – ao longo dos meses seguintes. Colby queria participar, assim como Mona Skager, uma das assistentes de produção de Coppola (e uma das associadas mais leais do diretor nos anos que se seguiram). Coppola começou a pesquisar mais a sério as perspectivas em jogo. No final do ano, viajou para a Dinamarca para conhecer Lanterna Film, sediada em uma linda mansão em Klampenborg, uma cidade litorânea a 50 milhas de Copenhagen. Ele estava absolutamente encantado. Quartos foram convertidos em salas de edição e o celeiro ao lado havia se transformado em uma ilha de edição. Lanterna também ostentava uma impressionante coleção de equipamentos de produção de filmes antigos, como lanternas mágicas e zootrópios. Ele ficou especialmente fascinado pelo zootrópio (zoetrope, em inglês), um dispositivo em forma de cilindro que, quando girado, projetava uma imagem em movimento. Em grego, zoetrope significa “movimento, vida” – uma descrição mais do que adequada, pensava Coppola, para o tipo de empresa que ele tinha em mente. Para Coppola, a Lanterna Film tinha preservado o espírito de La Bohème que ele e Lucas queriam para o novo estúdio de São Francisco. A mansão e seus belos cenários, o ambiente discreto de trabalho, o sentimento de aventura e criatividade, o equipamento de alta tecnologia, tudo teve um efeito muito sedutor sobre Coppola. Ele estava pronto para voltar para a Califórnia, comprar uma mansão e começar. Depois de visitar Lanterna, Coppola parou na Photokina, uma feira cinematográfica em Colônia, na Alemanha, onde, em um momento de impulso, entusiasmo com tudo o que tinha visto em Lanterna, Coppola encomendou oitenta mil dólares em equipamento, incluindo uma ilha de edição de som de alta tecnologia. Não parecia ser nenhum problema o fato dele não ter nem dinheiro para pagar todo o equipamento e muito menos um lugar para guardar aquilo tudo; Coppola, como lhe é característico, já estava apostando novamente, confiante de que no fim tudo daria certo. par te i americ an zoetrope 62 Coppola também queria tempo para pensar sobre suas opções. Caminhos Mal Traçados tinha sido um projeto relativamente fácil. Muito provavelmente, seu próximo filme seria mais difícil, exigindo, por exemplo, um roteiro completo antes das filmagens, e, enquanto ele se orgulhava de sua capacidade de escrever bons roteiros, admitia que se sentiria ainda mais pressionado se realmente decidisse escrever todos os seus filmes futuros. “Eu realmente estou tentando me virar como um escritor trabalhando em roteiros originais”, disse ele. “Escrever é um problema muito mais interessante nesse momento do que dirigir”. Ainda assim, ele tinha razão para se sentir confiante. Coppola gastou us$ 740 mil em Caminhos Mal Traçados, menos do que o previsto no orçamento, e fazer aquele pequeno filme pessoal tinha sido uma experiência bem mais prazerosa do que a de O Caminho do Arco-Íris. Ele estava convencido de que Caminhos Mal Traçados seria melhor do que todos os seus filmes anteriores, e isso o fez pensar. Talvez fosse melhor produzir por conta própria e fazer o tipo de filme que ele queria fazer, ao invés de traba lhar para os grandes estúdios realizando longas que não o satisfaziam. Ele não estava sozinho. Carroll Ballard, seu antigo colega da ucla, que tinha filmado uma excelente sequência para O Caminho do Arco-Íris, foi uma das várias pessoas que sugeriram a Coppola que talvez fosse melhor encontrar um lugar fora de Hollywood para realizar seus filmes. “Lembro de um dia em que Francis ligou pra mim”, disse Ballard. “Ele tinha comprado um veleiro e, sabendo que eu era interessado em vela, perguntou-me se eu queria velejar com ele. Enquanto velejávamos, Francis falou sobre como nós poderíamos tomar o mundo, como nós poderíamos, finalmente, fazer os filmes que queríamos e ainda ganhar vantagem sobre Hollywood. Sugeri que deveríamos seguir o caminho de César contra Gália: César consolidou seu poder indo embora e montando um exército gigantesco; em seguida, ele voltou para casa quando as coisas já não estavam tão boas por lá. Foi aí que tivemos a ideia de sair de la”. George Lucas, que odiava Hollywood, concordou. Quando ele e Coppola estavam em Nebraska durante as filmagens de Caminhos Mal Traçados, conversaram sobre a possibilidade de trabalhar a partir de São Francisco. Eles poderiam operar um pequeno estúdio, assumindo projetos mais modestos, como thx-1138 (1971) de Lucas, e viver uma existência muito menos agitada do que a que encontravam em Los Angeles. Coppola adorou a ideia. São Francisco seria um ótimo lugar para criar uma família, e a comunidade boêmia da cidade oferecia exatamente o tipo de ambiente artístico em que ele poderia prosperar. “Eu pensei que poderíamos optar por temas ambiciosos, filmando com equipes pequenas e móveis e fazendo uso da mais nova tecnologia”, comentou Coppola. “Francis simplesmente não queria mais fazer parte da cena de Hollywood”, acrescentou Lucas. “Ele queria ser mais independente. Eram os anos 60 e nós queríamos quebrar o sistema. Não queríamos fazer parte do status quo. Francis queria fazer filmes mais artísticos e não mais ser Caminhos Mal Traçados estreou em 27 de agosto de 1969. Ocupado com os planos da American Zoetrope, Coppola esperava que o filme conseguisse ao menos um pequeno lucro, que, claro, seria reinvestido no estúdio. As coisas, contudo, não saíram como imaginado. Embora Sem Destino (Easy Rider, 1969), um filme de baixo orçamento, tivesse superado todas as expectativas nas bilheterias, Caminhos Mal Traçados foi um fracasso. As críticas indicavam que a imprensa ainda não estava preparada para tratar Coppola como um grande cineasta – e sim como um realizador universitário precoce que tinha sorte de conseguir dirigir o que quer que fosse –, mas, como tal, ele estava andando em um caminho mais curto e estreito do que no passado. Para piorar a situação, ele não era julgado somente a partir de seu próprio talento e história; em muitos comentá- 65 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e americ an zoetrope 5. rios, o filme é comparado a Sem Destino, que, em seu lançamento, tinha surpreendido os críticos. Os autores que haviam zombado da ideologia hippie de Sem Destino, rotulando-a como sendo “forçada”, agora tinham que reavaliar o valor de um filme que obviamente capturava a imaginação, se não a aprovação, de muitos espectadores. Para Coppola e seu filme, essas não eram boas notícias. A maioria dos críticos considerava Caminhos Mal Traçados como um experimento cheio de boas intenções, que no fim das contas não se saiu muito bem. “Caminhos Mal Traçados é uma pequena falha de um grande e jovem talento”, relatou o Washington Post, “mas é o tipo de falha que tem implicações interessantes para o futuro dos filmes americanos.” O San Francisco Chronicle foi mais duro em sua avaliação. “Caminhos Mal Traçados é um filme que promete muito, mas oferece pouco”, escreveu John L. Wasserman, acrescentando que o longa tinha uma “proposta não narrativa interessante, e ainda incorpora algumas boas ideia ao logo do caminho, [mas] tudo isso desaparece quando termina”. O texto da Newsweek, assinado por Joseph Morgenstern, autor de comentários muito favoráveis a Agora Você É Um Homem e O Caminho do Arco-Íris, incluindo a comparação frequentemente citada de Coppola com Orson Welles, atacou o roteiro do novo filme. “Poderia ter sido um filme agradável”, escreveu Morgenstern, “se Coppola tivesse sido um viajante pior e um pensador melhor, se ele tivesse passado menos tempo na estrada e mais tempo em um quarto silencioso, sentado na frente de uma máquina de escrever, deixando seus dedos conduzirem a coisa toda”. A maioria dos críticos apontou para o final do filme como uma de suas mais graves fraquezas. “É a pior coisa do filme, quer dizer muitas coisas ao mesmo tempo e em uma execução um tanto irrefletida”, protestou o crítico do New York Times, Roger Greenspun, “e por toda a sua estranheza, Coppola tende quase fatalmente a domar um filme que poderia ter sido mais rebelde, sensível e compassivo.” Gary Arnold, do Washington Post, concordou. “Coppola não soube terminar este filme”, escreveu ele, “e [ele] apenas finalizou o filme com um tipo de final violento que parece ser muito popular este ano”. Arnold faz referência ao final sangrento de Sem Destino, uma comparação que seria sublinhada por diversos críticos. Como sempre, Coppola poderia focar em apenas uma crítica favorável. Charles Champlin, escrevendo para o Los Angeles Times, também enxergou um problema com a forma “decepcionante” como o filme terminava, mas julgou a obra de Coppola como “gentil, sentimental, tradicional.” Champlin, como outros críticos, ficou intrigado com a maneira como Coppola fez o longa, e, como outros colegas, foi agradavelmente surpreendido como Coppola capturava a vida na América: “É um drama privado soberbamente interpretado, saturado com o olhar e a sensação de uma grande amostra deste país nos anos 60… A America média espalhada ao longo de uma estrada transcontinental é uma presença real em Caminhos Mal Traçados: a América do néon incandescente e de uma fluorescência que par te i 64 Ao voltar para os eua, Coppola colocou sua casa à venda e tentou consolidar alguns recursos financeiros. A nova produtora custaria uma fortuna e apenas alguns dos seus entusiasmados colaboradores podiam investir de maneira mais significativa. Lucas, depois de ver o estúdio de John Korty e ouvir Coppola falar das instalações na Dinamarca, estava ansioso para encontrar uma mansão em Marin County e montar uma pequena produtora capaz de produzir filmes modestos de um certo número de cineastas. O estúdio, ele pensava, tinha que ter um nome diferente – algo como Transamerican Sprocket Works. As ambições de Coppola cresciam a cada dia. Ele também queria uma produtora que incentivasse jovens talentosos a fazer o tipo de filmes que em geral era rejeitado por Hollywood, mas seus planos para o estúdio, consideravelmente maiores em escopo do que os de Lucas, agora envolviam a montagem de uma grande instalação de última tecnologia, completa com um heliporto e um amplo estacionamento para os estúdios móveis da empresa. A empresa, insistia ele, devia ser chamada American Zoetrope em grande parte porque, quando chegasse a hora de vender ações, a produtora seria listada como uma das primeiras no quadro do New York Stock Exchange. Coppola, Lucas, Ron Colby e Mona Skager varreram Marin County atrás do tipo de mansão que Lucas queria. Eles localizaram três casas que se adequavam às suas necessidades, mas não conseguiram fechar um acordo por nenhuma delas. Eles então passaram a procurar ao redor de São Francisco por uma casa vitoriana, o que também se provou fútil. Coppola estava ficando nervoso. Seu equipamento estava para chegar da Alemanha a qualquer momento e ele não tinha lugar para guardar tudo aquilo. Finalmente, ele ouviu falar de um armazém disponível na 827 Folson Street em São Francisco – um loft de três andares, com muito espaço e que se localizava em um dos distritos mais desvalorizados da cidade. A American Zoetrope encontrava sua primeira casa. Por alguns gloriosos meses no final de 1969, a American Zoetrope era a bola de neve proverbial que se movia para baixo, ganhando em tamanho e força até já não parecer mais um sonho utópico. O armazém de São Francisco foi sitiado por carpinteiros, eletricistas e outros especialistas em construção, todos trabalhando febrilmente para converter o edifício em um labirinto de escritórios e salas de produção. O equipamento chegou da Alemanha e foi temporariamente armazenado no corredor até que a construção de algumas salas fosse concluída. George Lucas convidou alguns amigos da University of Southern California – John Milius, Willard Huyck, Matthew Robbins, Walter Murch, Hal Barwood e Gloria Katz – para participarem da nova aventura, enquanto Coppola telefonava para diretores estabelecidos como Stanley Kubrick, John Schlesinger e Mike Nichols, todos interessados no que a American Zoetrope tinha para oferecer. Orson Welles chocou Coppola ao telefonar com a proposta de rodar um filme em 16 mm no estúdio. Por um tempo, parecia que Coppola e sua empresa estavam criando algo equivalente à explosão das artes em Greenwich Village, na Nova York dos anos 1950. Eles tinham a visão, a tecnologia, as mentes criativas – mas, infelizmente, não o dinheiro necessário. Como Coppola iria admitir com pesar, os jovens cineastas que chegavam à American Zoetrope estavam se rebelando contra o sistema de Hollywood, e, em seu idealismo, esqueciam totalmente que até mesmo pequenos estúdios e filmes precisam de dinheiro para sobreviver. “Meu entusiasmo e minha imaginação ultrapassaram de longe qualquer tipo de lógica financeira”, Coppola confessou. “Eu não estava associado com alguém que fosse o homem dos negócios. Estava tudo nas minhas 67 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e americ an zoetrope 6. mãos e eu avançava sem olhar para trás ou verificar se teríamos como arcar com tudo aquilo.” Ele conseguiu montar um acordo que envolvia diversos filmes com a Warner Bros.-Seven Arts, que, se tivesse realmente acontecido, poderia ter ajudado imensamente. Segundo o acordo, a American Zoetrope iria desenvolver sete filmes, todos com orçamentos de até us$ 1 milhão. Entre os longas estavam A Conversação (The Conversation, 1974), de Coppola, thx-1138, de George Lucas, Vesuvio, de Carroll Ballard, e um projeto que estava sendo desenvolvido por Lucas e o roteirista John Milius, um filme sobre o Vietnã chamado Apocalypse Now. A produção da Warner Bros.-Seven Arts, realizada sob o comando de Ted Ashley, muito menos interessada em criar arte do que fazer dinheiro, concordou em emprestar us$ 300 mil a Coppola, além de acrescentar um adicional de us$ 300 mil para o desenvolvimento dos roteiros dos sete filmes, mas o dinheiro era para ser considerado um empréstimo e o estúdio deveria ser reembolsado caso decidisse sair do acordo. Se alguns dos jovens cineastas conseguissem um sucesso, se um ou outro filme provasse ser rentável, todos ficariam felizes. Caso contrário, Coppola seria responsável por reembolsar o empréstimo de us$ 300 mil. Da perspectiva do estúdio, o negócio não só fazia sentido, como estava garantido: nenhum dos cineastas da American Zoetrope, com as exceções de Coppola e John Korty, tinha rodado um longa. Coppola investiu a maior parte de seu dinheiro na Zoetrope – na construção e nos equipamentos – e em pouco tempo o estúdio poderia se orgulhar de ser uma das instalações mais modernas da indústria. Como um verdadeiro amante de gadgets, Coppola se irritava com a relutância de Hollywood para abraçar a nova tecnologia, que, segundo ele, iria revitalizar a indústria e fazer filmes de maneira mais fácil, barata e rápida. Em menos de dois anos, começando com a compra dos equipamentos para Caminhos Mal Traçados, Coppola tinha acumulado uma impressionante variedade de modernos equipamentos, incluindo uma mesa Keller de edição com três telas – a única desse tipo nos eua – e máquinas de edição Steenbeck, câmeras Arriflex e o sistema de som que ele tinha encomendado na feira na Alemanha. Jornais e publicações comerciais começaram a tomar conhecimento e Coppola logo se encontrou com um fórum para espalhar seu novo evangelho sobre a produção cinematográfica e tecnologia. “Eu me tornei uma espécie de especialista apenas porque tentava descobrir como tudo funcionava”, explicou. “Se alguém me falasse de uma nova maneira de fazer algo, na grande maioria das vezes eu dava uma olhada. Talvez não gostasse da coisa, mas pelo menos eu pesquisava”. O problema, Coppola insistia, era a resistência de Hollywood em mudar. Ao invés de explorar as novas tecnologias, os tradicionalistas as rejeitavam. “Se você chegar para um editor de Hollywood”, disse Coppola, “e perguntar sobre Steenbeck, ele vai responder, ‘Ah, não dá para montar um filme nisso’. É verdade que não dá para montar um filme num Steenbeck da mesma forma que numa Moviola, mas se você se adaptar, poderá fazer tudo mais par te i 66 branqueia a alma, de estradas de acesso e as lojas de pequenas cidades em decomposição, da expansão de mau gosto e vistas gloriosas repentinas de colinas verdes e chaminés esfumaçadas”. De todas as críticas, é a de Stephen Farber que mais se aproxima da essência de Caminhos Mal Traçados. Em um longo ensaio para a Film Quartely, Farber via um raio de esperança mesmo em uma produção fracassada como a de Caminhos Mal Traçados. “A possibilidade de falhar com um material muito complexo e urgente para resolver de uma só vez é um luxo que os cineastas em Hollywood nunca puderam bancar”, afirmou ele. “E se a fragmentação da indústria gerar filmes independentes e de baixo orçamento, os cineastas talvez tenham esse luxo novamente”. A questão de Farber era importante. Como ele próprio ressalta em seu ensaio, Sem Destino, Deixem-nos Viver (Alice’s Restaurant, 1969) e Dias de Fogo (Medium Cool, 1969) –, todos filmes pequenos, independentes e pessoais – foram lançados no mesmo ano de Caminhos Mal Traçados, indicando uma sutil, mas extremamente importante transformação na indústria cinematográfica. A “Nova Hollywood” estava para começar. Caminhos Mal Traçados tinha sido o primeiro filme lançado sob a bandeira da American Zoetrope, mas thx-1138, de George Lucas, que havia entrado em produção no dia 22 de setembro de 1969, seria o primeiro longa a começar oficialmente sob a égide da nova empresa. thx passou por um longo período de gestação. Lucas tinha falado com Coppola sobre fazer um filme de longa-metragem baseado em seu premiado curta universitário, quando os dois se conheceram no set de O Caminho do Arco-Íris. Coppola o encorajou a escrever um roteiro, mas Lucas achava muito difícil fazê-lo. “Quando estávamos trabalhando em Caminhos Mal Traçados”, Lucas lembrou: “Eu recebi uma oferta para fazer um roteiro para a Columbia. Francis disse, ‘Não, fique aqui. Faz isso aqui e terá mais liberdade. Então, ele me arranjou um emprego escrevendo thx, e eu escrevia o roteiro de 69 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e americ an zoetrope 7. thx enquanto fazíamos Caminhos Mal Traçados. Eu trabalhava em thx das quatro até às seis da manhã e então ia ajudar nas filmagens”. Lucas, no entanto, era ambicioso, queria muito fazer um filme, e, por isso, era um roteirista relutante. Ele precisava da ajuda de Coppola para levar o roteiro adiante. “Francis me forçou a escrever o roteiro. Eu queria alguém para fazê-lo, mas ele disse: ‘Olha, você está no caminho para se tornar um bom diretor, você vai ter que aprender a se tornar um roteirista’. Então ele me treinou na escrita e me ajudou com os primeiros rascunhos do roteiro”. Lucas mostrou um rascunho inicial para Coppola. Eles concordaram que ainda era preciso muito trabalho. Depois de discutir o roteiro com Lucas, oferecendo suas sugestões, Coppola o passou para o roteirista Oliver Hailey. Desta vez, era Lucas que estava insatisfeito com os resultados. Ele então se juntou com Walter Murch, um colega de faculdade, que havia trabalhado no som de Caminhos Mal Traçados, e os dois escreveram um roteiro peculiar e esotérico que conseguiu a aprovação de todos. Todos, isto é, exceto os funcionários da Warner Bros.-Seven Arts. Coppola tinha vendido pessoalmente o projeto de thx para o estúdio, alegando que o filme poderia ser entregue rapidamente por uma soma curiosa, mas improvável de us$ 777.777,77 (sendo que o sete é o número de sorte de Coppola), mas a empresa não se convenceu. Coppola só conseguiu fazê-lo quando o tornou parte de um pacote maior com sete longas. Ainda assim, o estúdio insistiu que Coppola contratasse um produtor para o projeto para assegurar que Lucas entregaria mesmo o filme dentro do prazo e conforme o orçamento. Não era difícil entender porque a Warner Bros.-Seven Arts estava relutante em apoiar o filme. thx, embora peculiar o suficiente para desfrutar de um culto que perdura até os dias de hoje e fascinante em seu comentário sobre a tecnologia futurista e as relações humanas, era um filme muitas vezes frio e cínico. O mundo subterrâneo de Lucas era um lugar onde os seres humanos perderam suas identidades e caminhavam vestidos em uniformes brancos e com cabeças raspadas, suas vidas diárias supervisionadas por computadores e guardas robotizados, programados por computador. As pessoas eram obrigadas a tomar drogas entorpecentes, que as mantinham em um estado obediente e dócil. No centro da história estavam thx-1138 (interpretado por Robert Duvall) e luh-3417 (Maggie McOmie), que desafiam o sistema para terem relações sexuais e acabam dando à luz uma criança. thx-1138 é capturado e preso, mas, depois de escapar da prisão, foge para um mundo de superfície, onde poderia começar uma nova vida. Para ajudar Lucas a lançar o projeto, Coppola sugeriu uma abordagem familiar – um tema frequente e muito bem-sucedido em sua própria filmografia. “Ele forçou a Warner a nos dar o sinal verde para fazer o filme”, explicou Lucas. “A atitude de Francis era, ‘Nós vamos começar a fazer isso e eles vão ter que nos acompanhar’. Então, ele colocou um pouco de seu par te i 68 rápido. É como pegar um cara que voa um bimotor e apresentar a ele a mesa de controle de um 707. Ele vai dizer, ‘Ah, não dá pra fazer isso voar’”. Christopher Pearce, o gerente geral da Zoetrope, sublinhou as razões práticas para o alto investimento de Coppola em tecnologia. “Uma das razões para se ter uma instalação como aquela”, explicou ele, “é saber que você poderá continuar a fazer seus filmes, mesmo com a enorme insegurança da indústria. Você vai precisar de pouco dinheiro se já tiver os equipamentos. Você sabe, por exemplo, que poderá mixar seu filme com quase nada. Acho que esta é a filosofia por trás da montagem do estúdio”. A fundação da American Zoetrope representava uma nova divisão na indústria entre os novos e veteranos cineastas. Coppola, um verdadeiro visionário, estava liderando o caminho, desafiando um sistema testado pelo tempo e suas leis econômicas, defendendo novas teorias de cinema como uma espécie de lebre brilhantemente excêntrica que estimula a vagarosa, porém sábia tartaruga. Hollywood, claro, poderia se dar ao luxo de sorrir de “um jovem idealista, além de fazer graça dele enquanto ele emitia suas proclamações: afinal, o que ele tinha realmente feito? Ele tinha rodado um filme de suspense B, um charmoso, porém fracassado filme de formação, um musical desatualizado e um interessante, se não autoindulgente, longa de estrada. Nenhum tinha se saído bem – e tudo em Hollywood acabava girando em torno disso –, e, se não havia como negar que o garoto tinha talento, não seria fácil encontrar alguém para financiar seus futuros filmes, muito menos ajudá-lo a levar a indústria para um outro e excitante nível. De fato, Coppola iria ver o seu sonho vacilar, não por falta de ambição, mas porque ele tinha ultrapassado as suas próprias intenções. Como Preston Tucker, seu antigo ídolo, ele teria o design, mas não os meios. Mas ele deixaria sua marca. 71 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e Além disso, era o primeiro longa de Lucas; as pessoas não podiam esperar que viesse com um marco cinematográfico. Enquanto Lucas trabalhava na pós-produção de thx-1138, Coppola tentava comandar a American Zoetrope. O começo inebriante do estúdio havia esmorecido nas realidades ásperas do dia a dia e o negócio não andava bem das pernas. Sempre havia projetos e mentes talentosas querendo trabalhar, mas faltava dinheiro. Caminhos Mal Traçados não tinha gerado lucro suficiente e, sem filmes novos para lançar no mercado, a American Zoetrope teve de contar com o aluguel de suas instalações e equipamentos para poder pagar as contas. Os equipamentos, contudo, começaram a desaparecer. De repente, o paraíso de Coppola para jovens cineastas tinha se transformado em um pesadelo. “Descobri que muitos jovens aspirantes a cineastas são egoístas e unilaterais”, lamentou. “De repente, ali estava aquele enorme parque infantil e todo mundo queria um pedaço dele. Havia um bizarro ‘cada um por si’ pairando”. Como recordou Coppola, a American Zoetrope foi invadida por milhares de cartas e projetos não solicitados de filmes, tudo isso vinha de jovens cineastas na esperança de encontrar um patrocinador no novo estúdio. Em um determinado momento, Coppola contratou três mulheres, cujo único trabalho era abrir estes pacotes de cartas e telefonar para os remetentes que perguntavam sobre a instalação. Coppola estima que cerca de quarenta mil dólares em equipamento foi perdido ou roubado durante o primeiro ano da Zoetrope, incluindo os veículos das empresas que foram emprestados e destruídos em acidentes de trânsito. Coppola comparou a experiência com a fundação da Apple pelos Beatles, que tinham enfrentado problemas semelhantes na Inglaterra, embora em escala muito maior. Como os Beatles, Coppola confiava demais em pessoas que, muitas vezes, acabavam o traindo. George Lucas, por sua vez, culpava Coppola por alguns dos problemas da Zoetrope. O pai de Lucas, um homem de negócios conservador, que vendia artigos de escritório, fez com que o filho tivesse uma visão mais tradicional de como empresas deveriam ser gerenciadas. Ele estava preocupado com o fato de Coppola permitir que qualquer um usasse os caros equipamentos da Zoetrope (“Francis daria uma câmera na mão de um varredor de rua se ele demonstrasse um mínimo de interesse na empresa”, disse ele). Lucas ainda desconfiava que Coppola escondia alguns gastos da Zoetrope no orçamento de thx, uma prática comum entre os grandes estúdios e que não seria motivo para maiores discussões, caso Lucas não tivesse sido convidado a dar explicações a respeito de alguns gastos que ele havia cobrado da Zoetrope. Em uma ocasião, Mona Skager questionou algumas das contas telefônicas de Lucas, acusando-o de gastar us$ 1800 em chamadas pessoais. Magoado e envergonhado, Lucas pediu um empréstimo ao pai para poder devolver o dinheiro. Coppola subiu nos telhados quando tomou conhecimento do caso. “Eu jamais teria feito isso par te i americ an zoetrope 70 próprio dinheiro e nós começamos. Selecionamos o elenco e as locações, contratamos um diretor de arte e adiantamos um monte de coisas antes que a Warner soubesse o que estava acontecendo. Por fim, ele apenas disse: Olha, ou você faz esse filme ou não’”. Mesmo assim, a impressão era de que a pré-produção de thx poderia ser suspensa indefinidamente por causa da demora por parte da Warner Bros.-Seven Arts em cumprir o acordo firmado com a American Zoetrope. Coppola saltou em defesa de Lucas, voando para Hollywood e confrontando alguns assustados funcionários da empresa. “O que está acontecendo aqui?”, perguntou ele. “Estamos prontos para filmar! Onde está o nosso aval? Aqui está o roteiro, o elenco… Que tipo de organização vocês estão executando? Onde está o nosso dinheiro? Vocês querem estar com a gente ou não?”. Quando, poucos dias depois, o dinheiro ainda não tinha chegado, Coppola enviou um telegrama incisivo: “Deem o dinheiro ou calem-se”. O estúdio, a contra gosto, deu o dinheiro. Coppola nomeou Lawrence Sturhahn para a posição de produtor, uma decisão que desagradava Lucas, que considerava Sturhahn como o tipo de burocrata com o qual eles na Zoetrope não queriam mais trabalhar. De todo modo, isso era verdade e Coppola chamou conscientemente Sturhahn, com quem havia trabalhado em Agora Você É Um Homem, como uma espécie de força de oposição a Lucas – como alguém que pudesse deixar Lucas sempre em prontidão, além, claro, de ajudá-lo quando necessário. Lucas, que estava recebendo insignificantes quinze mil dólares para escrever e dirigir thx, não precisava ser constantemente lembrado sobre deadlines e orçamento. thx-1138 foi feito em apenas dez semanas e custou us$ 800 mil – um tributo ao talento de Lucas como cineasta. Pegando atalhos sempre que possível, ele operou em um cronograma de produção que teria esmorecido qualquer cineasta veterano de Hollywood. Grande parte das filmagens foi realizada nos então parcialmente construídos túneis do metrô bart de São Francisco ou então nos estacionamentos subterrâneos do aeroporto da cidade. Sempre que podia, Lucas não usava luz artificial e raramente rodava mais de dois takes de qualquer que fosse a cena. Em algumas ocasiões, ele filmou – e usou – os ensaios. Coppola apareceria de vez em quando no set, conversaria com Lucas e os executivos da Warner Bros.-Seven Arts, tentando manter o equilíbrio entre o jovem diretor e os patrocinadores cada vez mais ansiosos. Como mediador, Coppola se revelou um mentiroso talentoso, bem como grande garoto-propaganda. Ele iria assegurar ao estúdio de que estava supervisionando Lucas, que tudo estava sob controle e que o filme seria entregue ao gosto da empresa; com Lucas, ele tomou uma perspectiva totalmente diferente, dizendo a ele para fazer o filme que queria fazer. Ao adotar esta dupla abordagem, Coppola não estava jogando com o estúdio ou Lucas, pelo menos essa era a sua opinião. Ele estava totalmente convencido de que as possíveis deficiências do filme poderiam ser corrigidas durante a pós-produção. americ an zoetrope 8. A reunião de Coppola com os figurões do estúdio era para ter sido especial. Eles não apenas estariam exibindo o primeiro filme de George Lucas – e da American Zoetrope; Coppola também tinha a intenção de negociar sete novos projetos – com efeito, o futuro de sua empresa – com os executivos. Entre os projetos em desenvolvimento estavam A Conversação, de Coppola; Apocalypse Now, de Lucas e John Milius; Vesuvio, de Carroll Ballard, um conto de vida e amor entre primeiros boêmios do norte da Califórnia dos anos 60; Atlantis Rising, uma ópera rock de ficção científica escrita por Scott Bartlett; Santa Rita, um novo relato sobre os protestos de People’s Park em Berkeley, que seria dirigido por Steve Wax; e o novo trabalho de Willard Huyck e Gloria Katz, que em um par de anos ajudariam George Lucas a reescrever o roteiro de Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973). Coppola estava confiante, e deveria mesmo estar. Afinal, ele apresentaria propostas de projetos cujos envolvidos se tornariam em pouco tempo membros ilustres de uma nova onda de talentosos jovens cineastas. Embora Coppola se referisse amargamente a Warner Bros.-Seven Arts como “o grupo mais improvável de executivos”, inexperiente e culpado por “um monte de decisões estúpidas”, a exibição de thx-1138 foi uma coisa bem curiosa. Após a fusão da Warner Bros.-Seven Arts, a nova empresa havia sido comprada pela Kinney National Service, uma corporação que havia começado em funerárias e estacionamentos para depois se expandir rumo à indústria do entretenimento. Ted Ashely, o presidente da enorme agência de talento, tinha sido contratado para supervisionar as operações da empresa. Ele imediatamente mandou embora todos os antigos executivos, restaram apenas três dos outrora vinte e um. John Calley, produtor de Ardil 22 (Catch-22, 1970), comandaria o setor de produção e Frank Wells, um advogado que havia estudado na Oxford University, assumiu o departamento de negócios. Dick Lederer, que trabalhava com marketing na antiga Warner Bros., foi indicado como o novo vice-presidente de produção. Como parte de seu projeto de rejuvenescimento, o estúdio contratou Barry Beckerman e Jeff Sanford, ambos com pouco mais de trinta anos, como editores de histórias. Como um todo, os executivos eram jovens, tranquilos e tinham conhecimentos sobre cinema e a história do cinema; eles também sabiam que seus empregos dependiam de decisões que trouxessem lucro para a empresa e que isso implicava preterir filmes artísticos em nome daqueles que pudessem encher as grandes salas – longas como Love Story (1970), a obra açucarada da Paramount que tinha virado o grande sucesso do ano. Eles odiaram thx-1138 e estavam preparados para culpar Coppola por todas as falhas do filme. “O que está acontecendo?”, um deles desafiou Coppola no final da sessão. “Este não é o roteiro que dissemos que íamos fazer. Isso não é um filme comercial”. E ficou ainda pior. Os executivos do estúdio, não mais confiando em Coppola ou em Lucas para reestruturarem thx em um filme comercializável, decidiram tirar o longa de Lucas para editarem eles mesmos. Mais que isso: estavam tão irritados com thx que não queriam mais ouvir falar de qualquer projeto da American Zoetrope. Acabado, Coppola voltou para São Francisco com a terrível notícia. E, então, partiu para a Europa, onde esperava colocar seus pensamentos em ordem. Fred Weintraub, um ex-produtor musical contratado pela Warner Bros.-Seven Arts como o novo vice-presidente de serviços criativos, se ofereceu para trabalhar com Lucas em thx, mas o cineasta desprezava as sugestões de Weintraub. A tarefa de edição de thx caiu eventualmente nas 73 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e com um amigo. Sempre soube que aquele incidente era o tipo de coisa que irritava George e que causaria uma ruptura¹”. (Quando questionado sobre isso em 1999, ambos Lucas e Skager alegaram ter esquecido o incidente há muito tempo, ambos insistindo que a coisa não tinha sido controversa como relatado. Skager, no entanto, defendeu sua posição. “Eu estava investindo meu próprio dinheiro na Zoetrope”, disse ela, “e me senti no direito de tomar aquela decisão. Nós sobrevivemos a isso – o que é mais importante”.) Coppola, sem dúvida, se permitia o benefício da dúvida – ou pelo menos mostrava como a memória seletiva podia ser, pois o que causou a primeira grande rixa entre ele e George Lucas foi justamente a maneira como conduzia thx-1138. Lucas e Walter Murch passaram o inverno de 1969–1970 na pós-produção, tentando montar um filme que estava se tornando um albatroz para a Warner Bros.-Seven Arts. O estúdio estava extremamente infeliz com as imagens do filme, o que, do ponto de vista técnico, parecia mais o trabalho de um amador talentoso do que os esforços de um profissional, e como os meses se arrastavam e a versão final jamais ficava pronta, a empresa começou a se questionar sobre a competência de Lucas. Coppola tentou tranquilizar o estúdio, embora ele nem tivesse visto sequer um primeiro corte. Ele finalmente teve a oportunidade de assistir a alguns rolos de thx em maio de 1970, quando foi até a casa de Lucas em Mill Valley, onde o filme foi editado. Coppola tinha agendado uma reunião importante com a Warner Bros.-Seven Arts para o dia seguinte, e queria se familiarizar com o material antes de mostrá-lo para os executivos do estúdio. thx, no entanto, o confundiu. “Esta vai ser uma obra-prima”, ele confidenciou a Walter Murch, “ou uma masturbação”. Em seu coração, ele, muito provavelmente, já sabia a resposta. Mesmo pessoas próximas a Lucas não ofereciam reações jubilosas. A própria esposa do diretor, Marcia Lucas, não tinha gostado de thx, que, segundo ela, não a havia envolvido emocionalmente. Outros amigos acharam o enredo do filme muito estreito e confuso. Coppola não tinha escolha, tinha que reunir os rolos e levá-los para Burbank. Quem sabe? Talvez a Warner Bros.-Seven Arts o achasse aceitável. par te i 72 1 Ao conversarem com o autor, tanto Coppola quanto Lucas protestaram contra a maneira com que a relação profissional e pessoal deles foi retratada na mídia com o passar do tempo, ambos insistiram que seus desentendimentos ganhariam proporções absurdas. “Eu e George Lucas sempre fomos grandes amigos – e continuamos amigos até hoje”, declarou Coppola. “George sempre me ajudou ao longo dos anos e eu espero ter feito o mesmo com ele. Frequentemente, algumas reportagens apareciam e manchavam o afeto e a amizade que nós tínhamos – e temos – um pelo outro”. Lucas acrescentou: “Nossos desentendimentos não foram nada demais. Você pode somar todas as vezes em que nós brigamos loucamente um com o outro e isso daria pouco mais de uma dúzia de vezes em quase trinta anos de amizade. Quase nunca brigávamos, e, como sempre fomos grandes amigos, acho que estamos mais para uma espécie de recorde”. para crianças. George Lucas também considerou suas opções. Coppola não conseguia não se sentir um pouco amargo com aquilo tudo: ele tinha colocado seu próprio dinheiro naquele estúdio, e, quando ele não era mais útil, todos o abandonaram. “A Zoetrope foi totalmente saqueada”, lembra ele. “Todo mundo usou, ninguém contribuiu, e houve um tempo em que eu esperava a chegada do xerife que colocaria correntes nas portas”. Justo quando parecia não haver mais saída, Coppola recebeu uma ligação da Paramount. O estúdio queria o roteirista de Patton – Rebelde ou Herói? para dirigir um de seus próximos filmes, uma adaptação de baixo orçamento de um best-seller chamado O Poderoso Chefão. Coppola leu uma parte do livro e odiou, e quando a Paramount ligou, ele fez aquilo que qualquer outro cineasta à beira da falência faria se o oferecessem um projeto bem pago e de grande visibilidade: ele rejeitou. 75 o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e mãos de Rudi Fehr, um dos antigos editores da Warner Bros. Fehr mexeu levemente no material, cortando apenas quatro minutos do filme, mas Lucas ainda estava infeliz. Até onde ele sabia, nenhum diretor ou produtor na história de Hollywood teve seu filme tirado de si daquela maneira, e, para Lucas, eram muitos mais insultos do que melhorias em relação ao original. Ele agora odiava os grandes estúdios mais do que nunca. “Eu esperava que Francis poderia fazer algo para pará-los”, refletiu Lucas anos depois, “mas ele não conseguia achar uma maneira de fazê-lo. As pessoas disseram que eu estava nervoso com Francis por ele não ter feito eles pararem de cortar o filme, mas isso não é verdade. Eu estava nervoso com a Warner Brothers por cortarem meu filme e estava frustrado por Francis não poder fazer nada, mas eu certamente não o culpava por aquilo que o estúdio estava fazendo”. Embora não tenham realmente gostado de nenhuma versão de thx, os executivos do estúdio prometeram lançá-lo para cumprir o prévio acordo com a Zoetrope. O filme, contudo, amargou a relação do estúdio com a Zoetrope. Se Coppola e Lucas os decepcionaram uma vez, não haveria como saber o que estava por vir. O fim do relacionamento Warner Bros.-Seven Arts/American Zoetrope chegou em uma quinta-feira, 19 de novembro de 1970 – uma data conhecida na Zoetrope como a “quinta-feira negra” – quando Coppola se reuniu com os executivos da Warner Bros.-Seven Arts em um último esforço para tentar comercializar os projetos futuros de sua empresa. Ele tinha preparado cuidadosamente a sua apresentação. Contudo, infelizmente, Coppola tinha subestimado grosseiramente a posição da empresa, que não só rejeitou todas as suas ideias, como também exigiu que a Zoetrope reembolsasse o estúdio². Para Coppola, a rejeição era o mesmo que a quebra da bolsa de 1929 – ele tinha quase meio milhão de dólares em dívidas e sem nenhuma previsão de trabalho. Seu estúdio estava afundando diante de seus olhos. Patton – Rebelde ou Herói? (Patton, 1970), lançado no início do ano pela Twentieth Century-Fox, reforçou sua reputação como grande roteirista, quando se tornou um dos maiores sucessos da temporada, mas Coppola não tinha como tirar seu próprio projeto de estimação, A Conversação, do papel. Versátil como sempre, ele diminuiu o quadro de funcionários, cortou as despesas, aumentou o aluguel de espaço de escritório e tentou se adaptar, transformando a American Zoetrope em uma instalação de pós-produção, também especializada em fazer comerciais de televisão e filmes educativos. Mas, ainda assim, as coisas estavam acinzentadas. Como um repórter visitante, Geral Nachman observou: “A Zoetrope se reduziu a uma secretária de minissaia e café instantâneo ao invés de expresso”. Como não conseguiam mais fazer seus filmes com a Zoetrope, os jovens cineastas começaram a procurar outros lugares. John Korty, sem conseguir pagar os aluguéis de seu escritório, saiu da Zoetrope, assim como Carrol Ballard, que acabou fazendo carreira na televisão e em filmes par te i americ an zoetrope 74 2 Três décadas depois do fim do acordo da Zoetrope com a Warner Bros, Coppola ainda se irritava com a forma como o estúdio interpretava o contrato. “A Warner Brothers me emprestou 300 mil dólares americanos”, disse o autor “e eles financiariam cerca de 300 mil dólares no desenvolvimento de nossos projetos, incluindo Apocalypse Now – e isto não era um empréstimo. Depois do sucesso de O Poderoso Chefão, eu paguei o empréstimo de us$ 300 mil. No entanto, quando comecei a rodar O Poderoso Chefão, Parte ii, eles fizeram uma reivindicação à Paramount, dizendo que eu ainda devia mais us$ 300 mil, o que não era verdade. A Paramount só queria se livrar daquilo, era um incômodo, mas eu recusei, dizendo que este era o dinheiro que eles tinham investido em roteiros que não foram para frente. Você já ouviu falar de um executivo de estúdio que tenha deixado um estúdio e sido obrigado a pagar por todos os custos de desenvolvimento? Era ridículo, uma forma de aliviar o constrangimento pelo fato de que todos aqueles caras jovens que eles tinham abandonado estavam se tornando muito bem-sucedidos. O meu agente me disse: ‘Olha, a Paramount vai pagar os us$ 300 mil, não se preocupe com isso’. É claro que eles o fizeram, mas deduzindo do meu percentual. Contudo, por causa desta história de reembolso, a American Zoetrope voltou a ter os direitos de todos aqueles roteiros, inclusive o de Apocalypse Now”. parte ii jon lewis lewis, Jon. “If History Has Taught Us Anything… Francis Ford Coppola, Paramount Studios, and The Godfather Parts i, ii, iii” em browne, Nick (ed.) Francis Ford Coppola's The Godfather Trilogy. Nova York: Cambridge University Press, 2000. p. 23–65. Tradução de André Duchiade. Texto traduzido e publicado sob cortesia da Cambridge University Press, 2015. 1 kaufman, Dave. “Hollywood Unemployment at 42,8%” em Variety, 4 de março de 1970. p. 3. 2 pryor, Thomas. “Hollywood Future Riding on Box Office” em Variety, 1 de julho de 1970. p. 1. 81 3 “Majors' 1971 Rentals Projection”, em Variety, 29 de novembro de 1972. p. 5. 4 “Paramount Studio Buy Talks, But No Deal Yet into Focus; Realty Value Runs $29–32 Mil” em Variety, 8 de abril de 1970. p. 5. 5 Durante a produção de O Poderoso Chefão, Yablans culpou os sindicatos de Nova York por aumentar o orçamento destinado às locações em 10 mil dólares por dia. Ver green, Abel, “Yablans Raps Union Costs” em Variety, 8 de setembro de 1971. p. 5 o auge do poder FRANCIS COPPOLA, A PARAMOUNT PICTURES E O PODEROSO CHEFÃO I, II E III Em março de 1970, o desemprego em Hollywood atingiu 42,8%, um recorde histórico¹. Apesar de novas regras de classificação indicativa e de um uso cada vez mais sofisticado de pesquisas de mercado, o cinema mantinha um segundo lugar distante em comparação à indústria fonográfica em termos de faturamento bruto. Taxas de juros crescentes para empréstimos a curto-prazo e uma aparente incapacidade para compreender o público do final da década de 1960 contribuíram para aquilo que a indústria definiu como uma crise nas bilheterias. Em resposta a esta crise, os estúdios aumentaram a produção; no verão de 1970, os lançamentos somavam o equivalente a mais de 100 milhões de prejuízo, o maior da história². A decisão dos estúdios de inundar o mercado de produtos foi equivocada. Poucos filmes faziam dinheiro em 1970, e mesmo aqueles que faziam pareciam ter pouco em comum. Os líderes de bilheteria do ano foram, em ordem, o thriller de catástrofe Aeroporto (Airport), a comédia autoral M.A.S.H., Patton – Rebelde ou Herói? (Patton, roteirizado por Francis Coppola), a comédia de costumes Bob, Carol, Ted e Alice, o documentário Woodstock e o musical de grande orçamento Alô, Dolly! (Hello, Dolly!). De todos os lançamentos de sucesso, só Aeroporto qualificava-se como um blockbuster, e, mais importante, só Aeroporto se parecia com algo que os estúdios pudessem facilmente reproduzir. Em 1970, a Paramount ficou com o nono lugar da indústria, atrás de todos os outros seis grandes estúdios e de dois independentes, o National General e o Cinerama³. A grande novidade da Paramount na época eram as várias tentativas de sua empresa controladora, a Gulf and Western, de se livrar das lendárias instalações de produção da Paramount na Melrose Avenue, um negócio em determinado momento impedido apenas pela incapacidade da Gulf and Western de reordenar uma propriedade adjacente – um cemitério⁴. Sem conseguir vender a propriedade, o ceo da Gulf and Western, Charles Bluhdorn, deixou o futuro do estúdio nas mãos de três homens de pouco mais de 30 anos: o veterano de Hollywood Stanley Jaffe, o especialista em vendas e propaganda Frank Yablans e o executivo da indústria da moda, que já trabalhara como ator, Robert Evans. Jaffe, o chefe do estúdio, parece em retrospecto o menos notável dos três, embora na época ele fosse o nome mais familiar. De fato, Jaffe deixou a Paramount antes de ter tempo para fazer grande coisa, abrindo caminho para Yablans, que se tornou o primeiro naquela que hoje é uma longa lista de antigos executivos de marketing a assumir um estúdio. Além de sua experiência com marketing e exibições, quando se juntou à Paramount, Yablans ganhara a reputação – primeiro na Disney, depois na Filmways – de ser um executivo preocupado com os custos, com disposição para “endurecer” com os exibidores e com vários setores da indústria⁵. Quando era vice-presidente na Paramount, Yablans ajudou Bluhdorn a reduzir as operações do estúdio, certa vez demitindo 1100 empregados par te ii SE A HISTÓRIA NOS ENSINOU ALGUMA COISA… se a história nos ensinou alguma coisa… 82 8 Na época, a Paramount possuía a cadeia de cinemas Famous Players no Canadá, mas não podia controlar a exibição de suas próprias produções nos Estados Unidos. Hoje, é claro, virtualmente todos os estúdios podem não apenas controlar a exibição de seu produto, como a Paramount por meio (no momento em que escrevo este livro) da Viacom e de sua parceira Blockbuster Video – a primeira uma operadora de televisão a cabo, a segunda uma rede de locadoras de videocassete –, ambas no mercado de exibição de filmes. Em sua compra da Cap Cities/ abc, a Disney adquiriu um escoamento adicional para o seu produto na televisão e um meio alternativo para exportar seu produto (com a Cap Cities espn) para emissoras a cabo fora do continente. 9 Como citado em evans, Robert. The Kid Stays in the Picture. Nova York: Hyperion, 1994. p. 114. 10 Peter Bar na introdução de evans, 1994: xiv. 11 evans, 1994: 182. 12500 dólares¹² a Puzo e em troca virtualmente roubou os direitos para o cinema de um dos maiores romances da década. Uma versão alternativa à história colorida de Evans sobre como a Paramount adquiriu os direitos de O Poderoso Chefão é contada pelo biógrafo de Coppola, Peter Cowie. Segundo Cowie, na época em que Puzo abordou a Paramount, ele havia recebido um adiantamento de 5 mil dólares e já tinha assinado um contrato para escrever o romance para a G.P. Putnam’s Sons. Esperando pré-vender os direitos para o cinema do livro, Puzo levou 60 páginas de um rascunho preliminar do romance para George Wiser, um editor de histórias na Paramount, que gostou por achar que “parecia um best-seller de Harold Robbins”. Wieser, então, levou o rascunho para Evans e seu assistente, Peter Bart. No início, Evans não estava interessado porque o estúdio acabara de perder dinheiro no filme de gângster de Martin Ritt, Sangue de Irmãos (The Brotherhood, 1968). Mas Wieser insistiu e Evans eventualmente concordou em adquirir o direito de compra pelo valor módico de 12500 dólares. Depois de comprar a preferência de aquisição, Evans começou a desenvolver o projeto. Mas começou a fazer isso com cautela, sem ainda estar convencido de que haveria público para um filme sobre o crime organizado. Foi só quando Evans começou a temer que o projeto fosse tirado de si – pelo ator Burt Lancaster – que ele começou a se comprometer com o filme. Em 1970, a companhia de produção de Lancaster abordou o estúdio e se ofereceu para participar no financiamento da produção, contanto que Lancaster estrelasse o filme. Evans se opôs a um acordo com Lancaster por duas razões: em primeiro lugar, ele não achava que o ator fosse adequado para o papel principal; e, de modo ainda mais importante, ele não queria diminuir a margem de lucro do estúdio no projeto, vendendo uma parcela de seus direitos para uma companhia independente de produção. Em larga medida, Coppola deve sua carreira a Lancaster, e Evans e a Paramount devem sua virada dos anos 1970 a uma série de ofertas recusadas e de discussões perdidas no desenvolvimento inicial do filme. Quando Peter Bart sugeriu pela primeira vez a Evans que Francis Coppola fosse contratado para dirigir O Poderoso Chefão, Evans achou a ideia absurda. Coppola tinha àquela altura dirigido um filme B (Demência 13 [Dementia 13, 1963]) e três filmes de estúdio (Agora Você É Um Homem [You’re a Big Boy Now, 1966], O Caminho do Arco-Íris [Finian’s Rainbow, 1968]) e Caminhos Mal Traçados [The Rain People, 1969], nenhum dos quais fora bem nas bilheterias. Ademais, Coppola tinha a reputação de tomar liberdades ao ponto da irresponsabilidade com os fundos dos estúdios; em 1969, ele pegou da Warner Brothers uma verba de 600 mil dólares destinados a desenvolvimento e gastou tudo em equipamentos de produção de tecnologia de ponta. Quando o estúdio recusou todos os seus projetos ( junto à sua companhia incipiente, a American Zoetrope) e pediu o seu dinheiro de volta, Coppola teve que dizer que todo o dinheiro fora gasto. Para restituir a Warner, Coppola realizou comerciais para a televisão e filmes institu- 12 crowie, Peter. “The Whole Godfather” em Connoisseur, dezembro de 1990. p. 90. Cowie também é o autor de Coppola. Nova York: Scribners, 1990. 83 o auge do poder 7 arnell, Gene. “Yablans into Paramount Presidency; He and Jafe on Ideal Budgets” em Variety, 5 de maio de 1971. p. 3. de uma companhia de distribuição que pertencia conjuntamente à Paramount e à mca/Universal, a Cinema International⁶. Como presidente, Yablans prometeu cortar os custos de produção para uma média de 2,5 milhões de dólares por filme⁷, e, para melhor diversificar a Paramount, trabalhar para efetuar uma reversão do Decreto de Consentimento [Consent Decree], que, após a Segunda Guerra Mundial, impedira os estúdios de controlar salas de exibição⁸. Evans foi nomeado chefe de produção da Paramount em 1967, e embora ele e Yablans tenham se dado muito bem, os dois homens eram filosoficamente muito diferentes, Ao contrário de Yablans, Evans era um executivo voltado para a produção, e, de novo de modo diferente de seu chefe, ele tinha pouca experiência prática antes de assumir o emprego. Quando Bluhdorn anunciou oficialmente a contratação de Evans como novo chefe de produção do estúdio, a indústria condenou o ceo da Gulf and Western, chamando a ação de “a loucura de Bluhdorn”⁹ e “a péssima escolha de Bluhdorn”. Mas Bluhdorn provou que estavam todos errados: Evans era o homem perfeito para o trabalho. Com Evans encarregado da produção, a Paramount aumentou dramaticamente sua importância na família de companhias da Gulf and Western, expandindo sua participação nas receitas anuais do conglomerado de 5% em 1967 para quase 50% em 1976. Por duas vezes nos três primeiros anos da década, o estúdio teve o filme mais assistido nos cinemas – primeiro Love Story, em 1971 e então O Poderoso Chefão, no ano seguinte. Os dois projetos foram originados e desenvolvidos por Evans¹⁰. O método de Evans para adquirir estas duas grandes propriedades foi incomum e particularmente esperto. Em relação a Love Story, Evans adiantou 25 mil dólares à editora Harper and Row para financiar uma primeira tiragem de 25 mil exemplares do romance¹¹. Em troca pelo investimento – que alterou drasticamente o modo como a editora promoveu o livro –, Evans recebeu a opção de adquirir os direitos para o romance antes que ele se tornasse um best-seller. A Paramount produziu a adaptação para o cinema em 1971, e o filme arrecadou mais de 50 milhões de dólares no mercado doméstico, sendo responsável por aproximadamente um terço das receitas brutas do estúdio no ano e rendendo mais de três vezes o montante do segundo filme mais visto, O Pequeno Grande Homem (Little Big Man, 1970), de Arthur Penn. O sucesso estrondoso de Love Story enviou uma mensagem clara para o resto da indústria: que um filme sozinho podia salvar um estúdio. Evans movimentou-se com a mesma presteza (e a mesma antecipação) para adquirir os direitos cinematográficos de O Poderoso Chefão. Como Evans relata em seu livro de memórias publicado em 1994, The Kid Stays in the Picture, na primavera de 1968, Mario Puzo foi até ele com “50 ou 60 páginas amarrotadas” de um livro provisoriamente chamado “Máfia”. Na época, de acordo com Evans, Puzo devia aproximadamente 10 mil dólares a agiotas, dinheiro que ele não possuía. Evans adiantou par te ii 6 “Cinema Intl. Cuts Par-U Fee” em Variety, 27 de maio de 1970. p. 3. 15 Estes são os nomes acrescentados à lista de Evans por cowie, 1990: 90. 16 evans, 1994: 220. 17 Ibid. se a história nos ensinou alguma coisa… 84 testes foram horríveis. Coppola permaneceu firme e assegurou que Pacino era o único ator para o papel. De acordo com Evans, ele finalmente concordou em contratar Pacino sob a condição de que Coppola concordasse em escalar James Caan como Sonny, mesmo Coppola já tendo contratado um ator italiano, Carmine Carridi, para o papel. Depois de Coppola concordar em escalar Caan, Evans fez a oferta para Pacino. Mas, a essa altura, Pacino havia assinado com a mgm para aparecer em Quase, Quase Uma Máfia. Em 1971, a mgm pertencia ao bilionário de Las Vegas Kirk Kerkorian e era comandada por James Aubrey, uma pessoa notoriamente difícil de se lidar. De acordo com Evans, para manter Coppola feliz, ele pediu a seu amigo Sidney Korshak, um suposto advogado da Máfia¹⁸, que o ajudasse com Aubrey. Na versão de Evans, vinte minutos depois de desligar o telefone com Korshak, Aubrey ligou para Evans: “Seu filho da puta safado, chupa-rolha desgraçado. Você vai me pagar… O anão [Pacino] é seu”. De acordo com Evans, Korshak ligou para o chefe de Aubrey, sugerindo que ele liberasse Pacino de seu contrato. Evans perguntou a Korshak o que ele dissera para convencer Kerkorian a cooperar e Korshak respondeu: “Eu perguntei se ele queria terminar de construir o hotel dele”¹⁹. Evans também se opôs ao plano de Coppola de escalar Marlon Brando no papel que dá título ao filme. A lenda diz que, após uma longa discussão, Coppola finalmente vendeu Brando para Evans filmando um teste mudo com o ator, no qual ele encheu as bochechas com algodão para criar a imagem do velho e pesado Don Corleone. Quando Brando assinou, ele concordou com um acordo estranho, mas em última instância lucrativo, no qual recebia apenas 50 mil dólares adiantados. O resultado de sua remuneração dependia do desempenho do filme nas bilheterias. Se o filme superasse a marca de 50 milhões de dólares – como apenas três ou quatro filmes tinham feito na História –, incentivos significativos começavam a valer e o percentual de Brando do faturamento bruto aumentava gradativamente. No final de 1972, Brando tinha um contrato que o concedia quase 6% do faturamento bruto dos 81 milhões de dólares do filme²⁰. Quando a escalação do elenco estava completa e a fotografia principal começava, Evans e Coppola haviam se tornado inimigos, uma rixa que perdura até hoje²¹. Em uma entrevista à Playboy em 1975, Coppola disse a William Murry que “muito da energia gasta [em O Poderoso Chefão] foi despendida simplesmente tentando convencer as pessoas que detinham o poder [leia-se Evans] a [me] permitirem realizar o filme do meu jeito”²². Quase 10 anos mais tarde, quando começou a trabalhar no roteiro da produção de Evans para Cotton Club (The Cotton Club, 1984), Coppola disse a outro entrevistador: “Fico apavorado de ficar em uma situação na qual pessoas opinem sobre o meu trabalho. Se eu tiver que lutar por tudo, como precisei lutar por Al Pacino e Marlon Brando, não tenho mais a energia”²³. Em uma entrevista de 1984, Evans contou o seu lado da história. Segundo Evans, o corte final de Coppola para O Poderoso Chefão parecia 18 Foi Evans quem caracterizou Korshak como um advogado da Máfia. evans, 1994: 4, 222–224. 19 evans, 1994: 223–224. 20 “Brando’s Mute Test Copped Role; Godfather Funnier than Mafia Picnic” em Variety, 8 de março de 1972. p. 6; e “Godfather May Top gwtw” em Variety, 8 de março de 1972. p. 254. Rumores dizem que o agente de Brando ou simplesmente desperdiçou ou legitimamente liquidou a parte de Brando; como tanta coisa na história contemporânea de Hollywood, é difícil simplesmente seguir o dinheiro. 85 21 Para mais da disputa entre Evans e Coppola, ver lewis, Jon. Whom God Wishes to Destroy. Durham: Duke University Press, 1995. p. 111–113, 119–121, 123–138. 22 murry, William. “Playboy Interview: Francis Ford Coppola” em Playboy, n° 22, 1975. p. 59. 23 thomson, David, e gray, Lucy. Ídolos do Rei. Entrevista publicada neste catálogo. o auge do poder 14 Estes são os diretores listados por Evans em evans, 1994: 218. cionais, mas sua dívida com a Warner era tão considerável que, quando circularam rumores de que a Paramount pretendia oferecer a Coppola a oportunidade de dirigir O Poderoso Chefão, executivos da Warner Brother ligaram para Evans para avisar que o cheque poderia ser enviado para eles. Bart afirma que, ao contrário de Evans, ele admirava o talento de Coppola desde o princípio. Como um jornalista da indústria, Bart conhecera Coppola em São Francisco e o achara “uma pessoa extraordinariamente inteligente”, que escrevia “roteiros fabulosos”. Mas, apesar do entusiasmo e da confiança de Bart, a decisão do estúdio de contratar Coppola tinha menos a ver com a admiração do executivo pelo talento do jovem diretor do que com a resolução de Evans de manter o projeto longe das mãos de Burt Lancaster e com sua aparente incapacidade de despertar o interesse de um só grande diretor de ação no filme. A favor de Coppola estavam os fatos de ser ítalo-americano e de, porque estava com dívidas tão grandes, poder ser contratado a um preço baixo¹³. Evans finalmente concordou em oferecer o trabalho para Coppola, depois de receber recusas de Richard Brooks, Constantin Costa-Gavras, Elia Kazan, Arthur Penn¹⁴, Franklin Schaffner, Fred Zinneman, Lewis Gilbert e Peter Yates¹⁵. Muitos diretores recusaram a oferta de Evans alegando discordar da maneira como o roteiro e o romance glorificavam o crime organizado. Muitos outros manifestaram preocupação sobre a possibilidade de se associar a um filme que teria respostas potencialmente incendiárias de uma comunidade étnica. Enquanto isso, Bart continuava a defender Coppola, certa vez dizendo a Evans que, se ele quisesse realmente realizar o filme, eventualmente seria preciso escolher entre Coppola e Lancaster¹⁶. Para manter o controle do estúdio sobre o projeto, Evans seguiu o conselho de Bart e fez uma oferta para Coppola. Para seu grande espanto, Coppola mostrou-se disposto a recusar, não devido às posições políticas do filme, mas porque ele não tinha interesse em dirigir um filme de gênero convencional. A lenda diz que foi George Lucas, amigo de Coppola, quem finalmente o convenceu a aceitar a oferta de Evans, defendendo que, se ele dirigisse O Poderoso Chefão, nunca mais precisaria realizar outro filme comercial. Depois de três dias de negociações com o estúdio, Coppola finalmente seguiu o conselho de Lucas e concordou provisoriamente, contanto que, segundo o relato de Bart das palavras de Coppola, “o filme não fosse sobre gângsteres organizados, mas uma crônica familiar. Uma metáfora para o capitalismo nos Estados Unidos”¹⁷. Evans achou o conceito de Coppola para o filme ridículo, até mesmo pretensioso. Mas, confiante de que o corte final do estúdio deixaria ele próprio no controle do filme, Evans preparou um contrato e assinou com Coppola por 150 mil dólares, somados a 7,5% do lucro líquido. A noção de Evans de que poderia controlar Coppola foi imediatamente posta à prova quando Coppola decidiu escalar Al Pacino como Michael Corleone. Evans achava que Pacino era baixo demais e de que seus três par te ii 13 cowie, 1990: 90. 26 evans, 1994: 344. 27 Peter Bart no prefácio de evans, 1994: xiv. se a história nos ensinou alguma coisa… 86 que quebrou sua mandíbula, Aram Avakian, o montador original do filme, procurou Evans para dizer a ele que o filme “não iria montar”, que Coppola “não fazia ideia do que era continuidade”. Para verificar as acusações de Avakian – talvez secretamente esperando que fossem verdade –, Evans contratou um segundo montador, Peter Zinner, que, para a grande surpresa de Evans, disse que a cena era maravilhosa. Evans percebeu que Avakian tentava roubar o trabalho de Coppola e o demitiu, assim como várias outras pessoas com cargos muito importantes para a produção²⁸. Embora as demissões em massa parecessem indicar que Coppola finalmente tinha o apoio de Evans, o passo seguinte do executivo sugeriu o contrário. Depois do episódio com Avakian, Evans contratou Elia Kazan para ficar a postos, caso eventualmente tivesse que substituir Coppola. Em uma conversa com Peter Cowie, Coppola se lembrou da ansiedade que sentiu na época: “Eu sonhava repetidas vezes que Kazan chegaria ao set e diria para mim, ‘Ahn, Francis, pediram-me para…’. Mas Marlon, que estava informado acerca disso, me apoiou muito e disse que não continuaria a trabalhar no filme se eu fosse demitido”²⁹. A batalha entre Coppola e Evans não surpreendeu ninguém na indústria, e, em contexto, para roubar uma fala do filme, ao menos para Evans, não era pessoal, eram negócios. Cerca de um ano antes do lançamento de O Poderoso Chefão, sob a manchete da página 1 da Variety afirmando “Reduzam a importância dos diretores”, Evans anunciou a sua (e da Paramount) intenção de “se tornarem [mais] envolvidos com o produto em uma base criativa”, de estarem “mais próximos ao desenvolvimento do roteiro, à seleção do elenco e aos cortes finais”. Se os roteiristas e diretores não gostassem de suas regras, Evans lançou, “eles deveriam permanecer afastados”³⁰. As afirmações de Evans eram, na época, dirigidas especificamente a Elaine May, a roteirista e diretora da produção da Paramount O Caçador de Dotes (A New Leaf, 1971). Na época, May afirmou que Evans tinha “mudado drasticamente” o seu trabalho e moveu uma ação em um tribunal federal para cancelar o lançamento do filme. O cineasta Arthur Penn entrou na briga ao lado de May, assim como o cineasta britânico Anthony Harvey, que observou que a única razão para Evans ter sido tão ousado foi o fato de ter feito tanto dinheiro com Love Story³¹. Evans sem dúvidas concordava com Harvey sobre a importância de Love Story para a decisão sua e da Paramount de “esvaziar diretores de ego inflado”³²; em Hollywood você só é tão bom quanto o seu último filme, e na época Evans não teria feito nada de modo diferente. A escolha de Coppola para dirigir O Poderoso Chefão parecia estar de acordo com esta política intervencionista de produção. Na época, Evans apostava que teria mais sucesso influenciando um diretor relativamente inexperiente como Coppola do que alguém como Yates ou Costa-Gavras. Evans também planejava usar Coppola para dissipar preocupações sobre como o estúdio planejava retratar a Máfia. Como esperado, objeções ao 28 evans, 1994: 225. Evans conta esta história para mostrar que ele nunca de fato teve nada pessoal contra Coppola, que ele na verdade protegeu Coppola contra várias armações por trás dos panos para tirá-lo do filme. 29 cowie, 1990: 92. É claro que Brando teria todas as razões para preferir Kazan a Coppola: afinal de contas, Kazan o dirigira em Sindicato de Ladrões e Uma Rua Chamada Pecado. Que ele tenha apoiado Coppola durante esta crise deve ter melhorado a confiança de Coppola, que ainda estava sob olhar constante durante a produção, a ponto do ceo da Gulf and Western, Charles Bluhdorn, se tornar um visitante regular no set, presumivelmente para evitar que alguma manobra adicional por trás dos panos atrapalhasse ou atrasasse a produção do filme. De acordo com todos os relatos que li, a presença de Bluhdorn no set nunca pareceu preocupar Coppola; ao invés disso, os dois se tornaram amigos. 87 30 arneel, Gene. “Cut Directors Down to Size: Bob Evans: ‘We Keep Control’” em Variety, 3 de fevereiro de 1971. p. 1 e 22. 31 “Evans May Have Been Thinking of Her” em Variety, 10 de fevereiro de 1971. 32 beaupre, Lee. “Deflate ‘Big Me’ Directors: Film Producers See a Credit Gap” em Variety, 2 de maio de 1973. Mesmo após o lançamento o auge do poder 25 evans, 1994: 343. “um trecho tirado de [o programa de televisão] Os Intocáveis”; era tão ruim que Evans precisara remontar e “[mudar] o filme inteiro”²⁴. Em seu livro de memórias publicado em 1994, Evans recorda uma troca de telegramas entre os dois em meados de dezembro de 1983. O primeiro telegrama, sem estar assinado, mas supostamente enviado por Coppola, dizia o seguinte: “Caro Bob Evans, eu fui um verdadeiro cavalheiro no que diz respeito a seu envolvimento em O Poderoso Chefão. Nunca falei sobre você descartando a música de Nino Rota, você recusando a escalação de Pacino e Brando etc. Mas volta e meia sua alegação estúpida sobre cortar O Poderoso Chefão reaparece e me deixa com raiva por sua pomposidade ridícula”²⁵. O segundo telegrama foi enviado e assinado por Evans no dia seguinte: “Obrigado por seu charmoso telegrama. Não consigo imaginar o que motivou esta diatribe venenosa. Estou ao mesmo tempo irritado e exasperado por suas acusações falaciosas (…) Estou afrontado por seu descaramento em ousar enviar esta epístola maquiavélica. O conteúdo da qual não é apenas ridículo, mas deturpa completamente a verdade”²⁶. Dado que O Poderoso Chefão se tornou um filme de autor americano legendário – que é geral e justificadamente creditado como o início do renascimento autoral de Hollywood na década de 1970 –, o questionamento de Evans sobre a autoridade de Coppola em O Poderoso Chefão parece ir significativamente além da talvez mesquinha (mas não obstante fascinante) rixa entre os dois. Evans tinha o direito, afinal de contas, ao corte final do filme, e, de acordo com seu assistente, Peter Bart, ele exerceu esse direito e salvou a obra. “‘O Poderoso Chefão foi uma experiência seminal”, diz Bart, “pelo fato de Evans estar insatisfeito com o corte de Francis Coppola e de passar meses trabalhando o tempo todo no filme com ele, até mesmo adiando sua data de lançamento. Agora a fofoca por aí diz que Evans estava se intrometendo nas prerrogativas de jovens cineastas. A realidade era bem o contrário: eu vi como um filme soberbamente filmado, mas montado com inépcia, transformou-se em uma obra-prima”²⁷. Embora os dois homens permaneçam amargos sobre quem exatamente montou o filme, Evans e Coppola concordam que foi o final de Evans e não o de Coppola a que o público assistiu em 1972. Coppola filmara e esperava usar uma cena final de Kay na igreja acendendo uma vela pelos pecados de Michael. Ao invés disso, o filme termina com a porta lentamente se fechando no rosto de Kay; primeiro vemos de relance os subordinados de Michael beijando o seu anel e então o enigmático olhar desesperado de Kay. O final original de Coppola nos leva outra vez à conjugação entre família e religião e à traição das duas coisas por Michael ao assumir o poder. O final de Evans trata só do poder de Michael e da crescente irrelevância de Kay em sua vida. A rixa entre Coppola e Evans foi só uma das várias batalhas durante a produção de O Poderoso Chefão. Depois de Coppola filmar a cena do tiroteio no restaurante na qual Michael se vinga de Solozzo e do policial corrupto par te ii 24 saloman, Julie. “Budget Busters: The Cotton Club’s Battle of the Bulge” em Wall Street Journal, 13 de dezembro de 1984. p. 22. 34 ferreti, Fred. “Corporate Rift in ‘Godfather Filming’” em New York Times, 23 de março de 1971. p. 28. se a história nos ensinou alguma coisa… 88 favor muito maior a ítalo-americanos se condenasse o crime organizado, Marchi gracejou em sua conclusão: “Sim, Mr. Ruddy, pode ser que simplesmente haja uma Máfia”³⁵. Um mês depois, o cantor Vic Damone usou o Times para anunciar que mudara de ideia sobre desempenhar o papel de Johnny Fontaine, o cantor e ator (que muitos acreditam ser baseado em Frank Sinatra) cuja carreira é salva por Don Corleone. Damone alegou que o filme “não estava de acordo com os melhores interesses dos ítalo-americanos (…) [que] como um americano de descendência italiana, ele não poderia continuar neste papel sem sentir peso na consciência”³⁶. Na época, circulou o rumor de que Damone desistira por influência da Máfia. Embora não houvesse evidências para apoiar tal boato, ninguém no estúdio, sabiamente, fez nada para combater o rumor. Insatisfeitos pela maneira como a “confabulação” de Ruddy com a Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis fora retratada no Times e em outros veículos de imprensa – especialmente depois de uma notícia do Times revelar que a equipe de negociadores da Liga incluía Anthony Colombo, cujo pai, Joseph Colombo, era na época um “suposto líder do crime organizado no Brooklyn” –, os executivos da Paramount, incluindo Evans, tomaram Ruddy como bode expiatório. Em um artigo na Variety chamado “Par[amout] repudia Grupo Ítalo-Am. sobre O Poderoso Chefão”, um porta-voz do estúdio afirmou que o encontro e o subsequente acordo entre Ruddy e a Liga fora “completamente não autorizado”. Ignorando o fato da Liga ter primeiro contatado Evans, que então enviara Ruddy para negociar em seu lugar, o estúdio acrescentava que pretendia “levar adiante” o acordo não porque apoiava Ruddy (a quem o estúdio caracterizou como um produtor que excedera a própria autoridade), mas sim devido à decisão de John Mitchell de não mais usar os termos Máfia e Cosa Nostra no Departamento de Justiça³⁷. O Poderoso Chefão estava previsto para ser lançado no Natal de 1971. Mas devido aos vários problemas de Evans com o corte bruto de Coppola, o estúdio adiou a première até 14 de março de 1972 e o lançamento nacional até 19 de março de 1972. Era uma ação arriscada, dados os montantes gastos com publicidade e produção para o filme. No entanto, do jeito que as coisas ocorreram, o filme acabou sendo lucrativo antes de passar em uma só sala de cinema³⁸, e, quando sua primeira temporada nas salas terminou, havia arrecadado mais de 81 milhões de dólares no mercado doméstico, o maior faturamento da história até aquele momento. Além disso, o filme obteve o recorde de 23 semanas consecutivas de faturamento superior a 2 milhões de dólares. No dia 29 de março de 1972, quando a Paramount já se dera conta do evento que o filme se tornara, eles publicaram um anúncio de dez páginas na Variety listando bilheterias ao redor do país onde – e era em toda a parte – o filme obtivera recordes para os primeiros três dias, para os primeiros cinco dias e recordes estaduais³⁹. Desde o início, a Paramount 35 “Yes, Mr. Rudi, There is a...” em New York Times, 23 de março de 1971. p. 36. 36 “Damone Drops Role in ‘Godfather’ Film” em New York Times, 5 de abril de 1971. p. 31. 37 “Par Repudiates Italo-Am. Group vs. ‘Godfather’” em Variety, 24 de março de 1971. A notícia foi publicada no dia seguinte ao editorial do New York Times. 38 Para assegurar a exclusividade de O Poderoso Chefão, exibidores tiveram que adiantar uma taxa (como garantia das receitas de bilheteria). Em 15 de março, esses adiantamentos excediam 15 milhões de dólares. Uma vez que o filme foi lançado, a Pararamount recebia a divisão 90/10 ela ganhava 90% da bilheteria depois das despesas do exibidor em todos os 340 cinemas que programaram a exibição nacional do filme. 89 39 Anúncio na Variety (29 de março de 1972), p. 7–16. Esta estratégia foi usada antes somente uma vez pela Paramount, previsivelmente para o lançamento de Love Story. Cf. Variety, 18 de janeiro de 1971. p. 10–12. o auge do poder 33 lichten, Grace. “‘Godfather Film Won’t Mention Mafia“ em New York Times, 20 de março de 1971), p. 1–34. roteiro surgiram logo cedo, mas Coppola, um relativo desconhecido na época, permaneceu no plano de fundo, sendo Evans forçado a tratar da situação por conta própria. Mesmo antes do começo da fotografia principal, negociações entre o produtor de O Poderoso Chefão, Al Ruddy, e a ala de Nova York da Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis já aconteciam. O resultado dessas negociações muitas vezes conflituosas acabou por se provar constrangedor para todas as partes envolvidas³³ e serviu apenas para reforçar o absurdo das alegações de boas intenções e de respeito mútuo do estúdio e da Liga. Na edição de 20 de março de 1971 do New York Times, Ruddy anunciou que, após longas negociações com a Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis, a Paramount concordara em eliminar todas as referências à Máfia e à Cosa Nostra do roteiro. Em uma notícia do Times relacionada a isso, o então Procurador-Geral dos Estados Unidos, John Mitchell, aparentemente comovido pela sensibilidade de Ruddy, decidira seguir o exemplo e ordenara ao Departamento de Justiça que também parasse de usar estes termos. No lugar de Máfia e Cosa Nostra, Ruddy colocou “as cinco famílias”. Puzo estava indisponível para comentar – ele se encontrava em uma clínica de redução de peso na Universidade de Duke –, mas, na época, Grace Lichtenstein supôs, no Times, que ele não teria aprovado. Ela observou que os dois termos aparecem com frequência no romance e que, em 1971, mais de 700 mil exemplares em capa dura e 3 milhões de brochuras haviam sido vendidos. Ademais, em 1967, Puzo, sendo ele mesmo um ítalo-americano, escrevera: “a maior parte dos operadores do crime organizado neste país tem sangue italiano. Este fato deve ser aceito (…) tais órgãos como os grupos ítalo-americanos de pressão (…) fazem um grande desfavor a todas as partes envolvidas”. Inicialmente, Evans apoiou publicamente o acordo de Ruddy com a Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis. O acordo trouxe alguma publicidade gratuita e positiva ao filme antes de seu lançamento, e, ademais, este tipo de acordo não era uma novidade. Durante a produção de Paixão de Primavera (Goodbye, Columbus), comédia escrita por Philip Roth para a Paramount em 1970, o estúdio negociou com vários grupos de defesa de interesses judaico-americanos. “Recebemos muitas críticas de todo tipo de grupos”, um porta-voz da Gulf and Western disse ao Times. “Centenas de grupos de pressão vêm até nós o tempo todo”³⁴. Mas apesar da capitulação da Paramount à Liga ter trazido alguma paz de espírito ao estúdio, ela também levou a uma reação em termos de relações públicas inesperada e potencialmente problemática. Três dias depois do anúncio de Ruddy, informando sua decisão de cortar a Máfia e a Cosa Nostra do roteiro, um editorial do Times citou o senador do estado de Nova York John Marchi (da predominantemente ítalo-americana Staten Island), que caracterizou a capitulação de Ruddy aos grupos de pressão como “um insulto monstruoso a milhões e milhões de leais americanos de origem italiana”. Argumentando que a Paramount poderia fazer um par te ii de O Poderoso Chefão, Evans continuou a usar a imprensa para reassegurar o controle do estúdio sobre o produto. 42 “Godfather of All; Includes Wall Street” em Variety, 12 de abril de 1972. p. 4; e murphy, A. D. “Godfather and Other Goodies” em Variety, 15 de novembro de 1972. p.3. se a história nos ensinou alguma coisa… 90 43 Coppola perdeu para Bob Fosse e Cabaret o Oscar de “Melhor Diretor”, uma das raras vezes em que os prêmios de “Melhor Filme” e “Melhor Diretor” foram divididos e um do ainda mais raros casos do vencedor do Diretor’s Guild Award (Coppola) perder na noite do Oscar. Coppola, no entanto, não saiu com as mãos vazias, vencendo os Oscars de “Melhor Roteiro” e (como um dos Produtores) de “Melhor Filme”. tivo, a nbc-tv pagou o maior valor da história por uma única exibição do filme na televisão aberta. Apesar de suas temporadas nas bilheterias e de sua venda para a televisão terem quebrado recordes da indústria, a melhor notícia para a Paramount foi que, graças a Robert Evans, o estúdio detinha mais de 84% do filme, e, portanto, não precisava dividir a riqueza com mais ninguém. 44 Os números de bilheteria do final de ano apareceram na Variety sob uma sinistra manchete: “‘Godfather and Rest”. Variety, 3 de janeiro de 1973. p. 7. O P O D ER OS O C HEFÃO, PA R TE I I Os números das bilheterias de 1972 foram de difícil aceitação para executivos dos estúdios. Oito filmes faturaram mais de 10 milhões de dólares, e, desses oito, cinco – O Poderoso Chefão, A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show, 1971) e Essa Pequena É Uma Parada (What’s Up, Doc?, 1972), de Peter Bogdanovich, Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), de Stanley Kubrick, e Cabaret (1972), de Bob Fosse – podiam ser definidos como filmes de autor, ou ao menos como filmes mais ou menos identificados com a pessoa que os realizara. Os outros filmes se encaixavam mais ou menos em categorias tradicionais da indústria: Um Violinista no Telhado (Fiddler on the Roof, 1971), o segundo filme mais assistido no ano (que arrecadou menos de um terço de O Poderoso Chefão) era (assim como Cabaret) uma adaptação de um musical de sucesso da Broadway; 007 – Os Diamantes São Eternos (Diamonds Are Forever) era um filme de James Bond; e Dirty Harry era centrado em uma grande estrela (claro, Clint Eastwood). No que dizia respeito aos executivos dos estúdios, os 81 milhões de dólares arrecadados por O Poderoso Chefão eram, ao mesmo tempo, um bom e um mau presságio. O valor parecia prometer um grau de sucesso nunca antes sonhado⁴⁴, mas esse sucesso vinha acompanhado por uma nova e problemática retórica da imprensa, tratando o diretor como uma estrela, o diretor como um autor. Que alguns outros filmes de sucesso de 1972 recebessem o mesmo tipo de tratamento, colocava os estúdios em uma difícil posição. O público que ficara afastado do cinema no final dos anos 1960 estava de volta. Alguns diretores pareciam saber o que o público queria ver. Mas quanto poder os estúdios concederiam àqueles diretores, e por quanto tempo duraria aquela tendência? De todos os chefes de estúdio, Frank Yablans, da Paramount, era o que menos sofria pressão para reagir a esta nova tendência. Quando o balanço do ano foi anunciado, ele já havia assinado com Coppola e Puzo para a produção de uma sequência de O Poderoso Chefão. Mas por alguma razão – talvez ele estivesse apenas sendo ganancioso, talvez de fato acreditasse em um renascimento autoral –, Yablans surpreendeu a todos e começou 1973 com uma ação ousada e, em última instância, azarada. Depois de examinar os números das bilheterias, ele assinou contratos com três diretores renomados: Coppola, Peter Bogdanovich e William Friedkin (diretor do ganhador do Oscar Operação França [The French Connection, 1971] e do blockbuster prestes a ser lançado O Exorcista [The Exorcist, 1973]). 91 o auge do poder 41 “Loews’ National Share ‘Godfather’ on Its L.A. Start,” Variety (26 de fevereiro de 1972), p. 4; e “1970–’71–‘72 Pacers,”, Variety (26 de julho de 1972), p. 5. anunciou O Poderoso Chefão mais como um evento do que como um filme, uma marca do estilo de marketing e de distribuição peculiares de Yablan. É no mínimo irônico que um filme de autor tão legendário também tenha sido o primeiro grande filme em uma nova era do marketing em Hollywood, o primeiro em um antigo estúdio comandado por um novo tipo de executivos, um tipo que entendia bem menos sobre filmes do que sobre dinheiro. Duas semanas depois, a Paramount publicou um anúncio de duas páginas apresentando trechos de 39 resenhas. Mas, mesmo nesta propaganda mais tradicional, os recordes de bilheteria do filme vinham em destaque. Em grandes letras de forma impressas acima e abaixo das resenhas, era possível ler: “De cidade a cidade, estado a estado, costa a costa, O Poderoso Chefão é agora um fenômeno”⁴⁰. Seria difícil superestimar o impacto – na Paramount, na indústria como um todo – do estrondoso sucesso de bilheteria de O Poderoso Chefão. Como exatamente era possível reproduzir aquele sucesso era uma questão grande e difícil, mas a quantidade de dinheiro que um estúdio poderia arrecadar a partir de uma só propriedade parecia alterada para sempre. Ao longo dos primeiros seis meses de 1972, O Poderoso Chefão arrecadou mais de 30 milhões de dólares, aproximadamente o dobro que o blockbuster da Paramount Love Story arrecadara no mesmo período no ano anterior e quatro vezes as receitas obtidas pelo filme mais visto (entre janeiro e junho) em 1970, Aeroporto⁴¹. O sucesso do filme também teve impactos imediatos em Wall Street. A menos de um mês da première de O Poderoso Chefão, uma ação da Gulf and Western valia 44,75 dólares, uma alta histórica. Durante a semana de 3 a 10 de abril, a venda de ações da Gulf and Western foi suspensa duas vezes, e foi invocado um requisito de margem de 100 por cento, duas regras relativamente raras no mercado de ações, designadas a estabilizar uma ação volátil. Ao final do ano, a Divisão de Lazer da Paramount Pictures da Gulf and Western apresentou lucros operacionais anteriores aos impostos no valor de 31,2 milhões de dólares, uma alta de 55% em relação ao ano anterior⁴². No começo de dezembro de 1972, após a temporada de lançamento de maior sucesso de um filme na história, Yablans anunciou que a Paramount planejava parar de distribuir O Poderoso Chefão a partir de 31 de dezembro. O plano na época era relançar o filme no dia 28 de março de 1973, o dia seguinte à premiação do Oscar. Era uma aposta arriscada. Evans e Yablans se lembraram da última vez em que tentaram estratégia parecida, com Love Story indo muito mal no relançamento, após faturar apenas um prêmio menor, de Melhor Trilha Sonora, em 1971. Na noite do Oscar, O Poderoso Chefão foi bem melhor do que seu antecessor, vencendo as categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Brando) e Melhor Roteiro⁴³. O Poderoso Chefão foi relançado para uma segunda temporada bem-sucedida e então, em um negócio espantosamente lucra- par te ii 40 Anúncio Variety, 12 de abril de 1972. p. 10–11. 47 pye, Michaels e myles, Linda. The Movie Brats. Nova York: Holt, 1975. p. 97 se a história nos ensinou alguma coisa… 92 48 Ibid. brilhante, porém esotérico, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1974 (contra competidores de peso: Amarcord, de Federico Fellini, Parada, de Jacques Tati, O Medo Devora a Alma, de Rainer Werner Fassbinder, e Renegados até a Última Rajada, de Robert Altman) e recebeu uma indicação ao Oscar para Melhor Filme, pouca coisa fez. O que mais preocupou Yablans sobre A Conversação não foi o desempenho ruim do filme nas bilheterias, mas que, no exato momento em que o futuro do estúdio dependia de O Poderoso Chefão, Parte ii, Coppola parecia desinteressado do próprio público de massa que ganhara dois anos antes. Enquanto Bogdanovich, que mantivera um modesto histórico de sucesso no começo dos anos 1970, precisava da companhia tanto quanto ela precisava dele, tanto Friedkin quanto Coppola se tornaram grandes demais em muito pouco tempo para que o acordo fizesse muito sentido para eles. Em setembro de 1974, após o lançamento de O Exorcista (que quebrou o recorde de bilheteria estabelecido por O Poderoso Chefão), Friedkin se tornou o diretor mais disputado da indústria e anunciou sua decisão de sair da Director’s Company, preferindo um acordo mais tradicional com a Universal⁴⁹. Aproximadamente seis meses antes, enquanto produzia dois filmes ao mesmo tempo na Paramount, Coppola, de maneira parecida, demonstrou pouco apoio à unidade da Director’s Company, afirmando que, após o lançamento de O Poderoso Chefão, Parte ii, ele pretendia deixar Los Angeles para “realizar filmes excêntricos sem se preocupar se eles seriam ou não lucrativos”⁵⁰. Em agosto de 1974, Coppola parecia preparado para fazer exatamente isso, comprando uma participação significativa na Cinema 5, uma distribuidora independente⁵¹. Os filmes de baixo orçamento programados para serem lançados na Cinema 5 incluíam Apocalypse Now (a ser dirigido por John Milius, que escreveu o roteiro original no final da década de 1960 para a American Zoetrope de Coppola), O Retorno do Corcel Negro” (eventualmente reintitulado Corcel Negro, a ser dirigido por Carrol Ballard) e Tucker (a ser dirigido por Coppola)⁵². Não obstante o que Yablans sentisse sobre o fato de dois dos membros da Director’s Company terem contribuído para o rápido fim da unidade, ele não tinha a opção de alardear sua decepção na indústria. Na época, Coppola ainda trabalhava em O Poderoso Chefão, Parte ii. O filme estava previsto para ser lançado em dezembro de 1974 e Yablans precisava muito de um sucesso. A Paramount caíra de número um para número cinco em 1974 e mais uma vez os cálculos de final de ano das bilheterias ofereciam uma mensagem difícil de ser decifrada⁵³. O filme número um de 1973 foi um filme B com elenco e orçamento de filme A, realizado por um desconhecido diretor de estúdio – o épico de catástrofe O Destino do Poseidon (The Poseidon Adventure, 1972), dirigido por Ronald Neame, que arrecadou mais que o dobro do segundo lugar no ano, mas menos da metade de O Poderoso Chefão. A lista dos dez mais incluía outro filme de James Bond – Com 007 Viva e Deixe Morrer (Live 49 “Friedkin Exits Directors Co.” em Variety, 11 de setembro de 1974. p. 3. 50 albarino, Richard. “Coppola’s Plans: To Lay Low In Frisco, Little Pic Project” em Variety, 27 de março de 1974. p. 6. 51 “Coppola’s Cozy Rugoff Deal” em Variety, 22 de janeiro de 1975. p. 5–90. 52 “Cinema 5 Quarter Net 60g; Cause Mostly Swedish Import; Coppola at Annual meeting” em Variety, 29 de janeiro de 1975. p. 3. Todos os três filmes, eventualmente, chegaram ás telas, embora nenhum lançado através da Cinema 5 de Coppola. 93 53 Embora as receitas de bilheteria do estúdio fossem ruins para o ano, a Paramount produziu um número interessante de filmes: o moderado sucesso O Grande Gatsby (The Great Gatsy, 1974), Mikey and Nicky (1976), A Trama (The Parallax View, 1974) e Serpico (1973). Na verdade, Yablans tinha boas razões para se culpar pelo declínio da receita do studio, pois vendeu 50% da parte da Paramount no sucesso de bilheteria O Ocaso de Uma Estrela (Lady Sings the Blues, 1972) para Barry Gordon, quando o filme estourou o orçamento. o auge do poder 46 yablans, Frank. “Bold Approach to Pix B.O.; and tv’s Production Virility Yet To Be Tested”, Variety em 3 de janeiro de 1973. p. 24. Yablans chamou esta unidade de produção de Director’s Company [Companhia dos Diretores]⁴⁵, e anunciou formalmente o contrato no dia 3 de janeiro de 1973, em um comunicado à imprensa assinado pelo próprio chefe do estúdio⁴⁶. O contrato dos diretores com a Paramount estipulava as seguintes condições: cada diretor realizaria três filmes ao longo dos seis anos seguintes – uma segunda versão do contrato determinava quatro filmes em doze anos – e atuaria como produtor executivo em ao menos um filme dirigido por um dos outros membros da companhia. Em consideração pelo investimento de capital de 31,5 milhões da Paramount, por sua promessa de autonomia criativa dentro de sua superestrutura de produção e de distribuição, pela garantia de financiamento para as produções (sem precisar do incômodo de vender ideias para vários filmes) e por uma participação de 50% no lucro dos filmes, os diretores ficavam obrigados a trabalhar exclusivamente para a Paramount durante a duração do contrato. Para Yablans, a Director’s Company era pouco mais do que uma atualização da antiga prática de Hollywood de contratar talentos. Mas não foi assim que ele escolheu promover o acordo na indústria: “Esta é uma relação familiar”, Yablans bravateou. “O que tornou este acordo possível foi o grau de afinidade entre os diretores e o estúdio; estamos todos com trinta e poucos anos e não temos uma grande hierarquia”⁴⁷. No que dizia respeito a Yablans, a Director’s Company recontextualizava o cinema autoral no interior da superestrutura do estúdio; embora o acordo cedesse um pouco de autonomia aos três famosos diretores, isso acontecia em troca do que correspondia a uma capitulação dos diretores ao objetivo primário dos estúdios de produzir filmes que dessem dinheiro. “Todos passaram por sua fase de crescimento”, Yablans disse, “entregando-se a seus gostos esotéricos. Coppola não está interessado em filmar uma árvore de romãs crescendo no deserto. Todos são muito comerciais agora”⁴⁸. Mas o otimismo de Yablans durou pouco. Primeiro ele lutou com o conselho da Gulf and Western para transferir o controle sobre o ainda não lançado O Poderoso Chefão, Parte ii do estúdio em si para a Director’s Company. O estúdio impediu seu plano simplesmente observando que a compra da propriedade O Poderoso Chefão e todas as suas sequências e merchandising pelo estúdio antecedera a formação da nova unidade. Se o conselho concordasse em permitir que Yablans transferisse o controle de O Poderoso Chefão, Parte ii para a Director’s Company, a unidade ficaria com saldo positivo menos de um ano após sua fundação. Quando o conselho se recusou a apoiar o projeto de estimação de Yablans, eles minaram o seu controle não apenas dos três diretores, mas também do estúdio. No final das contas, somente três filmes foram produzidos sob a bandeira da Director’s Company: A Conversação (The Conversation, 1974), de Coppola, Lua de Papel (Paper Moon, 1973) e Daisy Miller (1974), de Peter Bogdanovich. Apenas Lua de Papel trouxe algum dinheiro ao estúdio. Daisy Miller foi um fracasso de público e de crítica, e A Conversação, um filme par te ii 45 Eu forneço uma discussão semelhante sobre a Directors Company, no contexto das ambições de Coppola no começo de sua carreira, em Lewis, Whom God Wishes To Destroy, p. 16–18 se a história nos ensinou alguma coisa… 94 56 arneel, Gene. “Puts Class in Bed with Porno” em Variety, May 6, 1970; “Recent Supreme Court Rulings Tending to Set Limits on Porno; Rebuff of Idea of Anything Goes” em Variety, 12 de maio de 1971; kupferman, Theodore. “Obscenity Law Can’t Keep Changing” em Variety, 5 de janeiro de 1972; “Show Biz’s Big-Leaf Crisis: High Court Hands Reins over Porno to Local Judges” em Variety, 27 de junho de 1973. p. 1–78; e verril, Addison. “Community Standards Spells c-o-nf-u-s-i-o-n” em Variety, 27 de junho de 1973. p. 5. dia 25 de setembro de 1974, dois meses antes do lançamento de O Poderoso Chefão, Parte ii, o ceo da Gulf and Western, Charles Bluhdorn, anunciou que Barry Diller, um executivo de 32 anos da abc, havia sido contratado para se tornar o novo ceo e presidente do conselho da Paramount Pictures. Yablans, a quem Bluhdorn culpou pelo fraco desempenho do estúdio desde o lançamento de O Poderoso Chefão, fez uma saída silenciosa e Diller assumiu o seu lugar para reivindicar o sucesso por O Poderoso Chefão, Parte ii⁵⁷. A produção de O Poderoso Chefão, Parte ii foi significativamente menos conflituosa do que a do primeiro filme, em larga medida porque Coppola foi contratado não apenas para coescrever o roteiro e dirigir o filme, mas também para produzi-lo. Na ausência de Robert Evans (que estava ocupado produzindo filmes sob a bandeira “Robert Evans Productions”, de propriedade da Paramount) e do produtor de O Poderoso Chefão Al Ruddy, Coppola parecia estar com as mãos livres para fazer o que quisesse, e, como resultado, a indústria teve pouco para noticiar. De fato, o estúdio pareceu exercer seu poder somente durante o desenvolvimento e a produção do filme, e Coppola calmamente obedeceu. Depois de Brando constranger o estúdio se recusando a aceitar o Oscar de Melhor Ator por sua atuação em O Poderoso Chefão, e então de audaciosamente exigir 500 mil dólares mais 10% do faturamento bruto para aparecer na sequência, o estúdio se recusou a contratá-lo⁵⁸. Sem Brando, Coppola foi forçado a alterar seu conceito original para o filme. A narrativa revisada por Puzo e Coppola de O Poderoso Chefão, Parte ii tinha uma estrutura consideravelmente mais elíptica do que a do primeiro filme. Não desejando focar apenas em Michael Corleone após a mudança para Nevada, os autores acrescentaram uma história de fundo a respeito do jovem Don navegando nas ruas pobres de Nova York na virada do século. Quando chegou a hora de produzir o filme, Coppola decidiu amarrar as duas histórias por meio de uma série de fusões. As duas histórias habilmente caracterizam o crime organizado (e seu impacto na família) em duas etapas muito diferentes de desenvolvimento, mas este tema, e a complexa estrutura narrativa e visual que se tornou o marco do filme, resultaram menos por design e mais por necessidade. A chave para o contrato de Coppola para O Poderoso Chefão, Parte ii era o grau de autonomia criativa que Yablans estava disposto a – talvez até mesmo ansioso para – ceder. Após os sucessos assombrosos de O Poderoso Chefão e de Loucura de Verão nas bilheterias, Yablans tinha toda a razão para acreditar que Coppola sabia melhor o que o público gostaria de ver do que ele. Para seu crédito, ele não deixou que seu ego atrapalhasse seu bom juízo; Yablans era, afinal de contas, antes de tudo um especialista em dinheiro (e não em filmes). Além de estar livre de interferências do estúdio no set de modo sem precedentes, Coppola foi pago (e, de fato, foi tratado) como uma estrela do cinema. Ele recebeu 250 mil dólares pelo roteiro, 200 mil para dirigir e, 57 murphy, A. D. “Barry Diller, 32, New Par Chairman: Bluhdorn Move Surprises Film Trade” em Variety, 25 de setembro de 1974. 58 “Brando Makes Demands, Can Paramount Refuse?” em Variety, 19 de novembro de 1972. p. 3. 95 o auge do poder 55 Cf. “Trade Ponders: X the Key to B.O.” em Variety, 25 de feveiro de 1970. p. 1. and Let Die, 1973) –, dois musicais da Broadway ( Jesus Cristo Superstar [1973] e o relançamento de A Noviça Rebelde [The Sound of Music, 1965]), dois filmes de aventura para machos (Os Implacáveis [The Getaway, 1972] e Amargo Pesadelo [Deliverance, 1972]), Lua de Papel (Paper Moon, 1973), de Peter Bogdanovich, e dois filmes que realmente preocuparam os estúdios – o blockbuster independente de George Lucas Loucura de Verão ([American Graffiti, 1973], que todos os estúdios recusaram até Coppola assinar como produtor nominal do filme) e um filme produzido no exterior, O Último Tango em Paris (Le Dernier Tango à Paris, 1972), de Bernardo Bertolucci, até então o filme de conteúdo sexual mais explícito a ser lançado por um grande estúdio americano. O que tornava O Último Tango em Paris um grande problema para os estúdios não era apenas a reputação de Bertolucci como a de um autor que controlava cada aspecto da produção, mas que outros três filmes censurados para menores – Garganta Profunda (Deep Throat, 1972), O Diabo na Carne de Miss Jones (The Devil in Miss Jones, 1973) e Atrás da Porta Verde (Behind the Green Door, 1972)⁵⁴ – também apareceriam na lista de filmes mais vistos se a Variety não se recusasse a listar filmes pornográficos ao lado dos chamados filmes tradicionais. O sucesso surpreendente, até mesmo no circuito mainstream (uma vez que as três obras foram exibidas em salas “normais” em grandes cidades ao redor do país), dos filmes de sexo explícito apresentou um problema muito difícil para os grandes estúdios. Desde 1970, um ano de recorde negativo para a indústria, começara-se a especular se filmes censurados para menores de 18 anos poderiam ser a chave para o futuro da indústria⁵⁵, e de 1971 a 1973 os estúdios foram forçados a apenas assistir à indústria pornô aumentar sua participação de mercado, enquanto a Suprema Corte dos eua decidia o quanto as comunidades tinham a dizer sobre o que podia ser exibido em salas de cinema locais⁵⁶. A instituição eventual de “normas comunitárias” como forma de controlar a indústria pornográfica ajudou muito os estúdios a reestabelecerem o controle do mercado. Mas de 1970 a 1973, aproximadamente os anos de desenvolvimento dos dois primeiros filmes de O Poderoso Chefão, executivos dos estúdios passaram muito tempo preocupados pelo que precisariam fazer se os tribunais apoiassem um mercado totalmente aberto – e que espécie de concessão precisariam fazer não apenas para esse novo público, mas também para autores poderosos que, seguindo o exemplo de Bertolucci, decidissem fazer filmes mais explícitos. Menos de um ano depois da decisão do estabelecimento de “normas comunitárias”, a indústria de filmes tradicionais recuperou-se de modo radical. Em 1974, as receitas de bilheterias de filmes tradicionais foram as segundas mais altas na história. Mas uma vez que O Poderoso Chefão, Parte ii estreou no final de dezembro de 1974, suas receitas não foram registradas até o começo do ano seguinte. Como resultado, 1974 não foi um ano particularmente bom para a Paramount e foi um ano particularmente ruim para Yablans. Em uma grande surpresa na indústria, no par te ii 54 Cf. “Throat Profits versus Non-Porno Field” em Variety, July 4, 1973; e “1973: Moments of Truth for Film” em Variety, 9 de janeiro de 1974. p. 44. 61 kael, Pauline. The Current Cinema (crítica de O Poderoso Chefão, Parte ii). New Yorker, 23 de dezembro de 1974. p. 63–68. se a história nos ensinou alguma coisa… 96 para realizar pequenos filmes baratos. Por mais sedutora que a teoria dos autores tenha parecido inicialmente, no final de 1974, os estúdios vieram a se dar conta de como sua implementação poderia ser perigosa. Após A Conversação, os executivos de estúdio tinham razões para temer a possibilidade de outros grandes diretores começarem a realizar pequenos filmes pessoais com o dinheiro deles. E embora ainda não tivesse acontecido, um cenário ainda mais perigoso avultava-se: a possibilidade de algum diretor realizar um pequeno filme pessoal de grande orçamento. O P O D ER OS O C HEFÃO, PA R TE I I I O Poderoso Chefão, Parte iii foi um projeto ao qual Coppola firmemente se opôs entre 1974 e 1989. Ele era tão contrário à ideia de mais uma sequência que disse à imprensa que faria um terceiro filme apenas se pudesse ser uma farsa, como “Abbot e Costello Encontram o Poderoso Chefão”⁶². Ao longo da década de 1970, circulava o rumor em Hollywood de que a Paramount queria escalar John Travolta como um Don de terceira geração, com Coppola não participando do filme. Mas a verdade é mais complicada. De 1975 a 1979, Coppola esteve envolvido no desenvolvimento e na produção de Apocalypse Now, e, nos quatro anos seguintes, em uma audaciosa, porém malograda, tentativa de ter o próprio estúdio. Em 1982, o estúdio estaria à venda, e dois anos mais tarde, quando a venda fora finalmente realizada, Coppola consideraria declarar falência para conseguir proteção de dívidas decorrentes da produção de Do Fundo do Coração (One from the Heart, 1982), um filme que deu prejuízos de cerca de 27 milhões de dólares⁶³. Em 1985, a reputação de Coppola diminuíra tanto que os executivos da Paramount começaram a pensar em fazer o filme sem ele. Boatos dizem que o ceo da Paramount, Frank Mancuso, chegou a oferecer o filme para o diretor nascido na Rússia Andrei Konchalovski, e então para as estrelas Sylvester Stallone e Eddie Murphy, mas que nenhum acordo viável foi alcançado. Em 1989, quando Mancuso decidiu mais uma vez oferecer o filme a Coppola, o diretor estava disposto a aceitar; ele estava sem dinheiro e não tinha realizado um só sucesso em mais de 10 anos⁶⁴. Além disso, Coppola foi receptivo à ideia porque dois anos antes Mancuso fora generoso ao aceitar primeiro financiar e então promover o filme semi-autobiográfico de Coppola Tucker: Um Homem e Seu Sonho (Tucker: The Man and His Dream, 1988). Quando Tucker foi lançado em 1988, para obter resultados decepcionantes nas bilheterias, Mancuso continuou o apoiando na imprensa. Talvez tenha sido o mínimo que ele pudesse fazer, e depois das receitas complementares terem sido contabilizadas, a Paramount pode ter continuado com prejuízo. Mas o apoio de Mancuso era um tratamento muito superior ao que Coppola se acostumara na década de 1980, e sem dúvidas foi muito importante para reparar o relacionamento de Coppola com o estúdio⁶⁵. 62 kroll, Jack. “The Corleones’ Return” em Newsweek, 24 de dezembro de 1990. p. 58. 63 O projeto do Zoetrope Studios é uma longa história, que eu conto em Whom God Wishes to Destroy. 64 Apenas dois filmes de Coppola nos anos 1980 foram lucrativos: Vidas Sem Rumo (The Outsiders, 1982), produzido com a única intenção de pagar as contas do Zoetrope Studios, e Peggy Sue, Seu Passado à Espera (Peggy Sue Got Married, 1986), um filme que ele não escreveu, desenvolveu ou produziu. 97 65 Em 1982, o então ceo da Paramount, Barry Diller, renegou um acordo para distribuir Do Fundo do Coração e, assim, faliu Coppola e seu estúdio. Que Coppola acreditasse que realmente devesse à Paramount um favor após o lançamento de Tucker: Um Homem e Seu Sonho apenas seis anos depois, apoia o velho ditado na indústria de que vale a pena ter uma memória curta. o auge do poder 60 “The Godfather Part ii” em Variety, 11 de dezembro de 1974. via uma fórmula absurdamente complicada, entre 10 e 15% dos lucros líquidos do filme como produtor, valor que eventualmente foi, como todos na Paramount esperavam, considerável⁵⁹ (Pacino também recebeu muito melhor ao aceitar participar da sequência; seu salário foi de 500 mil dólares, 25 vezes aquele pago pelo papel de Michael no primeiro filme). Coppola realizou O Poderoso Chefão, Parte ii por aproximadamente 15 milhões de dólares, bem mais que o dobro do custo de produção do primeiro filme. Embora o estúdio esperasse manter o orçamento na casa dos 8 milhões, quando o filme estava pronto, havia pouco motivo para preocupação. O Poderoso Chefão, Parte ii deu lucro semanas antes de sua primeira exibição, já que o estúdio recebeu mais de 26 milhões de dólares de adiantamento de exibidores no começo de dezembro de 1974. O Poderoso Chefão, Parte ii não quebrou qualquer recorde de bilheteria. Foi um sucesso, mas não na escala do primeiro filme. E em larga medida o seu sucesso foi quase um mau presságio, uma vez que revelou uma fraqueza fundamental na indulgência dos estúdios em relação à teoria dos autores em Hollywood. Começando com uma crítica que aclamava o filme na Variety, uma frase iria continuamente assombrar os executivos na Paramount: “Coppola deteve o total controle de O Poderoso Chefão, Parte ii”⁶⁰. O filme fez tanto sucesso com os críticos quanto o primeiro filme fez com o público. Enquanto Yablans pagou por 10 páginas da Variety para ostentar os números de O Poderoso Chefão nas bilheterias, Diller publicou um anúncio de duas páginas com trechos de grandes resenhistas, todos enaltecendo a sequência. Era a melhor e talvez a única maneira de realizar uma campanha promocional do filme, mas deve ter sido difícil para Diller aceitar que o estúdio havia deixado um projeto nas mãos de um diretor e que o resultado não era apenas um sucesso de bilheteria, mas, ao menos de acordo com os críticos, um dos dois ou três melhores filmes já feitos por um estúdio de Hollywood. A resenha de Pauline Kael na New Yorker resumia a importância do filme: “[O Poderoso Chefão] é a obra de um grande artista – quem mais iria, ao ter a oportunidade e o poder, seguir adiante com a absoluta convicção de que deveria ter feito o filme da forma como fez? No cinema, esta é a voz interior de um autêntico herói”⁶¹. O que Kael reconhecia não era apenas a qualidade inerente do filme, mas sua importância histórica em termos de uma crescente tradição autoral no cinema americano. Quando o filme venceu os prêmios de Melhor Filme e de Melhor Diretor no Oscar, o estúdio mais uma vez explorou com dedicação a aceitação do filme na indústria e o aparente brilhantismo de seu diretor, mesmo se, ao fazer isso, parecesse sugerir que eles começavam a pensar que dar carta branca aos diretores pudesse de fato ser uma boa ideia. É claro, A Conversação, um filme aclamado de modo parecido pela crítica, enviava outro tipo de mensagem. Ao contrário de O Poderoso Chefão, Parte ii, A Conversação não obteve bons resultados domésticos e sugeria que Coppola talvez não estivesse brincando sobre deixar Hollywood par te ii 59 “‘Godfather’ Ups Pacino, Coppola to Stratosphere” em Variety, 19 de agosto de 1973. p. 1. de dólares em 1988). Embora fosse apenas uma sequência (em uma era de sequências) e um filme vinculado de maneira muito significativa ao passado recente da Paramount, O Poderoso Chefão, Parte iii também era um projeto de prestígio, e a Paramount necessitava do filme para reestabelecer sua legitimidade como um estúdio que (também) fazia filmes de qualidade. De modo ainda mais importante, no final de 1989, Mancuso precisava do filme para desviar a atenção daquela que aparecera como a notícia mais significativa do ano na indústria cinematográfica, uma notícia na qual a Paramount claramente parecera a derrotada. Em abril, a Gulf and Western anunciou sua decisão de vender sua “unidade financeira” para consolidar seus interesses na indústria de entretenimento. Menos de dois meses depois, Davis publicou um anúncio de página inteira na Variety, anunciando o novo nome da companhia: Paramount Communications Inc.⁶⁷. O novo e diversificado estúdio de Davis se preparava para fazer negócios na década de 1990: suas atividades atravessavam vários gêneros e indústrias, tendo a capacidade de reproduzir um só produto em várias formas (ou formatos) dentro de uma família de companhias ou diretamente possuída ou controlada por Davis. Mas, apesar da aparente sabedoria de Davis na consolidação dos recursos da empresa, a indústria se interessava apenas em especular sobre o que a Paramount planejava fazer com todo o dinheiro que arrecadara da venda e quem poderia tentar adquirir a companhia se Davis não conseguisse rapidamente encontrar um espaço para ela. A quantidade de dinheiro em questão era significativa de acordo com qualquer parâmetro: 3,5 bilhões de dólares. A mca era um alvo anunciado (ela eventualmente iria para a multinacional japonesa de eletrônicos, a Matsushita), e havia rumores a respeito da Tribune Corporation, grupo baseado em Chicago que possuía alguns jornais e canais de televisão (abc, cbs, ncb e Time Inc.), que na época anunciara sua intenção de se fundir com a Warner Communications (wci)⁶⁸. Também circulava o boato sobre uma possível fusão da Paramount com a Viacom, de Sumner Redstone, uma companhia que possuía salas de exibição, sistemas de televisão a cabo e os canais de televisão Showtime, The Movie Channel e mtv⁶⁹. No dia 6 de junho de 1989, Davis finalmente fez o seu lance, e ele foi chocante: ele foi atrás da Time. Daquele dia até 20 de setembro de 1989, a batalha entre a wci e a Paramount dominou a indústria⁷⁰. A história antecipava quais seriam os parâmetros e a forma de outra nova Hollywood – uma que, como Richard Gold resumiu bem na Variety, “todo o show business será controlado por dois ou três conglomerados”⁷¹. Davis tinha algumas razões para realizar a oferta hostil de 10,7 bilhões de dólares, pagando 175 dólares por ação pela Time: 1) O acordo prometia dar à Paramount um espaço produtivo para colocar seu excesso de dinheiro para trabalhar; 2) Dadas as participações extensivas da 67 Variety, 7–13 de junho de 1989. p. 15. 68 gold, Richard. “G&W Pares Down to Media Only; Possibilities Abound” em Variety, 12–18 de abril de 1989. p. 1 e 4. 69 “Pending Sale of Associates First Indicates g& w May Be Considering Viacom Merger” em Variety, 10–18 de maio de 1989. p. 3. 70 gold, Richard. “Size Is The Ultimate Prize as Showbiz/Media Corps Fight for Supremacy” em Variety, 14–20 de junho de 1989. p. 1, 6; gold, Richard “Will ParTime-wci War Victimize Creatives” em Variety, 21–27 de junho de 1989. p. 1 e 4; gold, Richard “Intense Propaganda Fight Marks Par vs. wci War” em Variety, 26 de junho e 4 de julho de 1989. p. 1 e 5; gold, Richard. “Par’s Block Looks Like a Bust as Court Backs Time Director’s Stand” em Variety, 19–25 de julho de 1989. p. 1 e 6; gold, Richard e harris, Paul. “Times Marches on, Grabs Warner, Outpaces Par” em Variety, 26 de julho e 1 de agosto de 1989. p. 1 e 6; “Time Inc. Buyout Attempt Puts Dent in Paramount Communications Qtr.” em Variety, 20–26 de setembro de 1989. p. 9. 71 gold, Richard. “Size Is The Ultimate Prize as Showbiz/Media Corps Fight for Supremacy” em Variety, 14–20 de junho de 1989. p. 1. 99 o auge do poder se a história nos ensinou alguma coisa… 98 É concebível que Mancuso tenha cinicamente usado seu investimento e sua cooperação durante a produção e o lançamento de Tucker para eventualmente convencer Coppola a dirigir O Poderoso Chefão, Parte iii. Em 1989, os dois primeiros filmes da série O Poderoso Chefão tinham arrecadado mais de 800 milhões. Se Mancuso precisasse perder dinheiro em Tucker para conseguir realizar O Poderoso Chefão, Parte iii, era um dinheiro bem gasto. Ademais, na época, Mancuso percebeu que a Paramount precisava do filme tanto quanto Coppola. O estúdio ainda estava se recuperando de turbulências corporativas que se seguiram à morte do ceo da Gulf and Western Charles Bluhdorn em 1983. O sucessor de Bluhdorn foi o executivo muito mais conservador do ponto de vista fiscal Martin Davis, cuja primeira medida como ceo foi colocar Mancuso, um especialista em marketing, como encarregado do estúdio. Ao fazer isso, ele estava anulando um acordo realizado por Bluhdorn com o chefe de estúdio Barry Diller, mais voltado para a produção (e menos controlável), um acordo que garantira ao antigo executivo da abc-tv que sua autonomia e poder na Paramount aumentariam com o tempo. Diller entrou com uma ação por violação de contrato – processo que depois seria resolvido fora dos tribunais –, e então assumiu cargo parecido na Fox⁶⁶. Pouco tempo depois de Diller anunciar sua decisão de deixar o estúdio, o segundo na linha de comando, Michael Eisner, renunciou. Algumas semanas depois, Eisner foi nomeado ceo na Disney. E então, em uma dramática exibição de desconfiança pela nova liderança da Paramount, Jeffrey Katzenberg, Bill Mechanic, Helen Hahn, Richard Frank e Bob Jacquemin – altos executivos no departamento criativo e jurídico – deixaram o estúdio para se unir a Eisner na Disney. O que tornou as renúncias em massa ainda mais constrangedoras foi o fato da Disney não ser um grande estúdio na época; ela acabava de sobreviver a uma tentativa desastrosa de compra e parecia destinada a enfrentar outra, exceto se Eisner pudesse fazer a companhia mudar completamente de direção. Para a tristeza de Davis, ao final da década, a revolução da Disney estava completa. Sob a liderança de Eisner, o estúdio seguia firme para se tornar o conglomerado de entretenimento mais poderoso do planeta. Enquanto isso, sob Davis e Mancuso, a Paramount parecia não saber para onde ir. O estúdio continuava produzindo filmes lucrativos – Top Gun e Crocodilo Dundee foram, respectivamente, os filmes número um e dois de 1986; no ano seguinte, Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987) ficou em segundo lugar, muito próximo a Três Solteirões e Um Bebê (Three Men and a Baby, 1987), da Disney – mas, em sua maior parte, as maiores propriedades do estúdio eram oriundas de regimes anteriores: os filmes de Indiana Jones, a série Jornada nas Estrelas (Star Trek), Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984) e, virtualmente, qualquer coisa com Eddie Murphy (incluindo o incrivelmente ruim Um Príncipe em Nova York [Coming to America, 1988], que, de algum modo, arrecadou mais de 128 milhões par te ii 66 Desde sua saída da Fox, Diller permanence nas notícias, recentemente competindo pelo controle de seu antigo estúdio (com apoio do milionário da televisão a cabo John Malone). Diller perdeu para Sumner Redstone e Viacom, e depois falhou na tentativa de assumer o controle da cbs, para se tornar o ceo pós-Matsushita mca. se a história nos ensinou alguma coisa… 100 Coppola precisou reescrever o filme, excluindo um de seus personagens principais, o advogado de Michael e seu irmão adotado Tom. Em seu lugar, Coppola apresentou um novo personagem, um advogado astuto vindo da elite americana (interpretado por George Hamilton). A recusa de Mancuso em atender ao preço pedido por Duvall teve um impacto significativo sobre o filme: a obra ficou ainda mais desconectada de seus dois antecessores, e sua temática sobre a expectativa por legitimidade como uma traição à família e à etnicidade parecia reforçada. Além disso, a presença de Hamilton servia como uma lembrança da ausência de Duvall. Eventualmente, um segundo problema de elenco surgiu. Winona Ryder, contratada para interpretar Mary, a filha de Michael, apareceu no set exausta e precisou ser mandada para casa. Coppola decidiu substituí-la por sua “filha real”, Sofia, que virtualmente não tinha qualquer experiência atuando. Mancuso contrapôs-se a essa ideia com uma oferta para contratar qualquer atriz de Hollywood – até mesmo, conforme diziam boatos na época, Madonna (que havia realizado testes para o papel meses antes, mas fora rejeitada por ser muito velha para a personagem). Coppola espertamente argumentou que escalar outra pessoa atrasaria o filme e Mancuso parou de insistir. Apesar de toda a pressão de Mancuso, Coppola completou as filmagens antes do previsto. Novamente, para conseguir lançar o filme a tempo do Natal, Mancuso contratou um exército de montadores, os fez trabalhar ininterruptamente e os pagou (sem esconder a ninguém) aproximadamente 50 vezes o que teria custado para contratar a um só montador. Assim como acontecia com tantos “filmes-eventos” na Nova Hollywood, uma vez que o filme estivesse encaminhado, o dinheiro, em quantias desconcertantes, estava sempre disponível. Como Mancuso esperava, O Poderoso Chefão, Parte iii foi lançado a tempo do Natal de 1990. Seu custo de produção foi de aproximadamente 54 milhões de dólares, 10 milhões acima de seu orçamento original. Em larga medida, o estouro do orçamento foi culpa de Mancuso, e, para seu crédito, mesmo quando o filme não fez tanto sucesso quanto esperado, ele nunca culpou Coppola por não manter o orçamento⁷⁴. Ele entendeu que a sua pressa para lançar o filme a tempo do final do ano foi a “verdadeira” razão para os excessos no orçamento, e, sem dúvida, percebeu que as bilheterias domésticas iniciais do filme eram uma parte muito pequena de sua maior importância para o estúdio. Em seu lançamento doméstico inicial, O Poderoso Chefão, Parte iii faturou aproximadamente 70 milhões; tomado separadamente, um valor decepcionante. Ajustando as diferenças de valor entre 1972, 1974 e 1990 e as diferenças nos preços dos ingressos, O Poderoso Chefão, Parte iii foi, por uma margem significativa, o filme da trilogia que fez menos sucesso. Mas em Hollywood, naqueles dias, o sucesso nas bilheterias era uma parte muito pequena do valor de um filme para um estúdio. 74 kroll, 1990a: 58. 101 o auge do poder 73 kroll, 1990a: 58–61. Cf. também kroll, 1990b: 68–69. Time e da Paramount no ramo editorial, as companhias combinadas praticamente monopolizariam o mercado de impressos; 3) A oferta de Davis, e o subsequente desafio legal à fusão Time-wci, claramente incomodou a seu rival de longa data, Steve Ross, e o resto da equipe na wci, no momento preciso em que o estúdio de cinema da Warner Brothers ia muito bem, exibindo números de bilheteria excelentes com Batman, um filme que eventualmente arrecadou mais de 250 milhões de dólares no mercado doméstico. A batalha entre a Paramount e a wci é muito complexa e confusa para ser aprofundada aqui; no final, um juiz da Suprema Corte de Delaware anulou a tentativa da Paramount de disputar a negociação, e eventualmente a Time simplificou as coisas adquirindo a wci completamente. Quando o acordo entre a Time e a Life estava fechado, a Paramount tinha mais com o que se preocupar do que com a felicidade de seus concorrentes. Voltou-se a especular sobre quem poderia adquirir o estúdio. Candidatos prováveis incluíam a Telecommunications, Inc (tci), o Cablevisions Systems, a controladora da nbc General Electric, a Sony, a Bertelsmann da Alemanha Ocidental e a Hachette da França⁷². É uma ironia que, sem dúvida, escapou aos envolvidos, mas, no próprio momento em que Coppola preparava um roteiro sobre jogadores maquiavélicos envolvidos em supernegócios internacionais, a Paramount se encontrou em um cenário desconfortavelmente parecido. A produção de O Poderoso Chefão, Parte iii transcorreu de modo relativamente tranquilo, porque tanto Mancuso quanto Coppola precisavam de um sucesso e nenhum dos dois podia comprar brigas com o outro. O problema mais significativo enfrentado por Coppola foi a determinação obsessiva de Mancuso de lançar o filme no Natal de 1990; ele era, afinal de contas, um executivo de marketing e não de produção. Quando Mancuso assinou um contrato para Coppola escrever e dirigir o filme, Coppola pediu seis meses para desenvolver uma história e um roteiro. Mancuso lhe concedeu seis semanas. Para o crédito de Mancuso, ele entendeu que cabia a Coppola fazer de O Poderoso Chefão, Parte iii um filme-evento, mas que era responsabilidade do próprio Mancuso garantir que ele estivesse nos cinemas certos durante a alta temporada. O orçamento original para O Poderoso Chefão, Parte iii era de 44 milhões de dólares, considerado elevado para a época, mesmo para um filme tão grande. Uma das razões para o custo do filme eram seus salários exorbitantes, muito acima da média do mercado. Mancuso concordou em pagar a Coppola 3 milhões de dólares para dirigir, 1 milhão para escrever e (de acordo com estimativas) até dois outros milhões, somados a 15% das receitas brutas, para produzir o filme. Para passar à fase de produção tão prontamente quanto possível, Mancuso atendeu ao pedido de Al Pacino por 5 milhões e ao de Diane Keaton por 2 milhões. Mas então, misteriosamente, Mancuso recusou-se a pagar mais de 1,5 milhão a Robert Duvall⁷³. Duvall saiu do filme e, como resultado, par te ii 72 gold, Richard. “Paramount Should Look to Buy Elsewhere, Lest It Be Taken Over Itself, Experts Say” em Variety, 19 a 25 de julho de 1989. p. 6. se a história nos ensinou alguma coisa… 102 77 fuller, Graham. “Francis Ford Coppola: “Will His New Film, Bram Stoker’s Dracula, Drive a Stake into His Credibility, or Ressurrect His Creative Might?” em Interview, novembro de 1992. p. 117. Havia uma história irônica por trás da batalha legal entre Coppola e Singer – a estratégia legal de Coppola para anular as dívidas dependia de acusações bastante infundadas conectando Singer ao crime organizado. Em 1989, os advogados de Coppola defenderam que os 3 milhões que Singer emprestara a Coppola eram um dinheiro que o milionário canadense obtivera por atividades ilegais envolvendo extorsão no Texas, e que portanto não estavam sujeitos a ressarcimento. Uma corte da Califórnia viu as coisas de outra maneira. No exato momento em que parecia prestes a um retorno a Hollywood, Coppola precisou pagar 12 milhões em dívidas para manter sua casa e sua vinícola no Vale do Napa. E embora ele devesse receber mais de seis milhões por seu trabalho em O Poderoso Chefão, Parte iii, não era claro na época quem exatamente iria desfrutar desse dinheiro⁷⁸. Aproximadamente duas semanas depois da première de O Poderoso Chefão, Parte iii, o antigo executivo da Paramount Peter Bart trouxe um segundo subtexto provindo do mundo do crime ao filme. Em um artigo de uma página chamado “Como a Par[amount] se ligou para os caras espertos no estúdio”, Bart afirmou que, em 1972, “interesses intimamente ligados à Máfia tinham conseguido estabelecer uma base secreta na Paramount”, e que eles tinham feito isso como resultado de um significativo investimento no estúdio realizado por um famoso financiador italiano chamado Michele Sindona. No começo dos anos 1970, Sindona entrou em um complexo acordo com o então presidente da Gulf and Western, Charles Bluhdorn, acordo que foi central para a dramática virada de rumos da Paramount no exato momento em que Evans, Coppola e Puzo desenvolviam O Poderoso Chefão. Bluhdorn ajudou Sindona a comprar uma participação de 20% de uma companhia sediada no Vaticano, a Società Generalle Imobiliare. Esta empresa, por sua vez, comprou uma participação significativa na Paramount, fornecendo ao estúdio um capital muito necessário. Boatos sobre conexões de Sindona com a Máfia – dizia-se que ele era o conselheiro financeiro da Família Gambino – começaram a circular somente após sua prisão, sua condenação por fraude e sua subsequente extradição à Itália para ir a julgamento por assassinato (onde, em 1986, ele morreu na prisão em circunstâncias misteriosas). De acordo com Bart, em um esforço para convencer Coppola a fazer um terceiro O Poderoso Chefão no começo da década de 1980, Bluhdorn contou a Coppola o que sabia sobre Sindona, sobre seu acordo com o Vaticano e sobre como a morte misteriosa do chamado Papa Sorridente, João Paulo I, talvez viesse daí. Em O Poderoso Chefão, Parte iii, é Michael Corleone quem tenta comprar uma participação majoritária em um conglomerado escuso, Immobiliare, e então perde sua vantagem quando o Papa é assassinado após pouco mais de um mês no cargo. É em reconhecimento a seu encontro com Bluhdorn e às várias conexões entre a história do executivo e aquela contada em O Poderoso Chefão, Parte iii, 78 Cf. gold, Richard. “Coppola Bankruptcy Baffles Creditors and Colleagues” em Variety, 31 de janeiro de 1990. p. 1 e 4 ; e hlavacek, Peter. “Apocalypse Now, Chapter Eleven” em Variety, 14 de março de 1990. p. 3 e 14. 103 o auge do poder 76 Eu também discuto O Poderoso Chefão, Parte iii em lewis, 1995: 154–159. Somando-se ao lançamento doméstico de O Poderoso Chefão, Parte iii no cinema, o estúdio controlava os direitos do filme em videocassete e televisão por assinatura, além de se beneficiar da distribuição estrangeira do filme. Na Europa, onde a reputação de Coppola nunca ficou manchada como nos Estados Unidos, O Poderoso Chefão, Parte iii prometia ser um grande evento. A Paramount protegeu-se adicionalmente, lançando como carona do novo filme uma caixa especial de videocassetes incluindo os dois primeiros O Poderoso Chefão e, como se tornou moda na indústria, “cenas nunca antes vistas”, editadas em um suposto corte do diretor⁷⁵. O estúdio também coordenou uma reexibição dos dois primeiros filmes na hbo (que pertencia à Time-Warner), o que não apenas trouxe receitas para o estúdio, mas ajudou a tornar o lançamento de O Poderoso Chefão, Parte iii um evento multimídia. De modo ainda mais importante, os interesses da Paramount no filme não tinham limite de tempo. O estúdio podia (assim como de fato fez) esperar o seu próprio tempo para lançar O Poderoso Chefão, Parte iii na televisão a cabo e em fitas de videocassete para locação e compra. Ademais, como Mancuso esperava que fosse acontecer, o filme provou que a Paramount era (mais uma vez) capaz de fazer um filme de prestígio. Apenas dois meses após seu lançamento nacional, O Poderoso Chefão, Parte iii recebeu indicações para o Oscar nas categorias Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator Coadjuvante⁷⁶. Durante a produção, Coppola precisou lidar com uma série de contratempos para garantir a proteção contra a falência devido a débitos que datavam de 1982. No dia 25 de janeiro de 1990, Coppola registrou ter dívidas chegando a 28,9 milhões de dólares. Grande parte desse dinheiro o diretor (ainda) devia a Jack Singer, um financiador canadense que emprestara 3 milhões de dólares a Coppola em 1981 para ajudá-lo a financiar a produção de Do Fundo do Coração. Em 1984, Singer comprou o estúdio de Coppola (do Security Pacific Bank, que eventualmente executou a hipoteca da propriedade), mas continuou a ver os 3 milhões como um empréstimo independente. Em 1990, a uma taxa de juros de 18%, Singer afirmava que Coppola devia a ele mais de 7 milhões. Coppola discutiu a relevância dos procedimentos envolvendo a falência para a produção de O Poderoso Chefão, Parte iii em uma entrevista de 1992 intitulada, de modo feliz e apropriado, “Irá o novo filme [de Coppola] Drácula de Bram Stoker cravar uma estaca em sua credibilidade ou ressuscitar seu poder criativo?”. Perguntado sobre seu estado mental enquanto trabalhava em O Poderoso Chefão, Parte iii, Coppola respondeu: “em determinado momento, eu estava sendo processado e perseguido pelo homem que ficou com o meu estúdio, e ele queria outros 7 milhões. Então eu simplesmente fiz O Poderoso Chefão, Parte iii do modo como me sentia sobre as coisas, me pondo, de certa forma, nos sapatos de Michael Corleone”⁷⁷. par te ii 75 O “corte do diretor” foi, na verdade, “cortado” pelo montador de longa data de Coppola, Barry Malkin, e se assemelhava a The Godfather Saga, que foi ao ar na televisão após o lançamento de O Poderoso Chefão, Parte ii. 79 bart, Peter. “How Par Wised Up to Wiseguys on Backlot” em Variety, 7 de janeiro de 1991. p. 1 e 110. se a história nos ensinou alguma coisa… 104 Bart defende, que Coppola, em última instância, decidiu dedicar o filme à memória de Bluhdorn⁷⁹. Olhando retrospectivamente, é difícil não perceber a ironia na história de Bart; em última instância, foi um investimento secreto por um renomado gângster siciliano que tornou possível a produção do que talvez seja o maior filme de gângsteres já feito. Que o filme tenha desempenhado um papel tão grande na virada da indústria no começo da década de 1970 parece sugerir que o investimento de Sindona alterou dramaticamente o destino não só do estúdio, mas talvez também de Hollywood como um todo. A REALIZAÇÃO DE O PODEROSO CHEFÃO O verdadeiro motivo para eu decidir escrever este artigo, eu acho, foi o fato dos chefes da Paramount terem recusado meu pedido para assistir ao corte final do filme quando e como eu gostaria de tê-lo visto. Odeio admitir que tenho tanto ego, mas, com mil diabos, ninguém é perfeito. O incidente que descrevo também me fez chegar à decisão de jamais escrever outro filme a não ser que eu tenha a palavra final. Eu disse isso à minha agente. O que, em termos práticos, significa que estou fora de Hollywood. Antes disso tudo acontecer, assinei contratos para escrever outros dois filmes, que, a essa altura, estão quase prontos. Então acredito estar qualificado para dizer que roteiros para cinema são a forma menos satisfatória para um escritor. Mas, como tudo na vida, é divertido tentar uma vez. A maioria dos filmes é uma porcaria, e eles são uma porcaria porque as pessoas que têm a palavra final não entendem como uma história ou um personagem funcionam. Hollywood ainda não entendeu que seu dinheiro no banco deveria servir para promover um escritor a um status igual ao de um produtor, de um diretor ou (ouso dizer) ao do chefe de um estúdio. Publicado originalmente sob o título “The Making of the Godfather” em duncan, Paul e schapiro, Steve. The Godfather Family Album. Nova York: Taschen, 2010. p. 15–55. Tradução de André Duchiade. 107 mario puzo par te ii Escrevi três romances. O Poderoso Chefão não é tão bom quanto os dois anteriores: eu o escrevi para ganhar dinheiro. Meu primeiro romance, A Guerra Suja (The Dark Arena, 1955) recebeu majoritariamente críticas muito boas afirmando que eu era um escritor que merecia atenção. Naturalmente eu pensei que ficaria rico e famoso. O livro me rendeu 3500 dólares e eu ainda não sabia que precisaria esperar 15 anos para que isso acontecesse. Meu segundo romance, Mamma Lucia (The Fortunate Pilgrim) foi publicado 10 anos depois (1965) e rendeu 3 mil dólares. Eu, rapidamente, seguia ladeira abaixo. Ainda assim, o livro recebeu algumas resenhas extraordinariamente boas. O New York Times o chamou de “um pequeno clássico”. Até mesmo eu gostei do livro. Sem modéstia, considero-o arte. Seja como for, eu era um herói, pensei. Mas minha editora, a Atheneum, conhecida como uma casa editorial classuda, mais interessada em belles lettres do que em dinheiro, não se impressionou. Pedi a eles um adiantamento para meu próximo livro (que ia ser um grande clássico) e os editores foram tranquilos. Eles foram corteses. Eles foram gentis. Eles me mostraram a porta da rua. Eu não conseguia acreditar. Fui para casa e li todas as resenhas dos meus dois primeiros livros (ignorei as negativas). Tinha que haver algum erro. Eu era reconhecido como um verdadeiro talento, no mínimo. Prestem atenção, eu era um escritor de verdade, honesto, um artista genuíno, dois romances aclamados nas costas, todas as palavras deles obtidas ao custo de muito suor e inteiramente minhas. Sem a ajuda de ninguém. Não era possível que minha editora não fosse me dar um adiantamento para outro romance. o auge do poder O LIVRO 109 o auge do poder Os editores apenas passaram uma hora sentados ouvindo minhas histórias sobre a Máfia e autorizaram que eu escrevesse o livro. Eles também me deram um adiantamento de 5 mil dólares e lá ia eu escrever o livro, assim, repentinamente. Eu quase – quase – acreditei que meus editores eram humanos. Assim que recebi o dinheiro da Putnam, eu naturalmente não trabalhei no livro (felizmente parte do adiantamento só seria paga quando eu entregasse o manuscrito, ou então o romance nunca teria ficado pronto). A questão é, eu não queria de fato escrever O Poderoso Chefão. Havia outro romance que eu queria escrever (eu nunca o fiz e nunca o farei. Temas, como todas as coisas, apodrecem). Todos os meus colegas editores na revista de aventura me disseram para eu pôr as mãos à obra. Eles estavam certos de que eu faria uma fortuna. Eu tinha todas as boas histórias, era só escrever valendo-me de meus pontos fortes. Todos que eu conhecia estavam confiantes de que era a coisa certa a fazer e então eu finalmente comecei. E larguei meu emprego. Demorei três anos para terminar. Durante esse tempo escrevi três histórias de aventura por mês para Martin Goodman como escritor freelancer. Lancei um livro infantil que recebeu uma resenha delirante da New Yorker, a primeira vez que eles souberam que eu existia, e escrevi muitas resenhas de livros. Também fiz muitos textos para revistas, incluindo dois para a New York Times Sunday Magazine, que, embora não encha seus bolsos com ouro, trata seu trabalho com enorme respeito. Ela também é, na minha opinião, o melhor lugar para ser publicado se você quer influenciar nossa sociedade. De qualquer maneira, nestes três anos eu escrevi mais do que no resto da minha vida inteira junta. E foi principalmente divertido. Lembro desta como a época mais feliz da minha vida (família e amigos discordam). Fico envergonhado de admitir que escrevi O Poderoso Chefão inteiramente a partir de pesquisas. Nunca conheci um verdadeiro, autêntico gângster. Eu conhecia o mundo da jogatina bastante bem, mas era só isso. Depois que o livro ficou “famoso”, fui apresentado a alguns cavalheiros relacionados ao material. Eles foram lisonjeiros. Recusaram-se a acreditar que eu nunca estivera no crime organizado. Recusaram-se a acreditar que eu nunca tivera a confiança de um Don. Mas todos adoraram o livro. Em vários lugares do país eu ouvi uma história legal: que a Máfia me pagara 1 milhão de dólares para escrever O Poderoso Chefão como um golpe de relações públicas. Não frequento muito o mundo literário, mas ouço escritores dizerem que tenho que ter sido da Máfia, que o livro não poderia ter sido escrito puramente a partir de pesquisas. Eu aprecio o elogio. Eu precisava terminar O Poderoso Chefão em julho de 1968, porque precisava da parcela final de 1200 dólares do pagamento adiantado da Putnam para levar minha esposa e meus filhos para a Europa. Minha esposa não via a família dela há 20 anos, e eu prometera que aquele era o ano. Eu não tinha dinheiro, mas tinha uma bela coleção de par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 108 Bem, nós conversamos mais uma vez. Os editores não gostaram da ideia por trás do meu romance. Parecia outro fracasso. O editor pensativamente observou que, se Mamma Lucia ao menos tivesse um pouco mais daquelas coisas de Máfia, talvez ele tivesse feito algum dinheiro (um dos personagens coadjuvantes era um líder mafioso). Eu tinha 45 anos e estava cansado de ser um artista. Além do mais, eu estava devendo 20 mil dólares a parentes, financeiras, bancos, vários tipos de apostadores e agiotas. Realmente era hora de crescer e se vender, como Lenny Bruce certa vez recomendara. Então eu disse para meus editores: ok, eu vou escrever um livro sobre a Máfia, só me deem algum dinheiro para eu começar. Eles responderam: nenhum dinheiro até vermos 100 páginas. Aceitei: escrevi um esboço de 10 páginas. Eles me mostraram a porta da rua mais uma vez. Não há como explicar o terrível sentimento de rejeição, o estrago, a depressão e o enfraquecimento da vontade que tanta manipulação produz em um escritor. Mas este incidente também me iluminou. Eu fora ingênuo o bastante para acreditar que os editores se importavam com arte. Eles não se importavam. Eles queriam dinheiro (por favor, não pense “você não pode estar falando sério!”). Eles eram um negócio. Tinham um investimento de capital e folhas de pagamento para respeitar. Se algum lunático quisesse criar uma obra de arte, que fizesse isso com o seu próprio tempo. Eu já fora um verdadeiro crente da arte. Eu não acreditava na religião, no amor, em mulheres e nem em homens; não acreditava na sociedade ou na filosofia. Mas eu acreditei na arte por 45 anos. Ela me dava um conforto não encontrado em nenhum outro lugar. Mas eu sabia que não poderia jamais escrever outro livro se o seguinte não fosse um sucesso. A pressão psicológica e econômica seria grande demais. Eu nunca duvidara de que poderia escrever um romance comercial best-seller no momento em que quisesse. Meus amigos escritores, minha família, meus filhos e meus credores, todos me garantiram que era chegada a hora de aceitar isso – ou de calar a boca. Eu estava disposto. Tinha um esboço de 10 páginas – mas ninguém ia apostar em mim. Estava trabalhando em uma série de revistas de aventura, editando textos e escrevendo histórias como freelancer, e sendo tratado por meu editor, Martin Goodman, melhor do que eu já fora tratado por qualquer dos meus outros editores. Estava preparado para esquecer os romances, exceto talvez como um hobby supérfluo para minha velhice. Mas certo dia um amigo escritor apareceu no escritório da revista onde eu trabalhava. Como uma cortesia natural, dei para ele uma cópia de Mamma Lucia. Ele voltou uma semana mais tarde. Paguei para ele um almoço esplêndido. Durante o almoço contei algumas histórias engraçadas sobre a Máfia e meu esboço de 10 páginas. Ele se entusiasmou. Conseguiu marcar para mim uma reunião com os editores da G. P. Putnam’s Sons. 111 o auge do poder estava fora. Falei com a minha mãe no telefone. Ela fala um inglês macarrônico, mas entende a língua perfeitamente. Eu contei para ela. Ela perguntou: “40 mil?” Eu disse não, que eram 410 mil. Falei três vezes até ela finalmente responder: “Não conte para ninguém”. Meu carro chegou da garagem e eu desliguei. O trânsito estava engarrafado e demorei mais de duas horas para chegar a minha casa no subúrbio. Quando entrei em casa, minha esposa estava cochilando em frente à tv e meus filhos estavam brincando na rua. Fui até minha esposa, a beijei na bochecha e disse: “querida, não precisamos mais nos preocupar com dinheiro. Acabo de vender meu livro por 410 mil”. Ela sorriu para mim e continuou dormindo. Fui até meu escritório ligar para meus irmãos e irmãs. A razão disso é porque toda família italiana tem um “ciuccio” (um burro). Isto é, um idiota na família que todos concordam que nunca vai conseguir ganhar dinheiro e que, portanto, precisa ser ajudado sem rancor ou censura. Eu era o “ciuccio” da família, e queria apenas contar a eles que estava abdicando de meu papel familiar. Liguei para minha irmã mais velha. “Você ouviu?”, eu disse. A voz da minha irmã estava bem tranquila. Eu estava começando a ficar irritado. Ninguém parecia pensar que isso era uma grande coisa. Minha vida inteira ia mudar: eu não precisava mais me preocupar com dinheiro. Era como não precisar mais me preocupar com a morte. Então minha irmã disse: “Você conseguiu 40 mil pelo livro. Mamãe ligou”. Fiquei exasperado com a minha mãe. Depois de todas aquelas explicações ela tinha entendido errado. Seus 80 anos não a desculpavam. “Não”, eu disse para minha irmã. “São 410 mil”. Dessa vez eu consegui a reação que eu queria. Houve um pequeno berro no telefone e conversamos com empolgação por um minuto. Mas eu precisava falar de novo com a minha mãe. Liguei e disse: “Mãe, como diabos você conseguiu entender errado? Eu disse cinco vezes que eram 410 mil, não 40. Como você conseguiu se enganar?” Houve um longo silêncio e então minha mãe sussurrou no telefone. “Eu não fiz nada errado. Eu não quis dizer pra ela”. Quando terminei todos os meus telefonemas, minha esposa estava adormecida na cama. As crianças também dormiam. Fui para a cama e dormi como uma pedra. Quando acordei na manhã seguinte, minha esposa e as crianças estavam ao redor da cama. Ela disse: “O que foi aquilo que você contou ontem à noite?” Ela tinha acabado de entender tudo. Bem, este é um final feliz bacana. Mas ninguém parecia acreditar em mim. Então eu liguei para Bill Targ e retirei um cheque de adiantamento de 100 mil dólares. Paguei minhas dívidas, paguei as comissões de meus agentes, paguei os merecidos 10% de meu irmão, e três meses depois liguei para meus editores e meu agente pedindo mais dinheiro. Eles ficaram perplexos. E aquele cheque enorme que eu pegara só três meses antes? par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 110 cartões de crédito. Ainda assim, precisava daqueles 1200 dólares em dinheiro, e então entreguei um manuscrito inacabado. Antes de partir para a Europa, disse para minha editora não mostrar o livro para ninguém: ele precisava de polimento. Minha família se divertiu na Europa. Escritórios da American Express descontam cheques de 500 dólares de seus cartões de crédito. Usei os serviços deles em Londres, Cannes, Nice e Wiesbaden. Meus filhos e eu jogamos nos cassinos mais chiques da Riviera Francesa. Se apenas um de nós tivesse tido sorte, eu poderia ter coberto aqueles cheques que a American Express enviou para os Estados Unidos. Todos perdemos. Eu falhara como pai. Quando finalmente voltamos para casa, eu devia 8000 dólares às empresas de cartão de crédito. Eu não estava preocupado. Se as coisas chegassem ao fundo do poço, sempre poderíamos vender nossa casa. Ou eu poderia ir para a prisão. Diabos, escritores melhores já foram para a prisão. Sem problemas. Fui a Nova York ver minha agente, Candida Donadio. Esperava que ela tirasse da manga um serviço oportuno e me fizesse sair daquela situação, como já acontecera várias vezes no passado. Ela me disse que minha editora havia acabado de recusar 375 mil dólares pelos direitos de publicação de brochuras de O Poderoso Chefão. Eu havia dado ordens rígidas para que o livro não fosse sequer mostrado a uma editora de brochuras, mas aquela não era hora de reclamar. Liguei para meu editor na Putnam, Bill Targ, e ele disse que eles estavam segurando até uma proposta de 410 mil, porque 400 mil era uma espécie de recorde. Se eu queria falar com Clyde Taylor, que cuidava dos direitos de reimpressão e estava conduzindo as negociações? Eu disse que não; que eu tinha absoluta confiança em qualquer homem que pudesse recusar 375 mil dólares. Eu dei uma volta em Nova York, almocei muito tarde com Targ e durante o café ele recebeu uma ligação. Ralph Daigh da Fawcett tinha comprado os direitos de edição em brochura por 410 mil. Fui até a redação da revista de aventura para me demitir de meu trabalho como freelancer e contar as boas novas para os meus amigos. Tomamos alguns drinques e decidi ir para casa em Long Island. Enquanto esperava por meu carro, liguei para o meu irmão para contar as novidades. Este irmão tinha 10% de O Poderoso Chefão, porque ele tinha me apoiado a vida toda e me dado uma porção final de dinheiro para terminar o livro. Ao longo dos anos eu ligara para ele desesperado por algumas centenas de dólares para pagar a hipoteca ou comprar sapatos para as crianças. Então eu pegava um táxi para ir até a sua casa buscar a grana. Podia chover ou nevar que ele nunca andava de táxi, mas ele nunca reclamou. Ele sempre esteve lá. Então agora eu queria que ele soubesse que, uma vez que metade dos direitos das brochuras valia 205 mil (os editores em capa dura ficavam com metade), ele ia receber um pouco mais de 20 mil. Ele é o tipo de cara que está sempre em casa quando eu ligo para pedir dinheiro. Agora que eu tinha dinheiro para retribuir, ele naturalmente tava na negociação do filme. Eles me aconselharam contra o acordo. Eles aconselharam que eu esperasse. Isto foi como aconselhar um cara debaixo d’água a dar uma respirada profunda. Eu precisava do dinheiro e os 12500 pareciam um depósito de ouro. Deixem-me dizer agora que a culpa foi minha. Mas eu nunca acusei a Paramount por ter pagado tão pouco em O Poderoso Chefão. Agora ao longo de todo este capítulo vou mencionar como as pessoas fizeram coisas que parecem malandragem, e o leitor pode ter a impressão de que me ressinto disso ou de que me surpreendi ou me ofendi. Jamais. No mundo e na sociedade em que vivemos quase todas essas ações foram perfeitamente razoáveis. O fato de eu sentir que a William Morris Agency poderia ter vendido até mesmo a mim para a Paramount Pictures não significa que eu desaprove, condene ou esteja ressentido por nada. Considero um comportamento empresarial perfeitamente razoável por parte deles. De qualquer maneira, para resumir a história: O Poderoso Chefão se tornou o best-seller número um nos Estados unidos; 67 semanas na lista do New York Times; o número um também na Inglaterra, na França, na Alemanha e em outros países. Foi traduzido para 17 ou 20 idiomas; eu parei de contar. Eles me dizem que é o livro de ficção publicado em brochura mais vendido, no prazo mais curto, de todos os tempos, ou então que ele passará a ser quando a nova “edição do filme” sair junto da adaptação para os cinemas – mas não se pode acreditar em tudo que as editoras dizem para seus autores. Embora Ralph Daigh na Fawcett tenha se provado um cara correto e promovido o livro pra caramba. Ele até mesmo me pagou tudo que disse que eu vendi. É um sucesso legal, e me lembro de um dia quando estava trabalhando no livro. Minha esposa tinha me mandado ir ao supermercado; minha filha me pediu que a levasse até a casa de sua amiga; meu filho queria uma carona para o treino de futebol. Eu explodi. Disse: “Jesus Cristo, vocês sabem que estou trabalhando em um livro que pode me render 100 mil dólares?” Eles olharam para mim e todos rimos juntos. O livro teve resenhas muito melhores do que eu esperava. Como gostaria de tê-lo feito melhor. Eu gosto do livro. Tem energia e tive sorte de criar um personagem central que foi popularmente aceito como genuinamente mítico. Mas escrevi abaixo de meus talentos naquele livro. 113 Eu havia lido a literatura sobre Hollywood, sobre como eles trataram Fitzgerald, Nathanael West e os romancistas em geral. Eu já tivera uma experiência esclarecedora com os produtores de Hollywood. Mais cedo naquele ano, meu agente me ligara para pedir que eu fosse a Nova York me encontrar com John Foreman, que produz a maioria dos filmes de Paul Newman. Eu moro em um subúrbio a 80 quilômetros de distância e odeio Nova York. Mas meu agente disse que o auge do poder O FILME par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 112 Não pude resistir. Por que eu deveria tratá-los de modo diferente ao que eu tratara minha família durante todos aqueles anos de vacas magras? “Cem mil não duram para sempre”, eu falei. Pelo menos eu podia ser o “ciuccio” de uma editora. O Poderoso Chefão rendera até então mais de 1 milhão de dólares, mas eu ainda não era rico. Parte do dinheiro fora para uma poupança para as crianças. Havia as comissões dos agentes e as taxas dos advogados. Havia impostos federais e estaduais. Tudo isso reduzira o milhão original a menos da metade. Mas antes de entender essas coisas todas eu me diverti muito. Gastava o dinheiro de modo tão rápido quanto ele entrava. A única coisa é que me sentia esquisito sem dívidas. Eu não devia um centavo a ninguém. Eu adorava o dinheiro, mas não gostava realmente do fato de ser “famoso”. Achava aquilo tudo simplesmente muito estressante. Nunca gostei de festas, nunca gostei de conversar com mais de duas ou três pessoas ao mesmo tempo. Não gosto de entrevistas nem de tirar fotos (com razão). Fui persuadido a fazer o programa de tv Today Show por um editor da Putnam que disse: “como você sabe que não gosta se nunca fez antes?” Aquilo parecia razoável. Fui lá e fiz. Odiei fazer. Então não considerei uma tentação as ofertas dos outros talk shows. Não penso que era uma forma de esnobismo ao contrário. Ou algum tipo de falsa modéstia. Era apenas muito desconfortável. E praticamente todo escritor que eu já havia visto na tv parecera um tolo: a tv simplesmente não é o meio de um escritor. Saíram entrevistas nas quais eu parecia alguém que eu sequer conhecia, e eu não podia nem mesmo culpar os entrevistadores. Eu fazia essas afirmações idiotas, mas não as falava daquela maneira. Então parei de ir à tv e de fazer todo tipo de propaganda, incluindo entrevistas. E, graças a Deus, nunca fiz nenhuma dessas excursões ao redor do país que supostamente ajudam um livro a se tornar um best-seller. Não deixei de fazer essas coisas por causa de outras pessoas, mas por minha causa. Conhecer um estranho é sempre um choque para o meu sistema nervoso, mas penso que isso seja verdade para a maioria das pessoas. Enquanto isso eu fiz algo que se revelou um grande erro. Pouco antes de O Poderoso Chefão estar pronto, vendi os direitos para a publicação de Mamma Lucia em brochura por um adiantamento à vista de 1500 dólares ao invés dos royalties habituais. Vendi-os para a Lancer Books, e um dos sócios, Irwin Stein, foi tão simpático que me enviou os 1500 dólares em uma só parcela, ao invés de guardar metade para a data de publicação. Outro erro mais grave foi feito muito antes da publicação, quando eu tinha as primeiras 100 páginas de O Poderoso Chefão escritas. A William Morris Agency aprovou um contrato para o livro com a Paramount por uma opção de pagamento de 12500 dólares, contra 50 mil, com cláusulas de escala móvel se eles exercessem a opção. Eu já passara a ter Candida Donadio como agente, mas a William Morris havia assinado o contrato inicial do livro e então me represen- 115 o auge do poder oferta. Eles descobriram que tinham mais dinheiro, concordaram em me ceder um percentual e concordei em me encontrar com Al Ruddy. Fomos ao The Plaza almoçar. Ele é um sujeito alto, esguio, com um bocado de charme cortês nova-iorquino. Ele foi tão agradável que pensei que poderia ser divertido ir para a Califórnia. Ele precisava atender a umas ligações no Edwardian Room do The Plaza e se desculpou gentilmente. “Cristo”, ele disse, “o cinema envolve todo esse monte de merda, mas eu realmente preciso atender estas ligações”. Eu conversei com a esposa dele e fiquei encantado quando ela produziu do meio de sua bolsa um poodle em miniatura vivo, que deixou escapar um latido e teve o zíper fechado novamente sobre sua cabeça antes que o enfurecido maître percebesse de onde vinha o barulho. Parecia que Al e a esposa levavam o poodle a toda parte, um menos sensato do que o outro. Ao final do almoço eu estava encantado por eles e pelo poodle e concordei em escrever o roteiro. Companheiros romancistas tentaram entender por que eu queria fazer filmes. Eu não gostava do show business. Eu era um romancista; eu tinha meus romances para escrever. Então, como podia ser? Quando eu era pobre e trabalhava nos meus livros em casa, eu fizera uma promessa solene à minha esposa: que se um dia fizesse sucesso, eu iria arrumar um estúdio, sairia do meio do espaço dela. Ela odiava que eu ficasse em casa durante o dia. Eu ficava no meio do caminho. Desarrumava a cama. Bagunçava a sala. Perambulava pela casa falando palavrão. Saía dando esporro e gritando do escritório quando as crianças brigavam. Em resumo, eu era desesperador. Para piorar as coisas, ela nunca conseguia me ver trabalhando. Ela diz que nunca me viu usando a máquina de escrever. Ela diz que por três anos tudo o que fiz foi dormir no sofá e que então magicamente produzi o manuscrito de O Poderoso Chefão. Seja como for, um homem está preso a seus juramentos solenes. Agora que eu era um grande sucesso, eu tinha que sair da minha própria casa durante as horas de trabalho. Eu tentei. Aluguei estúdios calmos e elegantes. Fui para Londres. Tentei a Riviera Francesa, Porto Rico e Las Vegas. Contratei secretárias e comprei máquinas de ditar. Nada aconteceu. Eu precisava das crianças gritando e brigando. Precisava da minha esposa interrompendo meu trabalho para me mostrar suas novas cortinas. Precisava daquelas idas ao supermercado. Tive algumas das minhas melhores ideias ajudando minha espoa a descarregar o carrinho de compras. Mas eu havia feito uma promessa solene de sair de casa. Então, ok. Eu iria para Hollywood. É verdade – o sucesso realmente acaba com um escritor. Por um ano fiquei por aí “curtindo a vida”. Não foi tão bom. Foi ok, mas não foi ótimo. E então eu lembrei que por 20 anos eu tinha vivido a vida de um ermitão. Eu tinha encontrado alguns poucos amigos próximos de vez em quando par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 114 John Foreman havia lido Mamma Lucia, estava enamorado pelo livro e queria adaptá-lo para o cinema. Ele era alguém importante. Eu realmente deveria fazer a viagem. Eu fiz e valeu a pena. John Foreman falou durante três horas sobre o meu livro, como ele tinha adorado, como ele estava disposto a recriá-lo como um filme. Ele citou todas as melhores partes. Ele gostou de todas as coisas certas. Fiquei entusiasmado e impressionado. O filme definitivamente ia acontecer. Quando eu estava indo embora, ele disse que no dia seguinte ia ligar para o meu agente para acertar os detalhes financeiros do contrato. Nunca mais ouvimos falar dele. Então eu não estava nem um pouco interessado no que Hollywood faria com o livro, contanto que eu não fosse ajudá-los. Mas um dia peguei o jornal e lá dizia que Danny Thomas queria interpretar o papel do Chefão. Aquilo me deixou em pânico. Eu sempre achara que Marlon Brando seria ótimo para o papel. Então por meio de um amigo, Jeff Brown, entrei em contato com Brando, escrevi uma carta para ele, e ele foi amável o bastante para me ligar. Conversamos por telefone. Ele não tinha lido o livro, mas me disse que o estúdio nunca iria contratá-lo, exceto se um grande diretor insistisse no assunto. Ele foi simpático no telefone, mas não demonstrou muito interesse. E foi isso. O que eu não sabia na época é que a Paramount tinha decidido não realizar o filme. A razão para esta decisão foi que na época eles tinham feito um filme chamado Sangue de Irmãos (The Brotherhod, 1968) – também sobre a Máfia – que havia sido um fracasso de crítica e de público. Quando eu assisti a Sangue de Irmãos, senti que eles entregaram as primeiras 100 páginas do meu livro para um roteirista imitador barato e pedido para ele escrever um arremedo. Então eles arrumaram Kirk Douglas para interpretar o papel principal, e para mostrar que ele era um gângster adorável, o puseram beijando criancinhas o tempo todo. E depois colocaram o seu próprio irmão o assassinando sob ordens de superiores. Quando vi o filme, não fiquei irritado por pensar que a Paramount me plagiara. Isso era ok. Quando trabalhava para revistas, eu tinha escrito alguns arremedos baratos por minha própria conta. Mas eu odiei a mais pura estupidez daquele filme, o roteiro, todo o conceito, a total incompreensão do mundo da Máfia. O que eu não sabia na época era que o desastre financeiro do filme fizera os chefes do estúdio acharem que não havia dinheiro nos filmes de Máfia. Foi somente quando O Poderoso Chefão se tornou um “super best-seller” (as 67 semanas na lista de mais vendidos do Times fizeram com que os rapazes da grana conferissem ao livro esta classificação) que eles tiveram que realizar o filme. No fim das contas, Al Ruddy, o produtor, foi designado para o filme, e ele veio a Nova York, se encontrou com meu agente e disse à Paramount que queria que eu fizesse o roteiro. O orçamento seria baixo, ele disse, então eles não poderiam me oferecer um cachê elevado. Eu recusei a 117 o auge do poder sentimentos se ofendessem. Nunca me comportaria como o proprietário da obra ou ficaria paranoico. Eu era um empregado. A Califórnia tinha muito sol e muito ar fresco e muitas quadras de tênis (eu acabara de descobrir o tênis e estava obcecado). Eu iria ficar saudável e queimado de sol. O Beverly Hills Hotel é para mim o melhor hotel do mundo. É um imponente complexo de três andares cercado por jardins, seus próprios bangalôs e uma piscina com o seu famoso lounge. E também uma quadra de tênis onde o jogador profissional Alex Olmedo me chamava de campeão. É claro, ele chamava todo mundo de campeão. Ainda assim… O serviço é soberbo e amigável, sem ser familiar. É o único hotel em que estive que me fez sentir completamente confortável. Mas ele limpou minha verba de 500 dólares por semana para as despesas e ainda mais do que isso. Meu escritório era divertido. Eu adorava o lote da Paramount com suas cidades do Velho-Oeste de mentira, suas pequenas vielas, seus prédios que pareciam barracas, sua atmosfera geral que me fazia sentir como se estivesse em uma dimensão paralela. Meus aposentos ficavam no terceiro andar, longe do trânsito, como eu queria. Al Ruddy tinha o seu quartel-general muito mais elaborado no primeiro andar, e nós dois podíamos subir e descer as escadas para nos ver. Meu escritório não era tão bom assim, mas eu não me importava. Eu tinha uma geladeira e um estoque ilimitado de refrigerante liberado. Eu também tinha um escritório adjunto para a minha secretária e um telefone com uma campainha e quatro linhas. Isso que era vida. Então eu passei as duas semanas seguintes jogando tênis e encontrando amigos de Nova York que tinham se mudado para a Califórnia. Também tive conferências com Robert Evans, o chefe de produção da Paramount Pictures, e Peter Bart, o seu braço direito. Eu tinha lido uma vez na revista Life um artigo sobre Evans, uma afronta feroz. Então fiquei surpreso ao descobrir que ele era fácil e natural. Gostei de Evans de cara por uma simples razão. Éramos cinco pessoas participando de uma conferência em seu escritório. Ele precisava atender um telefonema privado. Então ele foi até um pequeno closet para atender. Em seu lugar, Louis B. Mayer teria mandado nós quatro nos espremermos no closet e depois fechado a porta para que não ouvíssemos ele falando em sua mesa. Evans não era pretensioso e geralmente dizia ou parecia dizer exatamente o que pensava. Ele falava do mesmo modo como as crianças dizem a verdade, com uma curiosa inocência que tornava inofensivas a crítica ou a discordância mais duras. Ele era invariavelmente cortês comigo, a todo custo. Se este parece um retrato muito lisonjeiro de um chefe de estúdio de cinema, deixem-me acrescentar que ele era tão sovina com seus charutos cubanos que precisei me infiltrar em seu escritório quando ele não estava por perto para roubar alguns. par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 116 para jantar. Tinha passado algumas noites com amigas de minha esposa. Tinha ido ao cinema. Tinha ensinado meus filhos a apostarem com percentuais. Mas, sobretudo, eu estivera vivendo em minha própria cabeça, com todos os meus sonhos, todas as minhas fantasias. O mundo tinha me ultrapassado. Eu não sabia o quanto os homens tinham mudado, as mulheres tinham mudado, as garotas tinham mudado, os homens jovens tinham mudado, a sociedade e o governo tinham mudado. Além disso, eu sempre havia sido um observador muito contente nas raras festas a que fora ao longo dos anos. Raramente começava uma conversa ou uma amizade. De repente eu não precisava mais fazer isso. As pessoas pareciam genuinamente deliciadas de conversar comigo, de me escutar; elas eram charmosas comigo e eu adorava isso. Talvez eu tenha me tornado o sujeito mais facilmente encantado do Hemisfério Ocidental. E também ajudava que as pessoas em sua maioria fossem genuinamente charmosas. Foi fácil parar de ser um ermitão; na verdade, foi um prazer. Então eu tinha a coragem de partir para Hollywood. O trato pelo roteiro era aceitável: 500 dólares por semana para as despesas, um bom dinheiro, pago adiantado (dinheiro garantido), mais 2,5% do lucro líquido. Um negócio justo no mercado da época, especialmente porque Al Ruddy tinha conseguido seu emprego afirmando que conseguiria produzir o filme por apenas um milhão. Mas o acordo não era tão bom quanto parecia. Por uma coisa, uma suíte no Beverly Hills Hotel custava 500 dólares por semana, então isso zerava meu dinheiro para as despesas logo de cara. Além do fato de que meus 2,5% valiam zero a não ser que o filme se tornasse um grande blockbuster como Love Story (1970). O que acontece é que o estúdio arrebata de maneira geral os lucros de qualquer um que trabalhe por um percentual do lucro líquido. Eles fazem isso por meio da contabilidade. Se um filme custa 4 milhões, eles somam outro milhão para despesas gerais. Eles cobram custos de publicidade de filmes que geram dinheiro. Eles têm contadores que fazem os lucros desaparecerem tão bem quanto Houdini. Mas que fique claro, mais uma vez: isso não significa que Hollywood é menos honesta do que o mundo editorial. A editora de brochuras Lancer Brooks faz os estúdios de Hollywood se parecerem com Diógenes. Essa editora anunciou que vendeu quase dois milhões de exemplares de Mamma Lucia. Só recebi aproximadamente 30% desse valor. Ainda assim, ok. Nos Estados Unidos ninguém culpa um homem de negócios que faz trambiques. Mas então a Lancer lança um livro chamado A Poderosa Chefona (The Godmother). Eu imagino que, não importa o que digam de Hollywood, eles nunca desceriam tão baixo (e, tudo certo, não era Hollywood. Na Itália fizeram um filme estrelando meu ídolo, Vittorio De Sica, chamado Cose di Cosa Nostra (1971). Então eu fui para Hollywood absolutamente seguro de que não haveria surpresas para mim. Eu estava blindado. O Poderoso Chefão era o filme deles, não o meu. Eu iria ficar tranquilo. Não deixaria jamais que meus 119 o auge do poder o roteiro. Então eu escrevi a cena pedida e ela ficou vagabunda. Mostrei para Al e ele adorou. Isso me fez feliz. Gostou do meu trabalho. Então eu gostei de você. Mas eu sabia que ele estava errado. Passei os três dias seguintes jogando tênis. Com os diabos, passei as duas semanas seguintes jogando tênis. Então decidi ir para casa por duas semanas, Estava com saudade da minha esposa e dos meus filhos. E era abril e a primavera é uma boa época para se estar em Nova York. Ruddy aceitou minha decisão como um cavalheiro. Ele até mesmo continuou me pagando os 500 dólares para despesas enquanto eu estava em casa. Fiquei em casa por duas semanas, fiz parte do trabalho e então voei de volta para a Califórnia com uma escala em Las Vegas, onde perdi o que havia poupado da minha verba para despesas. Então, de abril a agosto, eu vivi a existência ideal: Califórnia, tênis e sol – até sentir saudades e voltar para casa. Então quando a vida caseira me enchia – de volta à Califórnia. Ninguém sabia onde e quando eu estava a cada momento. Enquanto isso eu flutuava de tanto encantamento pelas pessoas que conhecia na Califórnia. Socialmente falando, eu era promíscuo: não há outra forma de descrever. Eu não estava produzindo muito, mas ninguém parecia se preocupar. Agora, o fato de eu ser um ermitão que escapara de sua cabana depois de 20 anos não significava que eu fosse totalmente inocente. Mas o fato é que as pessoas no mundo do cinema são genuinamente charmosas, mesmo se o charme delas tenha, muitas vezes, segundas intenções. Uma das minhas grandes surpresas foi achar as atrizes e os atores tão simpáticos. Escritores e diretores sempre rebaixam quem atua. Atores são considerados imbecis. Atrizes devem supostamente ser sempre manipuladas pelo poder, em suas vidas profissionais e pessoais. Todos eles não devem ter inteligência ou sensibilidade. Eu, muitas vezes, achei simplesmente o contrário disso. Achei muitos atores e atrizes inteligentes, calmos, sensíveis e tímidos. Observei que, no começo e no fim de suas carreiras, eles são terrivelmente explorados por seus produtores, estúdios, agentes e vigaristas associados. Eles sofrem as mais profundas humilhações apenas para ter uma oportunidade de usar a própria arte. Depois de ver o que eles enfrentam no começo de suas carreiras e considerando os longos anos de espera, é fácil desculpar os excessos depois que se tornam famosos e poderosos. De abril a agosto de 1970, fui e voltei várias vezes de Nova York para Los Angeles, trabalhando no roteiro, jogando tênis, experimentando o sabor da vida social em Hollywood. Tudo muito agradável. O período anterior à entrega de um roteiro é uma espécie de lua de mel. O amor está em toda parte. Eu gostava de ver as garotas bonitas indo do escritório de um produtor a outro para testes de elenco. Todo estúdio tem um time de produtores que aluga escritórios para preparar a produção de um filme. 99,9% desses par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 118 Evans estava aberto a discussões e com frequência podia mudar de ideia. É claro que ele era charmoso, mas todos que trabalham com cinema são charmosos. Na verdade, todos na Califórnia são charmosos, exceto Peter Bart, que tem uma inteligência fria e é o único sujeito sem charme trabalhando com cinema que conheci. Ele também não falava muito. O motivo disso (embora eu não soubesse na época) é que ele gostava de pensar bem nas coisas antes de emitir uma opinião, e ainda não havia aprendido o truque californiano de ser charmoso enquanto se pensa. A primeira conferência transcorreu muito bem. Lá estávamos Evans, Al Ruddy, Peter Bart, Jack Ballard e eu. Ballard é um sujeito com a cabeça de Yul Brynner que mantém o controle dos custos de produção de um filme. Parece singelo, mas os produtores e diretores tremeram quando ele totalizou os custos totais. Evans dirigiu a reunião. Foi uma conversa geral, com um discurso para me persuadir embutido. Este ia ser um grande filme para a Paramount. Eu havia chegado lá. O filme ia “salvar” a Paramount. Eu adoro esse tipo de coisa, me faz me sentir importante e trabalho com o dobro de afinco (eu realmente queria “salvar” a Paramount, mas era tarde demais. Love Story havia feito isso antes de mim). Então discutimos o elenco. Sugeri Marlon Brando para o papel do Chefão. Eles foram gentis comigo, mas tive a impressão de que minhas ações tinham caído 50 pontos. Al Ruddy sugeriu Robert Redford para o papel de Michael, e não me importei em como ele era legal, as ações dele caíram 50 pontos. Falei minha opinião e fiquei agradavelmente surpreso quando Evans e Bart concordaram comigo. Aquela ia ser uma luta justa, eu pensei. Eles não tinham diretor. Eu precisava escrever o roteiro antes que arrumassem um. Diretores gostam de ler roteiros antes de fechar contratos. Bem, era para isso que eu estava na Califórnia. Garanti a eles que eu era um dos melhores técnicos do mundo ocidental (sem me gabar; a técnica pode ser medida. Você não pode medir a arte). Tudo isso aconteceu na sede luxuosa da Paramount em Canon Drive. Quando Al Ruddy e eu voltamos para o seu escritório comparativamente modesto, éramos como soldados voltando das linhas de frente, finalmente livres de seus comandantes. “Você faz o que quiser fazer”, Ruddy disse. “Você é o escritor. Mas me faça um favor. Comece com uma cena de amor entre Michael e Kay”. Ele ainda queria Redford. “Al”, respondi, enquanto bebia o uísque e fumava os charutos dele, “você não pode começar O Poderoso Chefão com uma cena de amor. Não fica bom!”. Ele reconheceu minha referência à Mammy de …E o Vento Levou (Gone with the Wind, 1939) e riu. Ele era um cara das ruas de Nova York e eu me sentia confortável em sua companhia. “Escute”, ele disse, “apenas tente. Sempre podemos cortar depois”. “ok”, respondi. Fui para o meu quarto, li o contrato e, sem dúvidas, lá dizia que o produtor pode dizer ao roteirista como ele deve escrever 121 o auge do poder Então aconteceram duas coisas que fizeram com que eu parasse de me constranger com tanto sentimentalismo. Certa noite, passei no escritório de Ruddy quando ele estava falando ao telefone. Enquanto conversava, ele reescreveu um roteiro que estava prestes a produzir para outro estúdio. Assisti àquilo fascinado. Ele estava realmente escrevendo enquanto falava no telefone. Sempre admirei pessoas que conseguem fazer duas coisas ao mesmo tempo. Aquilo era especial. Suas últimas palavras no telefone foram “acho que fechei este roteiro agora”. Esta história não está aqui para enfurecer os escritores. Nem tampouco para depreciar os produtores. Mas ela corrigiu minha perspectiva. Fui outra vez jogar tênis por cinco dias, deixando o roteiro de lado. Não era o meu filme. Acho que eu deveria explicar porque eu não achei este incidente incômodo ou ameaçador para mim como escritor. Você com frequência lê sobre como uma estrela reescreve suas próprias falas, sobre como um diretor “conserta” um roteiro ou um produtor dá um polimento final. E assim, se você realmente entende como isso funciona, é impossível ficar irritado. Por exemplo: Durante a Segunda Guerra Mundial, eu estava atrelado ao exército britânico e, em determinado momento, nos encontramos com elementos do exército russo em uma cidade do norte da Alemanha. Parecia que esta divisão russa, recrutada de alguma província asiática selvagem, nunca havia visto um encanamento antes. Eles estavam fascinados pela água saindo de uma torneira de cobre. Um russo de chapéu de pele arrancou a torneira da parede e a pregou em uma cerca. Ele ficou abismado quando girou a torneira e não saiu água nenhuma dela. Ele havia achado que a água simplesmente saía da torneira. O conceito de encanamento nunca fora revelado para ele. Você pode rir disso, mas não era uma estupidez inelutável, era simplesmente inocência. Quando um diretor, uma estrela ou um produtor pega uma caneta, eu acho que acontece a mesma coisa (há exceções, é claro). Eles acreditam que as palavras saiam da caneta. E, mais uma vez, não é estupidez, mas simples inocência. Eles não entendem o conceito de como a escrita de fato funciona. Então os escritores não devem ficar irritados. Eles simplesmente devem dar o fora do cinema. A segunda coisa que cortou o meu barato envolveu Peter Bart. Durante um dos meses do verão, eu aluguei uma casa em Malibu e trouxe minha família de Nova York. Eu estava agora trabalhando seriamente depois de uns quatro meses de vagabundagem. Eu tinha um secretário datilografando para mim e estava imerso no roteiro – realmente curtindo a onda. Mas eu havia estourado o prazo para o meu primeiro esboço (se eu não tivesse dado um primeiro esboço gratuito para eles para mostrar que os adorava, tudo estaria ok). Mas Bart sabia que eu ficara de vagabundagem e começou a me pôr pressão. Eu disse que tudo bem, até o final da semana. Naturalmente não par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 120 filmes jamais são produzidos, mas, enquanto isso, os produtores recebem pessoas para ler e ensaiar papéis, ler roteiros e ter longas e fervorosas discussões sobre como interpretar os personagens. Fora dos estúdios, há 10 mil pessoas esperançosas que escreveram roteiros e carregam três contêineres de filme para filmar a própria obra independente. Eles, também, estão fazendo entrevistas e ensaiando com um milhão de belezinhas, jovens mulheres e jovens homens de todos os Estados Unidos que foram para L.A. para entrar no cinema. Tudo isso, combinado com o clima ótimo e com o sol, dava a Hollywood uma atmosfera que era, ao menos para mim, interessante. Às vezes eu ia assistir a um filme em uma sala de exibição privada. Não era legal. As pessoas atendiam a telefonemas e recebiam mensagens durante o filme. Também faziam piadas, falavam. Quando assisto a um filme me torno um verdadeiro devoto. Ou simplesmente deixo a sala. À noite, eu costumava passar no escritório de Al Ruddy e tomar um drinque com ele e sua equipe de produção. Al era um cara bom para estar junto, um grande contador de histórias, e sua equipe era agradável. Era uma das melhores partes do dia. Ruddy também estava no meio do processo de montagem de seu filme As Máquinas Quentes (Little Fauss and Big Halsy, 1970), estrelando Robert Redford e Michael Pollard, e ele ficava sempre nos dizendo que grande filme seria aquele e quantos Oscars sem dúvidas ele ganharia. Outras pessoas que haviam assistido ao corte bruto concordavam. Eu estava ansioso para assistir, e Ruddy disse que me mostraria um pedaço assim que houvesse uma oportunidade. No dia seguinte ele me mostrou um trecho de 10 minutos e eu adorei. Meu amigo de Nova York, George Mandel, que estava escrevendo um artigo sobre mim para a revista Life, discordou. Ele deu as suas razões, e porque eu acho que ele é o cara mais inteligente do mundo, escutei. Mas eu ainda gostava daquele trecho. Uma das coisas mais difíceis para uma pessoa é realmente escutar o cara mais inteligente do mundo. Quando As Máquinas Quentes estreou, foi um fracasso. Tudo que George Mandel dissera sobre o trecho de 10 minutos provou ser verdade sobre o resto do filme. Eu conseguia ver assistindo à coisa toda, mas o homem mais inteligente do mundo só precisou de um trecho de 10 minutos. Por esta época eu estava ansioso para entregar um ótimo roteiro à Paramount e realizar um grande filme. Eu estava me tornando possessivo: afinal de contas, aquilo ali estava se tornando o meu filme. É claro que eu sabia do meu lugar na ordem de importância da produção (eu era o oitavo mais importante), mas eu estava tão obcecado que disse que o primeiro rascunho estava simplesmente muito cru e não contava, o que era equivalente a dar a eles uma reescrita gratuita do roteiro que valia mais ou menos 25 mil dólares. Eu queria que eles gostassem de mim e soubessem que eu estava torcendo pelo nosso lado. Eu não sabia que, tão logo eu dissesse que o primeiro esboço era gratuito, ninguém iria lê-lo. 123 o auge do poder bem para ele. Não era tudo bem para Sinatra. E isso estava perfeitamente bem para mim. Não pensei mais a respeito. Um ano depois eu estava trabalhando no roteiro em Hollywood. Eu raramente saía à noite, mas desta vez eu tinha sido convidado para a festa de aniversário do amigo do meu produtor no Chasen’s. Uma festa para 12 pessoas oferecida por um famoso milionário. Nada mais do que um jantar agradável. Todos tinham sido tão encantadores comigo nos últimos seis meses que eu superara um pouco do meu retraimento. Então eu fui. O milionário acabou se revelando um desses homens mais velhos tentando parecer um jovem. Ele vestia calças vermelhas e usava um chapéu de caubói em miniatura e tinha aquela afabilidade de quem costuma beber muitos martinis que eu temia mais do que qualquer outra coisa. Quando estávamos tomando um drinque no bar, ele disse que Sinatra estava jantando em uma mesa e perguntou se eu gostaria de conhecê-lo. Eu disse que não. O milionário tinha um braço direito que tentou insistir. Eu disse não outra vez. Finalmente fomos jantar. Durante o jantar, houve uma cena que parecia um quadro: John Wayne e Frank Sinatra se cumprimentando no espaço equidistante entre as mesas dos dois. Os dois pareciam incrivelmente bem, melhores do que na tela, 20 anos mais novos do que de fato eram. E ambos estavam belamente vestidos. Sinatra especialmente. Foi realmente ótimo de se ver. Eles eram reis ornamentados se encontrando no Campo do Pano de Ouro: o Chasen’s é regiamente formal. A comida me trouxe de volta à realidade. Era malfeita. Já comi melhor em baiucas italianas por toda Nova York. Este era o famoso Chasen’s? Bem, ok, os restaurantes chiques franceses também tinham sido uma decepção. Fiquei feliz quando terminamos e pude começar a ir embora. Mas, no caminho, o milionário me pegou pela mão e começou a me levar para uma mesa. Seu braço direito pegou minha outra mão. “Você precisa conhecer Frank”, o milionário disse. “Ele é um bom amigo meu”. Estávamos quase na mesa. Eu ainda poderia ter me soltado e ido embora, mas teria sido uma clara grosseria. Era mais fácil, física e psicologicamente, me deixar levar pelos passos que faltavam. O milionário fez a apresentação. Sinatra não tirou os olhos do próprio prato. “Eu gostaria que você conhecesse meu bom amigo, Mario Puzo”, disse o milionário. “Eu acho que não”, disse Sinatra. O que fez com que eu saísse fora. Mas o pobre milionário não entendeu a mensagem. Ele começou tudo de novo. “Eu não quero conhecê-lo”, Sinatra disse. Enquanto isso, eu tentava me livrar do braço direito e picar a mula dali. Então eu ouvi o milionário balbuciando um pedido de desculpas, não para mim, mas para Sinatra. O milionário estava de fato chorando. “Frank, desculpas. Por Deus, Frank, eu não sabia. Frank, eu sinto muito“. par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 122 estava pronto no final da semana. Ele insistiu. Havia uma seção final que eu queria reescrever e polir e editar um pouco mais, como exige uma obra sólida. Mas então aconteceu algo que não envolvia Bart nem qualquer outra pessoa endurecendo comigo – eles sempre foram corteses. Mas aconteceu que de repente eu disse para mim mesmo: “Por que diabos eu ligo pra isso? Não é o meu filme”. Então eu disse para o meu secretário datilografar as partes que já estavam escritas. Não cuidei da seção final. Então pus meus trajes de banho e, pela primeira vez desde que me mudara para a casa na bela praia de Malibu, dei um mergulho no mar. Ia me fazer bem uma bela, luxuriosa nadada. Agora, isso tudo era muito errado de minha parte e eu sabia disso. Ao invés de me ofender, eu deveria simplesmente tê-los deixado esperando. Consciência pesada. Eu deveria ter sido mais adulto. Também era muito errado porque eu odeio entrar no mar. Eles tinham o roteiro e todos gostaram. É claro que, por contrato, eu precisava fazer uma revisão. Eles precisavam arrumar um diretor. Isso foi em agosto de 1970. Enquanto isso, nos meses seguintes, quando eles procuravam um diretor, eu vivi algumas aventuras. A mais interessante delas foi com Frank Sinatra, considerado uma das 10 pessoas mais famosas do mundo, um sujeito que há muito tempo fora o meu ídolo. Apesar disso eu nunca quisera conhecer ou ser apresentado a ele. Eu só acreditava que ele era um grande artista (cantando, não como ator) e que ele vivera uma vida de muita coragem. Eu admirava o seu senso de responsabilidade familiar, especialmente porque ele era um italiano do norte, o que para um italiano do sul significa ser tão estrangeiro quanto um inglês. Muitas pessoas acreditaram que o cantor chamado Johny Fontane em O Poderoso Chefão foi baseado em Sinatra. Antes do livro sair, minha editora recebeu uma carta dos advogados do cantor pedindo para ver o manuscrito. Em linguagem educada, nós recusamos. Por outro lado, com o filme a história era bem diferente. Nas primeiras reuniões com a equipe jurídica da Paramount, eles se mostraram preocupados acerca disso, até eu assegurar que o papel no filme era muito pequeno. O que de fato ele veio a ser. A questão agora era que, no livro, eu havia escrito o personagem de Fontane com completa simpatia pelo homem, pelo seu estilo de vida e por suas complicações. Eu pensei ter capturado a inocência das grandes pessoas do show business, seu desespero com a corrupção com a qual precisam lidar devido ao seu tipo de vida e às pessoas ao seu redor. Eu pensei ter capturado a inocência interior do personagem. Mas eu também podia perceber que, se Sinatra pensasse que o personagem era ele mesmo, ele poderia não gostar do livro – ou de mim. Mas é claro que algumas pessoas queriam que nos encontrássemos. Certa noite no Elaine’s, em Nova York, Sinatra estava no bar e eu estava em uma mesa. Elaine perguntou se eu teria algum problema em conhecer Sinatra. Eu disse que tudo bem por mim, contanto também que fosse tudo 125 o auge do poder a achar que era importante. Além do mais, agora tenho uma desculpa pronta para não ir a festas. Antes, era sempre muito difícil explicar porquê. Agora tudo o que preciso fazer é contar a história de Sinatra e estou desculpado. Todos entendem. Incidentes como esse mandam um escritor correndo de volta para a mesa de trabalho à procura de segurança. Que ninguém se engane, escritores se tornam escritores para evitar as dores e humilhações do mundo e das pessoas reais. Comecei a reescrever o roteiro, a jogar tênis e a ler tranquilamente à noite em minha suíte. Se eu ia ser um ermitão, o Beverly Hills Hotel era uma ótima cabana. Eu também me senti deprimido, porque pensei que Sinatra odiara o livro e acreditara que eu o tinha atacado pessoalmente com o personagem de Johny Fontane. Mas algumas semanas mais tarde, quando Francis Coppola foi nomeado diretor do filme, Sinatra também teve um incidente com Coppola. Eles se esbarraram em uma boate de L.A. certa noite, e Sinatra segurou os ombros de Coppola e disse: “Francis, eu interpretaria o Chefão por você. Eu não faria isso por aqueles caras na Paramount, mas eu faria por você”. Essa história curou minha depressão, mas Sinatra continuou a estar presente durante a realização do filme. Alguns cantores famosos recusaram o papel, um deles dizendo que não mexia nisso nem com uma vara de cinco metros. Al Martino queria o papel, mas por alguma razão a vaga foi primeiro oferecida para Vic Damone, que aceitou e depois voltou atrás. Supostamente por lealdade a Sinatra e à Liga Ítalo-americana. Mas depois Vic Damone admitiu que isso fora uma desculpa inventada pelo grande Mahoney. Na verdade, ele recusou porque o pagamento era baixo. No fim das contas, Al Martino ficou com o papel, e, penso eu, o interpretou de modo perfeito. Outra história envolvendo Sinatra e Coppola dizia que Sinatra havia ligado para Coppola e que Coppola passara a ligação toda escutando, até finalmente dizer de modo pensativo: “eu nunca gostei daquela fala na qual ele a chama de piranha”. Isto se referia a uma fala no livro na qual Johny Fontane xinga sua segunda esposa. Ela jamais esteve presente em qualquer versão do roteiro, mesmo antes da ligação. Alguns diretores bem famosos recusaram O Poderoso Chefão, porque ofendia suas consciências sociais, porque “glorificava a Máfia e os criminosos”. Quando Costa-Gavras, o diretor de Z, foi procurado, ele disse que adoraria fazer o filme porque era uma denúncia do capitalismo americano. Mas ele recusou, porque era americano demais e ele sentiu que, como estrangeiro, não saberia trabalhar as nuances. Bastante justos. Eu gostei da reação de Costa-Gavras. E também entendi os outros. Meu primeiro romance foi chamado de degenerado e de sujo, apesar de outros o terem louvado como arte. Mas agora a única opinião sobre meu trabalho que me preocupava era a minha própria. E eu era um crítico mais duro do que a maioria, então meus sentimentos par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 124 Mas Sinatra o interrompeu e sua voz agora era a voz que eu tinha ouvido enquanto fazia amor quando era garoto, macia e aveludada. Ele estava consolando o milionário arrasado. “Não é sua culpa”, Sinatra disse. Eu sempre fujo de discussões e raramente em minha vida fiquei aborrecido por qualquer coisa feita por seres humanos, mas depois disso eu disse para Sinatra: “Escute, não foi minha ideia”. E então aconteceu algo totalmente espantoso. Ele me entendeu de modo completamente equivocado. Ele pensou que eu estava me desculpando pelo personagem de Johny Fontane no meu livro. Ele disse, e sua voz era quase gentil: “quem disse para você pôr aquilo no seu livro, sua editora?”. Fiquei completamente estupefato. Não permito que editoras ponham vírgulas em meus livros. Esta é a única coisa para a qual tenho caráter. Finalmente eu disse: “Eu me referia a ser apresentado a você”. O tempo piedosamente atenuou a humilhação do que se seguiu. Sinatra começou a gritar ofensas. Lembro-me que, ao contrário de sua reputação, ele não usou qualquer linguagem chula. A pior coisa de que me chamou foi de cafetão, o que muito me lisonjeou, já que eu nunca consegui arrumar namoradas para espremerem os cravos das minhas costas, quanto mais para se prostituírem para mim. Lembro dele dizendo que, se eu não fosse tão mais velho do que ele, ele iria me quebrar todo. Eu era um garoto quando ele cantava na Paramount, mas tudo bem, ele parecia 20 anos mais novo. Mas o que me machucou foi que ali estava ele, um italiano do norte, ameaçando a mim, um italiano do sul, com violência física. Isto era mais ou menos o equivalente a Einstein puxar uma faca contra Al Capone. Simplesmente não era algo possível. Italianos do norte nunca mexem com italianos do sul, exceto se for para prendê-los ou deportá-los para alguma ilha deserta. Sinatra continuou me ofendendo e eu continuei olhando para ele. Ele continuava com a cabeça baixa em direção ao prato. Gritando. Ele nunca olhou para cima. Finalmente eu me afastei e fui embora do restaurante. Minha humilhação devia ser nítida em meu rosto, porque ele gritou para mim: “Se estrangule. Saia daqui e se estrangule”. Sua voz era delirante e aguda. Diferentes versões deste incidente apareceram nos jornais e na tv, dependendo de quem fosse a fonte. Foi nesta época que percebi o quão importante é um aparato de relações públicas. Sinatra tem trabalhando para ele um sujeito chamado Jim Mahoney e ele deve ser muito bom, porque todas as versões da história faziam de Sinatra um herói. O que me fez pensar: será que tudo o que eu admirava sobre Sinatra, na verdade, fora uma criação de Mahoney? Deve ser observado que este incidente não foi culpa de Sinatra. Ele estava jantando, cuidando da própria vida. A culpa é parcialmente minha. Eu poderia ter ido embora e me pergunto até hoje por que não fiz isso. Mas a humilhação me fez muito bem. Eu realmente estava começando 127 o auge do poder Francis Coppola é corpulento, alegre e geralmente está despreocupado. O que eu não sabia é que ele podia ser durão em relação ao próprio trabalho. Seja como for, ele lutou e conseguiu Brando. E, por acaso, Brando nunca criou qualquer encrenca. Um estrago para sua reputação. A seleção de elenco começou. Atores chegavam, falavam com Coppola e exibiam toda a sua arte e suas habilidades para serem lembrados por ele. Eu assisti a algumas entrevistas. Coppola era simpático e cortês com essas pessoas, mas para mim era doloroso demais. Eu desisti. Não podia mais assistir a elas. Elas ficavam tão vulneráveis, tão abertas, tão nuas em suas esperanças de serem notadas. Foi nessa época que me dei conta de que atores e atrizes devem ter todos os ultrajes e tiranias de seus estrelatos perdoados. Isso não significa que você precise suportá-los, mas somente que deve perdoá-los. Mas o incidente que me fez abandonar as seleções de elenco foi quando uma garota bonita, porém comum , foi até o escritório e conversou com todo mundo e anunciou que tentava conseguir um papel. Eu perguntei qual papel, e ela respondeu: “Apollonia”. O papel de Apollonia é o de uma jovem siciliana que é descrita no livro como bastante bonita. Eu perguntei para essa menina simpática porque ela queria aquele papel. Ela respondeu: “porque eu pareço igual à Apollonia”. Foi então que comecei a me dar conta de que atores e atrizes são loucos. Para provar o que digo. Recebi uma ligação de Sue Mengers, que eu não sabia que era uma agente famosa. Ela queria almoçar. Perguntei por quê. Ela disse que representava Rod Steiger e que ele queria um papel em O Poderoso Chefão. Eu disse a ela que, enquanto escritor, eu não tinha poder, ela deveria falar com o produtor e com o diretor. Não, ela queria falar comigo. Eu disse ok, que eu não podia almoçar, mas por que não no telefone? ok, ela disse. Rod Steiger queria interpretar o papel de Michael. Comecei a rir. Ela ficou irritada e disse que estava apenas comunicando o desejo de seu cliente. Eu me desculpei. Steiger é um bom ator, mas, Cristo, ele não tem como parecer que tem menos de 40 anos. E o papel de Michael precisa de alguém que pareça ter no máximo 25. Finalmente tudo se mudou para Nova York. Coppola começou a filmar testes de elenco. Agora o grande problema era encontrar alguém para interpretar Michael Corleone, na verdade o papel mais importante do filme. Em determinado momento, Jimmy Caan pareceu ter o papel. Seu teste havia sido bom. Mas ele também fizera um bom teste para o papel de Sonny, o outro filho do Chefão, e para o de Hagen. Droga, ele poderia ter interpretado qualquer um dos três. Subitamente parecia que ele não ficaria com papel algum. Robert Duvall fez o teste para o lugar de Hagen e foi perfeito. Outro ator era perfeito para Sonny. Isto deixou Jimmy Caan para Michael, mas ninguém estava muito satisfeito. Finalmente surgiu o nome de Al Pacino. Ele havia feito enorme sucesso com uma peça em Nova York, mas ninguém ainda o havia visto no cinema. Coppola conseguiu as imagens de um par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 126 raramente se feriam. O que eu não sabia é que havia algumas histórias de que o filme seria feito de forma barata, para tentar faturar a partir do recorde de vendas do livro. Finalmente eles resolveram ir com tudo. Bart tinha escrito uma crítica do primeiro esboço do rascunho que fazia muito sentido e compensava a falta de charme californiano dele. Na verdade, eu achava que na maior parte das vezes eu recebia respostas diretas quando fazia perguntas para ele. O que não é tão reconfortante quanto o charme, é claro, mas é mais útil. Foi Bart quem veio com a ideia de usar Francis Coppola como diretor. Principalmente porque ele era italiano e jovem. Stanley Jaffe, o presidente da Paramount Pictures, Bob Evans e Ruddy concordaram. Outra vez, minha mente cínica faz com que eu me pergunte se eles escolheram Coppola porque ele era um garoto de trinta e poucos anos que tinha acabado de dirigir dois fracassos financeiros e que, portanto, podia ser controlado. Na época eles esperavam realizar O Poderoso Chefão por um valor entre 1 e 2 milhões de dólares (o filme custaria mais de 6 milhões). Quando Al Ruddy me deu a notícia, eu ainda não havia conhecido Coppola, mas sabia da reputação dele. Ele era considerado um roteirista muito talentoso, e mais tarde naquele ano ele iria ganhar um Oscar por sua colaboração no roteiro de Patton – Rebelde ou Herói? (ele e seu colaborador nunca se encontraram). “A única coisa que Francis e eu queremos que você entenda”, Ruddy me disse, “é que não há qualquer intenção de reescrever o seu roteiro. Francis só quer dirigir e todos estão contentes com seu trabalho”. Eu sabia imediatamente que eu tinha um parceiro de escrita. Sem dúvidas que sim. Ele reescreveu uma metade e eu reescrevi a segunda metade. Então nós trocamos e reescrevemos um ao outro. Eu sugeri que trabalhássemos juntos. Francis me olhou nos olhos e disse que não. Foi aí que eu soube que ele realmente era um diretor. Eu gostei dele. E ele mereceu a metade de seu crédito como roteirista. E eu estava feliz por isso ter acontecido. Eu poderia culpá-lo por todas as falas ruins e por algumas das cenas ruins. Ele nunca foi abrasivo; nós nos dávamos bem; e finalmente havia um roteiro para ser filmado. A diversão havia acabado. Agora todos entravam em cena. Estrelas, agentes, os vice-presidentes e chefes do estúdio, o produtor, o produtor associado, compositores musicais e vigaristas associados. Agora eu sabia que não era o meu filme. A grande questão: quem iria interpretar o Chefão? Eu lembrava do que Brando havia me dito e então certa tarde tive uma pequena conversa com Coppola. Ele escutou e disse que gostava da ideia. Eu o alertei que todos odiavam a ideia. Alguns temiam que Brando fosse criar encrenca, ou então que ele era fraco nas bilheterias, e um milhão de outras razões. Eu imaginei que este diretor, com dois fracassos nas costas, não fosse ter músculos para empurrar aquela ideia. 129 o auge do poder Na tela, Pacino não chamou a atenção de ninguém – exceto a de Coppola – como a pessoa certa para o papel de Michael. Coppola continuou defendendo essa ideia. Finalmente Evans disse: “Francis, eu devo dizer que acho que você está sozinho nessa ideia”. O que eu pensei que fosse a forma mais gentil de dizer “não” que eu jamais ouvi. Precisaríamos continuar caçando um Michael. Mais testes foram feitos com outras pessoas. Nenhum Michael apareceu. Discutia-se até adiar o filme. Coppola continuou insistindo que Pacino era o homem certo para o papel. Mas parecia que essa ideia estava morta. Certa manhã, em um encontro com Evans e Charles Bluhdorn, eu disse que pensava que Jimmy Caan poderia fazer o papel. Bluhdorn, chefe da Gulf and Western, que era dona da Paramount Pictures, pensava que Charles Bronson poderia dar certo. Ninguém prestou nenhuma atenção nele. Stanley Jaffe ficou tão puto por estar assistindo a testes de desconhecidos na sala de exibição que, quando perguntado sobre qual era a sua opinião, se levantou e disse: “Vocês querem realmente saber? Eu acho que vocês arrumaram o pior bando de abajures que eu já vi”. Por dias, ele estivera calmo e pacientemente assistindo a coisas que odiava sem dizer uma palavra. Então todo mundo entendeu. Tudo isso me espantou. Nada do que eu tinha lido sobre Hollywood me preparara para isso. Jesus, aquilo que era democracia. Ninguém estava empurrando ninguém goela abaixo de ninguém. Eu estava começando a sentir que o filme era meu tanto quanto de qualquer outro. Precisei me ausentar durante uma semana. Quando voltei, Al Pacino tinha o papel de Michael, Jimmy Caan tinha o papel de Sonny. O cara que antes tinha o papel de Sonny estava fora. John Ryan, que fizera o melhor teste para o importante papel de Carlo Rizzi, estava fora. Mesmo ele tendo sido supostamente avisado de que tinha o papel. Ryan foi tão incrível em seus testes para o papel que eu fiz algo que nunca havia feito: o procurei para dizer como ele havia interpretado bem o papel. Ele foi substituído por um sujeito chamado Russo que tinha alguma espécie de antecedente no show business de Las Vegas. Nunca descobri o que aconteceu. Arriscaria que Coppola e os chefes da Paramount fizeram uma espécie de negociata. Eu nunca entrei em uma negociata. Por alguma razão eu nunca havia pensado nessa solução. Embora o roteiro estivesse pronto, eu ainda estava na folha de pagamentos como consultor por 500 dólares por semana. Foi então que a Liga Ítalo-Americana começou a chiar. Ruddy me perguntou se eu me sentaria com a Liga para resolver as coisas. Eu disse que não. Ele decidiu que ele mesmo faria isso e foi isso que ele fez. Ele prometeu tirar todas as referências à Máfia do roteiro e preservar a honra italiana. A Liga comprometeu-se a cooperar com a realização do filme. O New York Times deu essa notícia em sua primeira página e no dia seguinte publicou um editorial indignado sobre o assunto. Muita gente também estava revoltada. Eu devo dizer que Ruddy se provou um negociador astuto, porque a palavra Máfia nunca esteve no roteiro em primeiro lugar. par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 128 teste de elenco que Pacino fizera para algum filme italiano e me mostrou. Eu adorei. Dei uma carta para Francis dizendo que, acima de tudo, Pacino precisava estar no filme. Ele podia usar a carta como bem quisesse. Mas havia objeções. Pacino era muito pequeno, parecia italiano demais. Ele deveria ser o americano na família. Tinha que parecer um pouco sofisticado, um pouco como um aluno de uma Ivy League. Coppola continuava dizendo que um bom ator é um bom ator. Pacino fez o teste. As câmeras estavam rodando. Ele não sabia as falas. Saiu falando palavras que ele mesmo inventou. Ele não tinha entendido nada do personagem. Era péssimo. Jimmy Caan fora 10 vezes melhor. Depois da cena fui até Coppola e disse: “Devolva minha carta”. “Que carta?” “Aquela que eu te dei dizendo que queria Pacino”. Coppola balançou a cabeça. “Espere um pouco”. Então ele disse: “Que canalha autodestrutivo. Ele nem sequer sabia as falas”. Eles testaram Pacino durante o dia todo. Eles o treinaram, o ensaiaram, o viraram pelo avesso. Isso tudo foi filmado. Depois de um mês, eles tinham todos registrados em película. Era hora de mostrar isso tudo na sala de exibição da Paramount no Gulf and Western Building. Até ali eu brincara com a ideia de ser um figurão do cinema. Sentar em uma sala de exibição me desenganou dessa ideia e me trouxe um respeito real pelas pessoas no negócio. Evans, Ruddy, Coppola e outros se sentaram na sala de exibição dia após dia, hora após hora. Eu aguentei por algumas sessões e isso me deixou esgotado. De qualquer maneira, o que acontece na sala de exibição é instrutivo. Eu ficara maravilhado ao ver como as cenas ficavam boas ao vivo, mas elas não eram tão eficazes filmadas. Havia testes para garotas que queriam o papel de Kay, o da jovem. Havia uma garota que não era a pessoa certa para o papel, mas que parecia saltar da tela bem na sua cara. Todos comentaram a respeito dela e Evans disse, “nós deveríamos fazer algo com ela – mas receio que nunca faremos”. A pobre garota nunca soube o quanto esteve perto da fama e da fortuna. Ninguém tinha tempo para ela naquele momento. Droga, eu tinha, mas eu não era um figurão. Alguns dos testes eram terríveis. Algumas das cenas eram terríveis. Algumas eram espantosamente boas. Uma cena que Francis usara era um momento de romance entre Kay e Michael. Francis havia escrito que em determinado momento Michael beijaria a mão de Kay. Eu me opus violentamente e Francis a excluiu. Mas nos testes todo ator beijava a mão de Kay ou acariciava os seus dedos. Francis se referiu a isso provocativamente. “Mario, eu não pedi para que fizessem isso. Como pode ser que todos beijam a mão dela?” Eu sabia que ele estava brincando, mas isso realmente me irritou. “Porque eles são atores, não gângsteres”, eu respondi. A irritação não era por acaso. Eu sentia que Coppola suavizara os personagens em sua reescrita. 131 o auge do poder Perguntei a Bob Evans e ele disse que sim, se o filme não estivesse sendo levado para outro lugar por causa da trilha sonora e da dublagem e deixem para lá se essa desculpa é ou não legítima. Esse foi o segundo “não” mais gentil que já ouvi. A questão toda é que eles não queriam que estranhos assistissem. Ou então porque eu me opus ao final que usaram. Eu queria 30 segundos adicionais de Kay acendendo velas na igreja para salvar a alma de Michael, mas ninguém concordou comigo. Então eu disse, com o diabo isso tudo, se meus amigos não podem assistir comigo, então eu também não quero ver. De novo uma atitude de criança. Só porque eu ainda acho difícil aceitar um fato básico. Não é o meu filme. Mesmo eu tendo escrito metade do roteiro, eu gostaria pra caramba que ele fosse tão bom quanto as atuações. Os críticos podem detonar o filme, mas não vejo como podem bater nas atuações. Brando está muito bem. Robert Duvall também. E Richard Castellano. Na verdade todos os três, eu acho, têm chance no Oscar. E eles estão bem. Mas o grande bônus foi Al Pacino. Como Michael, Al Pacino foi tudo o que eu queria que o personagem fosse em uma tela de cinema. Eu não conseguia acreditar. Aquilo era, aos meus olhos, uma atuação perfeita, uma obra de arte. Fiquei tão contente que saí por aí admitindo que estava errado. Engoli meu orgulho como se fosse meu prato chinês predileto. Até que Al Ruddy me puxasse para o lado e me desse uma espécie de conselho amigável. “Escute”, ele disse, “se você não sair por aí contando para todo mundo como você estava errado, ninguém vai saber disso. Como é que você espera ser um produtor?” Enquanto tudo isso acontecia, entrevistas e reportagens saíam em várias publicações. Sempre causando problemas. Ruddy deu uma entrevista para um jornal de Nova Jersey na qual um dos trechos parecia uma feroz crítica pessoal a mim. Francis Coppola deu uma entrevista para a revista New York que colocava a mim e ao meu livro para baixo. Nada disso me chateou, porque eu já estivera no negócio e sabia que revistas e jornais meio que torcem as coisas para criar uma boa notícia. Eu realmente não me importava, e isso era uma coisa boa. Porque eu fui convencido a dar uma entrevista por telefone, e, quando ela saiu, parecia que eu estava criticando Ruddy e Coppola, e eu definitivamente não tinha essa intenção. E quando se espalhou por aí que eu estava escrevendo este relato, a Variety publicou que ele estava sendo escrito para eu difamar os outros, porque eu não estaria muito feliz com a Paramount. O que não era verdade (isso é verdade, não é uma das jogadas de Jim Mahoney). De qualquer maneira, eu nunca leio essas coisas exceto se elas forem enviadas para mim. Mas todas estas notícias invariavelmente incomodaram algumas das engrenagens na Paramount. A verdade é que, se um novelista vai a Hollywood para trabalhar a partir do próprio livro, ele precisa aceitar que o filme não é dele. É simplesmente assim que as coisas são. E a verdade é que, se eu tivesse chefiado a realização do filme, eu o teria arruinado. Dirigir um filme é uma arte par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 130 Por volta desta época, me demiti do papel de consultor do filme, não por causa de nada disso, mas porque eu simplesmente senti que estava atrapalhando. Além do mais, na maior parte das discussões recentes em que estivera envolvido, eu ficara do lado da administração e não do pessoal da criatividade. O que me deixava muito nervoso. A filmagem de um filme é o trabalho mais chato do mundo. Assisti a dois dias de filmagem; basicamente eram caras saindo de casas e entrando em carros que partiam a toda. Então eu desisti. O filme seguiu sem maiores problemas e perdi o rastro dele. Não era o meu filme. Seis meses depois o filme estava na lata, exceto pelas sequências na Sicília, que seriam filmadas por último. Voltei a receber ligações. Evans queria saber se as sequências na Sicília eram realmente necessárias. Posso dizer que ele queria que eu dissesse não. Eu disse que sim. Peter Bart me ligou e perguntou se as sequências na Sicília eram realmente necessárias. Eu disse que sim. Então eu liguei para Coppola. Ele concordava comigo. O pessoal da grana pensava que as sequências da Sicília não eram necessárias, porque qual era a razão para gastar dinheiro com elas quando elas podiam simplesmente ser cortadas do filme? Evans, Bart e Jaffe merecem o crédito de terem ido em frente e filmado as sequências da Sicília. Eles ouviram o ponto de vista criativo quando não precisavam de fato fazer isso, quando provavelmente sofriam pressão para economizar dinheiro. E as sequências da Sicília de fato fazem o filme, eu penso. E então eles filmaram as cenas na Sicília e agora o filme estava pronto para ser cortado e editado. Pense no filme como um grande pedaço de mármore e o diretor esculpindo uma forma nesse mármore. Então, quando ele termina, o produtor e o chefe do estúdio vão lá e talham a estátua que ele fez; e depois disso, é a vez do produtor e de seus editores. A montagem de um filme sempre me pareceu como, antes de tudo, um trabalho de escrita. É muito parecido com a versão final de um texto. Então eu realmente queria estar presente na montagem. Eu vi dois cortes brutos do filme e disse o que tinha para dizer. Outra vez, todos foram corteses e cooperativos. Meu agente de cinema, Robby Lantz, disse que fui tratado tão bem quanto qualquer novo escritor em Hollywood. Então por que eu ainda estava insatisfeito? A resposta simples é que aquele não era o meu filme. Eu não era o chefe. Mas então na verdade aquele não era o filme de ninguém. Ninguém havia de fato imposto uma única visão ao filme. Do que eu assisti, é um filme que funciona, e deve fazer dinheiro, talvez até mesmo dinheiro demais para aqueles contadores Einsteins esconderem, então eles precisarão pagar meu percentual. Mas eu nunca assisti ao corte final e então não posso garantir isso de fato. Eu queria levar alguns amigos para assistir ao corte e Al Ruddy disse: “Não, ainda não”. Perguntei para Peter Bart e ele disse: “Não, ainda não”. 133 o auge do poder O caso mais instrutivo foi o de uma adolescente. Certo dia, uma jovem veio ao meu escritório no lote da Paramount. Ela era uma menina muito bonita, muito inteligente, sadia e charmosa, com cerca de 16 anos. Ela me disse que se chamava Mary Puzo e que havia vindo verificar se éramos parentes, sobretudo porque seu nome se escrevia com apenas um Z, o que é muito incomum. Bem, eu podia ter sido um ermitão pelos 20 anos anteriores, mas àquela altura eu tinha quatro meses de Hollywood nas costas. Ela nem sequer parecia italiana. Eu disse isso a ela. Ela sacou a carteira de motorista. Estava correta. Mary Puzo. Fiquei tão contente que liguei para minha mãe em Nova York e pus Mary Puzo na linha. Nós todos comparamos dados, de que cidade os pais e primos de cada um vinham, mas nos decepcionamos ao não descobrir nenhum vínculo sanguíneo. Mas a menina era tão legal que dei a ela uma cópia autografada de O Poderoso Chefão antes dela ir embora. Duas horas mais tarde, me surpreendi de ainda encontrá-la por ali, andando em direção ao portão. Paramos para conversar. Ela disse que havia passado no escritório de recrutamento de elenco para deixar seu nome lá. “A propósito”, ela disse, “falei que era sua sobrinha. Tudo bem com isso?” Eu sorri e disse “claro”. Bem, com os diabos, ela só tinha 16 anos. E ela não sabia que estava no caminho errado. Que ela deveria ter dito que era a sobrinha de Ruddy ou de Coppola ou de Brando ou de Evans ou de Bart. Ela não sabia que eu só era o oitavo mais importante. Outra história engraçada – pelo menos para mim. Enquanto estava fazendo o filme, Bob Evans deu uma entrevista para um jornal onde dizia que não acreditava tanto na teoria do cinema de autor. Que, na verdade, talvez os filmes fossem mais bem sucedidos quando os diretores não tinham tanto poder. No dia seguinte, Francis Coppola estava furioso. Assim que viu Evans, ele disse: “Bob, eu li que você não precisa mais de diretores”. Bob apenas ignorou. Isso me pareceu engraçado, porque nessa época eu não acreditava em cinema de autor, exceto se fosse Truffaut, Hitchcock, De Sica e caras assim. Eu também não acreditava em “cortes dos chefes de estúdio”, quanto mais em cortes de produtores. Nessa época, eu pensava que os escritores deveriam ter o corte final. Mas é claro que eu era um pouco preconceituoso. Uma coisa estranha: Pauline Kael escreve as melhores críticas de cinema em inglês (embora ela não compartilhe do meu entusiasmo pelo trabalho de algumas belas jovens atrizes). Nunca ouvi seu nome ser pronunciado uma só vez nos dois anos em que estive para cima e para baixo em Hollywood. Acho isso extraordinário. Não que eu esperasse que ela fosse ser adorada. Ela é uma crítica muito dura. Mas ela é tão inteligente e escreve de um modo tão bonito que eu ainda iria adorá-la mesmo se ela assassinasse um filme, coisa que ela provavelmente ainda vai fazer. par te ii a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 132 ou uma profissão. Atuar é uma arte ou uma profissão. Todos especiais às suas próprias maneiras, exigindo talento e experiência. E embora seja fácil zombar dos chefes de estúdio, aqueles que têm quilômetros e quilômetros de filmes rodados, ano após ano, precisam saber de alguma coisa. Preciso admitir que uma entrevista me deprimiu. Francis Coppola explicou que ele estava dirigindo O Poderoso Chefão para conseguir capital para fazer os filmes que ele gostaria de fazer. O que me deprimiu foi que ele foi esperto o bastante para fazer isso aos 32 anos, quando eu demorei 45 para perceber que precisava escrever O Poderoso Chefão, para só então poder fazer os livros que de fato eu gostaria. Eu vivi bons momentos. Não trabalhei muito duro (escrever um roteiro não é verdadeiramente tão difícil quanto escrever um romance). Minha saúde melhorou porque eu peguei sol e joguei tênis. Foi divertido. Houve algumas experiências traumáticas, mas todas são aproveitáveis em um romance e como tais devem ser aceitas e até saboreadas. Tanta coisa já foi escrita sobre as pessoas de Hollywood serem falsas que fico quase constrangido de dizer que não as achei assim. Não mais do que escritores ou homens de negócios. As pessoas de Hollywood são mais impulsivas e desinibidas: elas vivem com os nervos à flor da pele, o que pode torná-las por vezes abrasivas, mas elas me deram alguns momentos maravilhosos. Certa vez, Julie Andrews era convidada de uma exibição privada de um filme na casa de Bob Evans. Ela acabara de passar por dois fracassos de bilheteria e estava se sentindo ferida. Quando apareceu a tela branca, ela começou a assobiar. Foi engraçado e tocante. Outra cena adorável foi Edward G. Robinson e Jimmy Durante caindo nos braços um do outro em uma festa de Hollywood. Não sei nem sequer se foi pessoal, mas eles fizeram isso com tamanha alegria, a alegria de dois grandes artistas que reconheciam a grandeza um do outro. Eles agora são o que chamamos de “velhos homens”, mas tinham mais vitalidade e mais presença do que qualquer pessoa naquela sala. Eles foram ídolos de minha infância, e Edward G. Robinson me deu um presente final naquela noite. Eu falava com um jovem agente, muito agradável, quando Robinson se uniu à conversa. Ele também ficou impressionado pelo jovem e perguntou como ele ganhava a vida. Quando o jovem disse que era um agente, Edward G. Robinson o olhou de cima a baixo, como se ele ainda fosse o Pequeno César e o agente fosse um delator. Passaram pelo famoso rosto sentimentos de surpresa, desgosto, desprezo, descrença, até que ele finalmente abrandecesse em aceitação, um reconhecimento gentil de que, apesar de tudo, aquele ainda era um ser humano. Então Robinson levantou seu dedo indicador e disse para o jovem: “Ame os seus clientes. Você ouviu? Ame os seus clientes”. Muitas coisas engraçadas aconteceram perto do meu escritório quando eu escrevia o roteiro de O Poderoso Chefão na Paramount. Houve vezes em que fui enganado a não poder mais. a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão 134 É verdade que as relações em Hollywood são direcionadas para a realização de filmes, e que a maior parte das amizades é pragmática. Mas, dentro deste quadro de referências, achei muitas das pessoas com quem trabalhei afáveis e, de algum modo, afetuosas e generosas. Eu consegui entender boa parte do egoísmo pessoal porque você precisa ser egoísta para escrever livros. Assinei contrato para dois roteiros originais, que a essa altura já foram concluídos. E informei ao meu agente que não farei nenhum outro, exceto se eu tiver controle completo do filme e ficar com metade do estúdio. Então eu suponho que não quero ter toda aquela diversão. Ou então é simplesmente porque sei que não me comportei de modo tão profissional quanto deveria no filme. Voltei a trabalhar em meu romance. A ideia de passar os próximos três anos como um ermitão é meio assustadora, mas de um jeito engraçado estou mais feliz. Me sinto como Merlin. Na história do Rei Arthur, Merlin sabe que a feiticeira Morgana irá trancá-lo em uma caverna por mil anos. Quando eu era criança, eu imaginava por que Merlin a deixava fazer isso. É claro que eu sabia que era um encantamento, mas Merlin não era um grande mágico? Bem, ser um grande mágico nem sempre ajuda, e encantamentos são tradicionalmente cruéis. Parece uma loucura voltar a escrever um romance. Uma ideia até mesmo degenerada. Mas, por mais que eu reclame de editoras, elas sabem que o livro é do escritor, não delas. E as editoras de Nova York podem não ter o charme das pessoas do cinema de Hollywood, mas elas não relegam você ao papel de parceiro. O escritor é a estrela, o diretor, o chefe de estúdio. Nunca é o meu filme, mas é sempre o meu romance. É tudo meu, e eu acho que é isso o que realmente importa em um encantamento. APOCALYPSE QUANDO? “Embora Coppola não seja assombrado pelo espectro do fracasso financeiro de fiascos como Cleópatra, não há futuro certo para Apocalypse. É uma obra complexa, exigente e inteligente, chegando a um mercado que nem sempre aprecia essas qualidades.” — dale pollock “Apocalypse Now está finalmente entre nós. É incrível. É de tirar o fôlego e dar suspiros. Sensível, emocionante e inspirador, é bonito, perspicaz, chocante, magnífico, espetacular e estupendo, mas também sábio, espirituoso, um monumento em nome da dignidade humana, e um testamento de nossa própria inumanidade. Eu espero vê-lo um dia.” Publicado originalmente sob o título “Apocalypse When?” em schumacher, Michael. Francis Ford Coppola: A Filmmaker’s Life. New York: Crown Publishers, 1999. p. 233–266. Tradução de Julio Bezerra. Texto traduzido e publicado sob cortesia do autor, 2015. — russell baker michael schumacher o auge do poder 139 par te ii Muito coisa mudou na indústria cinematográfica desde que Francis Ford Coppola começou a fazer Apocalypse Now (1979). Havia novos jogadores no comando da lista de cineastas poderosos e influentes. Um novo divisor de águas tinha tomado o mercado. O gosto da audiência havia mudado, e como nunca antes de forma tão sutil, mas, ainda assim, significativa. Tudo estava absolutamente conectado e tudo teria um grande efeito na carreira de Coppola. Talvez o mais decisivo tenha sido a invasão de uma mentalidade blockbuster como um vírus na indústria cinematográfica, influenciando o tipo e a quantidade de filmes que eram lançados por ano. Ironicamente, essa fixação pelo blockbuster podia ser traçada desde O Poderoso Chefão, bem como Tubarão ( Jaws, 1975), Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977) e Contatos Imediatos de Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977), todos lançados num período de cinco anos. Todos eles fizeram muito dinheiro, tornando seus diretores ricos e poderosos, e todos contribuíram imensamente para salvar seus respectivos estúdios da calmaria que vinha afetando o mercado cinematográfico por quase três décadas, desde o advento da televisão. Em 1946, o mercado de exibição tinha gerado um lucro de us$ 1.69 bilhão, mas com a chegada da televisão nos lares americanos, a cifra começou a cair ano a ano e atingiu o fundo do poço em 1962 com apenas a metade da soma de 1946. Os números voltaram lentamente a crescer ao longo dos anos 60, mas os estúdios continuaram a perder dinheiro e a produção minguou. O enorme sucesso de Operação França (The French Connection, 1971) e Love Story (1970) rendeu aos seus estúdios (Twentieth Century-Fox e Paramount, respectivamente) dinheiro suficiente para manterem-se vivos, o que ajudou a gerar um interesse renovado pelo cinema, mas, como no início dos anos 70, a marca de 1946 ainda tinha de ser alcançada. lente ou maior. Um remake de King Kong, uma versão cinematográfica do musical da Broadway O Mágico Inesquecível (The Wiz) e 1941 – Uma Guerra muito Louca (1941, 1979) de Steven Spielberg custaram quase o mesmo. O Portal do Paraíso (Heaven’s Gate, 1980), o primeiro filme de Michael Cimino desde O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978), ameaçava perder completamente o controle. Com apenas poucas exceções, os filmes de grande orçamento visavam um entretenimento leve, destinado ao maior público alvo possível, e eram, em geral, programados para os períodos mais lucrativos de verão e férias. Em alguns casos, também estava em jogo a possibilidade de certos acordos de merchandising, algo que George Lucas havia levado à perfeição com Guerra nas Estrelas, quando o longa arrecadou mais de us$ 500 milhões em produtos licenciados – mais do que os us$ 467 milhões de bilheteria. Apocalypse Now nadava contra a corrente. Obviamente, não haveria nenhum brinquedo ou cadeia de fast-food interessada no filme, e Coppola nem sequer sabia se queria passá-lo na televisão. Nada disso teria importância se ele não estivesse em uma situação em que teria de lançar um blockbuster apenas para fechar no azul, e com todos os problemas enfrentados durante Apocalypse Now, assim como todo o trabalho que ainda estava por vir, Coppola tinha todas as razões para se sentir ameaçado quando terminou finalmente a produção de seu último filme. 141 Depois de fazer as malas e deixar as Filipinas, Coppola fez escalas no caminho de volta para casa, primeiro acompanhando Vittorio Storaro e sua equipe até Roma, depois parando no Festival de Cinema de Cannes, fazendo turismo em Paris, assistindo às touradas em Madri, além de uma breve escala em Londres antes de partir para Nova York. A ideia por trás desse tour relâmpago era descansar após os meses tempestuosos de produção de Apocalypse Now. Contudo, isso esteve longe de acontecer: Coppola estava a mil por hora quando aterrizou em São Francisco em meados de junho de 1977. Em sua volta para casa, ele viajou em um jato particular, onde passava a maior parte de seu tempo assistindo às imagens de Apocalypse Now. Elas pareciam anunciar um grande filme, mas Coppola estava preocupado com os custos de pós-produção. Ele ainda precisava refazer alguns planos, que tencionava rodar na Califórnia, e achava que o filme carecia de uma sensação de início-meio-fim. O início e o meio do longa pareciam funcionar, mas Coppola ainda estava incerto sobre o desfecho. Apocalypse Now havia se tornado um filme que se recusava a terminar. Para se lembrar disso, bastava Coppola olhar pela janela de sua casa no Vale do Napa: um helicóptero estava estacionado em sua garagem e o barco de patrulha de Willard se encontrava debaixo de um carvalho à beira da o auge do poder 2. par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 140 Durante este período, os grandes estúdios passaram por mudanças importantes. mgm parou de fazer filmes, enquanto Warner Bros., Paramount, Universal e United Artists foram absorvidos por grandes corporações, isso, se por um lado, talvez os tenha salvado da extinção, do outro, alterou a maneira como eles funcionavam. Fazer cinema tornou-se um negócio, e não uma indústria – e nenhum dos dois tinha muito a ver com arte. “Cinema costumava ser uma indústria: seu objetivo era, em primeiro lugar, fazer filmes e em segundo, dinheiro”, escreveu James Monaco, que traçou a distinção indústria/negócio em seu livro American Film Now. “Hoje, cinema é claramente um negócio”. Ao analisar a evolução da indústria para o negócio, Monaco chegou à conclusão que atacaria o centro nervoso dos sucessos e fracassos da carreira de Francis Ford Coppola: “Cinema nos eua sempre foi melhor compreendido como indústria do que como arte… Deixe o Velho Mundo se preocupar com arte e autores, níveis de estética, sentido e urgência. Enquanto isso, nós fazemos entretenimento. E uma grande quantia de dinheiro”. Coppola sabia fazer arte e, depois de O Poderoso Chefão, soube o que era fazer dinheiro. Mas aquilo era apenas a ponta do iceberg. Em 1972, no ano em que O Poderoso Chefão arrecadou us$ 43 milhões e estava prestes a se tornar a maior bilheteria de todos os tempos, o top dez dos filmes mais lucrativos somava us$ 123 milhões; em apenas cinco anos, no de Guerra das Estrelas e Contatos Imediatos, o top dez já chegava a us$ 424 milhões. A indústria como um todo havia se recuperado, mas menos filmes estavam sendo feitos, e eram menos ainda aqueles que conseguiam render essa quantia de dinheiro. Isso era bom e ao mesmo tempo ruim para Coppola. As empresas estavam dispostas a investir mais na produção e na divulgação de filmes, na esperança de lançar um novo blockbuster, porém descobriram que ao lado das grandes expectativas caminha uma definição mais ampla de decepção e de fracasso. Não era mais aceitável que um filme tivesse um lucro modesto; empresas estavam atrás de muito dinheiro. “Todos queriam lançar um outro Guerra nas Estrelas ou Tubarão”, sublinhou Max Youngstein, um dos fundadores da United Artists. “Eles estão em busca da galinha dos ovos de ouro”. Essas expectativas tinham uma influência direta nos tipos de filmes que estavam sendo realizados – ou pelos menos aqueles que recebiam sinal verde no que diz respeito a grandes orçamentos. Apesar de tudo o que foi dito sobre os gastos absurdos de Apocalypse Now, o filme não era de maneira nenhuma único – e nem o primeiro – dentre os filmes de grande orçamento sendo produzidos. 007 contra o Foguete da Morte (Moonraker, 1979), o último James Bond; Jornada nas Estrelas – O Filme (Star Trek – The Motion Picture, 1979), o primeiro de muitos filmes feitos a partir dessa popular série de televisão; e Flash Gordon (1980), uma extravagante ficção científica de Dino De Laurentiis, reivindicaram um orçamento equiva- 143 o auge do poder em uma enorme mansão com vinte e dois cômodos e tínhamos muitas responsabilidades, então, seria fácil para mim voltar a viver com menos. Não teria sido tão difícil para mim. No final das contas, eu achava que Francis era muito talentoso e inteligente, e se ele perdesse uma fortuna, teria potencial de criar outra”. Coppola passou o verão trabalhando em Apocalypse Now e supervisionando a pré-produção de O Corcel Negro (The Black Stallion, 1979), que estava programado para ser filmado no Canadá. Desde 1974, quando comprou os direitos do livro com parte do lucro de O Poderoso Chefão, ele estava entusiasmado em fazer deste filme um lançamento da Zoetrope, mas Coppola e Carrol Ballard, diretor do longa, discordavam a respeito do roteiro. Originalmente, Ballard queria alterar a história, mudando o sexo do personagem principal de um garoto para uma garota para explorar a quase mítica relação entre meninas e seus cavalos, mas Coppola havia vetado a alteração. Além disso, os dois tinham diferenças quanto ao que Ballard entendia como o sermão do livro de Walter Farley; mais uma vez, Coppola ganhou a disputa. Ele manteve um olhar atento no desenvolvimento de um roteiro adequado, rejeitando versão após versão e contratando roteiristas para trabalhar com Ballard até que, finalmente, ele deu sua aprovação. Ou pelo menos era o que parecia. No meio do verão, poucos dias antes do início das filmagens de O Corcel Negro, Coppola voou para Toronto para mais uma conversa com Ballard sobre o roteiro. Como os lucros futuros do filme estavam amarrados ao recente acordo que Coppola havia firmado com a United Artists, ele insistiu que o roteiro seguisse suas especificações. Suas interferências quase levaram Ballard à loucura, mas, para seu alívio, das filmagens em diante, Coppola não perturbou mais o filme. “Estávamos em meio a um caos completo”, confessou Ballard. “Ainda não estávamos muito felizes com o roteiro, tinha sido difícil chegar até aquela versão final. Eu estava tendo grandes problemas com os canadenses. Estava tendo grandes problemas de comunicação. Até aquele momento, eu era algo como uma banda de um homem só: eu filmava e editava meus filmes – eu fazia praticamente tudo sozinho. Em O Corcel Negro tive que, pela primeira vez, passar tanta informação para outras pessoas, que, por sua vez, eram responsáveis por tarefas decisivas para o longa. E eu estava falhando miseravelmente em todos os aspectos. Tudo parecia estar errado”. “Francis tinha comprado um jatinho particular e estava viajando com seus amigos, e tinha acabado de aterrizar na cidade pouco antes das filmagens começarem. Eu achava que a intenção dele era abandonar completamente a produção do filme. Mas começamos a filmar, e em poucos dias, Francis viu algumas imagens, gostou delas, e decidiu que deveríamos continuar. Então, nós seguimos em frente e filmamos por todo o verão de 1977”. par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 142 estrada. No campo ao lado, tendas militares estavam sendo montadas, assim como parte do cenário do complexo de Kurtz. Figurinos e adereços ocupavam parte do celeiro e da cozinha. Coppola havia se dedicado de corpo inteiro nos últimos meses na tentativa de reestruturar suas finanças para a última fase de produção do filme. Em maio, ele vendeu suas 72 mil ações do Cinema 5 de volta para Donald Rugoff pelos mesmos us$ 2,50 por ação que ele tinha investido em 1974. Algumas semanas depois, no início de junho, ele assinou um novo acordo com a United Artists, usando todos os seus bens, incluindo suas casas e investimentos imobiliários, como garantias de um empréstimo de us$ 10 milhões para a finalização do longa. Como se vê, Apocalypse Now precisaria ser um grande sucesso de bilheteria para que Coppola tivesse algum lucro por todo o seu trabalho. Se o filme fracassasse, Coppola afundaria com ele. Para proteger seu investimento, a United Artists fez um seguro de vida para Coppola no valor de us$ 15 milhões, o que o levou a sublinhar que ele valia mais morto do que vivo. Apesar de todo o falatório a respeito da maneira descuidada com que lidava com seu dinheiro, ou da vontade de se arriscar por sua arte, Coppola estava genuinamente preocupado com sua última aposta. Ele a havia aumentado consideravelmente, mas ainda tinha dúvidas se o filme funcionaria. Depois de alguns dias trabalhando com o editor de som Walter Murch, um Coppola desmotivado chegou a anunciar que havia somente 20% de chances dele conseguir fazer aquele filme funcionar. Estranhamente, a ameaça financeira afetou Ellie bem menos do que ela esperava. Ela, assim como seu marido, fazia proveito de suas posses e do estilo de vida que caminhava ao lado de grandes riquezas, e não suportava ver Francis agonizando com Apocalypse Now, sabendo, e ela tinha consciência disso, que ele também estava arriscando sua reputação. No entanto, como ela anotaria em seu diário, uma parte dela quase queria que ele fracassasse. Com a riqueza e a fama vieram inúmeras complicações que Ellie, enquanto esposa e mãe, teria preferido evitar. Tímida por natureza, ela não estava entusiasmada com todas aquelas grandes festas e encontros que eles organizavam ou participavam, nos quais era esperado que ela atuasse como a esposa do famoso diretor. Ela odiava ainda mais a falta de privacidade em sua própria casa, que sempre parecia ser invadida pelos sócios de seu marido. Uma parte dela sonhava com o passado, quando Francis era jovem e desconhecido, batalhando para se afirmar na indústria cinematográfica; quando a vida simples era, em alguns aspectos, mais feliz. “Eu vim de uma família para quem coisas materiais não eram o principal na vida, para quem outros valores eram mais importantes e duradouros”, sublinhou ela. “Eu cresci numa casa pequena, que era um modo de vida mais familiar para mim. Quando Francis colocou em jogo todas as nossas finanças para fazer Apocalypse Now, estávamos vivendo Sem dúvida, ele havia se tornado um homem diferente desde que começou a fazer o filme. Talvez seus problemas fossem psicológicos. Ele tinha acabado de ser diagnosticado como maníaco depressivo e estava sendo medicado com lítio, o que ambos esperavam que pudesse estabilizar seu humor flutuante. Na tentativa de resolver os conflitos amorosos, Coppola continuava retornando a uma questão central: ele amava sua esposa e sua família. Ele podia analisar sua situação de cada ângulo e pensar sobre suas ações de várias e diferentes formas, mas ele sabia que, no fundo, quando parava para refletir sobre o que realmente era importante em sua vida, ele era tradicional em suas crenças. “Eu não queria perder minha família”, ele admitiu anos mais tarde, quando tratou desse difícil momento de sua vida. “Eu não queria perder meus filhos. Muitos homens podem fazer isso. Mas eu simplesmente não era o tipo de pessoa que abandonaria minha família daquela maneira e criaria uma segunda família ou coisa parecida. Eu não sou esse tipo de pessoa”. O casamento perseverou, apesar dos contratempos. Em 1999, Coppola ainda se mostrava indignado quando se lembrava da carta que sua esposa havia enviado para ele enquanto filmava nas Filipinas, embora agora pudesse assumir um tom mais reflexivo e analítico para explicar como seu casamento conseguiu superar alguns dos testes mais pesados. “Aquele tinha sido um período ruim pra nós”, disse ele sobre a época de Apocalypse Now. “Eu ainda acho que Ellie tinha passado dos limites e dado ouvidos a conselheiros quando escreveu aquela carta me censurando enquanto eu estava filmando. Mas nossa família significava muito para nós dois, e o casamento sobreviveu, passo a passo. Nestes últimos quinze anos, ele nunca esteve melhor. Ela aprendeu a acreditar mais em mim e menos nos ‘especialistas’. Ela tinha visto meus loucos sonhos virarem realidade e talvez isso tenha ajudado. Quanto a mim, eu aprendi a dar a ela mais privacidade e espaço para que ela pudesse criar e incentivei seu trabalho. Eu acho que o mais importante em um casamento é dar um ao outro o direito de se expressar e a privacidade para fazê-lo. Estar casado não deveria nunca ser uma limitação – tem de ser uma vantagem”. 145 4. No final de 1977, Apocalypse Now ostentava a nada invejável reputação de ser um filme com sérios problemas. No início do ano, antes de Coppola impor um veto total à imprensa, jornais e revistas tinham publicado reportagens sobre o progresso do filme com considerações relativamente otimistas a respeito do diretor e outros que trabalhavam no longa; com o tempo, as reportagens tornaram-se cada vez mais vagas, movidas basicamente por especulações ou por fontes que preferiam manter-se anônimas. Para os observadores da indústria, os sinais não eram nada encorajadores, a começar pelo constante adiamento da data de lançamento o auge do poder a p o c a ly p s e q u a n d o ? 144 As dúvidas de Coppola em relação a Apocalypse Now e O Corcel Negro refletiam suas indecisões em outra parte importante de sua vida: ele não apenas não havia rompido o caso com uma jovem roteirista que tinha começado nas Filipinas, como a relação havia se intensificado desde seu retorno para os eua, a ponto de Coppola se ver profundamente apaixonado e sem saber como lidar com essa extremamente difícil situação. Finalmente, no final de setembro, ele contou sobre o caso para Ellie. Choramingando enquanto confessava, Coppola tentava explicar como poderia amar duas mulheres – sua esposa e sua amante – e como não queria abandonar nenhuma das duas. Cada uma, disse ele, representava uma parte diferente dele mesmo. Ellie, perturbada por ter desconfiado das mentiras do marido, jogou um vaso de flores em sua direção. “Eu ouvi a pessoa que amo, com angústia e dor”, escreveu ela sobre o confronto em seu diário. “De repente, eu entendi que o conflito dele não era entre paz e violência. O conflito para ele se dava entre ideais românticos e realidade prática. Um homem que ama romance, ama ilusão. Ele é um cineasta, um mercado que cria ilusão. E ele ama sua esposa, ama seus filhos e os quinze anos dessa realidade. Eu pude ver isso claramente”. Anos depois, Coppola ainda estava dividido pelo amor de duas mulheres. “Eu tenho me martirizado segundo a impossível questão de uma dupla lealdade”, disse ele. “Você se sente leal à sua mulher e à sua família, mas também se sente leal à outra pessoa com quem você criou uma relação de mútua confidência. Essa talvez tenha sido a coisa mais destrutiva pela qual passei”. Apesar da chorosa confissão e das promessas de terminar o caso, não havia solução fácil ou imediata para o problema. Passados alguns dias da conversa com Ellie, Coppola retornou à amante. Ellie ficou sabendo do acontecido e de outras transgressões, e penou para responder às infidelidades do marido. Um dia, ela pensaria a respeito das ações de Coppola e chegaria ao ponto de se acusar de ter se distanciado do casamento para seguir seus interesses na meditação oriental e outros aspectos do “mundo não físico”; no outro, ela ficaria furiosa com a falsidade dele, magoada por suas mentiras e por não ter visto a verdade nas notas e pequenos presentes que encontrava nos bolsos do marido. Ela se sentia humilhada pelo fato de todo mundo parecer saber da história, e por ela e seu esposo terem se tornado um dos tópicos favoritos do mundo da fofoca. Suas vidas, ela achava, lembrava a história do diretor de cinema e sua esposa em Fellini 8 1/2 (1963), um filme que ela e Francis haviam visto quando estavam namorando; até seus diálogos e fantasias eram parecidos. Ellie ficou com Coppola durante a crise por uma série de motivos, sendo o mais importante deles o fato de ainda amá-lo. A maioria de seus problemas, ela esperava, era consequência das dificuldades que ele enfrentava em Apocalypse Now e da enorme pressão que pesava sobre ele. par te ii 3. 147 o auge do poder o filme. Eu sabia no que Apocalypse Now daria – que ele tomaria muito mais tempo do que nós inicialmente imaginávamos. Eu me senti culpado ao deixar o filme, e me vi na obrigação de oferecer meus serviços para o projeto televisivo de O Poderoso Chefão. E Francis logo aceitou a ideia”. Malkin havia trabalhado recentemente em O Poderoso Chefão, Parte ii e não precisava sequer refrescar a memória, mas ele só conhecia O Poderoso Chefão, Parte i como espectador, e logo teve de se familiarizar com o primeiro filme antes de começar a reuni-los. Além disso, Malkin teve de formatar um longa enorme para a televisão, com direito a prólogos, intervalos comerciais, bem como teasers promocionais que seriam usados pelo canal para gerar interesse em cada exibição noturna. Era muito trabalho – do tipo que Malkin não estava acostumado – mas em pouco tempo, ele já havia terminado e sentia-se confiante para viajar até as Filipinas e mostrar a versão para Coppola. “No fim”, ele disse, “o caos em torno de Apocalypse Now era tão grande que nem cheguei a exibi-la. Começamos a ver a versão, mas tivemos que desistir. Eu voltei a Nova York e me detive nos detalhes finais da coisa. Eu contratei uma equipe de som, e nós usamos as músicas dos dois filmes como uma espécie de biblioteca para a música que as novas cenas demandavam. Eu viajei pelo país atrás dos atores para mudar alguns diálogos que não eram adequados para a televisão. Depois, fui para L.A. por algumas semanas para supervisionar a gravação, que, acredito, era de uma natureza bem mais primitiva do que é hoje. Era um projeto longo, mas, quando havíamos terminado, Francis ainda estava nas Filipinas”. Pouco depois do réveillon, Coppola chegou a uma importante decisão: ao invés de buscar um estilo unificado para Apocalypse Now, cada cena teria um estilo autônomo, único, de maneira que Willard (e os espectadores) experienciaria algo novo a cada trecho da viagem rio acima. A decisão, é claro, era bem prática, nascida da frustração de Coppola em relação aos problemas de continuidade, mas era também uma decisão sobre o som a partir de uma perspectiva artística: cada cena se tornaria um tipo de poema sinfônico – parte da evolução da história, com certeza, mas também algo convincente em seus próprios termos. Coppola agora tinha os primeiros dois terços de seu filme muito bem construídos, embora ainda restassem alguns buracos na história que impediam que o longa fluísse suavemente. Ele pensou por um tempo na utilização de uma narração – uma prática rejeitada pela crítica, que a considerava pobre – e em janeiro de 1978, ele decidiu experimentar. Convidou Michael Herr, autor de Despachos (Dispatches, 1977), talvez o melhor no cânon dos livros não ficcionais sobre o Vietnã. Herr assistiu às imagens e ouviu o detalhado plano de Coppola, e, durante o ano seguinte, produziu o monólogo interior que oferecia aos espectadores um perfil psicológico do Capitão Benjamin Willard. A narração lacônica e quase chapada estabelecia o papel de Willard como o de um observador, contrastando com a violência e o caos que tomavam conta da tela. par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 146 do filme. Inicialmente previsto para estrear em 7 de abril de 1977 – o aniversário de 38 anos de Coppola – , a data de lançamento já tinha sido adiada diversas vezes, primeiro para dezembro de 1977, depois para o aniversário de 39 anos de Coppola e, um pouco mais tarde, para outubro de 1978. Os adiamentos nunca foram bem vistos pelos distribuidores, que temiam perdas subsequentes no mercado exibidor, mas a história por trás de Apocalipse now, com seus furacões, ataques do coração e substituições de atores, já era agora tão familiar ao público que os adiamentos talvez fossem compreensíveis – quem sabe até acrescentando um ar místico ao filme – se alguém do grupo de Coppola se permitisse alguma dose de otimismo. Ao invés disso, a imprensa foi recompensada com silêncio – ou, pior, com rumores que não eram nem negados, nem confirmados. Coppola, na verdade, não tinha muito o que dizer. Ele havia se debruçado tanto nas imagens do filme que não conseguia mais ter nenhum senso de objetividade. Seus outros filmes – A Conversação (The Conversation, 1974) no topo da lista – tinham dado alguns problemas na pós-produção, mas todos eram fichinhas se comparados a Apocalypse Now. Tudo o que ele precisava como lembrete era a história das duas primeiras partes de O Poderoso Chefão. Antes de suas experiências com Apocalypse Now, realizar O Poderoso Chefão havia sido, sem sombra de dúvida, a pior experiência de sua vida. Ele tinha mais voz e poder na criação da sequência, mas passaria por maus bocados na elaboração do roteiro e na pós-produção, e não sabia se o filme faria algum sentido. Ninguém desconfiaria disso vendo os filmes hoje: eles são bem acabados, grandes sucessos de bilheteria e muito premiados. Coppola tinha finalmente encontrado o objetivo dos dois filmes quando eles foram combinados e retrabalhados sob o título Mario Puzo’s The Godfather: The Complete Novel for Television, que foi ao ar na nbc em meados de novembro. A nova e cuidadosamente preparada versão, com uma duração de pouco mais de sete horas e contando com uma hora de sobras dos cortes para o cinema, seguia uma ordem cronológica, eliminando algumas das confusões geradas pelos flashbacks de O Poderoso Chefão, Parte ii. Como Coppola estava preocupado com as filmagens de Apocalypse Now, quando chegou a hora de preparar a produção para a televisão, ele delegou a difícil tarefa de reunir todas aquelas imagens em uma única e fluente história a Barry Malkin, o montador de Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969). Coppola redigiu extensas notas a respeito de que filme ele queria, deu suas instruções a Malkin e confiou em seu trabalho. “Eu havia trabalhado em Apocalypse Now nas Filipinas”, lembra Malkin, “e soube, naquele momento, que aquele era um projeto para um futuro próximo. Haviam mencionado que quando terminássemos de filmar e voltássemos para São Francisco, colocaríamos tudo em ordem quando tivéssemos tempo. Bem, depois de alguns meses trabalhando em Apocalypse Now, minha vida pessoal entrou em parafuso e eu tive que abandonar Apocalypse Now, o público estaria ouvindo o barulho dos helicópteros, as caixas de som vociferando A Cavalgada das Valquírias de Wagner de dentro do helicóptero, explosões e tiros e pessoas gritando – tudo vindo de diferentes caixas de som espalhadas pela sala. O truque, explicava Murch, era arranjar o som de modo que as pessoas não se sentissem sobrecarregadas por uma parede de barulhos, e para alcançar isso, ele estipulou que somente dois sons dominantes tocassem em cada momento. Além disso, Murch teria de determinar quando era melhor, por razões dramáticas, ter o som emergindo de um único ponto e quanto ele deveria se expandir para incluir partes ou toda a sala. “Em segundo”, disse Murch a respeito das instruções de Coppola, “ele queria autenticidade, ou seja, que as armas soassem como elas realmente soavam no Vietnã. Ele se preocupava bastante com os veteranos que estiveram na guerra e veriam o filme. Ele queria que sentissem que se tratava de um retrato fiel do que eles haviam vivido, sobretudo, no nível das máquinas e armas – o helicóptero, os barcos, os tiroteios e todas essas coisas”. Murch, um perfeccionista, apreciava a devoção de Coppola pelos detalhes. Durante a realização de O Poderoso Chefão, Murch tivera o trabalho de gravar o som de carros antigos, somente para que o filme soasse autêntico. Ainda assim, o pedido de Coppola em relação ao som das armas era uma coisa bem mais complicada, já que, durante as filmagens de Apocalypse Now, nem todas as armas tinham sido gravadas especificamente para a edição de som, e solicitar a ajuda do exército estava fora de questão. Murch conseguiu de alguma maneira reunir o arsenal necessário e por três dias ele e sua equipe se retiraram para as montanhas ao lado de São Francisco, onde puderam gravar os sons de todas as armas. “Seu último pedido”, continuou Murch, “era que a faixa sonora deveria participar do tom psicodélico no qual a guerra havia sido travada, não apenas em termos das músicas para a trilha – The Doors e o que os jovens ouviam nas rádios – mas, em geral, uma surpreendente justaposição de imagens e sons; para que a faixa sonora não fosse apenas uma imitação literal do que víamos na tela, mas algo que fosse além disso”. Murch, que seria eventualmente agraciado com uma indicação ao Oscar pela edição de som de Apocalypse Now, chegou até mesmo a criar um outro nome para o seu trabalho. “Nós estávamos atravessando mares desconhecidos”, disse ele. “Eu achava que estava fazendo algo parecido com designer de produção, então passei a chamar aquilo que eu faço de sound design”. 6. O longo e custoso período de pós-produção de Apocalypse Now não escapou da atenção da United Artists, cujo investimento no filme estava em uma estranha espécie de limbo. Representantes da empresa chegaram a ouvir rumores perturbadores de que o filme era um absoluto caos, impossível 149 o auge do poder a p o c a ly p s e q u a n d o ? 148 Nos anos seguintes ao lançamento de Apocalypse Now, críticas, ensaios e reportagens jornalísticas descreveriam a criação cinematográfica de Francis Ford Coppola como um exercício de loucura, com o diretor fora de controle, segurando o filme por um fio e perdendo de vista os limites orçamentários. As reportagens, embora fossem em sua maioria verdadeiras, irritavam Coppola e só faziam aumentar sua hostilidade em relação à imprensa. O que os críticos condenavam como um ego em fúria (e, realmente, havia muito disso) era quase sempre uma má interpretação das necessidades de Coppola, cada vez mais desesperado, em fazer algo monumental daquele projeto que havia começado em uma escala bem mais modesta. “Eu tenho que fazer esse filme”, confidenciou ele a John Milius. “Eu o considero como o filme mais importante da minha carreira. Se eu morrer no meio da coisa, você assume. Se você morrer, George Lucas assume”. A pós-produção de Apocalypse Now refletia o caos das filmagens, da atmosfera maníaco-depressiva nas salas de edição e das bizarrices que surgiam daí. No início da montagem, um editor assistente tornou-se tão obsecado com o filme que chegaria a invadir as ilhas de edição da Zoetrope depois do expediente para trabalhar no material; quando Coppola mandou que ele parasse, ele retalhou e roubou vários rolos do filme, queimando-os e enviando as cinzas a Coppola todos os dias por uma semana. Em outra ocasião, Fred Rexer, um veterano do Vietnã que era amigo de John Milius e uma forte influência na primeira versão do roteiro de Apocalypse Now, chegou no estúdio contando histórias sobre a guerra, incluindo uma particularmente pavorosa sobre como ele havia executado oficiais do vietcongue ao pressionar os polegares nos globos oculares de seus prisioneiros, quebrando seus crânios. Depois ele ainda amedrontou Martin Sheen e Coppola, quando trabalhavam na narração em off no porão do estúdio, ao dar a Sheen um revolver carregado. “Você tem o poder da vida e da morte em suas mãos”. Nunca os custos de pós-produção foram tão altos para Coppola, não apenas por causa da grande quantidade de tempo necessária para montar o filme, mas também por que, na tentativa de instalar o espectador em meio a uma guerra, ele precisava de um tipo de tecnologia que não era nem um pouco barata, como o equipamento de edição com quatro telas que o permitia trabalhar o longa em camadas. Para som, ele propusera algo igualmente inovador. “Quando eu comecei o filme, ele disse que queria três coisas”, lembra Walter Murch. “Primeiro, que o filme fosse quintafônico, que o som preenchesse a sala, como se ele viesse de todos os cantos”. Isso, conta Murch, nunca tinha sido feito em um drama. Ken Russel havia usado som quintafônico em Tommy (1975), sua adaptação para a ópera rock do The Who, mas o som neste filme era basicamente música e raramente se utilizava de efeitos sonoros. Para o ataque de helicóptero na vila em par te ii 5. Ao se dar conta de que teria que mostrar alguma coisa para a empresa, Coppola organizou algumas exibições de versões inacabadas do filme, primeiro para os executivos da United Artists e depois, no dia 25 de abril, para uma audiência seleta no Northpoint Theater de São Francisco. Coppola costumava alertar que o filme não estava nem perto de sua versão final, e implorava que críticos e escritores não revelassem nada do que haviam visto. A imprensa obedecia, feliz por estar presente em uma exibição tão exclusiva. “Francis Ford Coppola saiu finalmente da toca”, publicou um jornal de Los Angeles. A recepção das duas exibições desapontou o diretor. Coppola não se sentia mais confiante diante do que diziam os executivos da ua e, embora os espectadores de Northpoint tivessem se entusiasmado mais, eles pareciam ter gostado apenas das partes ruins. Ao ler os questionários após as sessões, Coppola estava desconcertado por notar que a maioria das pessoas se mostrava mais favorável em relação à sequência da batalha da Cavalgada das Valquírias – uma sequência memorável, mas nem de longe a preferida do cineasta. “O filme atingia suas notas mais altas durante a batalha dos helicópteros”, escreveu ele em suas notas. “Os meus nervos estão aflorados – e meu coração está quebrado – Minha imaginação está morta. Não tenho nenhuma autoconfiança – Mas, como uma criança, quero apenas que alguém me socorra…” 151 Mas ninguém o socorreria – nem mesmo lhe apontariam a melhor direção. Durante o verão e o outono de 1978, enquanto trabalhava em um filme que ameaçava levá-lo à falência, Coppola via seus contemporâneos gozarem dos holofotes que ele mesmo havia apreciado poucos anos atrás. George Lucas, que havia recusado a direção de Apocalypse Now para se dedicar a Guerra nas Estrelas, viu sua ópera espacial tomar conta dos cinemas no verão de 1977, enchendo salas semana após semana até destronar Tubarão de Steven Spielberg do topo da lista das maiores bilheterias de todos os tempos. Spielberg, que alguns anos antes já havia tirado o título de O Poderoso Chefão, tinha lançado Contatos Imediatos de Terceiro Grau no final de 1977 e ainda somava lucros consideráveis em 1978. Lucas e Spielberg apoiaram Coppola durante os percalços de Apocalypse Now, oferecendo sugestões e encorajando o amigo sempre que o viam, ambos solidários em relação à pressão que qualquer diretor com um sucesso na carreira sofria. Coppola ficava feliz com o sucesso de seus dois amigos, que haviam lançado filmes que ele jamais imaginaria escrever ou dirigir, mas ele talvez tenha se sentido um pouco diferente, quem sabe até mesmo ameaçado, quando Michael Cimino, outro contemporâneo, fez O Franco Atirador, no final de 1978. Antes de seu trabalho no filme, Cimino tinha sido um roteirista de sucesso, embora tivesse dirigido apenas um grande filme, o auge do poder 7. par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 150 de ser lançado, mas eles não tinham muito o que fazer a respeito. Se eles encerrassem a produção do filme, teriam uma enorme perda financeira (um relatório estimou algo em torno de us$ 30 milhões) e ainda havia a decisão desagradável em torno das garantias de Coppola. Se mantivessem o apoio a Coppola, estariam sujeitos a novos pedidos de empréstimos. A empresa já andava em uma situação complicada. Fundada em 1919 por Mary Pickford, Charles Chaplin, Douglas Fairbanks e D.W. Griffith como um meio para se distribuir filmes independentes, a United Artists havia sido comprada em 1967 pela gigante de seguros Transamerica, que em boa parte de uma década permitiu que os oficiais da ua conduzissem seus negócios sem maiores intervenções corporativas. Isso, contudo, tinha mudado recentemente, já que a Transamerica, baseada em São Francisco, se mostrava cada vez mais preocupada com os gastos com cinema da ua. A preocupação da Corporação não era injustificada. Só em 1970, a ua perdeu us$ 85 milhões, e embora a fortuna da empresa tivesse dado a volta por cima nos anos seguintes, com um auge em 1974 e 1975, quando a ua liderou a indústria no que concerne às bilheterias, a Transamerica insistia em participar mais ativamente das práticas não apenas da ua como de todas as suas subsidiárias. Alguns furiosos executivos da ua afirmavam que a Transamerica estava violando a promessa de dar a ua autonomia nas suas decisões – o que a Transamerica contestava. O presidente da ua, Arthur Krim, um antigo dono da empresa que ainda era visto como uma das grandes mentes do mercado cinematográfico, acabou se cansando das interferências da Transamerica e renunciou ao seu posto, levando com ele outros importantes representantes da ua. O novo regime da empresa se encontraria em um meio termo, tentando agradar aos espectadores, de quem dependiam para sobreviver, e ao mesmo tempo se esforçando para gerar o tipo de lucro exigido pela Transamerica. Apocalypse Now, com sua reputação abalada e seu potencial para o fracasso financeiro, não era o tipo de investimento que a ua queria discutir com os executivos da Transamerica. É verdade: a reputação de Francis Ford Coppola era uma das melhores do meio e ele havia feito dois grandes sucessos com O Poderoso Chefão, mas, no mercado cinematográfico, memória e reputações tendem a desaparecer diante de lucros titubeantes. Coppola, claro, era sensível a isso, e, como um homem de negócios, sempre dava um jeito de se aproximar das pessoas certas – neste caso, era Jim Harvey, o presidente da United Artists e vice-presidente executivo da Transamerica. Era notório que ambos se davam muito bem, embora Coppola soubesse não levar tão a sério as opiniões de Harvey. Em um gesto cômico e ao mesmo tempo de amizade, Coppola comprou um telescópio e o instalou no escritório de Harvey no vigésimo quinto andar da sede da Transameria. O telescópio ficava apontado para o escritório do cineasta no Sentinel Buiding e tinha uma pequena placa de metal em que se podia ler: “Para Jim Harvey, de Francis Ford Coppola, para que você possa continuar de olho em mim”. Nenhum desses filmes, e nem os outros que seriam feitos durante esse período, foram sucessos acachapantes de bilheteria, e nenhum, o que é discutível, aproximou os espectadores do coração da experiência de uma guerra como a do Vietnã. Em O Franco Atirador, Michael Cimino chegou bem perto, sobretudo em razão das atuações de seu elenco superlativo (Robert De Niro, Christopher Walken, Meryl Streep) e da decisão de Cimino de fazer os espectadores irem e voltarem do Vietnã. O filme também estabeleceu um precedente importante em outro aspecto. “Até O Franco Atirador aparecer”, escreve Lawrence Suid em seu longo estudo sobre Hollywood e Vietnã na Film Comment, “a guerra ainda não era um assunto viável financeiramente para os cineastas”. Ao tratar dos efeitos que O Franco Atirador teve em Apocalypse Now, Fred Ross, coprodutor do filme, assumia um tom otimista. “Não apostávamos em sermos os primeiros”, ele disse. “O Franco Atirador… parece ser um grande sucesso. Isso é bom para nós. Por todos esses anos, a indústria achava que o público não queria lidar com a Guerra do Vietnã. O Franco Atirador é a primeira prova tangível de que isso talvez não seja verdade”. Coppola sabia bem da reputação de O Franco Atirador como sendo o filme sobre a Guerra do Vietnã – e num período em que seu longa inacabado era chamado ironicamente de Apocalypse Quando? e Apocalypse Nunca por uma imprensa cada vez mais cética. Só podemos imaginar o que passava em sua mente quando Coppola, como apresentador da entrega do Oscar de Melhor Direção na cerimônia de abril de 1979, abriu o envelope e anunciou Michael Cimino como o grande vencedor. Já era hora de colocar seu filme diante do público. 153 Foi o que ele fez em maio, quando, ignorando os pedidos dos executivos da United Artists, Coppola levou Apocalypse Now para o Festival de Cannes e entrou na competição com um trabalho ainda em progresso. Em uma carreira que parecia ter sido construída igualmente com talento e criatividade, da dedicação ao artesanato, e com coragem, Coppola estava se arriscando como nunca. As semanas anteriores ao Festival foram ao mesmo tempo encorajadoras e irritantes – além de particularmente cheias. Em 7 de abril, Coppola celebrou seu quadragésimo aniversário com uma festa gigantesca em seu vinhedo no Vale do Napa, com direito a um bolo de quase dois metros e mais de mil convidados. Poucas semanas depois, ele estava em Washington, D.C., participando de um churrasco de gala na Casa Branca com o presidente Jimmy Carter, o primeiro-ministro japonês Masayoshi Ohira, o ator Peter Falk e o cantor Boby Short. Por meio de Gerald Rafshoon, um velho amigo que trabalhava como um dos assessores de imprensa de Carter, Coppola conseguiu organizar uma exibição privada de o auge do poder 8. par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 152 O Último Golpe (Thunderbolt and Lightfoot, 1974), um longa de ação estrelado por Clint Eastwood. Em O Franco Atirador, Cimino não só tinha chegado primeiro aos cinemas com filme sobre a Guerra do Vietnã, como também foi amplamente elogiado pela crítica, que parecia pronta para eleger Cimino com o próximo melhor cineasta. Seja quais fossem suas impressões sobre o filme, Coppola tentou ser simpático com Cimino quando foi para a première de O Franco Atirador em Nova York, mas Cimino, confortável no seu recente posto de celebridade, não fez muita questão de corresponder. Ao contrário, ele parecia mais interessado em promover seu filme sugerindo comparações e afirmações disparatadas em relação a Apocalypse Now. Seu longa, ele disse a um jornalista do New York Times, tinha sido filmado na Tailândia, “que é parecido mais com o Vietnã do que as Filipinas, onde Francis rodou Apocalypse Now”. A deselegância, contudo, não parou aí. Em diversos outros momentos da entrevista, Cimino – que nunca serviu no Vietnã, e que só podia ter conhecido a guerra da mesma forma que Coppola – desferiu alguns golpes baixos em Coppola, insinuando que ele, Cimino, seria mais qualificado para fazer um filme autêntico sobre a guerra. “Vietnã”, zombou ele, “não é a única guerra da história em que terríveis atrocidades aconteceram. Já houve e muito provavelmente haverá piores. Vietnã não foi o apocalipse”. Coppola sabiamente se absteve de responder imediatamente aos comentários de Cimino, mas ele deu sua palavra final mais tarde, quando foi convidado para falar sobre O Franco Atirador no Festival de Cannes de 1979. “Quando vi O Franco Atirador”, ele disse, “Eu pensei que se tratava de um filme que lida com questões importantes, que tinha grandes interpretações, e que nele se tentava fazer algo diferente; mas o achava politicamente inocente. Era, contudo, uma tentativa, e para mim aquilo era alguma coisa. O Franco Atirador é um tipo de filme diferente do meu, que se passa em um mundo diferente”. Disputas e falatório à parte, O Franco Atirador elevou o nível dos filmes hollywoodianos sobre o Vietnã. E depois de longo período sem se dedicar ao tema, Hollywood lançava um punhado de longas sobre a guerra e seus efeitos nos soldados, incluindo Heróis sem Causa (Heroes, 1977), estrelado por Henry Winkler e Sally Field, basicamente uma história de amor envolvendo um veterano do Vietnã e uma mulher que ele conhece depois da guerra, quando cai na estrada e tenta dar um jeito em sua vida; e, um ano mais tarde, Amargo Regresso (Coming Home, 1978), um esforço mais ambicioso sobre um veterano deficiente (Jon Voight) que retorna aos eua, se apaixona por uma mulher casada (Jane Fonda), e ainda confronta os espectadores com provocações a respeito do envolvimento dos eua e sua culpa na guerra. Livremente inspirado nas experiências de Ron Kovic, cujas memórias de 1976, Nascido em 4 de Julho (Born on the Fourth of July), seriam transformadas em um filme de sucesso, foi de longe o longa mais aclamado pela crítica a lidar com esse tema tão pouco popular. 155 o auge do poder Se Coppola andava confuso com as respostas do público, as três sessões só fizeram aumentar sua preocupação. Em uma delas, os espectadores permaneceram em silêncio no final do filme, com apenas alguns poucos aplausos; em outra, o público explodiu em aplausos quando a tela ficou preta. O silêncio teria sido um sinal de desagrado ou poderia ser interpretado como uma reação à profundidade do longa? Estariam as pessoas confusas com o que tinham acabado de ver? Coppola não tinha como saber, e os questionários não o ajudavam. A reação foi, em sua maioria, positiva, mas como um espectador notou, “É como ver sua mãe sendo assassinada e ser perguntado como foi”. Os testes de audiência, tidos como arriscados pela indústria, se voltaram contra Coppola em ao menos um aspecto: a imprensa, que até aquele momento estava sendo respeitosa para com os pedidos do cineasta, não permaneceria mais em silêncio. Rona Barrett foi a primeira a abrir a porteira quando, na edição de 14 de maio da ABC Good Morning America, resumiu a trama do longa, comentou sobre a atuação dos atores e acabou rejeitando a obra como “um fracasso desapontador”. Naquele mesmo dia, Gene Siskel publicou uma longa crítica sobre o evento e o filme para o Chicago Tribune, na qual ele declarava que as primeiras duas horas eram “estupendas” e os vinte minutos restantes, uma bagunça completa. “Apocalypse Now, na versão que eu vi, não é lá muito fácil”, escreveu Siskel. “Não tem aqueles personagens bem delineados do bem e do mal de Amargo Regresso ou O Franco Atirador. É um filme mais sutil, que parece prender a atenção das pessoas até o final, quando, então, algumas delas se disseram confusas”. Siskel, que tinha entrevistado Coppola depois da segunda sessão, não comprava a ideia do diretor de que o filme não era ambíguo. “O filme é sobre ambiguidade moral”, Coppola mencionou, traçando uma distinção em relação à ambiguidade da trama e dos personagens. “É diferente”, insistiu Coppola. “O que o filme diz é que estamos todos entre o bem e o mal, que tomamos nossas decisões enquanto vivemos e que não existe nada como um bem ou mal absolutos – nunca houve e jamais haverá”. Outras reportagens se seguiram, incluindo uma crítica na edição semanal da Variety (a publicação abriu mão da crítica em sua edição matinal atendendo o pedido de Coppola, até que Barret falou sobre o longa na televisão), um pequeno texto na Newsweek e uma extensa cobertura na New York Magazine. O artigo da New York, escrito por David Denby, atacava Coppola por apresentar um filme inacabado, mas elogiou-o: “Apocalypse Now”, ele escreveu, “parece uma daquelas músicas dos Rolling Stones ou do Grateful Dead, que seguem indeterminadamente espalhando luxuriosamente pânico e pavor, deixando-nos embriagados e ao mesmo tempo com um resíduo de ansiedade no estômago”. Coppola explodiu de raiva quando viu as reportagens. Ele não só se sentia traído, como acreditava que as notícias distorciam deliberadamente o final do filme. Coppola havia ouvido diversos rumores sobre os par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 154 Apocalypse Now na Casa Branca, em que estavam presentes o presidente e cinquenta convidados, que tiveram uma reação “mista, bem mista”. Embora não tenha dado nenhuma declaração pública sobre o longa, Carter estava emocionado e o aplaudiu no fim; outros, como o diretor da cia Stansfield Turner, ficaram em silêncio. Os questionários da sessão – que agora eram de praxe nos testes de audiência de Apocalypse Now – eram igualmente ambivalentes. A sessão da Casa Branca foi apenas o prelúdio de um evento bem maior – uma exibição pública na sexta-feira, dia 11 de maio de 1979, no Mann’s Bruin Theater, em Westwood. Até aquele momento, Coppola evitava mostrar o filme perto do nervo central da indústria cinematográfica, então a sessão no Bruin Theater, estabelecido a uma curta distância do campus da ucla, acabou se tornando algo como um evento para as pessoas que tinham ouvido todos os rumores, mas sequer haviam visto um trailer do filme. Cinéfilos aos montes apareceram para comprar ingressos, amontoando-se diante da bilheteria às 9h30 – oito horas e meia antes da abertura das bilheterias – e crescendo em número até somar 2.500 pessoas, o que uma reportagem chamaria de “o equivalente cinematográfico para as câmaras de gás”, todas clamando por ingressos para a sessão das 20h. Todos na cidade pareciam recorrer aos seus contatos para conseguir o tão sonhado ingresso. Grandes nomes pediam entradas – uma reportagem revelou que John Travolta queria duas, Dustin Hoffman, quatro, e Gene Hackman, cinco – enquanto os executivos da United Artists, exibidores, roteiristas e outros trabalhadores da indústria, incluindo pessoas de estúdios rivais, brigavam por tickets. Vendo a enorme confusão, Coppola aumentou o número de exibições para três, sendo que a última passaria nas primeiras horas da manhã. Ninguém parecia se importar com isso. Coppola mostrou-se acessível naquela noite, conversando com as pessoas que aguardavam nas longas filas, com alguns jornalistas previamente selecionados, discutindo com os espectadores após as sessões, e dando um chilique ao perceber que boa parte da sala estava reservada para determinadas figuras, deixando os piores lugares para aqueles que haviam esperado por horas para entrar. Os questionários que eram distribuídos convidavam os espectadores “a me ajudar a terminar este filme”, o que levou um observador a sublinhar que estava “perturbado com o fato de Coppola não saber como amarrar o longa, e que ele ainda buscava desesperadamente uma maneira de fazê-lo funcionar”. O filme, exibido em um magnífico 70mm, passou sem a abertura e os créditos finais – uma estratégia que Coppola andava testando nas sessões de 70 mm. Nessas exibições, os espectadores recebiam um programa com os créditos impressos, embora a versão em 35mm mostrasse a abertura e os créditos finais. O filme também era exibido com som quintafônico, o que Coppola e Walter Murch ainda tentavam finalizar em uma versão final mais aceitável. York antes de estrearem na Broadway. Além disso, era ele quem estava se arriscando, não os críticos ou distribuidores. “Dez pessoas na United Artists tiveram um ataque de nervos quando trouxemos o filme para Cannes”, ele sublinhou mais tarde. “Mas, como dizia a nota no banco – que era o meu pescoço –, a ua não podia fazer nada para me parar. Os cineastas que guardaram seus us$ 10 milhões no banco não têm o mesmo direito de deixar seus distribuidores à mercê de uma possível catástrofe”. Ele tampouco parecia particularmente interessado em ganhar a Palma de Ouro. “Eu não tenho medo de perder”, ele contra-argumentou quando sugeriram que ele estaria em melhor situação se Apocalypse Now não estivesse em competição. “Eu não estou interessado no prêmio”. 9. 157 o auge do poder Era impossível não admirar a presunção de Coppola. Ele talvez estivesse sendo verdadeiro quando disse que não tinha medo de perder o prêmio, mas ele não precisava da ajuda de conselheiros, da imprensa ou dos figurões da indústria para lembrá-lo de que havia muito mais em jogo do que um prêmio. Durante todo o Festival, Coppola ostentou um ar confiante, recebendo convidados e repórteres a bordo do Amazone – um iate fretado que ele ocupava a quatro mil dólares por dia – e falando sobre os assuntos que o interessavam. Eram muitos os pedidos de entrevista. Coppola se tornou facilmente o centro das atenções do Festival, algo que saltou aos olhos quando lhe foi oferecido o Palais des Festival para a coletiva de imprensa do filme – uma honra reservada a apenas um outro cineasta durante os anos 70, quando Ingmar Bergman falou de seu clássico, Gritos e Sussurros (Cries and Whispers, 1972). Depois de todo o falatório, a exibição de Apocalypse Now para a imprensa às 10h do sábado de 19 de maio foi uma coisa quase anticlimática. Coppola chegou ao Palais com um humor afiado e deu de cara com uma sala nem um pouco cheia (alguns dizem que as especulações a respeito de uma sala abarrotada de gente teriam afastado as pessoas). Como em todas as outras exibições nos eua, a recepção do filme foi simpática, mas, ainda assim, mista, com os críticos em uníssono sublinhando o final um tanto confuso, e com os executivos preocupados com o apelo comercial do longa. A coletiva de imprensa, em que mais de mil jornalistas estavam presentes, acabou sendo um evento maior do que a própria exibição. Coppola quis fazer daquela ocasião um desabafo de suas frustrações e raiva em relação à feitura e conclusão do filme, mas também tratou da imprensa americana, o estado da crítica de cinema e seus planos para o futuro – tudo isso em uma performance virtuosa em que Coppola interpretou alternadamente um professor exigente, uma vítima ferida, um artista arrogante e um publicitário manipulador. Anos mais tarde, ele par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 156 diferentes finais de Apocalipse Now – chegou mesmo a exibir finais diferentes em algumas sessões – mas ele fez questão de anunciar que o final mostrado no Bruin Theater seria o derradeiro. “A versão que acabaram de ver”, ele disse ao jornalista Dale Pollock depois da primeira exibição em Westwood, “é minha versão. É isso aí. Não há outras versões, apenas coisas que as pessoas gostariam que eu tivesse feito. Mas essa é a minha versão, o meu final, o meu filme”. Com a data de lançamento para agosto se aproximando, Coppola poderia ser perdoado por sua preocupação com os confusos detalhes que eram veiculados sobre o longa, mas sua raiva contra as reportagens e críticas era difícil de ser compreendida. Afinal, ele mesmo havia transformado aquela exibição em um evento, cobrando us$ 7,50 por ingresso (uma soma exorbitante para a época, quase o dobro do preço usual) e comprando anúncios de página inteira sobre as sessões. Ele deveria saber que a imprensa escreveria sobre os méritos do filme – ou então ele estava sendo estranhamente ingênuo. Coppola faz parte de uma indústria em que a palavra de alguém, muitas vezes, está mais para um mero ruído do que para uma promessa, e promessas não valem lá muita coisa. Apocalypse Now era um dos filmes mais aguardados da história recente do cinema, e Coppola ainda esperava realmente que a mídia não falasse sobre ele assim que tivesse a oportunidade de vê-lo? Não mesmo. Coppola se sentia preparado para uma batalha quando, poucos dias depois do evento, entrou no jato particular de Kirk Krekorian, junto com sua esposa e filhos, além de toda uma entourage de quarenta pessoas, e voou para o Festival de Cannes. Lá, ele também se sentiu no centro das controvérsias. Jamais um filme inacabado havia participado da competição do festival. Os executivos da United Artists não estavam nem um pouco felizes de estarem competindo com outros longas americanos como Manhatthan (1979), Norma Rae (1979), Dias no Paraíso (Days of Heaven, 1979), Síndrome da China (The China Syndrome, 1979) e Hair (1979), ou com outras notáveis obras de todas as partes do mundo. Embora um representante da ua tenha tentado acabar com a controvérsia, insistindo que “a ua está em perfeita sintonia com Coppola” em sua decisão de estrear Apocalypse Now em Cannes, um outro atacou ferozmente a tática do cineasta como sendo “insanidade momentânea nascida da arrogância”. Um executivo da concorrente Warner Bros. brincou dizendo que aquela “poderia ser chamada de ideia mais idiota da história do cinema”. Coppola e seu filme, era o que as pessoas achavam, poderiam perder tudo se o longa fosse ignorado ou mal recebido; reações negativas em Cannes poderiam encerrar a carreira de um filme que já alimentava uma dúbia reputação. Coppola, disposto a apostar e preparado para todas as guerras que pudessem aparecer, acenou para a crítica, classificando a exibição em Cannes como “um teste de audiência fora da cidade”, algo que se assemelhava aos testes de peças de teatro que eram realizados fora de Nova 159 o auge do poder cinema parecem ter e comunicar, e ‘autenticidade’, que é algo de uma ordem diferente. Coppola é autêntico nos bons e maus momentos, e está familiarizado com ambos. Este era um dos bons momentos”. Naquela noite, Coppola apresentou outra exibição de seu filme, esta para um grupo de exibidores, e foi muito bem recebido. Apesar de tudo, a estratégia ofensiva de Coppola, mostrando seu filme em Cannes e discursando na coletiva de imprensa, havia funcionado. A imprensa, talvez um tanto solidária em razão de suas transgressões passadas, inundou os jornais e revistas com histórias favoráveis, apontando, dessa forma, Apocalypse Now como favorito na corrida pelo grande prêmio do festival. Fazê-lo, no entanto, não seria nada fácil. A competição foi especialmente dura, e não havia americanos na comissão de jurados. Nos últimos 31 anos, apenas sete longas americanos tinham levado a Palma de Ouro em Cannes. A premiação, anunciada em 24 de maio, honrou americanos em todas as principais categorias. Jack Lemmon, o veterano ator conhecido principalmente por seus papéis cômicos, levou o prêmio de Melhor Ator por sua interpretação de um técnico de usina nuclear em Síndrome da China, e Sally Field levou o de Melhor Atriz pela sua interpretação como uma sindicalista em Norma Rae; Terrence Malick foi pra casa com a estatueta de Melhor Diretor por Dias no Paraíso. A Palma de Ouro de Melhor Filme acabou sendo controversa. Incapaz de chegar à unanimidade necessária para honrar uma única obra, os jurados de Cannes dividiram o prêmio entre Apocalypse Now e O Tambor (Die Blechtrommel, 1979), dirigido pelo alemão Volker Schlondorff, uma adaptação cinematográfica do romance de Gunther Grass, sobre a ascensão e queda do nazismo através dos olhos de um jovem menino. Coppola era então o único cineasta a ganhar a Palma de Ouro duas vezes. Esse status não caía bem com os puristas. Estes notaram que, segundo a tradição, um diretor já premiado deveria se abster de competir novamente, e vaiaram quando o filme foi anunciado – um deles chegou a comentar que o júri deveria ter premiado Coppola com um “prêmio em progresso”. As picuinhas, claro, não afetavam Coppola, que festejou o prêmio como uma indicação dos méritos artísticos de seu conturbado filme e como uma recompensa pela firme postura que havia tomado em relação àqueles que o criticavam. Ele tinha feito suas apostas e se saído vencedor. Naquela noite, Coppola, com sua família e comitiva, se refugiaram em um pequeno restaurante italiano longe do glamour de Cannes. A festa começou em um nível bastante moderado, mas “quando o clima festivo deu as caras, ele o fez de maneira intensa”, lembrou uma testemunha. “Uma garrafa de Chianti voou de um canto do pequeno restaurante para outro, batendo contra uma parede. Alguém soltou um grito de felicidade, um sinal de que as frustrações e incertezas de quatro anos de trabalho tinham acabado. Outra garrafa seguiu a primeira, depois outra, depois os óculos. O piso do restaurante era um mar de vinho e cacos de par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 158 expressaria seu arrependimento por ter deixado sua raiva tomar conta de si mesmo, mas, naquela chuvosa tarde de 1979, ele falaria tudo aquilo que precisava dizer. “Meu filme”, ele disse, “não é um filme. Não é sobre o Vietnã – é o Vietnã. É o que realmente é. É loucura…” A partir daí, ele se concentrou naqueles que considerava seus principais inimigos. “A imprensa americana”, disse ele, “é a profissão mais decadente, antiética, e mentirosa que você pode encontrar. Aprendi isso fazendo esse filme. Não saiu nada realmente verdadeiro em quatro anos – seja sobre o filme, o orçamento ou o que estamos fazendo. Os jornalistas vinham ver um filme inacabado, prometiam que não escreveriam nada sobre ele e então escreviam, sim, sobre ele. Então, eu disse, ‘se não há mais regras, se não há mais ética, me deixem exibir o filme certo em Hollywood, em Cannes, para que todo mundo possa vê-lo e me deixar em paz”. Coppola atacava sem parar. Seu filme, disse ele, havia passado por tantos problemas, que ele e sua equipe estavam enlouquecendo paulatinamente, e que o filme havia passado a se contar a si mesmo. Ele estava criando “o primeiro filme surrealista de us$ 30 milhões” – sobre um dos eventos mais controversos da história americana – e tinha que se contentar com as pessoas falando de orçamentos e criticando a violência do filme. Ele tinha feito o longa com o seu próprio dinheiro; ele tinha assumido todos os riscos. “Por que seria um crime? Por que eu, o primeiro a fazer um longa sobre o Vietnã, um filme sobre moral, sou tão criticado, quando as pessoas têm gastado o mesmo fazendo longas sobre um gorila, fantasias ou sobre um idiota que voa pelos ares?”, perguntou ele, referindo-se aos grandes orçamentos de King Kong (1976), O Mágico Inesquecível (The Wiz, 1978) e Super-Homem (Superman, 1978). Coppola também era igualmente incisivo no que concernia às críticas sobre a excessiva violência de Apocalypse Now. “Apesar de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, eu não gosto de violência. O que eu vejo é apenas uma fração do que ocorreu no Vietnã”. Zombando das pessoas que se ofenderam com o sacrifício do búfalo no final de Apocalypse Now, Coppola comparou a reação a essa cena àquela do cavalo em O Poderoso Chefão. “Americanos”, ele disse, “ficam mais chocados com o assassinato de animais do que com o de pessoas”. A impressa amava tudo aquilo. Como sempre, Coppola era sempre interessante, mesmo que estivesse, muitas vezes, falando mal da imprensa. Steven Bach, o presidente da ua na Costa Leste e na Europa, estava presente na coletiva de imprensa, e, embora estivesse certo de que as tiradas de Coppola contribuíam para as úlceras dos executivos da ua, Bach estava impressionado com a paixão e a autoridade que vinha daquele “ser grande e barbudo com chapéu panamá”. “Coppola não é apenas um grande marqueteiro; ele é um orador genuinamente articulado e contagiante, contou ele. “Lionel Trilling observou certa vez o abismo entre ‘sinceridade’, o que muitas pessoas de a p o c a ly p s e q u a n d o ? 160 Amparado por sua vitória em Cannes, Coppola voltou para São Francisco para uma última rodada com o filme. Ganhar a Palma de Ouro lhe dera uma enorme confiança, mas o prêmio também o obrigava moralmente a honrar a data de lançamento do filme para agosto daquele ano. Enquanto isso, ele e a ua capitalizavam os benefícios que o prêmio podia trazer. Vencedores de Cannes raramente se saem bem nas bilheterias dos eua e Coppola sabia muito bem disso, vide A Conversação. Mas, no caso de Apocalypse Now, que os céticos já duvidavam se realmente viria à tona, muito menos se seria um filme de grande mérito, a Palma de Ouro imprimia uma certa credibilidade à obra. O prêmio inflou a confiança de Coppola, não apenas no que concernia à sua competência para terminar o filme, mas também no que dizia respeito aos seus instintos mercadológicos. Não fazia muito tempo, Coppola havia redigido aquele infame memorando em que anunciava uma perspectiva mais modesta para o seu estúdio. Agora, contudo, após o sucesso em Cannes, ele considerava a possibilidade de comprar a Hollywood General Studios e ressuscitar alguns dos antigos sonhos da Zoetrope. Durante o verão, as diversas publicidades sobre o filme, bem como o trabalho de jornais e revistas, seguiam Coppola, o que o levou a pensar em comprar a própria United Artists ou a mgm, por mais absurdo que isso pudesse parecer, ou talvez estabelecer uma escola alternativa para crianças, onde os alunos estudariam computação e tecnologia digital. No final daquele verão, Coppola conversou com a Orion Pictures sobre a criação de um acordo de distribuição não exclusiva por seis filmes. Era o Coppola dos velhos tempos em ação. Ele havia colocado tudo o que possuía em jogo em nome de um filme que ainda nem existia, mas já estava de olho em novos projetos e aquisições. “Ele está em um modus operandi maníaco”, uma fonte não identificada disse a um repórter do New West, “e eu acho que ele está tentando dizer que Apocalypse não é nada se comparado ao que ele está prestes a fazer”. Não surpreendentemente, Coppola não falaria sobre seus planos. Coppola, que se ressentia de ter os detalhes de sua vida e práticas de negócios “espalhados como uma folha de manteiga”, levou um susto indesejável quando, uma semana antes do lançamento de Apocalypse Now, sua esposa publicou Notes, seu diário sobre o making of do filme. O diário, originalmente concebido como um caderno de notas para um documentário, começou como uma coleção de observações sobre o processo de produção do filme, mas, com o passar dos meses, como o casamento dos Coppola começou a sofrer com a tensão provocada pelas dificuldades 161 11. Enquanto Coppola, Walter Murch, Richard Marks e a equipe de montagem trabalhavam para finalizar Apocalypse Now, o cineasta e a United Artists planejavam e discutiam sobre a melhor maneira de promover o filme. Nada estava fora de cogitação. O nome de Coppola, a história turbulenta do longa, a aparente antecipação por parte do público e a vitória em Cannes – tudo isso poderia ser útil no projeto de marketing da obra, embora nada disso garantisse sucesso na bilheteria. Os filmes de verão, como Rocky ii (1979), Alien (1979), 007 – Contra o Foguete da Morte (Moonraker, 1979) e Horror em Amityville (Amityville Horror, 1979), somavam receitas consideráveis, apesar do mercado de exibição registrar uma queda de 6 a 10 % em relação ao verão anterior, com alguns estúdios, como o auge do poder 10. com o longa e com os casos extraconjugais de Francis, as notas tomaram uma dimensão muito mais pessoal. Ou, como um crítico observou: “o livro se tornou um relatório altamente pessoal sobre as dificuldades de ser a Sra. Francis Coppola”. Coppola, claro, estava descontente com a perspectiva de ver alguns dos aspectos mais delicados de sua vida pessoal em domínio público, mas, ao ouvir Ellie ler algumas passagens do diário para ele, o cineasta sentiu que aquilo poderia ser educativo para os interessados em compreender as dificuldades de se fazer um filme. Isso era verdade, embora Coppola, sem dúvida, soubesse que os dados sobre sua infidelidade se tornariam um dos apelos do livro. Ele poderia ter vetado a publicação do livro, mas não seria bom para ele fazê-lo. Restava apenas ver o livro entrar em circulação, e, em seguida, sofrer com os possíveis constrangimentos, e viver sob o velho axioma de que qualquer publicidade é publicidade – um ponto que um crítico do livro ressaltou quando observou: “[Notes] me fez querer ver seu filme”. Notes, como o documentário Francis Ford Coppola – O Apocalipse de Um Cineasta (Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse, 1991), se tornaria uma peça complementar de Apocalypse Now, exatamente pelas razões que o próprio Coppola descreveu quando ouviu passagens do diário. Os espectadores raramente tinham a oportunidade de saber como um filme em geral é realizado – filmado de maneira não cronológica, repleto de contratempos e falsos começos, e limitado por uma série de problemas logísticos. Notes oferecia um passeio pelos bastidores da criação daquela controversa obra-prima, além de um retrato sobre seu humano, demasiadamente humano, cineasta. Coppola talvez estivesse magoado com alguns detalhes do livro, mas aquela era uma espécie de comprovação da força de um casamento que soube sobreviver ao seu pior momento, como também do caráter de um cineasta, que em geral era descrito pela imprensa como irresponsável e arrogante, arriscando tudo para realizar seu sonho em situações que teriam levado outros a desistir. par te ii vidro, um mar vermelho, e chegou-se a pensar que Francis iria embora. Ele não o fez; ingressou na celebração enquanto vidros eram jogados para todos os lados”. “Há aqueles que querem algo agradável, algo quente para terminar o filme”, disse ele enquanto festejava em Cannes, depois de mostrar um final em que Willard, depois de matar Kurtz, aparecia nos degraus do templo, indeciso sobre qual direção tomar. Os executivos da ua e os distribuidores estrangeiros imploraram a Coppola que mudasse o final para algo mais aceitável para o público, talvez Willard pudesse chamar por um ataque aéreo para destruir a aldeia de Kurtz. Coppola, contudo, resistiu. “Eu tenho este final também”, ele admitiu em Cannes. “Mas isso é uma mentira. Talvez durante o próximo mês eu decida terminar o filme com uma mentira, mas acredito que não. O Vietnã e os Estados Unidos já têm todas as mentiras de que precisam”. As observações de Coppola se assemelhavam a uma fala de Kurtz, no final do filme, quando o coronel, convidando Willard para encerrar sua missão matando-o, implora a seu assassino que encontre seu filho nos eua e conte a ele tudo o que tinha testemunhado no Vietnã. Ele deve dizer toda a verdade, Kurtz insiste, “porque não há nada mais detestável que o cheiro de mentiras.” O fim que Coppola legou a Apocalypse Now acabou sendo uma concessão, produto do mais infeliz dos casamentos artísticos, mas de alguma forma ele parecia ser tão verdadeiro quanto a ambiguidade da própria guerra. 163 Na abertura de Apocalypse Now, vemos helicópteros se movendo languidamente pelo quadro, suas hastes balançando em slow motion, acompanhados pela música fantasmagórica do The Doors, The End. E assim que o verde exuberante das árvores explode em laranja, dizimadas por um ataque de napalm, compreendemos que este filme que acaba de começar, como a própria guerra do Vietnã, é realidade infernal conjugada com uma viagem de ácido que deu errado. Somos transportados para um lugar em que se pode morrer guerreando ou nos confins obscuros de nossas mentes, onde tudo que você acredita e tem como sagrado será ridicularizado pela morte que sorri e despe toda a civilização ao primordial. Em um quarto de hotel de Saigon, o Capitão Benjamin Willard aguarda por uma nova atribuição. Ele parece estar se movendo em câmera lenta, preso pelas paredes do hotel, bebendo e fumando o seu tédio, atravessando espasmos físicos e mentais. O seu passado inclui um casamento fracassado, um par de excursões no Vietnã e operações não especificadas para a cia, para a qual ele realizava tarefas indizíveis, incluindo assassinatos. Ele é um homem no limite, não inteiramente em paz com quem ele é, como podemos ver quando, embriagado, ataca e quebra um espelho com um inesperado golpe de caratê, cortando a mão e soltando um grito de agonia. Ele acaba sendo convocado para a sede de um general e recebe sua missão: ele e um pequeno grupo deverão seguir com um barco de patrulha rio acima até chegar ao Camboja, onde encontrarão o coronel Walter E. Kurtz, o auge do poder 12. par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 162 a Columbia e a Universal, anotando pífios resultados. As sequências de O Destino de Poseidon (The Poseidon Adventure, 1972), Aeroporto (Airport, 1970) e Butch Cassidy e Sundance Kid (1969), todas estrelando elencos recheados e tentando ganhar em cima do sucesso de seus respectivos antecessores, se tornaram grandes fracassos, assim como o E a Festa Acabou (More American Graffiti, 1979), de B.W.L. Norton, que reunia grande parte do elenco original e contava com o sucesso do primeiro longa e também da reputação de George Lucas pós Guerra nas Estrelas. Até mesmo o tom dos lançamentos de verão parecia ir contra Apocalypse Now. “Sucessos e fracassos à parte, esta temporada é marcada por entretenimentos leves”, disse Aljean Harmetz em um longo e analítico artigo no New York Times. Gene Siskel, por sua vez, questionou o apelo de Apocalypse Now no Chicago Tribune. “A impressão”, disse ele, “é a de que o público não está interessado em outro filme sobre o Vietnã”. Coppola discordava. Apocalypse Now deveria ser promovido como um evento cinematográfico, com ingressos a dez dólares, assentos reservados e programas bonitos a serem distribuídos. Ele tinha patrocinado uma exibição do épico de sete horas de Hans-Jürgen Syberberg, Hitler, Um Filme da Alemanha (Hitler, Ein Film aus Deutschland, 1977), em São Francisco, em que cerca de duas mil pessoas se amontoavam para pagar dez dólares cada para ver o controverso longa. O sucesso desta sessão, assim como o clamor por ingressos que marcou o teste de audiência em Los Angeles, convenceu Coppola a seguir um caminho parecido no lançamento nacional de Apocalypse Now. Filmes clássicos, ele insistia, podiam ser promovidos como eventos. Nem todos estavam tão certos disso. Joseph Farrrel e seu National Research Group haviam sido convocados para ajudar no lançamento de Apocalypse Now, e, nas discussões com Coppola e a ua, chegou a contestar o cineasta afirmando que ele estava arriscando perder um grande público caso apostasse em um evento de preços mais caros, e, com um recorde de us$ 9 milhões investidos em propaganda e divulgação, a ua tendia a concordar com ele. Era muito arriscado. As partes, contudo, chegaram a um acordo: após a première em Nova York, Apocalypse Now entraria em cartaz em Nova York, Los Angeles e Toronto, doze semanas antes do lançamento nacional, como um evento de lugares marcados, sem créditos e num majestoso 70 mm. O marketing do filme seria subjulgado à figura de Marlon Brando, sem nenhuma menção à Palma de Ouro ou a críticas favoráveis. Embora não inteiramente satisfeito com a estratégia, Coppola sabia que era, às vezes, preciso abrir mão de algumas coisas em negociações como aquela. Nas últimas semanas, ele já tinha feito algumas concessões no filme em si, abandonando o intervalo inicialmente planejado e, apesar de suas proclamações anteriores em que atestava que o desfecho visto em Cannes era o final, alterando o fim do longa para algo menos deprimente e incerto. 1 O United Service Organizations Inc. (uso) era uma organização sem fins lucrativos que promovia programações culturais e de entretenimento para as tropas americanas em guerra. [N.T.] 2 O Altamont Speedway Free Festival foi planejado em 1969 como uma resposta californiana a Woodstock. Nele, se apresentaram bandas como Santana, Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers, Crosby, Stills, Nash & Young, e Rolling Stones. No entanto, tudo deu errado quando, após uma série de confusões, uma pessoa foi assassinada durante o show dos Rolling Stones. [N.T.] 165 o auge do poder pede um ataque de napalm. A selva irrompe em chamas, levando Kilgore a dizer a fala mais famosa do filme: “Eu amo o cheiro de napalm pela manhã. Cheira a… vitória”. Ele ordena que seus homens lutem ou surfem, e, em pouco tempo, jovens soldados estão pegando ondas enquanto bombas caem e explodem na água em torno deles. Willard e sua equipe começam sua jornada rio acima. Chef convence Willard a parar o barco para pegar algumas mangas na selva, o que viola o código de sobrevivência que comanda os soldados a nunca deixarem a segurança do seu transporte. Na selva, Chef fala sobre sua vida nos eua, enquanto ele e Willard fazem o seu caminho através da vegetação, escalando enormes raízes de árvores pré-históricas e se deparando com plantas mais altas do que humanos. Willard ouve um barulho e, com a arma na mão, procura a fonte do som. Um tigre de repente salta para fora da selva e Willard e Chef, assustados como nunca, abrem fogo sobre o animal, a selva e qualquer coisa que pudesse estar escondida ali. O grupo visita um depósito ilegal de suprimentos, onde um show da uso¹ encabeçado por um grupo de coelhinhas da Playboy, está programado para se apresentar para as tropas. O show, uma grande fantasia no mundo machista de morte e destruição, representa ironicamente o último sinal de civilização que Willard e sua tripulação vão ver, e reflete estranhamente o caos de Altamont², em que música e entretenimento festivo foram destruídos pela adrenalina que tomava conta dos presentes: soldados frustrados, privados de sexo, avançam na direção das sugestivas Bunnies que acabam correndo pela própria segurança – com a fuga delas por helicóptero sendo emoldurada por enormes silos de mísseis fálicos emergindo das arquibancadas. Na medida em que o barco avança rio acima, o ambiente se torna cada vez mais estranho e hostil: corpos mutilados sujam as árvores e o rio; a carcaça de um helicóptero apodrece em uma árvore, estranhamente pousado como um inseto gigante abatido à meia altura. O inimigo está por todos os lados – embora nunca seja visto. Lance, dando sinais de que está enlouquecendo, pinta seu rosto com camuflagem verde, enquanto Willard, totalmente obcecado por Kurtz – seu inimigo íntimo e secreto – , se debruça sobre o dossiê que lhe foi dado no quartel general. O grupo esbarra com um pequeno barco chinês e, embora Willard preferisse deixar a embarcação seguir sem nenhuma intervenção, Chief Phillips insiste em seguir o protocolo e realizar uma inspeção. Uma família de vietnamitas aterrorizados aguarda enquanto Hicks, nervoso por estar inspecionando o barco, esquadrinha o carregamento de vegetais. No meio dessa tensa cena, uma mulher corre na direção de um cesto e, em uma questão de segundos, a nervosa tripulação de Willard abre fogo matando todos que estão à bordo, menos a mulher, que está mortalmente ferida, mas ainda viva. Phillips quer levá-la a algum lugar próximo para ajudá-la, mas Willard acaba com a discussão atirando na cabeça da mulher. Hicks, traumatizado pelos acontecimentos, olha dentro do cesto para o par te ii a p o c a ly p s e q u a n d o ? 164 um dos melhores oficiais da história militar dos eua que agora vive como um renegado na selva, governando uma estranha espécie de tribo nas montanhas. A missão de Willard é assassinar Kurtz e seu comando “com extremo preconceito.” A tripulação de Willard é bem representativa do tipo de soldados que eram convocados para guerrear no Vietnã. “Chef ” Hicks (interpretado por Frederic Forrest) é um garoto de Louisiana, um cozinheiro que só pensa em sair inteiro do Vietnã para voltar para as cozinhas de Nova Orleans. Lance Johnson (Sam Bottoms) é um famoso surfista, não muito brilhante ou ambicioso para ingressar na faculdade da Califórnia, o que poderia tê-lo tirado da guerra. “Clean” (Laurence Fishburne) é um menino de dezessete anos de idade, que, como muitos negros durante o Vietnã, acabou servindo na guerra por não ter outra alternativa. Chefe Phillips (Albert Hall), o piloto do barco de patrulha, controla a tripulação de maneira tranquila, porém com autoridade. Willard precisa de alguém para transportar o barco de patrulha do oceano para o rio, e ele encontra assistência no tenente-coronel Bill Kilgore, um personagem que teria se sentido em casa em comédias negras de guerra como Ardil 22 (Catch-22, 1970) ou M.A.S.H. (1970). Kilgore é um homem que entende a guerra como aventura e, em certo sentido, estabelece sua identidade (e lenda), enquanto se move de batalha em batalha, arrogante de tão confiante a cada novo risco assumido, regalando suas tropas com histórias de conquista ao pé da lareira, esnobando o perigo como um mero aborrecimento. Incrivelmente tranquilo mesmo sob fogo, ele parece indiferente quando os reservatórios explodem apenas alguns passos de onde ele está ou quando um clarão iluminado cobre de nuvens o seu helicóptero durante um ataque aéreo. Kilgore também é um surfista fanático e está absolutamente encantado por conhecer Lance Johnson, que ele espera poder ver em ação. O Vietnã não é lá um lugar de boas ondas para o surf, mas Kilgore fica sabendo de uma praia, ocupada e fortemente vigiada pelo inimigo, em que talvez seja possível praticar o esporte. É justamente lá, ele informa a Willard, que Kilgore colocará o barco de patrulha. Ao amanhecer, Kilgore lidera um ataque aéreo na aldeia costeira. Enquanto helicópteros cruzam o oceano e se reúnem em formação de batalha, Kilgore ordena que seu piloto toque A Cavalgada das Valquírias de Wagner no volume mais alto possível. A música, ele diz a Willard, assusta o inimigo. Os helicópteros atravessam a vila, derrubando tudo que vem pela frente, sofrendo baixas com a resposta dos vietcongues e, em um caso, uma jovem joga uma granada em um helicóptero já pousado. Uma vez em terra, Kilgore caminha em meio à carnificina enquanto a batalha continua, jogando cartas de baralho em cima dos cadáveres do inimigo em uma espécie de mensagem desagradável para os vietcongues. Willard, horrorizado, só consegue assistir àquilo. Depois de um tempo, quando se torna claro que ele não vai garantir a praia sem ajuda de fora, Kilgore Willard é libertado, mas está muito fraco para cumprir sua missão; ao invés disso, ele fica no templo, se recuperando lentamente, enquanto Kurtz divaga, lendo em voz alta (No Coração das Trevas e A Terra Desolada, entre outros) e discursando hesitante sobre sua vida e filosofia. Como um membro das Forças Especiais, ele conta a Willard que testemunhou um acontecimento que o mudou para sempre. Os americanos tinham invadido uma vila e inoculado todas as crianças com catapora e outras doenças; assim que eles foram embora, os vietcongues chegaram e cortaram os braços das crianças; o que para Kurtz era prova de que o julgamento moral não fazia sentido em uma guerra, quando o horror é um inimigo mortal efetivo que é preciso aprender a adotar. “Se eu tivesse dez divisões de homens como esses”, conclui Kurtz, “nossos problemas aqui se encerrariam rapidamente”. Kurtz, no entanto, reconhece o inevitável, e não tenta manter Willard preso no complexo. Willard, por sua vez, ainda permanece indeciso quanto ao que fazer. Ele despreza Kurtz e o que sua vida se tornou, embora exista algo na figura do coronel que o atrai de maneira terrível, assim como há algo horrivelmente atraente na guerra. De volta ao barco de patrulha, Willard ignora uma comunicação radiofônica que, aparentemente (apesar de isso não ser explícito), pedia para confirmar o ataque aéreo que Hicks tinha pedido. Willard toma sua decisão à noite, quando as tribos estão realizando o abate ritualístico de um búfalo. Deslizando despercebidamente no templo, com o rosto camuflado – que passou a simbolizar a loucura da guerra e da máscara que é preciso ter para sobreviver a ela – , Willard mata Kurtz precisamente no mesmo momento em que o búfalo é sacrificado, sendo que suas facadas ecoam os golpes de facão utilizados no animal fora do templo. Kurtz, sangrando e morrendo, murmura as palavras finais de No Coração das Trevas: “O horror… o horror.” Com a missão cumprida, Willard permanece no interior do templo, onde folheia um dos manuscritos autobiográficos de Kurtz antes de sair. A tribo, vendo o facão sangrento de Willard e dando-se conta do que ocorreu dentro do templo, ajoelha-se em uníssono para seu novo líder. Willard para momentaneamente, como se considerasse a ideia de substituir Kurtz, mas logo rejeita a noção e deixa cair o facão nos degraus do templo. Willard encontra Lance e juntos eles retornam ao barco de patrulha. O momento final do filme justapõe a face de Willard e a cabeça da Morte, com as últimas palavras de Kurtz sussurradas na voz off. Seja qual for a decisão de Willard, qualquer que seja a lição que tenha aprendido, ele nunca mudará o fato de que a guerra é um horror antigo, tão inevitável quanto o próprio tempo que passa. O fade final não pôs fim à controvérsia sobre o desfecho de Apocalypse Now. Na cópia em 35 mm lançada nacionalmente, Coppola mostra o complexo de Kurtz sendo destruído por um ataque aéreo enquanto os créditos sobem no quadro, enquanto no formato 70 mm, a tela fica preta e não há créditos finais. 167 o auge do poder a p o c a ly p s e q u a n d o ? 166 qual a mulher havia corrido e encontra não o esperado arsenal, mas um filhote de cachorro. O grupo, em choque, adota o cachorro e segue viagem. (Era neste momento que Coppola queria um intervalo. No início do segundo ato do filme, a tela permaneceria em preto, com a voz de Willard preenchendo o cinema. Na versão em videotape do longa, a tela vai ficando preta no final da sequência do barco chinês, permanecendo em silêncio e preta por quinze segundos antes da ação ser retomada.) O grupo chega à Do Long Bridge na fronteira com o Camboja, uma terra de ninguém, tecnicamente ocupada por americanos e sul-vietnamitas, mas constantemente sob ataque da nva, que destrói a ponte e espanta as tropas durante a noite. Não há vencedores ou perdedores por aqui – nenhum líder ou moral da tropa – , apenas sobreviventes. Willard coleta novas instruções e um punhado de cartas antes de voar daquele pesadelo. Tudo o que nos resta, ele diz, é Kurtz. Agora em território inimigo, Willard e sua tripulação se encontram sob ataque, primeiro por tropas vietnamitas escondidas nas margens do rio, depois por soldados de Kurtz, que estão armados com flechas e lanças. Neste momento, a história desvia para algo surreal, com Coppola se utilizando de uma fumaça colorida que emana das chamas e de um espesso nevoeiro encobrindo o barco em uma névoa. As sequências de batalha, no entanto, produzem resultados bem reais e sóbrios: Clean é abatido no conflito com os vietcongues e, pouco depois, Chefe Phillips é alvo de uma das lanças do inimigo. Os únicos que ainda acompanham Willard no restante da missão são Chef Hicks, completamente traumatizado pelos acontecimentos recentes, e Lance, que perdeu sua sanidade. Willard encontra finalmente o quartel general de Kurtz, onde seu barco é saudado pelos Montagnard³ e também por um enlouquecido fotojornalista americano, que fala sem parar sobre a grandeza de Kurtz. Com sua exposição aleatória de cabeças e corpos em decomposição, o complexo poderia muito bem ter sido “decorado” por Vlad, o Empalador, que costumava espetar cabeças e corpos para amedrontar seus inimigos, mas Willard suspeita, quando finalmente conhece o coronel Kurtz, que não há nenhum método na loucura de Kurtz. Ele é feito prisioneiro pela guarda de Kurtz, mas não sem antes ordenar que Chef fique no barco e peça um ataque aéreo caso ele não volte em um determinado período de tempo. Kurtz, prejudicado pela malária, parece em um meio-termo entre Buda e Jim Jones, e embora pareça resignado em relação à missão de Willard, ele zomba inicialmente de Willard e seus superiores. Sempre à espreita na escuridão de seu templo, Kurtz emerge em apenas alguns momentos de luz, com sua enorme careca e rosto oculto na sombra. “Você é um menino errante”, ele diz caçoando de Willard, “enviado pelo balconista da mercearia para cobrar uma conta”. Preso em uma jaula de bambu, Willard resiste aos quatro elementos e aos delírios do fotojornalista, até que Kurtz aparece, com a face camuflada, e silenciosamente joga a cabeça cortada de Chef Hicks em seu colo. par te ii 3 Montagnard era um destacamento militar de montanha que fazia parte do exército sul-vietnamita, aliado aos americanos. [N.T.] 13. a p o c a ly p s e q u a n d o ? 168 Apocalypse Now estreou com estardalhaço midiático em 15 de agosto de 1979 no Cinema Ziegfeld em Nova York, e nas semanas seguintes, multidões lotaram o Ziegfeld, o Cinerama Dome de Hollywood e o Cinema da Universidade de Toronto, fazendo da aposta de prazo limitado de Coppola um sucesso inadequado. Somente na primeira semana em Nova York, onde os ingressos eram vendidos a us$ 5, acima da média nacional, somava-se um lucro de us$ 311.000 – uma soma impressionante para uma única sala. Os números que vinham da bilheteria eram tão surpreendentes que a United Artists anunciou, antes mesmo do lançamento nacional do filme, que a empresa já havia recuperado todo o seu investimento. Os críticos foram quase unânimes em suas avaliações do filme, louvando os primeiros dois terços dele e condenando sua parte final. Todos pareciam concordar que a ambição do filme era maior que seu alcance, especialmente quando Coppola amarrava seu longa a No Coração das Trevas. Houve algumas críticas destruidoras (“emocionalmente obtuso e intelectualmente vazio”) e outras incrivelmente elogiosas (“um filme deslumbrante e inesquecível”); os comentários eram geralmente um tanto dúbios, embora respeitosos. “Por dois terços do caminho”, escreveu o historiador Arthur Schlesinger Jr. para o The Saturday Review, “Apocalypse Now é realmente um filme extraordinário. Como a própria Guerra do Vietnã, ele fica fora de controle no final”. A crítica do New York Times assinada por Vincent Canby também rejeitava a parte final do filme, que Canby descrevia como ineficaz e anticlimática. “Eu suponho que a intenção do Sr. Coppola era criar no final uma sensação de desconexão da realidade do capitão Willard”, escreveu Canby, “mas o que temos é uma desconexão com o resto do filme. Quando chegamos ao coração das trevas, nós não encontramos a personificação do mal, da civilização viciada, mas um ator excêntrico a quem deram falas impensáveis, porém, infelizmente, indizíveis”. As observações de Canby representavam uma espécie de consenso, não só no que concerne ao final do filme, mas também no que diz respeito aos sentimentos contraditórios que os críticos tinham com relação ao filme em geral. Canby, que se debruçou sobre o filme o suficiente para publicar duas análises em um período de quatro dias, ficou entusiasmado com os episódios do início do longa. “Em dezenas de cenas, Apocalypse Now, de Francis Coppola, faz jus ao seu grande título, divulgando não só as várias faces da guerra, mas também as contradições entre a emoção e o tédio, o terror e a piedade, a brutalidade e a beleza. As suas epifanias dariam crédito a Federico Fellini, que é indiretamente citado em um determinado momento”. Críticos faziam fila para menosprezar o papel e a performance de Brando – “uma versão literária e superficial do arqui-vilão de O Super-Homem ou dos roteiros de James Bond”, ressaltou Stanley Kauffmann no The New Republic – um certo número de críticas sublinhava a improvisação de Brando no templo como umas das razões de toda a confusão que marcava o final do filme. “Obeso e fotografado nas sombras, o personagem de Brando emerge como uma espécie de palhaço burlesco”, escreveu Gene Siskel no Chicago Tribune. “O que ele diz é praticamente inaudível, o que conseguimos ouvir não faz nenhum sentido. É uma enorme decepção depois de passarmos duas horas viajando pelo rio para encontrá-lo”. De modo inverso, Robert Duvall recebeu os maiores elogios, mesmo daqueles que achavam as outras partes do filme insatisfatórias. “O filme chega ao seu clímax muito cedo, seja pictoricamente, seja metaforicamente, quando Willard e sua tripulação precisam de ajuda para levar o barco de patrulha para o rio e encontram o tenente-coronel Kilgore, um entusiasmante e bruto oficial interpretado por Robert Duvall”, disse Gary Arnold no Washington Post, que deu a Apocalypse Now uma de suas críticas mais severas. A cena do ataque aéreo, insistia Arnold, “era uma coisa visualmente instigante que resume todas as questões que um cineasta poderia fazer a respeito das arbitrariedades e da violência americana no Vietnã”. David Denby, da New York Magazine, concordava. “Kilgore é uma caricatura expansiva e intensa da proeza militar, ainda assim, quando o vemos em ação, voando ao seu lado enquanto helicópteros pulverizam uma vila, nós podemos experimentar pela primeira vez a fantasia insana e elétrica que levam os homens à guerra… Dramatizar como a guerra pode ser insana, contagiante e atraente, embora totalmente alienante e autodestrutiva, é o grande feito de Coppola”. Enquanto quase todos os críticos elogiavam os mesmos aspectos do filme de Coppola, os veteranos do Vietnã também ofereciam suas próprias opiniões a respeito da credibilidade do longa em uma série de artigos publicados logo após a estreia de Apocalypse Now. Como era de se esperar, alguns veteranos chamavam a atenção para a tendência hollywoodiana de caracterizar os soldados (e veteranos) como “sinistros, explosivos, exaustos espiritualmente, atormentados, com cérebros que mais pareciam chantilly”. “A guerra podia ser moral ou imoral, não importa”, sublinhou Robert Santos, um líder de infantaria durante a guerra. “Os filmes não deveriam nos mostrar como instáveis”. A maioria das pessoas com quem ele serviu, 169 o auge do poder Quando o filme foi lançado, Coppola afirmou que havia uma explicação prática para os dois finais. Nas salas que mostram a versão em 70 mm, os espectadores receberam um programa com os créditos, o que não era viável para a versão de 35mm mais amplamente distribuída. “Nós tivemos que colocar os créditos”, Coppola explicou, “e tivemos a chance de colocá-los em preto no fim ou sob alguma imagem, eu tinha toneladas de um belíssimo infravermelho e decidi usá-lo”. Essa imagem, Coppola continuou, não tinha a intenção de mudar o final do filme, porque, de acordo com o diretor, “são só os créditos”⁴. par te ii 4 Coppola aparentemente repensou sua posição quanto a isso porque na versão em videotape de Apocalypse Now, o filme ficava preto e os créditos finais subiam em branco sob preto sem nenhuma imagem. a p o c a ly p s e q u a n d o ? 170 insistia Santos, estavam emocionalmente traumatizadas por terem matado outras pessoas, mas Hollywood teima em nos descrever como lunáticos. “Cineastas não sabem o suficiente sobre a guerra e parecem não ter nenhum interesse em aprender. Eles são motivados por ego e dinheiro – será possível vender essa história, as pessoas vão pagar para assisti-la?” Al Santoli, um sargento de infantaria no Vietnã, julgou Apocalypse Now como “uma espécie de desenho animado. É um tipo de fantasia à base de cocaína. É uma coisa obsessiva, recheada de explosões e sangue. Os personagens são estéreis. Não há nenhuma interação humana”. O problema, diziam os veteranos e os escritores que analisaram os filmes sobre o Vietnã, era a maneira como Hollywood moldava a percepção do público em relação ao conflito. Filmes sobre a Segunda Guerra Mundial – a “guerra boa”, como foi muitas vezes chamada, tendiam a retratar a guerra como um mal necessário, e seus guerreiros como heróis; ninguém queria tomar responsabilidade pela impopular guerra no Sudeste da Ásia, e então os cineastas se serviam de soldados que refletissem o sentimento de culpa, ansiedade, raiva e vergonha do público. Deus nos livre de um soldado voluntário que acredite na causa, queira servir seu país e complete sua viagem voltando para casa relativamente estável. As críticas a Apocalypse Now eram um tanto rasteiras. Coppola queria fazer um longa que desdenhasse da fórmula habitual dos filmes de guerra, algo que se atrevia a surpreender os telespectadores, oferecendo a eles uma coisa diferente do que esperavam, e estava sendo atacado justamente por seus esforços. Ele estava animado com o sucesso do filme nas bilheterias, mas, como admitiu ao entrevistador Greil Marcus, a resposta do público ao filme, assim como a dos críticos, foi absolutamente ambígua. “Metade achava que se tratava de uma obra-prima”, declarou ele, “e a outra metade pensava que aquilo era um pedaço de merda”. As primeiras respostas ao filme, é preciso ressaltar, eram tão viscerais quanto intelectuais. Era impossível ficar neutro sobre o tema do Vietnã, e em 1979, a guerra ainda estava tão fresca na mente dos americanos que os críticos e o público despejavam um monte de bagagem emocional na visualização do filme. Com o tempo, Apocalypse Now seria considerado como um dos melhores filmes já feitos sobre a guerra e, sem dúvida, uma das maiores conquistas de Coppola, mas, por enquanto, no período imediato ao lançamento, o cineasta estava exausto e talvez um pouco amargurado. “Às vezes eu penso, por que não posso apenas fazer o meu vinho, fazer um filme a cada dois anos e viajar para a Europa com minha esposa e filhos”, considerou ele. “Eu vivia alternando extremos incríveis, apostando toda a minha vida pessoal para fazer um filme. Eu sempre vou dormir com um suor frio – será que esse ator vai fazer o filme? Como vou encenar aquela sequência? Será que vão gostar dela? Sei que esses dilemas vivem em nosso interior; sei que estou perdendo alguns anos de vida”. parte iii — larry turman, produtor de A Primeira Noite de Um Homem¹ É muito fácil hoje olhar para 1980 e perceber o quão fora de hora, azarado e talvez tolo foi Francis Coppola ao penhorar a compra do Hollywood General com faturamentos de filmes futuros e ao desafiar o crescentemente complexo establishment dos estúdios de cinema. Mas exatamente o que ele viu, o que ele deveria ter visto e o que ele deveria ter sabido na época são questões de difícil apreciação. Já em 1968, quatro anos antes de O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) fazer dele o diretor mais conhecido dos eua, Coppola previu que sua geração de “autores” provindos de escolas de cinema iria algum dia efetuar mudanças significativas no mundo do cinema. Sua visão de uma indústria dominada por autores poderosos e inovadores – um sonho sem dúvidas compartilhado por muitos dos diretores da primeira geração a ir para escolas de cinema – foi desde o princípio baseada na ingênua noção de que, se um diretor realizasse uma série de filmes populares, então ele poderia de algum modo conseguir maior acesso direto a financiamentos. É incerto o quão populares estes filmes precisariam ser: nenhum cineasta jamais ganhara dinheiro o bastante para financiar os próprios filmes sem a assistência de terceiros (uma empresa de produção e/ou um grande estúdio) para arcar com os riscos que mesmo a produção e a distribuição mais rotineiras comportam. O plano de Coppola de renovar o Zoetrope Studios, lançar uma série de filmes e finalmente desenvolver tecnologias futuristas de distribuição e exibição, para isso valendo-se de empréstimos bancários assegurados pelo faturamento futuro de seus próprios filmes, podia no mínimo ser considerado um ato de autoconfiança extraordinário, porque de fato desafiava os parâmetros de financiamento cinematográfico em Hollywood. A previsão que Coppola fizera em 1968 de que não haveria mais “uma Hollywood como conhecemos quando sua geração de estudantes de cinema deixar a faculdade” provou estar parcialmente correta². A indústria mudou, embora certamente não da maneira que Coppola um dia esperara que fosse mudar – e ele, assim como seus companheiros autores George Lucas e Steven Spielberg, tem culpa parcial nisso. O estupendo sucesso de bilheteria de filmes autorais caros como O Poderoso Chefão, Tubarão (Jaws, 1975) e Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977) – o próprio tipo de filme que Coppola um dia pensara que iria fomentar uma nova jon lewis Publicado originalmente sob o título “The New Hollywood” em lewis, Jon. Whom God Wishes To Destroy… Francis Ford Coppola and The New Hollywood. Durham e Londres: Duke University Press, 1995. p. 21–40. Tradução de André Duchiade. Texto traduzido e publicado sob cortesia da Duke University Press, 2015. 1 bales, Kate. “A coupla producers sittin’ around talkin’,” em American Film, maio de 1987. p. 50. 2 pye, Michael, myles, Lynda. The Movie Brats. Nova York: Holt, 1979. p. 81. 175 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão “Dois caras em um bar… Um vira pro outro e diz: ‘Acabo de receber o resultado do meu teste de qi – 194’. O outro responde: ‘O meu é 189. Vamos falar sobre a Teoria da Relatividade de Einstein’. Outra pessoa no bar diz: ‘Estão realizando testes de qi ali. Meu resultado foi 123’. O amigo desta pessoa responde: ‘O meu é tão parecido: 121. Você viu algum dos desenhos de arquitetura recentes de Richard Berger?’. Bem no fundo do bar, um cara diz: ‘Recebi meu resultado de qi – 73’. Outro sujeito responde: ‘O meu é 74 – você leu algum bom roteiro recentemente?’” par te iii A NOVA HOLLY WOOD 5 monaco, James. American film now: the people, the power, the money, the movies. New York: Oxford University Press, 1979. p. 36–37. 176 A M U LT I N A C I O N A L I Z A Ç Ã O D E H O L LY W O O D “Como os filmes são realizados? (…) Não há resposta racional (…). Você percebe o tanto de gente no ramo do cinema que nem sequer assiste a filmes?” a n o va h o l ly w o o d — david picker, antigo presidente da United Artists.³ Em 1979, uma força-tarefa federal, encarregada de investigar violações antitruste na indústria do cinema, concluiu, de forma bastante clara, que “a indústria é claramente oligopolista (…) os grandes estúdios parecem estar controlando o mercado para restringir a competição e diminuir a produção, de modo a manter um rígido controle sobre os empregados e também o lucro dos exibidores [compradores] excessivamente baixo”⁴. Conforme a década de 1970 acabava, a dominação dos seis grandes estúdios sobre o mercado parecia se tornar cada vez mais forte. Em 1981, todos os seis grandes estúdios ou pertenciam a ou eram eles próprios grandes conglomerados. A Gulf and Western, que era dono da Paramount, também detinha o Madison Square Garden, o Roosevelt Raceway, a Desilu, a Paramount Pictures Television e a Simon and Schuster (e suas subsidiárias, Pocket Books e Monarch Books), assim como a Schrafft’s Candies, a Supp-Hose Stockings and Socks, a New Jersey Zinc Company, a Bostonian Shoes e trezentas outras companhias menores. Apenas 4% das receitas da Gulf and Western provinham diretamente da Paramount Pictures, e só 11% de suas receitas totais derivavam de propriedades ligadas ao mercado de entretenimento⁵. De maneira análoga, as divisões de cinema e televisão da United Artists eram responsáveis por apenas 12% das receitas totais de sua companhia-mãe, a Transamerica Insurance’s. A mca, a Columbia Pictures Industries e a Warner Communications (em relação às quais a Universal, a Columbia Pictures e a Warner Brothers eram responsáveis, respectivamente, por 22%, 39% e 24% das receitas) eram elas próprias multinacionais da indústria de entretenimento. Estes conglomerados do entretenimento tiveram como modelo grandes multinacionais e diversificaram suas áreas de investimento para se capitalizar (com receitas previsíveis de várias subsidiárias) contra os inevitáveis anos de vacas magras nas bilheterias. Em 1979, apenas a Twentieth Century Fox Film Coporation, com quase dois terços de suas receitas derivadas de sua divisão de cinema e 96% de suas receitas totais provindo de várias subsidiárias da indústria de entretenimento, parecia-se com os estúdios das décadas passadas. Mas, apesar de seu sucesso nas bilheterias – a Fox foi o segundo estúdio mais bem-sucedido em 1975, o terceiro em 1976 e o primeiro em 1977 (com Guerra nas Estrelas tendo incríveis 19,5% de participação do mercado) –, sua missão corporativa estava em larga medida anacrônica. Em 1981, o estúdio era incapaz de manter reservas de capital adequadas ou então de expandir suas linhas de crédito com os bancos. Como resultado, o estúdio foi vendido ao magnata do ramo de petróleo de Denver, Marvin Davis. A compra da Fox por Davis marcou o fim de uma era em Hollywood. O estilo empreendedor de fazer negócios, que caracterizava os antigos estúdios, era final e completamente algo do passado. Em seu lugar estava uma indústria muito menos pessoal e muito mais complexa. O fracasso da Fox em manter reservas de capital adequadas para sobreviver mesmo durante um período bom na Nova Hollywood parecia, para empreendedores do cinema como Coppola, um sinal particularmente alarmante. Se a Fox, com todas as suas propriedades, todas as bilheterias e todas as vendas complementares de Guerra nas Estrelas para ajudá-la, não conseguia manter o velho estilo de se fazer negócios, então que esperança na Nova Hollywood haveria para alguém independente como Coppola? As razões para que os estúdios de Hollywood passassem a pertencer a conglomerados eram relativamente simples. As taxas de juros, especialmente do tipo de dívidas de curto prazo rotineiramente assumidas por um estúdio para o financiamento de uma produção, haviam subido para 20%. O custo médio de uma produção havia alcançado 13 milhões de dólares, e um número crescente de filmes custava o dobro desse valor. Conforme as apostas aumentaram, as reservas de caixa e as linhas de crédito de multinacionais provaram-se proteções úteis contra os caprichos do mercado cinematográfico. Com a televisão paga e o videocassete no horizonte, não fazia mais qualquer sentido para os estúdios permanecerem autônomos, se isso significava também que eles ficariam subcapitalizados. Quanto ao interesse das multinacionais, esta questão é apenas um pouco mais difícil. Tanto a Paramount quanto a United Artists, por exemplo, são companhias de alto nível. Mas, dada a escala e a abrangência com que a Gulf and Western e a Transamerica operam, as duas 177 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 4 hugo, Chris. “The Economic Background, Part ii”, Movie 31–32, 1986. p. 84. indústria autoral em Hollywood – levou a indústria a generalizadamente se focar em faturamentos provindos de blockbusters. O sucesso de filmes de autor nos anos 1970 não permitiu, como Coppola esperava que fosse acontecer, que os autores tivessem mais acesso a financiamento para seus filmes. Em vez disso, os diretores tornaram-se cada vez mais dependentes de financiamentos de estúdios para produzir e distribuir “grandes” filmes. Com a possibilidade de se obter receitas enormes derivadas de um único produto (de um só filme), os estúdios começaram a concentrar seus esforços na procura pelo próximo O Poderoso Chefão, Tubarão ou Guerra nas Estrelas, à custa de qualquer coisa e de qualquer outra coisa. O resultado final do cinema autoral, então, não era uma maior independência para os autores (como o Zoetrope Studios de Coppola resumia e simbolizava) ou um aumento na oferta para o consumidor. Em vez disso, por volta de 1980, Hollywood parecia estar encolhendo, e o papel dos intermediários que poderiam unir financiamentos de produção e de distribuição tornou-se mais importante do que nunca. par te iii 3 picker, David. “On the Distributor” in baker, Fred (org.). The Movie People. Nova York: Douglas, 1972. p. 25. a n o va h o l ly w o o d 8 Monaco, 1979: 393. Conforme Hollywood entrava nos anos 1980 e Coppola fazia sua jogada com o Hollywood General, quatro histórias significativas apareceram na indústria: 1) uma ação judicial antitruste amarga e, em última instância, crucial, envolvendo Kirk Kerkorian e a Columbia Pictures Industries; 2) uma greve de atores; 3) um processo judicial movido pela Disney e pela Universal Studios contra a Sony; e 4) o fim da legendária companhia de filmes B American International Pictures. Todas as histórias, em retrospecto, ao menos, oferecem uma introdução à Nova Hollywood e ajudam a estabelecer os parâmetros de um lugar onde o Zoetrope de Coppola estava condenado desde o princípio. 9 auletta, Ken. “Back in Play”, New Yorker, 18 de julho de 1994. p. 29. 10 “Needed cash for bank balances, Kerkorian sold 2% of Hig mgm”, Variety, 25 de abril de 1979. p.4. S O B R E T R U S T E S E A N T I T R U S T E S N A N O V A H O L LY W O O D As mesmas três coisas motivam a todos. A diversão do negócio. O orgulho. E o medo do fracasso. — herbert allen, antigo ceo da Columbia Pictures⁹ A história envolvendo Kirk Kerkorian veio a público no dia 25 de abril de 1979, quando o empreendedor do ramo imobiliário de Las Vegas e ceo da mgm registrou uma notificação na Comissão de Títulos e Câmbio (sec) confirmando a venda de 297 mil títulos de suas ações na mgm. Com os recursos da venda, Kerkorian assegurou um empréstimo de 38 milhões de dólares para financiar a compra de 1,75 milhões de ações da Columbia Pictures Industries (cpi). As duas ações conectadas renderam a Kerkorian 19% adicionais das ações da cpi, fazendo com que ele detivesse 24% no total e se tornasse ao mesmo tempo o maior controlador da mgm e da Columbia¹⁰. Kerkorian havia adquirido a mgm da Time Inc. e de Edgar Bronfman, da Seagram, em 1969. Uma vez que a administração do estúdio na época opôs-se ao negócio, Kerkorian precisou comprar 40% de suas ações no mercado para conseguir forçar a compra. Como resultado, na época em que adquiriu o controle da companhia, ele não tinha mais dinheiro para administrá-la. Os bens líquidos de Kerkorian depois da compra da mgm diminuíram de 553 milhões de dólares para 89 milhões. Ademais, ele tinha uma dívida de curto prazo em aberto de 72 milhões devido a empréstimos com 13 bancos europeus. Em um esforço para atender às exigências de suas várias dívidas, Kerkorian reduziu o número de funcionários da mgm de 6200 para 1200 entre o final de 1969 e o começo de 1971. No começo dos anos 1970, as coisas iam tão mal na mgm que Kerkorian vendeu adereços e figurinos valiosos das épocas de maior bonança no estúdio. E então, em um movimento que parecia assinalar o fim da mgm como uma participante importante da indústria, Kerkorian vendeu os direitos de distribuição doméstica do estúdio à United Artists, e seus direitos de comercialização 179 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 7 Para uma discussão particularmente boa de filmes altamente conceituados, ver wyatt, Justin. “High concept, product differentiation and the contemporary U.S. film industry” in austin, Bruce A. (org.). Current research in film: audiences, economics and law. Norwood, Nova Jersey: Ablex Publishing, 1990. p. 86–105, e wyatt, Justin. High Concept: Movies and Marketing in Hollywood. Austin: University of Texas Press, 1994. empresas de cinema eram relativamente baratas de se comprar e operar, sendo responsáveis por apenas uma fração das receitas brutas das grandes companhias. As multinacionais logo descobriram que novidades dos estúdios de cinema eram uma distração útil nos encontros anuais com seus acionistas, desviando-se de suas práticas e decisões corporativas mais convencionais e aborrecidas. A Gulf and Western, por exemplo, precisava apenas exibir um novo filme da Paramount ou levar uma grande estrela para acenar e posar para o público, a fim de que seus acionistas ficassem felizes. Uma maior diversificação fez com os novos estúdios vendessem melhor sua linha de produtos. Em meados da década de 1980, todos os grandes estúdios rotineiramente lançavam seus filmes no cinema, em videocassete e na televisão por assinatura. Mercados adicionais estavam disponíveis através do lançamento de livros, de histórias em quadrinhos e de uma série de acordos de licenciamento com cadeias de fast-food e fabricantes de brinquedos. Tal diversificação (muitas vezes alcançada por uma simples reciclagem de filmes através das várias subsidiárias da empresa controladora) exigiam uma quantidade de capital significativa, mas permitia às companhias com acesso a crédito a oportunidade de explorar um mercado de entretenimento crescente e extremamente lucrativo. Este período de bonança para os grandes estúdios veio a um custo para o consumidor. Mesmo uma olhada superficial para a Hollywood do final da década de 1970 revela o efeito da conglomeralização. O começo da década de 1980 viu uma dramática queda no número de filmes realizados [Film Starts] em todos os seis grandes estúdios e uma categorização dos produtos em um grau nunca antes visto em uma indústria já famosa por produzir principalmente produtos genéricos⁶. Os líderes de bilheteria da época exemplificam o impacto da reforma corporativa em Hollywood. Os filmes de maior sucesso de 1979 a 1983 – mais ou menos os anos entre o lançamento de Apocalypse Now (1979) e Cotton Club (The Cotton Club, 1984) – foram Super-Homem (Superman, 1978), O Império Contra-Ataca (The Empire Strikes Back, 1980), Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981), E.T.: O Extraterrestre (E.T.: The Extra-Terrestrial, 1982) e O Retorno de Jedi (Returno of the Jedi, 1983), filmes altamente conceituados que compartilham elementos, narrativas e estilos⁷. Em 1979, o historiador de cinema James Monaco observou que a participação total no mercado alcançada apenas pelos 10 filmes mais vistos em cartaz tinha crescido três vezes em relação ao ano anterior. A tendência continuou ao longo dos primeiros anos da década de 1980, efetivamente colocando maior ênfase em pacotes de blockbusters. Em troca, o público – cujo lugar na equação de oferta e demanda nunca é tão simples quanto os executivos dos estúdios gostam de acreditar – testemunhou um dramático esvaziamento do mercado e uma concomitante dramática diminuição nas opções de escolha. Como Monaco apropriadamente coloca, “cada vez mais veremos os mesmos 10 filmes”⁸. par te iii 178 6 Film Starts é um termo da indústria se referindo ao número de projetos em desenvolvimento que são de fato produzidos. Durante o primeiro trimestre de 1982, um período coincidindo com o lançamento do primeiro longa-metragem do Zoetrope, Do fundo do coração (One from the heart), 53% a menos de projetos alcançaram a fase de produção em relação ao mesmo período em 1981. Announced film starts, termo que se refere a projetos autorizados pelos estúdios, caíram 66% no mesmo período. Ver “Major Starts down by 53% this Year”, Variety, 7 de abril de 1982. p. 3. a n o va h o l ly w o o d 180 a cpi era principalmente de percepção; que produtores independentes fazendo negócios com a cpi ou com a mgm poderiam temer que algum dia as duas companhias fossem de algum modo se fundir ou atuar em colusão. Os medos destes produtores eram infundados, disse Allen, ainda assim demonstrando preocupação porque “no mercado de cinema, a percepção, com frequência, importa mais do que a realidade”. O momento mais estranho e interessante do processo ocorreu quando o juiz Hauk chamou dois professores de economia neutros da Universidade da Califórnia, Robert Clower e Fred Weston, para avaliarem a situação. Os dois professores concluíram que não viam ameaça de monopólio na propriedade compartilhada de Kerkorian, nem que viam qualquer evidência de que Kerkorian comprara as ações por qualquer outro motivo exceto como forma de investimento. O depoimento de Clower provou-se particularmente prejudicial ao caso que o governo tentava construir. Ele argumentou que mesmo uma fusão de fato entre a mgm e a cpi “não iria reduzir significativamente a competição em qualquer linha de comércio”, acrescentando que, mesmo se dois dos estúdios mais bem-sucedidos se fundissem, “ainda haveria cinco ou seis distribuidoras”, e, portanto, um ambiente razoavelmente competitivo¹³. No dia 22 de agosto, após pouco mais de um mês de depoimentos, o juiz Hauk concluiu que o governo “falhara completamente em oferecer provas de que as ações de Kerkorian violavam o Clayton Act [a Lei Antitruste]”. Ele então admoestou os advogados do governo por, antes de tudo, criarem o processo. Hauk concluiu, de modo não irônico: “De que maneira o governo pode chegar à ideia de que haverá uma diminuição em uma competição não existente é algo cuja compreensão me ultrapassa”¹⁴. A decisão do tribunal de ignorar as implicações antitrustes da propriedade compartilhada de Kerkorian parecia desencadear um significativo afrouxamento das regulações federais em relação a interesses corporativos no mercado de cinema, regulações que continuam a não serem cumpridas – ou que não podem ser cumpridas – na Hollywood contemporânea. A decisão a favor de Kerkorian também antecipou um ambiente corporativo mais cooperativo (e não competitivo) e de colusão potencial. Após este processo judicial histórico, apenas estúdios capazes de diversificar e integrar verticalmente seus produtos no desregulado mercado de entretenimento – em outras palavras, apenas estúdios com capital suficiente para estabelecer tal rede – pareceram ter futuro. É valido observar aqui que o Zoetrope de Coppola dificilmente se encaixava em tal descrição. No que diz respeito a Kerkorian, o veredito do juiz Hauk o colocou um passo mais perto de assumir o controle da Columbia Pictures. No dia 29 de setembro de 1980, cerca de um ano depois da corte decidir a seu favor, Kerkorian fez uma oferta pública de aquisição para comprar um milhão de ações adicionais da cpi (com a opção de compra [call] sendo exercida no dia em que a cláusula de suspensão expirasse). 13 “Economics professors unalarmed if dristribs. shrink or combine”, Variety, 15 de agosto de 1979. p. 7. 14 harwood, James. “Dept. of Justice draws a defeat”, Variety, 22 de agosto de 1979. p. 53. 181 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 12 harwood, James. “Trial begins on Col. Stock Buy”, Variety, 8 de agosto de 1979. p. 5. com o exterior para a Cinema International (que pertencia conjuntamente à mca-Universal e à Gulf and Western-Paramount)¹¹. Os dois negócios reduziram significativamente a base de ativos de Kerkorian na mgm, mas ao mesmo tempo permitiram que ele integrasse os interesses do estúdio ao de três de seus competidores. Kerkorian parecia inclinado a acreditar que tanto a sua sorte quanto a do estúdio pudessem funcionar em um ambiente de maior cooperação ou até mesmo de maior colusão. Quando Kerkorian primeiro comprou 5% das ações da cpi em dezembro de 1978, ninguém na indústria prestou muita atenção. Mas então, quando, quatro meses depois, ele aumentou sua participação para 24%, executivos da mgm e da cpi notaram o que ele fazia, assim como advogados da divisão antitruste do Departamento de Justiça dos eua. O aparente interesse de Kerkorian em assumir a Columbia parecia sugerir que ele havia abandonado qualquer esperança de fazer com que a mgm voltasse a ser uma participante importante da indústria. Na época, havia rumores de que Kerkorian planejava fechar todo o estúdio ou então fundi-lo com a cpi, ou que ele planejava manter o controle dos dois estúdios de modo a evitar que a mgm competisse com a muito mais forte cpi pelos melhores projetos de filmes. A última possibilidade fazia bastante sentido, tendo em vista o fato de que a participação dos lucros de Kerkorian na cpi – que, ao contrário da mgm, distribuía seus próprios filmes – era significativamente maior do que na mgm. Para forçar Kerkorian a ceder seu interesse em uma das duas empresas, o Departamento de Justiça entrou com um processo antitruste em uma corte federal. Mas já em 7 de agosto de 1979, o dia de abertura do tribunal, o juiz Andrew Hauk questionou a validade do processo do governo. Uma vez que Kerkorian assinara uma “cláusula de suspensão” – concordando em não comprar mais ações da cpi durante três anos – Hauk opinou que não poderia haver implicações antitruste, exceto se o governo pudesse provar “reais intenções de Kerkorian de se intrometer nos assuntos da Columbia”¹². O Departamento de Justiça abriu seu processo convocando uma série de grandes exibidores, dos quais todos expressaram preocupação sobre o interesse mútuo de Kerkorian sobre a mgm e a cpi e os efeitos potenciais disso na “oferta do produto”. Todavia, quando pressionados pelo juiz Hauk, nenhum dos exibidores pôde citar evidências (nos quatro meses desde que Kerkorian comprara ações da cpi) de que houvesse até ali qualquer efeito. Quando Herbert Allen, o banqueiro investidor de Nova York que comandava a cpi, prestou depoimento, o processo do governo estava perdido. Allen disse ao tribunal que, embora preferisse que a cláusula de suspensão valesse por dez em vez de três anos, ele sentia confiança de que Kerkorian não tivesse um “esquema anticompetitivo naquele momento”. Allen então disse que, em sua opinião, o problema com a conexão entre Kerkorian e par te iii 11 No final da década de 1980, após uma série de tentativas fracassadas de aliviar a mgm, Kerkorian comprou a United Artists, na verdade readquirindo os próprios direitos de distribuição doméstica que ele havia antes vendido. A negociação com a Fox se desenvolveu rápida e estranhamente. No dia 20 de fevereiro de 1981, Marvin Davis fez uma oferta pública de 720 milhões pelo estúdio. No dia seguinte, Davis misteriosamente retirou sua oferta. Três dias mais tarde, notícias de uma oferta de Kerkorian para comprar as ações da Fox pertencentes às Chris-Craft Industries começaram a circular. Em pânico para manter-se afastada de Kerkorian, a administração da Fox reabriu as negociações com Davis, e um acordo foi prontamente alcançado. Logo se tornou nítido para a administração da Fox que Davis havia realizado a compra como alavancagem contra os ativos da companhia de cinema, exatamente o que os executivos da Fox temiam que Kerkorian fizesse caso ele fosse o comprador. Poucos dias depois de fechar o negócio, Davis começou a vender empresas subsidiárias fundamentais à Fox. É irônico que Kerkorian, com o dinheiro que arrecadara da venda de suas ações da cpi, talvez não tivesse liquidado qualquer ativo da Fox se fosse autorizado a comprar a empresa. Em 1984, Kerkorian reapareceu como uma figura-chave na tentativa hostil de Saul Steinberg em assumir o controle da Disney. A aquisição proposta por Steinberg, que utilizaria a companhia para realizar uma alavancagem financeira, foi projetada principalmente para irritar a administração da Disney, e há dúvidas consideráveis sobre a sinceridade de seu interesse na companhia¹⁷. A oferta em dinheiro realizada por Kerkorian para adquirir o estúdio de cinema da Disney, por outro lado, era séria. Em última instância, como a maior parte dos especialistas em Wall Street havia previsto, Steinberg concordou com uma compensação [a greenmail payoff ]¹⁸. Ao longo da década de 1980, Kerkorian deteve ações significativas na mgm, na Columbia e na United Artists; negociou acordos de distribuição e então integrou verticalmente a mgm Filmco com a United Artists, a Paramount e a Universal; e fez ofertas de aquisição pública para a Columbia, a Fox, a Disney e a United Artists. Embora alegasse ter pouco interesse em cinema, Kerkorian se mostrou o homem mais interessante e ativo, ou até mesmo o mais poderoso, na indústria cinematográfica dos anos 1980. A fluidez com a qual ele transitava no mercado de entretenimento preparou o mercado para uma maior consolidação, uma integração vertical e propriedades compartilhadas. Apesar de seu senso de negócios quixotesco, aparentemente irracional, foi Kerkorian – e não um diretor como Coppola – que serviu de modelo para quem quisesse participar do mercado da Nova Hollywood. A D I S P U TA P E L O M E R C A D O C O M P L E M E N TA R “Se você fizer um bom filme, o povo americano irá assistir a ele. O desejo emocional de ir assistir a um filme definitivamente não foi eliminado da mentalidade americana. Porque [em 1986], a despeito destas coisas de 17 Ver lewis, Jon. “Disney after Disney: from family business to the business of family” in smoodin, Eric (org.). Disney Discourse. Nova York: Routledge, 1994. p. 87–105. 18 No vocabulário de transações do mundo corporativo, greenmail refere-se a um pagamento à vista feito a um aventureiro corporativo em troca das ações do empreendedor e da promessa deste de recuar. 183 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão a n o va h o l ly w o o d 182 16 “Columbia, Kerkorian agree to end legal strife; cpi to buy kk’s 25% Stake; 10 Yr. Truce”, Variety, 18 de fevereiro de 1981. p. 3, 22. A compra proposta prometia dar a Kerkorian o controle de 35% da companhia. O conselho da cpi, em um artigo publicado na Variety chamado “Planos de Kerkorian para controlar a Columbia Pictures em 1982”, chamava a oferta de “um assalto ultrajante” e, embora eles devessem ter pensado melhor, “uma violação gritante das leis antitruste”. Eles informavam também que iriam combater a medida por meio de uma ousada compra de ações, adquirindo “debêntures conversíveis” – medida que, se bem-sucedida, prometia reduzir o percentual (mas não o valor monetário) das posses de Kerkorian na cpi¹⁵. Em resposta, Kerkorian anunciou sua intenção de assumir a companhia. Kerkorian entrou com um processo para contornar a cláusula de suspensão que interferia em seus planos de assumir a empresa. No processo, Kerkorian alegava o seguinte: 1) que, porque a cláusula de suspensão incluía uma prescrição que compelia a cpi a consultá-lo sobre todas as grandes decisões de mercado, a decisão do conselho de oferecer uma debênture conversível sem antes consultá-lo era uma infração de seu dever fiduciário; 2) que a emissão recente de 300 mil novas ações pela cpi (como parte da debênture conversível) era destinada a pôr as ações adicionais nas mãos amigas do produtor “independente” da casa, Ray Stark; 3) Que a cpi havia deliberadamente obstruído as tentativas de Kerkorian de vender sua participação na companhia; 4) que, mesmo que diversas publicações para acionistas indicassem outra coisa, a cpi estava naquele momento sendo comandada por apenas duas pessoas, Herbert Allen no lado das operações e Ray Stark no lado criativo; 5) Que a prestação de contas mais recente da empresa não contabilizava certos pagamentos a funcionários da cpi (o mais importante deles sendo um pagamento de 1 milhão de dólares para um dos advogados de Ray Stark e vários milhões de dólares de custos de avaliação de riscos pagos à empresa de corretagem de Herbert Allen, Allen and Company). Mas, assim que Kerkorian parecia pronto para estabelecer uma luta de procurações – uma luta que ele parecia numa boa posição para vencer, – um incêndio desastroso no mgm Grand Hotel em Las Vegas comprometeu sua situação monetária. Deste modo, no dia 11 de fevereiro de 1981, quando as contas legais da cpi na disputa com Kerkorian chegavam a 1 milhão, Allen anunciou um acordo em princípio com Kerkorian que resolvia as diferenças entre as partes. A Columbia prometeu “recomprar” os dois milhões e meio de ações de Kerkorian e os dois lados concordaram em encerrar todos os litígios pendentes. Além disso, Kerkorian comprometeu-se a não comprar ações da cpi por 10 anos¹⁶. A decisão de Kerkorian por um acordo o fez obter ativos de 137,5 milhões. Com o grande projeto de reconstruir o mgm Grand em Las Vegas, parecia seguro presumir que ele finalmente fosse tirar seu dinheiro de Hollywood e investi-lo em Las Vegas. Mas, em um curto período de tempo, rumores começaram a circular sobre uma oferta de Kerkorian para adquirir 22% das ações da Twentieth Century Fox da Chris-Craft Industries. par te iii 15 “Vincent Memo defends price as Pivotal Studio Power; Hits kk’s claims of Stark Control”, Variety, 8 de outubro de 1980. p. 36. Uma debênture conversível é um título corporativo desprotegido que pode ser conversível em títulos compartilhados se o seu dono quiser. Neste caso, o debênture conversível permitiu à cpi emitir títulos adicionais para que eles fossem parar nas mãos “amigas” do produtor da casa Ray Stark. 20 mcbride, Joseph. “Columbia’s Record fiscal yr.; gross up 27%, net climbs 15%; reduce gain from Arista sale”, Variety, 10 de setembro de 1980. p.3, 50. — paul gurian, produtor de Peggy Sue, Seu Passado a Espera 21 “Universal All Projects”, Variety, 10 de setembro de 1980. p. 3. a n o va h o l ly w o o d 184 Em 1980, assim que estava prestes a começar a temporada de produções de outono na televisão, o Screen Actors Guild (sag) entrou em greve. Dado o retrospecto histórico, parecia o momento perfeito para o sindicato fazer isso. Mas os líderes sindicais não verificaram que os estúdios tinham se protegido muito bem de perdas nas receitas de bilheterias e televisão através da diversificação de atividades, integração vertical e propriedade externa. Devido a isso, os líderes sindicais não perceberam que as receitas da televisão importavam pouco no esquema mais amplo de coisas da Nova Hollywood. Na edição do dia 10 de setembro de 1980 da Variety, duas histórias desconexas pareciam indicar a força dos estúdios. A primeira, sob o título “Columbia tem ano fiscal recorde; crescimento bruto de 27% e líquido de 15%”, revelava que, mesmo a Columbia envolvida em problemas com Kerkorian e sem ter um grande ano nas bilheterias, devido em parte à sua diversidade de ações, o estúdio ainda era capaz de um lucro considerável no ano²⁰. O segundo artigo relacionava-se mais diretamente à greve. Sob o título “Universal suspende todos os seus projetos”, o estúdio usava a revista para enviar a seguinte mensagem para os atores em greve: “A Universal decidiu hoje [9 de setembro de 1980) invocar a cláusula de força maior em seus contratos com cineastas a partir de 15 de setembro, colocando portanto todos os seus projetos em suspensão (…) A invocação da cláusula, medida que sabe-se que também está sendo considerada por outros estúdios, significa que a Universal está suspendendo pagamentos a escritores, diretores e produtores com projetos em desenvolvimento. A ação sem dúvida destina-se a colocar mais pressão sobre o Screen Actors Guild para que este chegue a um acordo nas negociações da greve”²¹. A estratégia da Universal era ao mesmo tempo simples e eficaz. Ao fechar completamente, ela colocou uma pressão significativa para que os atores não apenas negociassem, mas também chegassem rapidamente a um acordo. Enquanto o Sindicato de Diretores e Escritores [Directors’ and Writers’ Guild) provavelmente também teria entrado em greve eventualmente em apoio à causa, a decisão da Universal impossibilitou essa estratégia ao deixar “todos” sem trabalho antes que qualquer sinal de solidariedade pudesse se desenvolver. Ao fazer isso, o estúdio não apenas roubou a vantagem em termos de relações públicas, como colocou um sindicato contra o outro, deixando o sag na posição de bode expiatório da indústria. Em um nível mais profundo e, a bem da verdade, mais importante, a disposição da Universal de invocar a cláusula de força maior também revelava a posição do estúdio: ele não precisava mais fazer filmes ou televisão para gerar dinheiro. A aparente invencibilidade dos estúdios era muito problemática para o sindicato de atores porque a greve era extremamente importante em relação aos futuros salários da classe. Sua contenda com os estúdios dizia respeito à sua participação nas receitas advindas da televisão por assinatura e do mercado de vídeo, dois mercados que na época ainda não estavam consolidados, mas que pareciam promissores. O sag queria estabelecer, ao menos provisoriamente, diretrizes para o número de dias ou de horas para exibições na televisão por assinatura antes dos pagamentos residuais, o percentual dos ganhos brutos previstos para pagamentos residuais e que um percentual de receitas brutas de videocassetes fosse compartilhado com os atores. Os estúdios responderam com o argumento de que, embora a discussão do sindicato sobre “receitas brutas das bilheterias” fosse importante, o assunto permanecia prematuro. Negociadores dos estúdios sustentaram que deveria haver um período de carência de um ano ou dois (durante os quais nenhum pagamento residual seria realizado) para permitir que o mercado se estabelecesse; depois disso um acordo amigável poderia ser alcançado. As lideranças do sag na época formavam um estranho conjunto: o arquiconservador Charlton Heston e os liberais de Hollywood Ed Asner, Marlo Thomas e Alan Alda. Decepcionados pela recusa dos estúdios em negociar, as lideranças do Screen Actors Guild organizaram um boicote à entrega anual de prêmios do Emmy e sediaram vários eventos beneficentes na área de Hollywood. Em um destes eventos no Hollywood Bowl, Heston explicou a injustiça do argumento administrativo: “Os produtores ficam nos dizendo que as receitas domésticas pelas quais estamos em greve ainda estão a dez anos de distância. Pode ser que isso seja verdade. Mas eu liguei para Mike Medavoy [então produtor-chefe da Orion Pictures] hoje, e posso dizer que ele não estava disponível porque eles estavam ocupados transferindo Mulher Nota 10 (10, 1979) para o videocassete”²². A greve do sag por receitas domésticas futuras teve um efeito irônico e imprevisto. A greve, organizada para chamar a atenção sobre uma potencial desigualdade na distribuição dos lucros, forçou os estúdios a agir mais rápido do que o previsto para estabelecer o controle sobre a televisão por assinatura e a distribuição em videocassete. Os estúdios rapidamente solidificaram sua base de poder e usaram a greve para estabelecer uma distância significativa entre eles e os vários sindicatos. No dia 1° de outubro de 1980, um título da Variety parecia pôr todo o conflito em perspectiva: “Paralisação de atores prejudica a tv e favorece aumento das bilheterias”²³. Sem base de poder ou apoio público e enfrentando uma fragmentação crescente na estrutura mais ampla do sindicato, os atores eventualmente tiveram que recuar e os estúdios avançaram no admirável mundo novo das receitas de exibição da tv por assinatura e do videocassete, em total controle daquele que viria a se tornar um grande e muito lucrativo setor da indústria do entretenimento. 22 “Actors at sag’s benefit sound off for solidarity”, Variety, 24 de setembro de 1980. p. 3. 23 murphy, A.D. “Actors walkout hurts tv, help. bo boom”, Variety, 24 de setembro de 1980. p. 3. 185 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão videocassete, ainda assim quatro bilhões foram gastos em ingressos de cinema. E 90% dessas bilheterias vieram de buracos no meio de algum lugar em Cleveland.¹⁹” par te iii 19 bales, “A Coupla Producers Sittin’ Around Talkin’,”. p. 52. 26 “Betamax suit in final phase; see major impact on copyright”, Variety, 20 de junho de 1979. p. 1, 84. a n o va h o l ly w o o d 186 “Estúdios têm personalidades diferentes. Há estúdios muito histéricos, realmente insanos e muito paranoicos. A Disney é um estúdio obsessivo-compulsivo. E você sabe como são os obsessivos-compulsivos: quando eles têm um problema, eles serão muito compulsivos na forma como lidam com o seu problema.” — robert cort, produtor de cinema²⁴ A preocupação crescente dos estúdios a respeito do lançamento de fitas pré-gravadas no mercado de videocassete foi acompanhada por uma ansiedade sobre a gravação caseira de material protegido por direitos autorais na televisão comum ou por assinatura. Naquele que se tornou para a indústria um processo civil muito importante, a Disney e a Universal processaram a Sony, afirmando que a tecnologia disponível não permitia aos estúdios excluir ou impossibilitar a gravação de programas que eles não queriam duplicados. As máquinas Betamax produzidas pela Sony, os estúdios afirmavam, criavam um problema de direitos autorais fundamental para a indústria como um todo. Para atrasar ou talvez até prevenir as vendas no varejo dessas máquinas, a Disney e a Universal foram à justiça. A Sony parecia ter um argumento convincente no caso. No começo dos anos 1960, o conglomerado de eletrônicos oferecera à Universal a oportunidade de se tornar o fornecedor de software do Betamax e de participar no desenvolvimento da nova tecnologia. Mas a Universal recusou a proposta da Sony. Em 1980, portanto, a Sony parecia ter bases sólidas quando afirmava que a Universal tivera e desperdiçara sua própria oportunidade. Os advogados da Universal argumentavam que os equipamentos de videocassete da Sony na década de 1960 eram tão caros e complicados que eles pareciam ter pouco ou nenhum futuro no mercado de vendas a varejo. As máquinas que a Sony desenvolvera para vendas nos Estados Unidos em 1980 eram tão significativamente diferentes das que os executivos viram e recusaram vinte anos antes que elas constituíam uma tecnologia inteiramente nova e diversa. Apesar de muitos na indústria temerem que a Sony fosse prevalecer, o juiz Warren J. Ferguson concluiu que a Sony teria prosseguido com a pesquisa e o desenvolvimento do Betamax tivesse ou não a Universal manifestado interesse²⁶. A seu ver, as novas máquinas de fato eram radicalmente diferentes dos protótipos dos anos 1960, e sua venda de fato criava um sério problema de direitos autorais e complicava ainda mais um mercado já bastante complexo. A Sony recorreu da decisão, e o caso eventualmente foi resolvido fora dos tribunais. Mas muitas das questões levantadas pelos advogados da Sony continuaram a complicar as coisas em Hollywood. Por exemplo, ao longo de sua litigância com a Universal e a Disney, a Sony defendeu que a propriedade mais importante em questão não era o seu produto (Betamax) e nem os direitos autorais dos estúdios em si, mas as ondas eletromag- néticas e o direito individual do cidadão a elas. O posicionamento da Sony foi que, quando um sinal de transmissão é posto no ar, “ele se torna muito próximo à propriedade pública”, e quem quer que tenha os meios de receber este sinal tem o direito de alterá-lo de modo a poder utilizá-lo e desfrutá-lo. Tal perspectiva exime o manufaturador e o vendedor de responsabilidade em termos da potencial violação de direitos autorais, mas é justo dizer que dificilmente o controle sobre as ondas eletromagnéticas ou o livre acesso a elas esteja hoje nas mãos do cidadão médio. As coisas nunca mais foram as mesmas desde que os estúdios estabeleceram uma posição no mercado de exibições domésticas. No momento em que escrevo este livro, 1994, em média 50% das receitas dos estúdios provêm do aluguel e da venda de vídeos, totalizando mais de 4 bilhões de dólares por ano²⁷. Adicionalmente, a Viacon, um conglomerado de televisão a cabo, e sua principal parceira, a Blockbuster Video, uma locadora de videocassetes, tendo enriquecido à custa de receitas oriundas de exibições domésticas, recentemente compraram a Paramount, em uma negociação que não encontrou um único desafio antitruste bem-sucedido. O FI M DA A I P E DA FI L MWAYS “Eu gosto do mercado. Gosto das pessoas no mercado. É um mercado de trapaceiros. Falo num bom sentido. Mas é um mercado de trapaceiros. Entrevistador: Mas você é um trapaceiro? Arkoff: Não, eu sou o único que não é.” — samuel z. arkoff, presidente da American International Pictures²⁸ A consolidação do poder pelos seis principais estúdios no começo da década de 1980 fica mais evidente na história do fim da American International Pictures (aip). Ao longo da segunda metade da década de 1950, da década de 1960 e da primeira metade da de 1970, a aip era umm história americana de sucesso. Liderada pelo iconoclasta Samuel Z. Arkoff e por seu parceiro de perfil discreto, James Nicholson, a aip apareceu inicialmente como uma eficiente, embora por vezes não artística, fábrica independente de filmes B, produzindo obras memoráveis como Violência nas Ruas (Wild in the Streets, 1968), I Was a Teenage Werewolf (1957) e Three in the Attic (1968). No meio da década de 1970, entretanto, os filmes B de Arkoff se tornaram anacrônicos. Devido em larga medida ao sucesso de blockbusters de autores como Coppola, Martin Scorsese e Peter Bogdanovich – todos eles aprendizes no mercado de filmes B –, distribuidores e exibidores não pareciam mais interessados em filmes menores. No final dos anos 1970, os estúdios independentes enfrentavam um dilema: ao mesmo tempo em que os filmes começaram a custar muito para serem produzidos, as receitas das bilheterias permaneciam imprevisíveis. Ademais, dada a preferência de muitos exibidores de “reter” blockbusters em suas telas, tornara-se mais difícil do que nunca encontrar espaço para exibir filmes B²⁹. 27 Pat Jorndan, “Wayne Huizenga”, New York Times Magazine, 5 de dezembro de 1993. p. 55. 28 strawn, Linda May. “Samuel Z. Arkoff” (entrevista) em mccarthy, Todd, flynn, Charles (org.). Kings of the B’s: Working within the Hollywood System”. Nova York: Dutton. p. 266. 29 As salas de cinema eram encorajadas a manter filmes de grandes estúdios em suas telas por semanas ou até mesmo meses, porque seu percentual ganho sobre as vendas de ingresso aumentava com o tempo. Na primeira semana, o cinema poderia ficar só com 10% tirando os custos. Muitas semanas depois este número aumentava para até 30% ou 40%. Conforme os exibidores rotineiramente preferiam distribuir filmes dos grandes estúdios na década de 1980, tornou-se cada vez mais difícil exibir filmes B e obras independentes de prestígio. 187 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 25 “Betamax testimony ends; judge ducks ‘Sinal’ jam Thicket”, Variety, 13 de março de 1979. p. 3, 100. DISNEY E UNIVERSAL STUDIOS CONTR A A SONY par te iii 24 kasindorf, Jeanie. “Mickey Mouse time”, New York, 7 de outubro de 1991. p. 40. a n o va h o l ly w o o d 188 Em março de 1980, com Arkoff isolado na Filmaways, Bloch anunciou a aposentadoria do nome da aip. Pouco depois de liquidar com a aip, a Filmways desfrutou de cifras recordes nas bilheterias com Horror em Amityville (The Amityville Horror, 1979), Amor à Primeira Mordida (Love at First Bite, 1979) e Vestida para Matar (Dressed to Kill, 1980). Mas, enquanto os sucessos de bilheteria pareciam bons presságios para a nova Filmways, ainda assim era preocupante que os três filmes tivessem se originado com Arkoff antes da fusão Filmways-aip. Com a aposentadoria da aip e a destituição de Arkoff, as cifras elevadas nas bilheterias puseram em movimento o que viria a se tornar um declínio de um ano nos preços das ações da Filmways, declínio este que eventualmente tornaria a companhia um alvo atraente para compra. O conselho da Filmways previsivelmente levou os valores de mercado mais a sério do que os números das bilheterias e tentou promover reformas internas, demitindo dois de seus executivos seniores, Raphael Etkes e Jeff Young. Os dois homens eram em larga medida responsáveis pelo compromisso da Filmways com vários filmes de prestígio e de alto nível, incluindo Amigos para Sempre (Four Friends, 1981) de Arthur Penn (em pós-produção), Um Tiro na Noite (Blowout, 1981), de Brian De Palma (em produção) e, em conjunto com Dino DeLaurentiis, Na Época do Ragtime (Ragtime, 1981) de Milos Forman (também em produção). A Filmways detinha a distribuição doméstica dos três filmes, o que à primeira vista parecia promissor. Mas, como o executivo do estúdio Robert Grundburg logo percebeu, o estúdio também não tinha reservas de capital adequadas para concluir as três obras. Para conseguir manter o controle sobre os filmes, Grundburg vendeu a subsidiária de seguros da Filmways, a Union Fidelity Corporation. Mas a venda não trouxe nada a Grundburg, exceto problemas. Diversos grandes acionistas repreenderam publicamente a administração da Filmways por primeiro demitir Etkes e Young e então vender uma lucrativa subsidiária para manter o controle de seus filmes. Além de Amigos para Sempre, Um Tiro na Noite e Na Época do Ragtime, estavam em desenvolvimento no estúdio na época, em vários estágios de desenvolvimento, Blade Runner, O Caçador de Adroides (Blade Runner, 1982), de Ridley Scott, Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1984), de Sergio Leone, Enigmas do Coração (Tell Me a Riddle, 1980), de Lee Grant, Gangues de Nova York (Gangs of New York, a ser dirigido por Martin Scorsese), Links (com Diane Keaton, a ser dirigido por Arthur Penn), Huey (uma filme biográfico sobre Huey Long, roteirizado por Gore Vidal), Fire on the Mountain (a ser dirigido por Tony Scott), Good Company (a ser dirigido por John Avildsen), remakes de Tarde Demais para Esquecer (An Affair to Remember), de Leo McCarey, e de A Woman’s Place, e os filmes de exploitation de baixo orçamento Halloween ii e O Fã – Obsessão Cega (The Fan, 1981). Com as saídas de Etkes e Young, todos os acordos de desenvolvimento foram suspensos. E, enquanto Grundburg tentava realizar os 189 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 31 Arkoff conta uma história significativamente diferente em seu livro de memórias, Flying through Hollywood by the Seat of My Pants. Nova York: Birch Lane, 1992. p. 226–36. Em quem quer que acreditemos, o resultado foi a saída da Arkoff. A emergência concomitante dos mercados de filmes em videocassete e de televisão por assinatura ofereceu fontes alternativas de lucros para os estúdios menores. Mas, enquanto os mercados complementares garantiam pelo menos um retorno modesto para os filmes de baixo orçamento, a maioria dos independentes, ao contrário dos grandes estúdios, não estava em uma posição forte o bastante em termos financeiros para tirar total vantagem da situação. Mesmo se um estúdio independente conseguisse reter os direitos de vendas complementares para seus filmes, a espera por estas receitas demorava no mínimo um ano – tempo demais, dados os juros exorbitantes em curto prazo dos empréstimos aos quais estes estúdios rotineiramente recorriam para financiar a produção de filmes. Na primavera de 1980, Arkoff abordou as dificuldades inerentes em se permanecer independente em Hollywood: “A indústria está entrando em um período diferente. As pessoas não estão interessadas em filmes menores, então o mercado de cinema está se tornando a província das companhias bem-financiadas. Os independentes que não podem sustentar os cada vez mais altos custos de produção e de marketing vão brutalmente se ferir no mercado de trabalho”³⁰. Arkoff lembrou os leitores da Variety de que, em 1969, a última vez em que os orçamentos de produção aumentaram dramaticamente e os números de novos filmes diminuíram, as subsidiárias de cinema das corporações televisivas abc e cbs, assim como a Cinerama e a National Company, também sofreram com a crise, por não conseguirem manter reservas de capital suficientes. Arkoff preveniu que praticamente o mesmo destino aguardava as companhias menores de cinema na Hollywood do final da década de 1970. Em uma transação que sem dúvida alguma os leitores da Variety apreciaram, em 1979 o próprio Arkoff teve que fundir a aip com a Filmways, um acordo que eventualmente o forçou a ceder o controle de “sua” companhia. Arkoff primeiro anunciou sua intenção de fundir a aip com a Filmways em março de 1979. Na época, as duas companhias esperavam que, combinando suas linhas de crédito com os bancos – o limite de crédito da aip era de 10 milhões e o da Filmways de 25 milhões –, as companhias unidas poderiam se tornar uma versão menor dos grandes estúdios e também fazer negócios na Nova Hollywood. No dia 17 de julho de 1979, as duas empresas se fundiram formalmente. Seis meses depois, entretanto, elas se encontraram em um impasse ideológico. Arkoff queria continuar a fazer filmes de exploitation, enquanto os executivos da Filmways esperavam estabelecer uma posição no mercado de “filmes de prestígio”. A situação parecia irresolvível até Richard Bloch, um executivo sênior da Filmways, descobrir que Arkoff tinha – ou ao menos isso foi alegado – deliberadamente superavaliado a base de ativos da aip durante as negociações para a fusão. Como resultado das alegações de Bloch, Arkoff foi forçado primeiro a renunciar ao posto de ceo da aip, e, em seguida, a abandonar sua cadeira no conselho da Filmways³¹. par te iii 30 watkins, Roger. “Arkoff warns of 1969 repeat”, Variety, 21 de maio de 1980. p. 34. a n o va h o l ly w o o d 190 quando Arthur Krim, da Filmways, anunciou que a companhia esperava concluir os projetos restantes da Filmways licenciando (isto é, vendendo) antecipadamente os direitos de transmissão na televisão a cabo para sua parceira hbo. Desde o início, a tríade Orion-Filmways-hbo pareceu e se comportou como um truste; em outras palavras, a empresa parecia preparada para no mínimo tentar fazer negócios na Nova Hollywood. Mas a Orion subestimou o tamanho das dívidas da Filmways. Depois de apenas uma semana, a Orion foi forçada a vender a antiga subsidiária editorial da Filmways, Grosset and Dunlap. Uma segunda subsidiária, a Pic-Mount, foi cindida, e então uma terceira, a Broadcast Eletronics, foi posta à venda. Em agosto, o nome Filmways havia sido aposentado, e eventualmente os três projetos de Etkes e Young foram vendidos para um dos grandes estúdios. Não foi até o encontro de acionistas da Orion em agosto que a negociação com a Filmways foi formalmente anunciada, quando a Filmways, em efeito, já não existia mais. O encontro em si foi de todo anticlimático, um fim calmo para uma história muito significativa da Nova Hollywood. A edição da Variety de 4 de agosto de 1982 o resumiu: “Um encontro de público escasso despertou pouca e aborrecida atenção e virtualmente nenhuma discussão, reforçando a sensibilidade de que se tratavam de faits accomplis. Acionistas sugeriram a representação de mulheres e de minorias no conselho da empresa, e a possibilidade de um pequeno presente simbólico da companhia no próximo encontro. As duas sugestões estão sendo consideradas”³⁴. 34 “Filmways Banner retired as ‘New’ Orion Pictures raises own flag; shareholders double stock base”, Variety, 4 de agosto de 1982. p. 26. 35 salamon, Julie. The Devil’s Candy. Boston: Houghton Mifflin, 1991. p. 312. 191 POR QUE NÃO O ZOETROPE? “É um mundo fascinante de se ver. Uma espécie de Disneylândia. Mas esta é a natureza do cinema, que é arte e comércio, apenas acontece [em Hollywood] que o comércio é Deus… Você se senta em Nova York e diz: ‘Isso é um monte de merda. Por que eles fazem filmes assim?’ Então você vem [a Hollywood], e você pode começar a entender.” — brian de palma, diretor, 1991³⁵ A Hollywood que Coppola esperava revolucionar, fazer “se ajoelhar” em 1980 com a compra do Hollywood General, encontrava-se então no processo de redefinição, até mesmo de revolução, de si. Maiores taxas de juros, orçamentos e lucros levaram a uma maior integração vertical e à multinacionalização por parte dos estúdios, o que subsequentemente levaria a uma maior centralização de poder e capital. Em 1981 a indústria parecia ter cerrado suas fileiras completamente, e, ao fazer isso, deixado o cinema de autor para trás. Portanto, apesar de boas intenções e, eventualmente, de vários filmes ótimos, o Zoetrope estava amaldiçoado mesmo antes de levantar voo. o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 33 barton, David. “Filmways’ 81 loss concentrated in Qtr.”, Variety, 3 de junho de 1981. p. 44. filmes que Etkes e Young tinham programado para 1980 – Amigos para Sempre, Um Tiro na Noite e Na Época do Ragtime –, tanto o tempo quanto o dinheiro se encurtavam. No terceiro trimestre de 1980, a Filmways anunciou 10,6 milhões de dólares em perdas, comunicando também sua intenção de suspender o pagamento de dividendos das ações. Em protesto, Arkoff, que havia mantido seu percentual de 9% na companhia, vendeu suas ações para a Tandem Productions, que na época pertencia e era comandada por Norman Lear, Bud Yorking e Jerry Perenchio. Embora este acordo tenha tirado Arkoff da companhia em definitivo, a Filmways tinha poucos motivos para comemorar. Arkoff se acomodara calmamente em suas ações e não realizara mais esforços para, valendo-se delas, retomar o controle da companhia. A Tandem, por outro lado, tinha um histórico de ingerência, e, pior ainda, havia manifestado interesse de possuir seu próprio estúdio. Em novembro de 1979, por exemplo, ela oferecera 163 milhões de dólares a Kerkorian por seus 24% de controle na Columbia Pictures. Quando o próprio Kerkorian começou a tentar aumentar seu percentual na cpi, a Tandem recuou, mas somente para preceder Kerkorian na tentativa de adquirir as participações da Chris-Craft na Twentieth Century Fox. Também fracassando naquela tentativa, assumir a Filmways não parecia apenas estar no escopo dos interesses da Tandem, mas também dentro de suas capacidades financeiras. Sem dúvida esperando rir por último à custa da Filmways, Arkoff anunciou estar “genuinamente aliviado” por não estar mais na companhia, “onde eu passava meu tempo dando conselhos que agora eles percebem que deveriam ter acatado”³². A saída de Arkoff parecia marcar o fim não só da aip, mas também da Filmways. Apesar de vender vários de seus bens e de otimizar sua administração – ações que a Variety descreveu como “um brutal corte de projetos e uma reavaliação de seus produtos”³³ – a Filmways anunciou perdas no último trimestre do ano totalizando mais de 66 milhões e uma queda no valor da bolsa de valores de 11,71 dólares por ação. Conforme 1981 chegava ao fim, a Filmways se tornou objeto de considerável especulação a respeito de uma possível compra. Quem mais aparecia nestes boatos não era a Tandem, mas a Orion, cujo acordo de distribuição com a Warner Brothers estava prestes a expirar. Na época, a Orion se parecia com a Filmways em termos de tamanho e de interesses. Mas, ao contrário da Filmways, que estava com muita dificuldade para concluir seus projetos, a Orion havia concluído a produção e o lançamento (através da Warner Brothers) de dois filmes de muito sucesso, Arthur, O Milionário Sedutor (Arthur, 1981) e Excalibur, A Expada do Poder (Excalibur, 1981). Em meio a boatos de que o aventureiro do mundo dos negócios Saul Steinberg tinha interesse em assumir a empresa, a Filmways foi vendida para a Orion e seus parceiros, a Warren Pincus Capital Corporation e, no que agora parece um prenúncio das coisas por vir, um insipiente canal de tv chamado Home Box Office (hbo). O papel da hbo no negócio ficou claro par te iii 32 klain, Stephen. “Arkoff as producer of which few remain in age dominated by deal makers”, Variety, 27 de maio de 1981. p. 37. Quando nós éramos garotos construindo a [American] Zoetrope [no final da década de 1960], nós precisávamos de uma copiadora. O pai de George era um representante da 3m, e eu perguntei se podíamos adquirir uma máquina desta companhia a preço de custo. George disse: “meu pai nunca faria isso”. George vem de uma família muito conservadora do Norte da Califórnia, onde o dinheiro é algo muito importante (…) Minha atitude em relação ao dinheiro é que ele é algo para ser usado. — fr ancis coppola, 1981³⁶ Quando George Lucas recebeu um prêmio especial no Oscar de 1992, ele agradeceu a seus pais, a seus professores e a seu mentor, Francis Coppola. Para aqueles que conhecem os dois, a homenagem não foi uma surpresa. Apesar de uma mudança de posição em Hollywood – Lucas certamente é uma das figuras mais importantes na indústria hoje –, os dois homens permaneceram amigos desde que Lucas trabalhou com Coppola pela primeira vez na década de 1960. E, embora os filmes que eles produziram e/ou dirigiram desde então pareçam muito diferentes, os dois deram passos significativos para se distanciar, ou ao menos se proteger, da Hollywood corporativa. Lucas continuou a obter sucesso com sua unidade de produção e distribuição (a Lucasfilm) e com seu complexo de pós-produção de tecnologia de ponta (Industrial Light and Magic), ambos fundados aproximadamente na mesma época do Zoetrope Studios de Coppola, uma espécie de exemplo da vida real sobre como exatamente estabelecer uma posição nas margens próximas de Hollywood. Em retrospecto, parece claro que, de modo diferente de Coppola, Lucas entendeu a emergente “Nova Hollywood”, ou então pelo menos que os interesses específicos de Lucas (na pós-produção de filmes altamente conceituados) colocavam uma ameaça menor para o establishment dos estúdios do que os planos bem mais vastos de Coppola com o Zoetrope. Como Lucas trouxera muito dinheiro aos estúdios, ele garantira para si a reputação de alguém que cooperava com eles. Mas Lucas é um pragmático, não um fiel de fato. Desde seus dias tranquilos na American Zoetrope em São Francisco, ele diversas vezes manifestou sua antipatia pela Hollywood dos estúdios. Por exemplo, quando executivos da Warner Brothers não gostaram do primeiro roteiro de Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973), Lucas alfinetou: “Os estúdios (…) não entendem roteiros (…) que roteiros devem ser mais esquematizados que romances. Eles nem sequer sabem quem é McLuhan”³⁷. Em 1981, quando a Lucas Film e a Industrial Light and Magic começavam a tomar forma, Lucas explicou seu desejo de contornar o sistema de estúdios em termos que lembram seu antigo mentor: “Los Angeles é onde você faz acordos, faz negócios da forma corporativa clássica, o que 36 Discuto o relacionamento entre Lucas e Coppola em mais detalhes em lewis, Jon. “The independent filmmaker as tragic hero: Francis Coppola and the New Hollywood”, Persistence of Vision 6 (1988). p. 29–32. A citação é de talese, Gay. “The Conversation”, Esquire, julho de 1981. p. 80. 37 sweeney, Louise. “The movie business is alive and well and living in San Francisco”, Show, abril de 1970. p. 82. 193 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão COPPOLA E LUCAS par te iii a n o va h o l ly w o o d 192 Ainda assim, dificilmente Coppola pode ser culpado por seguir adiante com o projeto de seu estúdio. Dado o sucesso de Apocalypse Now em 1979 – dado o sucesso de virtualmente qualquer filme que ele tenha dirigido ou produzido na década de 1970 –, Coppola tinha toda razão para acreditar que poderia expandir o cinema de autor para incluir o controle ao menos dos meios de produção de seus próprios filmes, e, se tivesse sorte, da tecnologia para distribuí-los. Mesmo se tiver acompanhado as várias versões da disputa entre Kerkorian e a cpi, da greve de atores, do processo da Disney e da Universal contra a Sony e do fim da aip e da Filmays, Coppola provavelmente acreditava que essas histórias não lhe diziam respeito. Mas, em última instância, elas diziam. A incapacidade do Departamento de Justiça de definir o interesse mútuo de Kerkorian na mgm e na cpi como um truste permitiu o aumento da tendência da indústria de se organizar em conglomerados e indiretamente encorajou empreendedores corporativos e banqueiros a investir em estúdios de cinema. A prática de alavancar tais compras com os ativos da companhia em questão levou diretamente ao desmantelamento da mgm e da Fox e aumentou a capitalização necessária para se manter um nível razoável de produção em um grande estúdio. Que Kerkorian, apesar de uma considerável fortuna pessoal – muito maior do que a de Coppola –, tenha sido incapaz de manter a mgm rentável, indica o quão difícil seria para Coppola tornar o Zoetrope competitivo no novo mercado de entretenimento. A greve de atores em 1980 e sua resolução a favor dos estúdios revelavam como estes se tornaram poderosos e diversificados. Durante o conflito, os estúdios exploraram com sucesso a desilusão pública com sindicatos em geral e o alto custo de talentos (como Coppola) em particular, ganhando um apoio público implícito para seu estilo particular de fazer negócios. A resolução da greve e o processo contra a Sony estabeleceram ainda mais os parâmetros para que os estúdios controlassem os novos mercados complementares da televisão por assinatura e do videocassete, dois mercados que Coppola precisava explorar para tornar o Zoetrope bem-sucedido. As histórias da aip e da Filmways eram próximas à realidade do Zoetrope, mas também elas demoraram muito a acontecer para fazer Coppola mudar de ideia. De novo, a mensagem era a importância da reserva de capitais e da diversificação. Se alguém deseja estar no mercado de cinema, é preciso estar numa posição, como é o caso dos grandes estúdios, capaz de aguentar os períodos difíceis. Mas mesmo nas épocas boas seria preciso sobreviver tempo o bastante para honrar os pagamentos de empréstimos em curto prazo. Que a aip e a Filmways não tenham sido capazes de sobreviver a épocas boas foi uma mensagem que Coppola talvez tenha preferido não escutar, mas que, ainda assim, poderia ter feito com que poupasse muito dinheiro e problemas. 38 thomson, David. Overexposures. Nova York: Morrow, 1981. p. 40. 39 tuchmand, Mitch, thompson, Anne. “I’m the boss”, Film Comment 17.4, 1981. p. 50–51. 40 bock, Audie. “George Lucas: an interview”, Take One, agosto de 1976. p. 6. a n o va h o l ly w o o d 194 significa ferrar todo mundo e fazer o possível para trazer o maior lucro possível. Eles não se importam com as pessoas. É incrível o modo como tratam os cineastas (…) Não quero ter nada a ver com eles”³⁸. Que Lucas tenha provado ser o mais bem-sucedido dos dois no longo prazo é um fato da vida na Nova Hollywood com o qual Coppola precisou aprender a lidar. Os dois procuraram independência dos grandes estúdios, mas é claro que possuem ideias diferentes sobre onde exatamente as margens de Hollywood estão localizadas e o que, financeira e artisticamente, pode ser sacrificado para se sobreviver neste ambiente. Foi claramente Lucas quem mais astutamente leu a indústria em 1980. E, portanto, foi Lucas quem jogou o jogo com mais cuidado. Já em 1981, um ano antes de Coppola lançar um filme pelo Zoetrope Studios, Lucas duvidou da capacidade de Coppola ser bem-sucedido: “Eu discordei de Francis quando ele disse que ia para Los Angeles. Nós dois temos os mesmos objetivos, nós dois temos as mesmas ideias e nós dois temos as mesmas ambições (…) [Nós temos] uma discordância sobre como fazer isso (…) Estando lá em Hollywood, você só está à procura de problemas, porque você está tentando mudar um sistema que nunca vai mudar”. Em relação ao método de “cinema eletrônico” de Coppola e aos seus planos de pesquisa e desenvolvimento, Lucas previu problemas se valendo de termos totalmente simples: “Os estúdios jamais irão entender isso”. Comparando a Lucasfilm com o Zoetrope Studios, Lucas acertadamente caracterizou uma diferença fundamental de temperamentos e estilos de administração: “Vai levar seis anos para minhas instalações estarem funcionando como as dele estão agora”, ele observou em 1981. “Ele foi lá e ‘Pronto!’, estava feito… Eu terei o meu [estúdio], e vai demorar muito mais para construí-lo, mas não acho que ele jamais vá entrar em colapso”³⁹. Mesmo antes do lançamento de Do Fundo do Coração, Coppola parecia inclinado a concordar; Lucas de fato era aquele com mais chances de ser bem-sucedido. “Se eu for como os Estados Unidos”, Coppola ponderou, “George foi meu Japão – ele viu o que eu fiz errado, e aperfeiçoou o que eu fiz corretamente”. Como a distância entre os dois parecia aumentar após o lançamento de Guerra nas Estrelas em 1977, Coppola colocou as ações dos dois na perspectiva da indústria: “George é tão rico hoje que ele nem sequer precisa mais de um parceiro. E ele é uma pessoa prática que não quer se sobrecarregar com um órgão doente”⁴⁰. — eleanor coppola¹ Em setembro de 1978, Francis Coppola exibiu um corte bruto de Apocalyipse Now (1979) para uma sala cheia de executivos da United Artists (ua). Ele esperava que a exibição o fizesse ganhar mais tempo com o estúdio, mas ela teve o efeito oposto. A exibição de um filme incompleto – que já estava atrasado um ano e supostamente bem acima do orçamento previsto (rumores afirmavam que o custo chegava a 70 milhões de dólares) – foi tão mal recebida que um executivo apelidou o filme de “Apocalypse Nunca”². O que tornou a exibição tão frustrante para os executivos foi o fato de que, em algum nível profundo, eles tiveram que se dar conta de que tinham recebido exatamente aquilo que tinham negociado. Em 1976, quando executivos da ua autorizaram o projeto pela primeira vez, tudo o que tinham diante deles era um roteiro politicamente de direita para um filme de 1,5 milhão de dólares, de 16mm, sobre o Vietnã, escrito por John Milius para George Lucas e a American Zoetrope em 1968 – um projeto, é importante lembrar, que a Warner Brothers recusara oito anos antes. Quando Coppola levou o mesmo projeto para a ua em 1976, os executivos estavam ansiosos para fazer um acordo no qual ele dirigisse virtualmente qualquer coisa, e ofereceram então um orçamento provisório de 12 milhões de dólares, um número completamente arbitrário. Havia óbvios problemas com o acordo. Coppola certamente precisava retrabalhar o roteiro (para torná-lo um filme de um grande estúdio, para deixá-lo mais politicamente correto para 1976), e, uma vez que de fato reescreveu, o custo da produção subiu para significativamente mais de 12 milhões. Como Coppola havia sido tão bem-sucedido no passado, os problemas com o roteiro e o orçamento foram recebidos pelos executivos da ua como pequenos detalhes que seriam resolvidos enquanto o projeto era realizado. Quando o acordo de desenvolvimento foi assinado, a ua, em termos que sem dúvidas ambas as partes haviam entendido, implicitamente manifestava um interesse em financiar (com qualquer orçamento), sem inspeção prévia, qualquer filme de Coppola sobre o Vietnã que se chamasse Apocalypse Now. Mas, enquanto o estúdio estava preparado para pagar mais de 12 milhões de dólares para faturar devido ao apelo de bilheteria de Coppola, ninguém poderia prever o tanto de má sorte que o filme viria a ter em sua locação nas Filipinas, e, como resultado disso, em que grau o orçamento iria aumentar. jon lewis Publicado originalmente sob o título “One from the Heart” em lewis, Jon. Whom God Wishes To Destroy… Francis Ford Coppola and The New Hollywood. Durham e Londres: Duke University Press, 1995. p. 41–72. Tradução de André Duchiade. Texto traduzido e publicado sob cortesia da Duke University Press, 2015. 1 coppola, Eleanor. Notes. Nova York: Simon and Schuster, 1979. p. 177. Eleanor Coppola era e permanece sendo esposa de Coppola. 2 bach, Steven. Final cut. Nova York: New American Library, 1987. p. 127. 197 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão “Enviei um telegrama para Francis dizendo que, porque o amava, iria lhe contar o que ninguém mais queria contar, que ele estava criando o seu próprio Vietnã com suas linhas de fornecimento de vinho, de carne e de ar-condicionado, criando a própria situação que ele havia ido até lá para expor. Que, com sua equipe de centenas de pessoas atendendo a todos os seus pedidos, ele estava virando Kurtz – indo longe demais.” par te iii DO FUNDO DO CORAÇÃO financeiramente limitando seu investimento no filme. Ao emprestar a Coppola o dinheiro para completar o filme, eles involuntariamente deixaram nas mãos dele duas opções: ou fracassar, e, com isso, consequentemente não ter como pagar o empréstimo de 25 milhões; ou então ser bem-sucedido, e, desta maneira, humilhar a companhia perante o resto da indústria. Se o filme perdesse dinheiro, a única opção da ua para recuperar seus 25 milhões seria confiscar os bens pessoais e corporativos de Coppola. O estúdio então precisaria contrabalançar as vantagens financeiras imediatas de, por exemplo, confiscar a casa de Coppola, contra os efeitos muito negativos em termos de relações públicas que tal ação acarretaria. Ademais, mesmo se o estúdio decidisse apreender todos os bens do diretor, os executivos estavam muito conscientes de que as garantias que Coppola havia estabelecido para proteger o empréstimo valiam significativamente menos do que 25 milhões. Como resultado – e esta é a reviravolta mais irônica de todas – a maior garantia do empréstimo era o mais novo “bem” de Coppola, Apocalypse Now, o próprio filme que executivos da ua acreditavam que fracassaria nas bilheterias. Coppola podia continuar a aumentar o orçamento sem considerar sua própria capacidade de devolver o dinheiro à ua, porque o estúdio, como condição da renegociação, havia cedido o controle da quantidade de dinheiro que o diretor podia gastar no filme. De forma ainda mais problemática para o estúdio, ele não mais podia obrigar o diretor a cumprir uma data de conclusão para o filme. Então, como uma disputa esportiva num pesadelo que não termina nunca, a fase de produção de Apocalypse Now arrastava-se mais e mais. E tudo o que a companhia podia fazer era se acomodar na plateia, por assim dizer, e assistir ao jogo. As coisas ficavam ainda mais complicadas para a empresa pelo fato de que a capacidade de Coppola de pagar seu empréstimo dependia de lucros futuros decorrentes da distribuição da obra no exterior e de várias vendas auxiliares. Mas a decisão dos executivos de cortar os investimentos implicava que eles pensavam que o filme não era bom. Isso significativamente comprometeu a capacidade de Coppola de negociar com distribuidoras internacionais e redes de televisão – todos percebendo que a ua não apostava no filme. Em outra situação paradoxal, a quantidade de dinheiro que Coppola provavelmente angariaria dos desvantajosos acordos de distribuição no exterior e de exibição na televisão aberta e fechada, logo que o filme tivesse sido lançado, dependiam em proporção direta das bilheterias domésticas do filme. Portanto, uma vez que o filme estivesse completo, os executivos da ua tinham duas escolhas. Se ainda odiassem o corte final, eles poderiam economizar sobre os custos com publicidade e também limitando o lançamento a somente salas selecionadas em grandes cidades. Mas fazer isso garantiria virtualmente que Coppola não teria como 199 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão do fundo do cor aç ão 198 As filmagens em locações foram um desastre de acordo com qualquer critério. Mau tempo, seguido por um ataque cardíaco quase fatal sofrido por Martin Sheen, e então uma guerra civil nas Filipinas, eventos obviamente além do alcance de Coppola, conspiraram para atravancar a produção³. Mas, mesmo sob essas circunstâncias extraordinárias, os números da produção eram alarmantes. Quando a fotografia principal foi concluída, a filmagem já havia durado espantosos 238 dias, espalhados ao longo de 15 meses. Quando executivos da United Artists se encontraram após a exibição prévia de Apocalypse Now para discutir o que fazer com o filme e com Coppola, eles concordaram a respeito de duas coisas: eles não haviam gostado muito do filme, e eles culpavam a si próprios pela perda de controle do projeto. Se as cabeças tivessem permanecido mais frias na reunião, os executivos teriam percebido que tinham bem menos a perder do que pensavam. Eles ainda estavam numa posição privilegiada para a realização de um “filme-evento” do mais famoso diretor americano. Seria difícil, sob essas circunstâncias, não fazer dinheiro. Mas as cabeças não permaneceram frias, e os executivos da United Artists decidiram cortar o principal investimento do estúdio no filme para 7,5 milhões de dólares. Seu raciocínio era simples: uma vez que eles não podiam controlar o projeto, seu autor deveria assumir o risco. Uma vez que o estúdio estava fazendo uma negociação de força – Coppola virtualmente não tinha chance de completar ou lançar o filme sem a cooperação do estúdio – a ua obteve o que queria. Em troca de um investimento principal de 7,5 milhões de dólares, a companhia deteve os direitos de distribuição doméstica do filme. Quanto às suas despesas adicionais, a ua concordou em emprestar fundos suficientes para que Coppola completasse a obra. No que parecia ser uma irônica afirmação do cinema autoral, a ua entregou o filme para seu autor. Até que o filme estivesse na lata, a ua tinha emprestado aproximadamente 25 milhões de dólares a Coppola, uma soma parcialmente garantida pelo percentual de lucro significativo do diretor nos dois filmes da série O Poderoso Chefão (The Godfather), assim como outras propriedades em seu próprio nome ou no da American Zoetrope. Mas, embora o acordo o tenha deixado profundamente endividado e com obrigações em relação à United Artists, em última instância Coppola passou a, em larga medida, possuir o projeto – do mesmo modo que alguém “possui” uma casa ou um carro que compra com um empréstimo – e portanto, com muitos poucos limites, ele poderia fazer com o filme o que quisesse. Como um resultado de seu acordo revisto com a United Artists, Coppola acabou assumindo muitos dos riscos do desempenho do filme nas bilheterias. Mas ele também garantiu um grau de controle sobre o próprio destino que nem ele, nem qualquer outro diretor de sua geração, já desfrutara. Em sua pressa para alterar as condições de seu acordo com Coppola, os executivos da ua não apreciaram devidamente o quão pouco ganhariam par te iii 3 Para um relato mais completo sobre a produção de Apocalypse Now, ver Notes, de Eleanor Coppola, e o documentário Francis Ford Coppola: O Apocalipse de Um Cineasta (Hearts of Darknes: A Filmmaker’s Apocalypse), de Fax Bahr e George Hickenlooper, 1991. Gordon e Jornada nas Estrelas – O Filme (Star Trek – The Motion Picture), todos lançados no mesmo ano. Mas, a despeito dos valores “reais”, a percepção do público – incentivada pela cobertura da imprensa – sugeria outra coisa. Quando Apocalypse Now foi lançado, a produção, e não o filme, se tornou o assunto de virtualmente qualquer artigo e de qualquer resenha. Na época, a ua não podia senão se sentir algo ambivalente quando a imprensa começou a ver Apocalypse Now como sintoma de uma indústria fora de controle. Indefinida se queria ou não que o filme fosse bem-sucedido – o estúdio parecia perder em qualquer uma das opções – os executivos responsáveis pelo marketing do estúdio nunca chegaram a um acordo sobre uma estratégia para lançar o filme. Como resultado, embora estivesse em sua capacidade mudar ou no mínimo redirecionar a “linha” que orientava a cobertura da imprensa, a ua não fez nada para proteger “sua” propriedade. Embora a recepção do público e da crítica tenha sido, antes e depois do lançamento, de muitos modos injusta, ela indicava que o cinema de autor estava numa espécie de encruzilhada. Nos primeiros tempos do chamado renascimento autoral de Hollywood, filmes como O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) e Tubarão (Jaws, 1975) não indicavam apenas a “chegada” de autores de formação universitária, mas também o desejo – mesmo a ânsia – desta nova guarda de realizar filmes de gênero ao estilo de Hollywood. Estes não eram rebeldes ou artistas, mas jogadores espertos, sutilmente atualizando o seguro pacote de gênero de estúdio. Os orçamentos altos eram meramente produto de seu tempo; os autores eram, de muitos modos, os sortudos beneficiários desta época amena e entusiasmada. Mas o dinheiro investido no diretor como uma commodity – o diretor como uma garantia de sucesso nas bilheterias – desde o início incorria em um risco capital: os tempos mudam, e, um dia, um dos estúdios veria seu dinheiro atrelado ao último dos filmes de autor. É certo que este medo alimentou o pânico acerca de Apocalypse Now. Dada a história da produção do filme e os vários acordos da ua com Coppola, o estúdio tinha toda razão para acreditar que Apocalypse Now marcaria o fim da época dos autores. Felizmente para Coppola, a ua estava errada sobre Apocalypse Now. Infelizmente para a ua, o próximo projeto do estúdio, O Portal do Paraíso (Heaven’s Gate, 1980), levou a cabo os piores medos sobre os blockbusters de autor e praticamente tirou a companhia do mercado de cinema. O P O R TA L D O PA R A Í S O “Ninguém de fato controla uma produção hoje em dia; o diretor está por conta própria, mesmo se ele for inseguro, descuidado ou louco. Sempre houve um potencial megalomaníaco no cinema, e, neste período de estupor, quando os valores foram tão minados que nem os melhores diretores e aqueles com mais 201 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão do fundo do cor aç ão 200 pagar o empréstimo, como poucas exibições domésticas afetariam negativamente as vendas internacionais e auxiliares relacionadas à televisão paga e aberta. A segunda opção dos executivos do estúdio era, gostassem ou não do filme, financiar um grande lançamento nacional com publicidade adequada a tal blockbuster. Esta segunda opção ao menos permitia a possibilidade de sucesso nas bilheterias locais, mas trazia consigo um cenário ainda mais intimidante: e se o público realmente gostasse do filme? O estúdio teria seu dinheiro de volta, é verdade, mas Coppola iria rir por último. Os executivos precisavam decidir qual possibilidade era mais onerosa: perder 32,5 milhões de dólares em um filme ou parecer estúpidos enquanto Coppola colhia os benefícios do sucesso de público do filme. Enquanto setores da indústria acompanhavam as diversas disputas de poder entre a ua e Coppola, a Transamerica, a empresa controladora da ua baseada em São Francisco, assistia a tudo da periferia. A principal preocupação da Transamerica na época não era o quão bem o filme poderia ir nas bilheterias, mas como a publicidade sobre o filme e sobre os acordos de Coppola com o estúdio poderiam afetar o valor das ações da própria Transamerica. A despeito do que aparecia como uma pequena e interessante história de Hollywood – sobre Coppola e a ua, e Apocalypse Now e cinema de autor – os executivos da Transamerica logo se deram conta de que, no esquema mais amplo das coisas, um filme, não importa o quanto custasse, e, em última instância, não importa o quão mal fosse recebido na imprensa, tinha muito pouco ou nenhum efeito sobre o valor das ações da empresa. Isto também trabalhou a favor de Coppola. Embora os executivos da ua tivessem se colocado numa posição insustentável em relação ao filme, a Transamerica simplesmente não se importava para poder intervir. Então, em uma jogada particularmente despreocupada e autozombeteira, para comemorar o terceiro ano de produção do filme, Coppola comprou para seu amigo James Harvey, um executivo sênior da Transamerica, um telescópio, e o instalou no escritório dele, de onde era possível ver uma placa no escritório de Coppola em North Beach na qual se lia: “Para Jim Harvey, de Francis Coppola, para que ele possa me manter vigiado”⁴. O presente pareceu apenas excêntrico para Harvey, mas ele mandou uma mensagem para os executivos da ua: a de que Coppola já estava essencialmente farto de lidar com eles. O presente lembrou os executivos da ua da amizade de Coppola com seu chefe, James Harvey, e ao mesmo tempo pareceu indicar que Coppola acreditava que o filme era tão bom que ele podia fazer essa piada. Quando Apocalypse Now finalmente ficou pronto para ser lançado, Coppola ainda tinha outra surpresa para a indústria. Apesar de todos os problemas que ele enfrentara para completar o filme, seu custo não era, ao menos de acordo com padrões de 1979, obscenamente alto. Custou menos, por exemplo, do que 007 Contra o Foguete da Morte (Moonraker), Flash par te iii 4 bach, 1987: 128. — pauline kael, 1980⁵ do fundo do cor aç ão 202 Não é só em retrospecto que Apocalypse Now e O Portal do Paraíso parecem conectados. Na mesma reunião em que os executivos da ua decidiram cortar seu investimento em Apocalypse Now, eles fizeram seu primeiro movimento para produzir um “novo western” baseado na Guerra do Condado Johnson. A história por trás do financiamento da ua de O Portal do Paraíso é mais ou menos assim: em agosto de 1978, conforme o burburinho sobre o lançamento de “O Franco Atirador” (The Deer Hunter, 1978), de Michael Cimino, se acumulava, o agente do cineasta na William Morris, Stan Kamen, propôs um pacote para a ua: “A Guerra do Condado Johnson”, um western de ação e aventura dirigido por Cimino e estrelado por Kris Kristofferson. É importante observar que Kamen não estava atrás de um acordo de desenvolvimento; em outras palavras, ele não procurava fundos para começar a trabalhar em um projeto. Ao invés disso ele estava atrás de um acordo de autorização imediata com opções que garantissem a produção, obrigando o estúdio a pagar taxas que chegavam a 1,7 milhões de dólares fosse ou não o filme produzido. Os aspectos mais sedutores da proposta de Kamen eram a oportunidade que ele apresentou a ua para produzir o filme de Cimino após O Franco Atirador – um filme que, mesmo antes do lançamento, gerara muito entusiasmo em Hollywood – e também o preço pago ao diretor antes de ele receber um Oscar, 500 mil dólares, pagamento relativamente modesto para um diretor em 1978. Igualmente atraentes eram o orçamento projetado relativamente baixo para o filme (7,5 milhões) e o fato de que boa parte da pré-produção seria encargo de Kamen, que representava não apenas o diretor, mas também vários membros do elenco proposto. A Guerra do Condado Johnson foi um dos vários projetos discutidos naquela reunião de setembro. Dado que a reunião foi essencialmente um velório devido ao corte bruto de Apocalypse Now, a proposta de Kamen foi avaliada em relação ao filme que nunca ficava pronto de Coppola. Ironicamente, os executivos saudaram A Guerra do Condado Johnson porque ele parecia tão diferente de Apocalypse Now. Ademais, os executivos olharam seu calendário de lançamentos para os anos seguintes e viram que para 1979 eles tinham dois blockbusters, 007 Contra o Foguete da Morte e Rocky ii, e, conforme as coisas estavam previstas naquele momento, dois potenciais blockbusters marcados para serem lançados em 1981, ambos sequências destas sequências: 007 Somente para Seus Olhos (For Your Eyes Only) e Rocky iii. Permanecia um mistério exatamente onde Apocalypse Now se encaixava no futuro do estúdio; afinal de contas, em setembro de 1978, o filme ainda parecia distante do lançamento, e ainda mais longe de se tornar um sucesso de bilheteria⁶. Retrospectivamente, é justo assumir que A Guerra do Condado Johnson parecia tão bom, antes de tudo, porque Apocalypse Now parecia tão ruim. De fato, a ua autorizou o filme de Cimino para preencher a falta de um blockbuster criada por Apocalypse Now. É claro que, como ficaria marcado no destino, foi o filme de cinco horas e vinte minutos O Portal do Paraíso, e não Apocalypse Now, que se revelou inviável comercialmente. E, quando uma versão de duas horas e meia de O Portal do Paraíso finalmente ficou pronta para ser lançada, a um custo de, aproximadamente, 36 milhões de dólares (embora a imprensa tenha noticiado que a produção chegou aos 100 milhões), o filme se tornou o grande desastre de bilheteria de todos os tempos. Mas, enquanto é verdade que a ua perdeu um bocado de dinheiro em O Portal do Paraíso – se contabilizarmos os custos de publicidade e distribuição, a perda líquida se aproxima dos 44 milhões – e obteve um retorno maior do que seu investimento em Apocalypse Now, a indústria como um todo sofreu mais devido ao sucesso do filme de Coppola do que ao fracasso nas bilheterias do de Cimino. Depois de 1981, os estúdios puderam retomar o controle sobre o “produto” das mãos de diretores poderosos, todos os quais, depois de O Portal do Paraíso, Michael Ciminos em potencial. Os próprios diretores tinham responsabilidade no mínimo parcial. Eles tinham de tal modo elevado suas apostas e os custos – tão focados em realizar grandes filmes – que tinham, com efeito, ameaçado coletivamente seu status a cada prestigiado pacote autoral. Depois de O Portal do Paraíso, autores dos anos 1970 como Martin Scorsese, Robert Altman, Peter Bogdanovich e William Friedkin, além de Cimino e de Coppola, provaram-se incapazes de realizar uma transição sutil para a Hollywood dos anos 1980. As reflexões de Coppola sobre o fiasco de O Portal do Paraíso são, ao mesmo tempo, simpáticas e filosóficas, e merecem ser citadas aqui. Em uma entrevista realizada, ironicamente, durante a produção de Do Fundo do Coração (One from the Heart, 1981), seu próprio O Portal do Paraíso, Coppola opinou: Penso que o que aconteceu com O Portal do Paraíso tem a ver com problemas muito maiores e mais fundamentais ligados à realização de um filme hoje. Tradicionalmente, o que acontece é que o diretor embarca em uma aventura, e ele está basicamente aterrorizado pelo assim chamado estúdio porque ele sabe que as pessoas com as quais ele está lidando não são o tipo de gente com quem ele quer sentar e discutir o que de fato ele quer fazer. Então o que ele faz é usar sua força como um diretor viável para obter todos os direitos: [especialmente] o direito ao corte final… Como resultado 6 Esta “visão interna” da relação entre O Portal do Paraíso e Apocalypse Now (mais em termos de negócios do que cinematográficos) é em larga medida retirada de Final cut, de Steven Bach. p. 127–130, 282–283. No final da década de 1970, Bach era vice-presidente sênior e chefe de marketing mundial na United Artists. Quando O Portal do Paraíso fracassou nas bilheterias, Bach foi demitido, assim como virtualmente todos os outros executivos da ua que “trabalharam” no filme. 203 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão liberdade estão seguros sobre o que querem fazer, eles com frequência se tornam obsessivos e grandiloquentes – como uma realeza ensandecida. Perpetuamente insatisfeitos com o material que continuam acumulando, eles não param de filmar – de acrescentar quartos ao palácio.” par te iii 5 kael, Pauline. “The current cinema: why are movies so bad?, or the numbers”, New Yorker, 23 de junho, 1980. p. 92. 9 canby, Vincent. “The screen: Heaven’s Gate”, New York Times, 22 de dezembro de 1980. p. 100. 10 bogue, Ronald. “The heartless darkness of Apocalypse Now”, Georgia Review 35-3 (1981). p. 626. 204 OS CRÍTICOS do fundo do cor aç ão “Apocalypse Now é uma jornada fracassada – um formato moderno comum – uma busca por um Cálice Sagrado que não existe. Como quebra-cabeças topológico, o fim do rio traz a pessoa de volta ao começo, embora sob um disfarce distorcido e exagerado, e ainda assim destilado e purificado (…) Apocalypse Now é sobre o fracasso, e sua jornada não poderia terminar responsavelmente em um sucesso.” — ronald bogue, crítico de cinema acadêmico¹⁰ No dia 11 de maio de 1979, com a aprovação da United Artists, Francis Coppola fez uma exibição prévia de Apocalypse Now no Mann’s Bruin Theater, em Westwood, Los Angeles. Os ingressos, ao preço de 7 dólares e 50, foram postos à venda às 6 da tarde para uma sessão às 8 da noite, mas as filas começaram a se formar às 9 e meia da manhã. O controle da multidão ficou a cargo do lendário produtor de rock Bill Graham, que teve um pequeno papel no filme, e o entusiasmo envolvendo a sessão levou Larry Gleason, o presidente da Mann Theaters, a anunciar (alegremente, sem dúvidas): “Isto é uma insanidade. É um pandemônio”¹¹. No segundo que chegou aos cinemas, Apocalypse Now era exatamente o que Coppola prometera que seria: um evento. O que deveria ter sido um momento triunfal para Coppola ficou silenciado pelas dificuldades que ele teve para financiar e finalizar o filme e pelas muito estranhas, com frequência pessoais, e profundamente contraditórias, respostas críticas preliminares à obra. Era como se ninguém, incluindo o próprio Coppola, conseguisse deixar pra trás toda a estrutura, todo o tempo, todo o dinheiro necessários. “Nós fizemos este filme como os Eua fizeram o Vietnã”, disse Coppola. “Havia uma quantidade em excesso de gente, de dinheiro e de equipamentos, e, pouco a pouco, enlouquecemos. Eu pensei que estava fazendo um filme de guerra, mas a situação chegou a um ponto em que era o filme que estava me fazendo”¹². Não conseguindo entender o sentimento da imprensa, Coppola enfatizou repetidas vezes a miríade de conexões entre o filme e sua vida: “Eu descobri que muitas das ideias e das imagens nas quais eu estava trabalhando como diretor de cinema começaram a coincidir com as realidades da minha própria vida, e que eu, como o Capitão Willard, estava subindo um rio no meio de uma selva muito distante, procurando respostas e esperando algum tipo de catarse”¹³. Com a fase dos autores aproximando-se de seu fim, a tendência de Coppola de ver a realização de filmes em termos grandiosos – como uma aventura, uma jornada Rio Mekong acima – foi recebida por muitos críticos como o pior tipo de publicidade egocêntrica de Hollywood. Mesmo aqueles que gostaram do filme, como Michael Depmsey, da Sight and Sound, estavam preocupados pelas apostas pessoais que Coppola parecia fazer a cada filme: “A grandiosidade de Coppola é uma questão de fantasias colossais sobre a arte, fantasias que só um tipo particular de diretor pode esperar desafiar”, ele escreveu quando o filme foi lançado. Para Dempsey, o problema com Apocalypse Now não se devia à sua política e nem mesmo a seu final (citado por vários outros críticos), mas antes ao que estava em questão no caso de todos os chamados “filmes-definitivos” [ultimate movies]. “Espera-se de pessoas como Coppola que produzam obras-primas a cada vez que fazem um filme”, ele concluiu. “Os diretores esperam isso deles próprios; qualquer coisa menos do que isso é considerada uma desgraça, uma traição”¹⁴. Para a vasta maioria daqueles escrevendo na imprensa popular, o que estava principalmente em questão era se Apocalypse Now sobrevivia ou não a toda a expectativa gerada. Sobre este assunto, apenas um dos principais 11 schreger, Charles. “Speaking up on Apocalypse Now”, Los Angeles Times, 14 de maio de 1979, parte 4. p. 7. 12 michener, Charles. “Finally, Apocalypse Now”, Newsweek, 28 de maio de 1979. p. 101. 13 dempsey, Michael. “Apocalypse Now” (resenha), Sight and Sound, Inverno de 1979-80. p. 8. 14 dempsey, “Apocalypse Now” (resenha). p. 8. 205 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 8 Joy Goud Boyum, citado por Stephen Bach em Final cut. p. 410. o estúdio não tem muito controle. O diretor vai lá e começa a fazer seu filme. Dando-se conta de que sua vida vai ser afetada num lance de dados, o diretor começa a proteger a si tentando tornar a obra bela, espetacular, única – praticamente sem considerar quais eram as prioridades originais do projeto⁷. No rescaldo imediato ao lançamento de O Portal do Paraíso, mesmo os mais simpáticos à causa do cinema de autor na imprensa tiveram dificuldades para defender a Hollywood autoral. Joy Gould Boyum, do The Wall Street Journal, por exemplo, escreveu: “A indústria, em alguma medida, abdicou para seus diretores. Esta é a vitória que aqueles entre nós que se importam com os filmes desejavam, mas ela se revela não ser exatamente o que esperávamos”⁸. Seguindo argumento próximo, Vincent Canby, do New York Times, acrescentou: “O Portal do Paraíso – o fenômeno e não o filme – esteve se aproximando por um longo tempo, mas jogar a responsabilidade sobre ele em apenas um diretor ou uma administração corporativa é vastamente simplificar o que esteve acontecendo no cinema comercial americano ao longo das últimas várias décadas (…) os custos de se realizar um filme, mesmo que modesto, subiram mais rápido do que qualquer outra coisa na economia (…) os sucessos rendem mais dinheiro do que nunca, enquanto as pessoas não vão assistir a um fracasso nem se for de graça”⁹. Enquanto o renascimento autoral em Hollywood parecia chegar ao fim com Apocalypse Now e O Portal do Paraíso, é importante observar que a Transamerica, que era dona da ua durante o desenvolvimento e o lançamento dos dois filmes, não foi muito afetada por estes episódios. O faturamento do conglomerado de seguros subiu para 4,04 bilhões de dólares em 1979, e em 1981, quando O Portal do Paraíso foi o próprio grande fracasso que executivos temiam quando assistiram a um corte bruto de Apocalypse Now, as ações da Transamerica sofreram uma queda sem maiores consequências e temporárias de três oitavos de um ponto. par te iii 7 talese, Gay. “The Conversation”, Esquire, julho de 1981. p. 80. 17 kauffman, Stanley. “Coppola’s war”, New Republic, 15 de setembro de 1979. p. 24. do fundo do cor aç ão 206 18 A indecisão de Coppola sobre como terminar Apocalypse Now era tão extrema que ele decidiu entregar questionários para o público presente nas exibições para a imprensa pedindo para que o ajudassem a terminar o filme. Em vez de responder positivamente à oferta de Coppola de permitir que tomassem parte no processo criativo, os críticos o condenaram por apelar para suas vaidades. O que este incidente parece revelar é que, no outono de 1979, Coppola havia perdido uma boa parte de sua popularidade com a imprensa. 19 Em seu tour de force da fofoca sobre a Nova Hollywood, You’ll never eat lunch in this town again (Nova York: Signet, 1991), Julia Phillip. relembra uma conversa que teve com o produtor Nich Wechsler, que, quando perguntado por Phillip. sobre o filme de Oliver Stone sobre o Vietnã, Platoon (1986), brincou: “Se Apocalypse Now fosse uma supernova, Platoon seria… uma lâmpada” (p. 527). Ao menos de acordo com Phillip. e Wechsler, Apocalypse Now ainda é o filme definitivo sobre o Vietnã. então ele também deveria conter o posicionamento político definitivo sobre o mesmo assunto. Aquilo que os críticos não podiam questionar era que todo aquele dinheiro “estava lá” na tela. Mas, em vez de aplaudir a abrangência e a grandiosidade da obra, eles criticaram Coppola por gastar dinheiro e tempo em excesso em vez de se dedicar à política da época. Porque Coppola parecia ignorar a política – isto é, porque ele parecia incapaz ou desinteressado em fazer uma declaração liberal ao estilo de Hollywood – muitos críticos argumentaram que o filme era profundamente conservador. Um crítico chegou ao ponto de chamar o filme de “monstruosamente antiliberal”; outro afirmou que era “tão conservador quanto O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation, 1915)”²⁰. E, naquele que se tornou um dos mais mencionados ataques a Coppola e ao filme, o antigo membro da American Zoetrope e argumentista de Apocalypse Now, John Milius, chamou seu antigo mentor de “um fascista delirante, o Mussolini da Bay Area”²¹. Em praticamente todas as resenhas, os críticos abordaram o que o filme significava em relação às condições econômicas da Nova Hollywood. Ao fazerem isso, estes críticos, involuntariamente, em seus próprios termos, igualaram-se ao filme. Quando atacaram o filme por seu subtexto autobiográfico, eles anteciparam o crescente desinteresse da indústria por aquilo que era pessoal; quando atacaram Coppola por ser apolítico, ou, pior, conservador, e por prestar muita atenção ao estilo e pouca ao conteúdo – um lamento que veio a caracterizar a linha crítica a Coppola nos últimos 15 anos – os críticos esqueceram o quão completamente Coppola havia abraçado a noção de cinema de autor conforme ela havia sido estudada quando ele era um aluno na UCLA. Para Coppola, trabalhando no cinema de gênero de Hollywood, o estilo era o fator determinante de um autor. Ao afirmarem a atenção de Coppola ao estilo, os críticos estavam meramente sublinhando que Coppola era, a despeito de todo o dinheiro e de todas as batalhas com o estúdio, ainda um autor. O MEMOR ANDO “A questão de se Coppola teve ou não um colapso durante Apocalypse Now é material de fofoca de primeira. Mas ela apenas escondia a dura verdade de que o diretor de cinema nos EUA raramente é adulto o suficiente para perder a cabeça.” — david thomson, crítico de cinema²² Em 30 de abril de 1977, durante a produção de Apocalypse Now, Coppola enviou um memorando para seus colegas na American Zoetrope em São Francisco que, mesmo de acordo com padrões de Hollywood, era impressionantemente insensato e paranoico. O memorando eventualmente vazou para a revista Esquire e foi reproduzido integralmente cerca de seis 20 mcinerney, Peter. “Apocalypse then: Hollywood looks back on Vietnam”, Film Quarterly 33.2, 1979–80. p. 30; thomson, David. Overexposures. Nova York: Morrow, 1981. p. 312. 21 thompson, Richard. “Stoked” (entrevista com Milius), Film Comment 12.4, 1976. p. 15. 22 thomson, 1981: 307. 207 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 16 hatch, Robert. “Films” (resenha de Apocalypse Now), Nation, 25 de agosto-1 de setembro de 1979. p. 152. críticos parecia dizer que o filme sobrevivia. Escrevendo para a Newsweek, Jack Kroll escreveu: “A coisa mais importante sobre Francis Coppola é que ele é um cineasta maravilhosamente talentoso, e o milagre é que, após toda essa loucura, ele nos trouxe um filme deslumbrante e inesquecível”¹⁵. O resto das resenhas, mesmo aquelas em publicações de interesses mais específicos, parecia todo do mesmo tipo. Na The Nation, por exemplo, Robert Hatch reclamou que “Coppola parecia estar alcançando um bizarro status de divindade das relações públicas, com a atenção mudando da própria obra para os traumas relacionados à concretização de um paraíso de megalomania”¹⁶. Stanley Kauffmann, na New Republic, chamava o visual do filme de “discoteca na selva”, algo “horrendamente fantástico”. Ele concluía afirmando que a culpa pelo fracasso do filme devia-se à necessidade egocêntrica de Coppola de realizar “o filme definitivo” sobre o Vietnã. Kauffman escreveu que Coppola “gosta de tamanho e pode usá-lo”, acrescentando que “é claro que outros diretores americanos, se tiverem 30 milhões de dólares para despejar, também podem produzir cenas de impacto e impressionantes, e que Coppola simplesmente não poderia ter feito isso sem dinheiro”¹⁷. Quando os resenhistas paravam de falar sobre dinheiro, eles se focavam no final, apesar de, em muitos casos, críticos diferentes terem assistido a finais diferentes. No final do ano de 1979, quatro finais tinham sido exibidos. O primeiro, exibido em cortes brutos iniciais para a imprensa e para a indústria, apresentava um ataque por terra e ar no complexo de Kurtz, estilizado para parecer com o apocalipse do título. Coppola eventualmente abandonou esse final porque ele parecia diminuir alguns dos gestos morais mais importantes do filme. Coppola corretamente temia que seu final inspirado por Milius, estilo “O crepúsculo dos Ídolos” [Götterdämmerung], com efeitos especiais dignos de uma produção hollywoodiana de ponta de 30 milhões de dólares, iriam destacar o quanto o filme dependia de fatores de estilo à custa da substância. A segunda versão do final foi exibida no Festival de Cinema de Cannes. Neste final, Willard mata Kurtz, mas, em vez de ordenar um ataque aéreo ao complexo, ele permanece extasiado pela obra de Kurtz e contempla a ideia de assumir o lugar do coronel. Na pré-estreia americana do filme e em parte de suas primeiras cópias exibidas em 70mm, Coppola tentou um terceiro final, que mostra Willard deixando o complexo desamparado, sem querer assumir o lugar de Kurtz porém incapaz de fazer muita coisa além de voltar rio abaixo. Finalmente, quando a cópia de 35mm chegou à maioria das salas, e também na versão em vídeo do filme, a saída de Willard é seguida por créditos sobrepostos a explosões de napalm tiradas de seu primeiro final, ainda na cópia bruta. A indecisão de Coppola sobre o final – um problema que assombraria praticamente todos os filmes do Zoetrope Studio nos quatro anos seguintes – parecia indicar sua ambivalência política¹⁸. Seus críticos pareciam dizer que, se Apocalypse Now era o filme definitivo sobre o Vietnã¹⁹, par te iii 15 kroll, Jack. “Coppola’s war epic”, Newsweek, 20 de agosto de 1979. p. 56. 25 Coppola, “Memorandum”. p. 190. 26 Idem. p. 195. 27 Idem. p. 192. do fundo do cor aç ão 208 a indústria, ele parecia terrivelmente como um homem querendo briga. Seja como for, o memorando revela a instabilidade de Coppola no momento preciso em que ele parecia comprometido a assumir o establishment da indústria. Embora o memorando nunca tivesse sido destinado a ter alcance público, sua publicação na Esquire trouxe àqueles interessados em cinema a primeira indicação real de como o filme e seu diretor estavam fora de controle. Mesmo para aqueles com conhecimentos primários sobre psicologia humana anormal, Coppola parecia profundamente paranoico. “Por favor se lembrem”, ele observou quase no final do memorando, “meu nome é Francis Coppola. Estou abandonando o Ford. Isto vem de uma frase que uma vez ouvi: ‘Nunca confie em um homem que tem três nomes’”²⁸. Ainda mais estranhas eram as várias posturas heroicas que ele guardou para a conclusão do memorando. “Eu ouvi dizer que o sucesso é tão difícil de lidar quanto o fracasso – talvez ainda mais difícil”, Coppola refletiu. “Eurípides, o dramaturgo grego, disse milhares de anos atrás: ‘quando Deus deseja destruir alguém, ele primeiro o torna bem-sucedido no show business”²⁹. 28 Idem. p. 194. 29 Idem. p. 196. Aqui Coppola convenientemente confunde a citação, embora tanto a versão transposta (no memorando) e a original sejam pertinentes. A título de registro, a original é a seguinte: “Aqueles a quem Deus deseja destruir, primeiro ele enlouquece”. 30 talese, “The Conversation”. p. 80. 31 cowie, Peter. Coppola. Nova York: Scribner’s, 1990. p. 145. 209 DO FUNDO DO COR AÇÃO: O QUE MAIS OU MENOS SÃO 25 MILHÕES DE D Ó L A R E S N A N O V A H O L LY W O O D ? “Quando anunciamos Do Fundo do Coração numa entrevista coletiva, falamos sobre tecnologia, métodos, talento… Mas tudo que eles queriam saber era sobre o problema com dinheiro.” — fr ancis coppola, 1981³⁰ No Oscar de 1979, com Apocalypse Now basicamente concluído mas ainda não lançado, Coppola foi chamado para apresentar o Oscar de melhor diretor. No palco, Coppola ignorou o script e em vez disso aproveitou a oportunidade para fazer uma previsão sobre o futuro da indústria, um futuro no qual ele planejava permanecer como um jogador importante. “Posso ver uma revolução nas comunicações que diz respeito a filmes, arte, música, eletrônicos digitais e satélites, mas, sobretudo, ao talento humano”, ele anunciou. “Ela fará os mestres do cinema, de quem herdamos este negócio, acreditarem em coisas que eles pensaram ser impossíveis”³¹. Com a compra da Hollywood General pouco mais de um ano depois, Coppola estava tentando realizar sua previsão. Quando as filmagens de Do Fundo do Coração começaram em 2 de fevereiro de 1981, Coppola já havia mapeado um novo processo de “cinema eletrônico”, um método verdadeiramente revolucionário para realizar um filme empregando tecnologia de vídeo de ponta. Do Fundo do Coração, Coppola imaginava, seria bem-sucedido devido a este método; e, por sua vez, o método faria sucesso uma vez que o filme fosse bem nas bilheterias. “Em certo nível”, o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 24 breskin, David. Innerviews: filmmakers in conversation. Londres: Faber and Faber, 1992. p. 47. meses depois²³. Coppola depois tentou pôr o memorando em perspectiva, observando que ele havia sido escrito dias após o ataque cardíaco de Sheen e que sua mulher, Eleanor, sabia que ele havia tido um caso com uma mulher mais nova na locação nas Filipinas. Além disso, ele observou que o memorando era resultado de conflitos políticos internos na American Zoetrope. Conforme ele disse em uma entrevista de 1992, “minha própria equipe estava disputando posições políticas, tentando trazer minha mulher para seu lado. E eu queria organizar as coisas mais claramente, e escrevi este memorando para deixar tudo às limpas – e aí foram lá e publicaram. E todos riram de mim, e fiquei muito constrangido”²⁴. A aparente paranoia de Coppola era somente parte da história; de fato, para parafrasear William Burroughs, às vezes estar paranoico significa simplesmente que você tem todos os fatos. As coisas iam mal na vida e no trabalho de Coppola, e na época ele estava muito menos disposto (do que sua esposa, por exemplo) a culpar alguma força mística que parecia estar voltada contra ele. No esquema grandioso de coisas que havia vindo a caracterizar a visão de mundo de Coppola na época – o que, também, parecia uma consequência da escala e da abrangência das coisas no limite final do que significava para ele ser um autor –, as coisas que não paravam de dar errado com Apocalypse Now tinham menos a ver com visões artísticas do que com o destino. Ele enxergava a si próprio como um herói trágico, um papel que, para ele, parecia natural. A primeira linha do memorando deixava claro o seu tom: “Esta companhia [então chamada Zoetrope] será conhecida como American Zoetrope, e, pura e simplesmente, ela sou eu e meu trabalho”. Coppola depois esclarecia ainda mais sua posição: “Nós não vamos estar no ramo de serviços (…) mas manteremos estas instalações para realizar melhor meus próprios projetos. Portanto vocês não são de fato empregados de uma companhia – em vez disso, são a equipe de um artista, de modo muito parecido à equipe de um filme”²⁵. “Onde quer que eu esteja”, ele concluía com pouca consciência de si, “será considerado a sede da companhia”²⁶. Boa parte do memorando tratava de assuntos ligados a dinheiro. Sabendo que um confronto entre ele e a ua sobre o custo do filme era iminente, Coppola explicava: “Sou arrogante sobre dinheiro porque preciso ser para não ficar aterrorizado cada vez que tomo uma decisão artística. Lembrem-se, os grandes estúdios só têm uma coisa de que um cineasta necessita: capital”. Em resposta a notícias de que o orçamento estava em torno de 70 milhões de dólares, Coppola decidiu não apenas desqualificar os rumores como exageros grotescos (o que de fato eles eram), como também reforçar sua posição oposicionista perante a indústria: “Minha desconsideração extravagante das regras do capital e de negócio é uma das minhas maiores forças quando estou negociando [com os estúdios]. Esta desconsideração deixa as coisas empatadas, por assim dizer”²⁷. Para até mesmo seus empregados mais fiéis, Coppola deve ter parecido louco (como Kurtz? como Willard?); para aqueles que comandavam par te iii 23 coppola, Francis. “Memorandum”, Esquire, novembro de 1977. p. 190–96. O primeiro grande problema com os estúdios começou bem cedo, quando ele começou a negociar para o financiamento da produção do filme. A mgm, após expressar significativo interesse no projeto, misteriosamente não forneceu uma garantia de realização [completion guarantee].³⁴ Logo após a recusa da mgm, o Chase Manhattan Bank não concedeu ao Zoetrope um empréstimo subscrevendo a produção, forçando Coppola, no mínimo temporariamente, a suspender a pré-produção. Embora não fizesse muito sentido na época (exceto caso se levem em consideração as questões mais amplas trazidas por Do Fundo do Coração), o tratamento da mgm em relação a Coppola não era sem precedentes; os estúdios frequentemente perdem o entusiasmo por projetos que prometeram apoiar. Embora possa não ter entendido exatamente porque a mgm resolveu desistir, Coppola reagiu calmamente ao desprezo do estúdio e voltou a vender o filme por aí. Ele logo encontrou um comprador, Barry Diller na Paramount³⁵, a distribuidora dos dois O Poderoso Chefão, mas o negócio não era assim tão bom. Diller manifestou interesse em distribuir o filme, mas não ofereceu um adiantamento e também não garantiu a realização. O que Diller prometeu foi que a Paramount iria, quando o filme ficasse pronto (e, pode-se acrescentar, fosse aprovado), lançar 600 cópias domésticas em uma data específica (10 de fevereiro de 1982), além de investir 4 milhões de dólares naquele período para promover o filme. Uma vez que nenhuma filmagem já havia acontecido, uma data de lançamento foi sugerida apenas para simbolizar o interesse sincero da Paramount, mas, em realidade, nem Coppola e nem a Paramount poderiam manter aspectos do acordo. Enquanto isso, Coppola continuou a mapear a produção do filme, e, apesar do frio interesse dos grandes estúdios no projeto, o orçamento preliminar não parava de aumentar. Antes que qualquer cena fosse filmada, o orçamento proposto do filme subiu de 15 para 23 milhões. Tendo sido atingidos de diferentes formas por Apocalypse Now e O Portal do paraíso, os grandes estúdios, que, no clima dos negócios nos primeiros anos 1980, já começavam a pensar em conluio ou até mesmo coletivamente, não estavam muito interessados em investir em outro prestigiado filme de autor. E a expectativa lançada por Coppola de que Do Fundo do Coração era uma espécie de teste para a sua nova tecnologia só deixou as coisas piores. Nenhum estúdio queria financiar a pesquisa e o desenvolvimento do Zoetrope sem ter participação nos futuros usos e lucros da tecnologia. A relutância dos estúdios em apoiar o projeto de Coppola era, evidentemente, compreensível. Mas os estúdios tinham mais a temer deles mesmos do que de Coppola. Sem o financiamento de um estúdio – e, pior ainda, sem a distribuição de um estúdio – para Do Fundo do Coração, Coppola tinha virtualmente nenhuma chance de realizar seu objetivo (mesmo com financiamento, seu sucesso ainda parecia duvidoso). Mas e se Coppola de algum modo realizasse Do Fundo do Coração e não fosse somente o próximo O Poderoso Chefão, mas também o novo Os Caçadores da Arca Perdida 34 Em geral, uma garantia de realização é um acordo entre um grande estúdio, o banco com o qual o estúdio conseguiu financiamento e a companhia ou os indivíduos responsáveis pela produção que literalmente garante que “fundos razoáveis” estarão disponíveis para atender às várias despesas de produção de um filme, em efeito garantindo que o filme ficará pronto. Raros são os filmes de estúdio realizados sem essa garantia virtualmente nenhum de orçamento como o de Do Fundo do Coração. 35 Em 18 de janeiro de 1982, a Time noticiou que executivos da mgm estavam insatisfeitos com o acordo de Coppola com a Paramount. Os executivos da mgm afirmavam que Coppola vendera os direitos de distribuição de Do Fundo do Coração para a Paramount sem antes comprar estes direitos de volta da mgm. Pouco mais de um mês depois, no entanto, a disputa sobre quem possuía os direitos de propriedade já era considerada irrelevante, porque então já era claro que o filme não traria dinheiro a ninguém. Ver “Presenting fearless Francis!”, Time, 18 de janeiro de 1982. p. 76. 211 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão do fundo do cor aç ão 210 33 É válido observar que muito daquilo que Coppola descrevia no começo da década de 1980 começou a tomar forma hoje em dia [na época em que o livro foi escrito], no começo da década de 1990, com o total apoio dos estúdios. No momento de escritura deste livro, discussões sobre canais expandidos de televisão e a transmissão de filmes em pay-per-view diretamente para os lares, apoiada por tecnologias desenvolvidas para as indústrias de áudio e vídeo, do telefone e do computador dominam notícias da imprensa no ramo de informação e entretenimento. ele disse ao romancista Gay Talese em uma entrevista à Esquire, “Do Fundo do Coração é uma aposta em uma nova tecnologia (…) é diferente de qualquer coisa que eu já tenha feito – que qualquer pessoa já tenha feito”³². Embora tal hipérbole fosse característica a Coppola e parecesse alinhada à expectativa anterior a todos os “filmes definitivos” lançados naquela época, a ênfase de Coppola em tecnologias que poderiam forçar outros estúdios a se reequiparem ou se reorganizarem trouxe, em toda a indústria, uma espécie de atenção para Do Fundo do Coração que o filme não tinha condições de suportar. Adicionalmente, o filme e a revolução que ele parecia anunciar vieram num momento particularmente ruim para os estúdios. Eles haviam acabado de começar a lidar com as tecnologias (e seus mercados) “revolucionárias” do videocassete e da televisão a cabo, e por causa disso se sentiram particularmente ameaçados pela conversa sobre outra nova Nova Hollywood. Embora os estúdios tivessem historicamente evitado pesquisas e desenvolvimento, sua batalha com a Sony parecia sugerir uma necessidade de ao menos começar a pensar sobre o futuro. O foco contínuo de Coppola sobre este futuro deixou os estúdios nervosos, mesmo se, financeiramente falando, ele tivesse pouca chance de jamais realizar sua ambição. O principal problema colocado pelo Zoetrope Studios era que Coppola tinha considerável acesso (e era de considerável interesse) à mídia. Embora Do Fundo do Coração fosse somente um filme, e o Zoetrope apenas um pequeno e severamente pouco capitalizado estúdio, a imprensa parecia inclinada a promover os planos de Coppola³³. E, quanto mais a imprensa repetia a versão de Coppola do futuro de Hollywood, mais ela parecia se tornar possível. A atenção de Coppola em tecnologias de distribuição e exibição – o próprio aspecto perturbador do debate sobre as bilheterias domésticas que os estúdios esperavam ter deixado para trás após terem lidado de maneira bem-sucedida com o Screen Actors Guild e com a Sony em 1980 – sem dúvidas fez com que toda a atenção da imprensa sobre Do Fundo do Coração se tornasse particularmente inflamável. Para proteger a sua posição – para manter controle sobre a distribuição e a exibição de filmes nos Estados Unidos – e para mandar uma mensagem sobre o formato que as coisas teriam no futuro da indústria, era necessário que os estúdios garantissem que Coppola não poderia financiar sua pesquisa. Para fazer isso, os estúdios tinham que garantir que Do Fundo do Coração, o filme sobre o qual o estúdio inteiro dependia, fosse muito mal nas bilheterias. E isso, lamentavelmente, era fácil para eles. Embora seja tentador soar conspirador aqui, não há evidência de qualquer acordo entre os estúdios para “pegar Coppola”. Mas os problemas de produção que atrapalharam o filme – todos os quais, em alguma medida, tendo a ver com capital garantido através de algum grande estúdio ou grande banco – pareciam ao menos indicar uma não declarada decisão da indústria de tornar a produção do filme tão difícil quanto possível. par te iii 32 talese. “The Conversation”. p. 78. surgira quando (e porque) o filme era realizado. Primeiro o Chase Manhattan emprestou 8 milhões; então, conforme os custos da produção se acumulavam, o banco acrescentou mais 3 milhões; e então, conforme encontravam dificuldades para realizar pré-vendas dos direitos de distribuição para o exterior, o banco forneceu mais 7 milhões. Empréstimos menores – na casa de 1 milhão – foram fornecidos por Norman Lear (que na época pediu para permanecer anônimo), Barry Diller e Michael Eisner na Paramount³⁸, e pelo Security Pacific National Bank (que já era um dos vários detentores titulares do estúdio). Outros 3 milhões vieram do magnata do ramo mobiliário canadense Jack Singer, um relativo novato na indústria do entretenimento. A experiência do financiador baseado em Calgary na época estava limitada a um investimento no ainda não lançado filme canadense Surfacing (1981) e uma tentativa fracassada com seu irmão Hymie de superar a Gulf and Western pelo controle da maior cadeia de cinemas do Canadá, chamada Famous Players. Pouca coisa no portfólio de Singer preparou qualquer pessoa na indústria para sua emergência como protetor de Coppola. Mas aqueles que conheciam Singer perceberam que ele queria há muito tempo se tornar um jogador em Hollywood. Como ele disse à Variety em março de 1981, ele investiu em Do Fundo do Coração não apenas devido a um antigo interesse no ramo do entretenimento, mas também porque o filme dava a ele uma chance de começar no topo. Singer provou estar em casa em Hollywood. Anunciando sua decisão de investir em Do Fundo do Coração, ele lançou: “Coppola é o tipo de pessoa de que eu realmente gosto. Ele é como um tesouro nacional. Se deixassem um sujeito como ele arruinado, seria uma tragédia. Estou interessado na pessoa. Ele é meu tipo de gente”³⁹. Mas, como Coppola e o resto da indústria logo descobririam, Singer sabia o bastante para não investir tanto assim na expectativa. Desde o começo ele estava preparado para agir se o filme fracassasse. Como seu irmão Hymie loquazmente disse em uma entrevista posterior à Variety: “Se Do Fundo do Coração não pagar, nós vamos encerrar com o estúdio”⁴⁰. Também em março de 1981, tão logo os 3 milhões de Singer parecessem fechar as contas da produção do filme, Coppola mais uma vez apostou em sua sorte. Primeiro ele acrescentou 32 dias ao programa de filmagens, e então começou a repensar e reelaborar aquela que viria a se tornar a cena de assinatura do filme: a deslumbrante sequência dos créditos de abertura que simula, em um momento de puro pós-modernismo cinematográfico, um voo sobre ruas desertas de Las Vegas, exagerando a arquitetura de grande design e pequenos prédios, descrita no clássico livro de arquitetura pós-moderna de Robert Venturi, Denise Brown e Steve Izenou, Learning from Las Vegas⁴¹. Coppola esperava passar os custos para os dias adicionais de filmagem e os efeitos especiais exigidos pela sequência para a Paramount, 38 O empréstimo realizado por Diller e Eisner era separado do acordo de financiamento de saída entre Coppola e a Paramount. Na época, sem dúvida este pareceu um gesto de apoio por parte dos dois executivos do estúdio. Mas os papéis de Diller e Eisner nos vários problemas envolvendo o lançamento de Do Fundo do Coração parecem revelar o gesto como uma manobra vazia, cínica, pensando apenas nas relações públicas. 39 mccarthy, Todd. “Coppola rescue spotlights Calgary’s megabuck clan”, Variety, 4 de março de 1981. p. 34. 213 40 adilman, Sid. “Singer’s a swinger on can. Pic scene, Coppola’s bankroll”, Variety, 25 de novembro de 1981. p. 51. 41 venturi, Robert, brown, Denise Scott, izenour, Steve. Learning from Las Vegas. Cambridge: mit Press, 1972. o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão do fundo do cor aç ão 37 O comportamento da Paramount é discutido em detalhes a seguir neste capítulo, sob o subtítulo “O que mais ou menos é um estúdio na Nova Hollywood?”. talese, “The Conversation”. p. 80. (Raiders of the Lost Ark, 1981)? Poderia a Paramount, por exemplo, confiar que a Columbia não optaria pelos consideráveis lucros em curto prazo gerados por um filme assim a despeito da possibilidade de que o sucesso do filme pudesse eventualmente afetar negativamente o futuro em longo prazo do estúdio? Ironicamente, a única chance de Coppola para filmar e lançar Do Fundo do Coração era explorar o pensamento em curto prazo e a ganância dos estúdios, fatores que eram precisamente aquilo que ele esperava deixar pra trás quando comprou a Hollywood General. É claro que, para explorar a ganância dos estúdios, ele teria que fazer um filme como Indiana Jones, o que não o interessava naquele momento. A produção de Do Fundo do Coração começou sem qualquer garantia real de que os fundos para terminá-lo um dia estariam disponíveis. A Paramount, ao contrário da ua durante a produção de Apocalypse Now, manteve uma vantagem estratégica. Enquanto a ua precisava lançar Apocalypse Now para recuperar seu investimento e permitir que Coppola devolvesse o empréstimo³⁶, a Paramount argutamente havia firmado um contrato que, na gíria da indústria, é chamado de “contrato de saída” [back-end deal], no qual o estúdio pode segurar os fundos de produção até o filme estar concluído e aprovado. Em termos que os homens que comandam a indústria prontamente entendem, tal contrato traz à mente uma imagem sexual bastante gráfica que ilustra não apenas este tipo de negócio, mas as relações de poder inerentes em virtualmente todas as relações entre estúdios e artistas. Dado que o acordo com a Paramount não era muito melhor do que o com a mgm, o Chase Manhattan permaneceu indisposto a conceder um empréstimo de produção. Que Coppola tenha mesmo assim seguido em frente e começado a produção do filme resume aquilo que ele chamou no memorando de Apocalypse Now de uma “desconsideração extravagante das regras do capital”. No que seriam, infelizmente, suas últimas tiradas bombásticas sobre Do Fundo do Coração, dias antes da Paramount praticamente destruir as chances do filme nas bilheterias, Coppola ofereceu a seguinte descrição de seu financiamento: “Nós tivemos talvez uma semana que foi assustadora [durante a produção], mas eu sentei e disse: ‘Olha aqui, eu tenho este filme, e se eu der um jeito de levar isso adiante por duas semanas, eu terei tanto filme pronto que a questão vai ser quem vai conseguir, quem vai tentar me parar?’ Uma vez que eu tivesse o filme rolando, ele era algo em potencial – para o banco, um bem em potencial, para a indústria, um novo filme em potencial. Eu sabia que seria preciso muita energia para me parar. Isto é exatamente o que aconteceu. Demos um jeito de levá-lo em frente. Começamos a produção sem o dinheiro. Depois de duas semanas tínhamos filme o bastante para seguir em frente”³⁷. De acordo com o presidente do Zoetrope Studios, Robert Spiotta, o filme custou, ao final, pouco menos de 27 milhões de dólares para ser produzido; isto após um orçamento preliminar de 15 milhões e um orçamento de produção “final” de 23 milhões. Como Coppola esperara, o dinheiro par te iii 212 36 Até agosto de 1986, a United Artists e Coppola não conseguiam concordar se a dívida de Coppola com o estúdio – o empréstimo que financiara Apocalypse Now – havia sido totalmente paga. Tendo em vista quanto dinheiro o filme gerara a essa altura, a posição da ua parece ultrajante. A este propósito se aplica a velha piada da indústria: “A máfia tentou entrar na indústria de filmes, mas ela não sabia como escrever os registros”. Ver “Coppola, Zoetrop. say they’re relieved of Apocalypse’ debt”, Variety, 6 de agosto de 1986. p. 7. 44 ross, Lillian. “Onward and upward with the arts: some figures on a fantasy”, New Yorker, 8 de novembro de 1982. p. 80. Muito do que tenho a dizer sobre o lançamento de Do Fundo do Coração se deve ao belo ensaio de Ross. do fundo do cor aç ão 45 Complicando ainda mais as questões está o fato de que agora é difícil verificar exatamente quanto do dinheiro cobrado para a produção de Do Fundo do Coração de fato foi para a pesquisa e o desenvolvimento do método de cinema eletrônico. O MÉTODO DO CINEMA ELETRÔNICO “Toda vez que faço um filme, toda vez que quero fazer um filme, toda vez que quero patrocinar um cineasta, preciso ir, com o chapéu na mão, a uma série de executivos de estúdio que não têm minha história e nem minha experiência. [E então] quando um bom filme é lançado, um que eles pensam que funcionará com o público, eles se comportam um pouco como Danton, que, quando a plebe estava pronta para destruir sua casa para fazer uma revolução, saiu atrás dela para liderá-la.” — fr ancis coppola, 1982⁴⁴ Embora o custo de produção de 27 milhões de dólares desmentisse as alegações de Coppola de que seu método de cinema eletrônico simplificava a fase de produção e cortava custos, este método, em teoria, ainda parecia viável ou até revolucionário⁴⁵. Primeiro, todo o roteiro é composto em parágrafos (em oposição ao roteiro tradicional) e inserido em um computador. Desenhos do storyboard são então acrescentados para acompanhar os parágrafos do roteiro (em Do Fundo do Coração, por exemplo, havia mais de 500 desses rascunhos). As entradas do storyboard são transferidas para o vídeo, então duplicadas e distribuídas para vários departamentos da produção (para o figurino, cenário, etc). Os atores então são chamados para lerem suas falas (como numa peça radiofônica). Seus diálogos são sincronizados ao storyboard, e então os efeitos de som e a música são acrescentados. Os storyboards são posteriormente reelaborados em fotos Polaroid com os atores ficando em frente aos cenários, completando um processo que Coppola denominou “pré-visualização”. A pré-visualização permite que um diretor edite um filme inteiro antes de filmar qualquer coisa em filmes de 35mm, portanto estendendo a fase de “desenvolvimento” e simplificando a fase de produção em uma “simples” execução de um visual pré-concebido e pré-visualizado. A pós-produção é simplificada de modo parecido. Todo filme processado – em outras palavras, todas as cenas filmadas e desenvolvidas em 35mm – são transferidas a uma fita de vídeo que é então codificada. Um corte bruto é executado no vídeo e posteriormente passado a um editor de película, que monta o negativo de acordo com a fita. Um benefício adicional de tal método de pós-produção é que um filme completamente editado pode estar disponível para lançamento pouco tempo após a fase de produção ter terminado. Como todos os filmes são financiados com empréstimos bancários, uma redução no tempo de produção pode fazer uma distribuidora poupar uma quantidade de dinheiro significativa em juros. Conforme as coisas começavam a clarear no Zoetrope – depois das primeiras duas semanas filmando Do Fundo do Coração – o diretor da divisão de cinema eletrônico do estúdio (e antigo chefe de efeitos especiais da Lucasfilm), Thomas Brown, estava trabalhando em uma caneta de luz que permitiria aos ilustradores desenhar diretamente sobre os rascunhos pré-visualizados. Ele imaginava um gigantesco banco de dados no qual as várias mãos que afetam um filme poderiam literalmente desenhar no texto pré-visualizado. Em última instância, Brown prometeu: “vamos tirar o filme da cinematografia de uma vez só”⁴⁶. Mas, apesar da praticidade e da promessa do método do cinema eletrônico, a incapacidade de Coppola em resistir a fazer outro “filme definitivo” minou o processo. Em 1981, a ideia de cortar custos era absurda sempre que uma produção de Coppola começava. Os cenários de Do Fundo do Coração custaram mais de 4 milhões, e só a sequência de abertura dos créditos acrescentou outros 4 milhões ao orçamento. Coppola pegou outros 3 milhões como pagamento por dirigir o filme, e então, mesmo antes de ter pagado aos atores, ao fotógrafo, ao diretor de arte e ao resto da equipe, ele já havia gastado o que equivalia à média de um longa-metragem completo de um grande estúdio. As exigências específicas e descompromissadas do diretor sobre como o filme deveria ser levaram a uma aparentemente infinita série de difíceis problemas de produção, o que aumentou ainda mais os custos. Por exemplo, para criar um visual parecido com o dos musicais dos anos 1930 e 1940, ele insistiu em filmar na chamada “janela clássica” (4:3), que produz uma imagem mais quadrada (em oposição ao formato retangular convencional). Mas, quando começou a filmar, ele descobriu que as partes superiores do cenário (que tinham sido construídos por mais de 200 carpinteiros) estavam visíveis. O problema foi resolvido quando os tetos foram pintados e redes pesadas foram aplicadas para criar uma 46 bygrave, Mike, goodman, Joan. “Meet Me in Las Vegas”, American Film, outubro de 1981. p. 43. 215 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 214 43 Embora seja incerto se a United Artists iria longe a ponto de confiscar a propriedade privada de Coppola quando o diretor pegou um empréstimo de produção com o estúdio para financiar Apocalypse Now, desta vez era claro que o Chase Manhattan não hesitaria em confiscar a propriedade se Coppola não pagasse o empréstimo. que havia estipulado em termos totalmente nebulosos que poderia oferecer até 4 milhões em fundos adicionais se Coppola os exigisse. Mas, no que se revelou um grande erro estratégico, Coppola decidiu filmar a cena primeiro e pedir o dinheiro depois. Quando Coppola foi pedir os 4 milhões adicionais a Diller, a cena já estava na lata e o dinheiro já havia sido gasto. Irritado por não ter sido consultado antes sobre o aumento do orçamento, Diller deu um passo atrás e se recusou a passar o dinheiro a Coppola. Na época, Coppola disse que havia esperado até o filme estar pronto para ir até Diller porque ele queria saber exatamente quanto dinheiro pedir. Mas Diller, por razões que iam além de sua consideração do filme e de seu potencial nas bilheterias, estava simplesmente aproveitando uma oportunidade para obstruir a produção do filme. Já tendo “gasto” dinheiro que ele não tinha, Coppola voltou-se outra vez ao Chase Manhattan Bank⁴². Ele estava perigosamente além do limite, mas, depois de concordar em pôr sua vinícola em Napa Valley e seu estúdio como penhoras⁴³, o Chase Manhattan concordou em fornecer fundos o bastante para o término do filme. par te iii 42 Quando Coppola não conseguiu pagar à equipe de Do Fundo do Coração, os trabalhadores do estúdio votaram para que a produção não fosse interrompida. de diminuir as coisas. Mas não era o filme que ele precisava fazer em 1981, e, como resultado, seu estúdio, sua carreira e o método do cinema eletrônico sofreram. 48 breskin, 1992: 21. 49 cowie, 1990: 159. DO FUNDO DO COR AÇÃO: O Q U E M A I S O U M E N O S É U M E S T Ú D I O N A N O V A H O L LY W O O D ? Do Fundo do Coração sofreu da percepção de que eu era alguém selvagem, egomaníaco, no mesmo estilo de Donald Trump, e, uma vez que as pessoas acham isso de você, é só uma questão de meses até você ser posto abaixo. — fr ancis coppola, 1992⁴⁸ Para atender aos complicados regulamentos de exibição de filmes do estado, no dia 19 de agosto de 1982, a Paramount promoveu uma exibição de um corte bruto de Do Fundo do Coração. Coppola ainda não tinha sincronizado a música evocativa e narrativa na cópia, e muitas das elegantes transições de um cenário teatral para outro ainda não estavam em evidência. Com dois elementos estilísticos essenciais ausentes de um filme que dependia tanto de estilo, não é de surpreender que a reação dos exibidores tenha sido fria. Um exibidor quebrou o protocolo e revelou sua reação para a crítica de cinema do San Francisco Examiner, que então foi ainda mais longe e quebrou a ética da imprensa citando (embora sem nomear) o exibidor em sua coluna. A reação do exibidor foi contundente: “Quase penso que o filme não pode ser lançado. Como podem estas Grandes Pessoas talentosas estarem tão erradas (…) Será que o Francis tem todos a seu redor tão impressionados que eles não podem nem sequer lhe contar a verdade?”⁴⁹. A reação dos exibidores ao filme teve um efeito imediato na já complicada relação de Coppola com Diller e a Paramount. Do Fundo do Coração não era – como Diller uma vez esperara, ou, talvez, uma vez temera – um blockbuster em potencial. Portanto, não havia mais qualquer razão para a Paramount apoiar o filme. Como Diller havia insistido em um acordo de saída quando fez o contrato para os direitos de distribuição doméstica de Do Fundo do Coração, o estúdio não estava obrigado a pagar ou exibir o filme; ele poderia, a qualquer momento, simplesmente se recusar a distribuí-lo. Ao mesmo tempo, Diller não estava sob pressão para discutir a posição do estúdio com Coppola e não estava obrigado a agir (para cancelar o contrato) rapidamente. Diller tomou vantagem e decidiu esperar o máximo possível antes de contar a Coppola seus planos de abandonar o filme. Foi um movimento particularmente áspero destinado a não somente proteger o estúdio, mas minar completamente as chances do filme nas bilheterias, e, por extensão, a viabilidade do estúdio lastreada por estas receitas. Desconhecendo o quanto a Paramount estava insatisfeita com o filme, Coppola voltou-se para setores da indústria para alardear sua frustração, 217 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão do fundo do cor aç ão 216 sensação mais tridimensional (e teatral). Quando Coppola viu o material no vídeo, no entanto, ele percebeu que as redes precisavam ser pintadas de azul, não de preto. O cenógrafo Dean Tavoularis então pintou as redes de azul, mas a segunda demão de tinta foi muito pesada e o teto começou a descascar. Após substituir e repintar o teto, Tavoularis decidiu que seria legal se o teto também tivesse estrelas, e, dada a escala da produção, ninguém parecia disposto a dizer para ele deixar isso pra lá. Depois de cinco tentativas, o teto estava finalmente pronto e a produção continuou, até o próximo problema… Os planos de Coppola para o filme – seu senso do que o filme era, do que ele deveria ser – nunca estavam claros. Em uma entrevista, ele afirmou que queria fazer um filme sobre um pequeno relacionamento, mas então acrescentou que queria experimentar com um estilo teatral radicalmente diferente. Ele foi bem-sucedido na tentativa de estabelecer um método no qual as tarefas da produção estavam melhor coordenadas, mas então contratou o fotógrafo Vittorio Storaro e o cenógrafo Dean Tavoularis, duas pessoas com quem já tinha trabalhado em Apocalypse Now e que não estavam muito acostumadas a se preocupar com custos de produção. Coppola sem dúvidas apreciava a capacidade de Storaro e de Tavoularis de ajudá-lo a alcançar um visual de tirar o fôlego, mas sua participação também contribuiu para o orçamento de 27 milhões. Mesmo depois do filme estar finalizado, Coppola parecia singularmente incapaz de falar sobre Do Fundo do Coração de modo coerente ou até racional: Eu pensei, o que iria acontecer se você simplesmente pegasse a história – um cara, uma garota, outro cara, outra garota (o mais simples possível, burro mas doce) – e a fizesse passada m Las Vegas? Estou andando pelo Ginza – o Ginza é no coração de Tóquio, e se parece muito com Las Vegas – e pensando que Las Vegas é a última fronteira dos Estados Unidos. Quando tinha acabado a terra, construíram Las Vegas, e ela foi construída sobre estas noções de amor e de oportunidade – que, para mim, são uma espécie de amor. Você sabe como as coisas acontecem quando você está interessado e emocionalmente apegado a algo, por acidente, como se elas alcançassem uma espécie de reverberação em você? Então eu disse, por que não fazer como um destes filmes que são feitos como uma série de filmes de relacionamento – mas realizado como uma espécie de peça Kabuki passada em Las Vegas.⁴⁷ No começo dos anos 1980, os estúdios estavam voltando suas atenções para filmes de conceitos claros, projetos que podiam ser reduzidos a um único rótulo. Do Fundo do Coração não parecia se adequar a esta tendência. Que o filme não possa ser descrito em uma única frase – ou ao menos em uma única frase que faça qualquer sentido – não apenas revela sua dificuldade de venda, mas também a confusão do diretor sobre a obra. Do Fundo do Coração é um filme incrível, eu penso, por causa de toda sua confusão, pela recusa ou incapacidade de Coppola par te iii 47 cott, Jonathan. “Rolling Stone interview: Francis Coppola”, Rolling Stone, 18 de março de 1982. p. 25. Esta entrevista foi publicada em um momento inoportuno: ela aconteceu antes do lançamento do filme, mas não foi publicada até depois do filme já ter fracassado nas bilheterias e recebido críticas duras na grande imprensa. As afirmações altivas de Coppola sobre o filme pareceram na época (na melhor das hipóteses) irônicas. de 4:3 [o formato anterior ao Cinemascope, a largura 1,33 vezes maior do que a altura] para que as cabeças não sejam cortadas. Vamos deixar 6 mil pessoas assistirem ao filme, não seis exibidores. Ademais, eu possuo o filme, não a Paramount. Cabe a mim fazer dele um sucesso. Se for, nós poderemos fazer de oito a dez filmes por ano. Do contrário, os bancos ficam com estúdio”⁵¹. Quando a euforia pela première de gala passou, Coppola começou a considerar de forma mais realista o potencial do filme nas bilheterias. A situação, ele logo percebeu, era sombria. Encontrando-se sem distribuidora para Do Fundo do Coração menos de um mês antes de seu lançamento previsto, Coppola teve que se deparar com o fato de que, antes que seu primeiro filme pelo Zoetrope chegasse aos cinemas, os bancos de fato poderiam ficar com o estúdio. Pouco tempo depois da decisão da Paramount de abandonar o filme, Coppola começou a aventar a possibilidade de não distribuí-lo. “A melhor coisa com este filme talvez seja torná-lo inacessível às pessoas”, Coppola contou à imprensa, “deixando elas imaginarem como ele é. Talvez eu vá somente recolher o filme. Daqui a cinco anos, eu o exibo”⁵². Não obstante o quão interessante esta estratégia possa ter parecido, Coppola simplesmente não tinha como esperar. Embora fosse “o seu” filme (ainda mais do que Apocalypse Now), no fim das contas ele devia ao Chase Manhattan Bank e a Jack Singer quase 27 milhões de dólares. Quanto mais esperasse para lançar o filme, mais juros sobre os empréstimos ele acumulava. Porque o Zoetrope (e Coppola pessoalmente) não estavam em posição para sustentar a carga de débitos, Robert Spiotta imediatamente começou a procurar ofertas de distribuição de outros estúdios. Mas, como o presidente do Zoetrope loquazmente disse a um entrevistador na época: “Nesta indústria, quanto maior é sua necessidade, pior é o seu acordo”⁵³. E o Zoetrope passava por uma terrível necessidade. Então, o melhor que Spiotta conseguiu tendo um aviso tão curto foram as seguintes cinco opções: 1) Um acordo de dois filmes com a Warner para Do Fundo do Coração e (o ainda “pouco desenvolvido”) Vidas Sem Rumo (The Outsiders, 1983); 2) um acordo de distribuição com a Columbia para um lançamento limitado de Do Fundo do Coração; 3) Um acordo de distribuição para Do Fundo do Coração com a Orion (sob o selo da Filmways); 4) Um acordo para Do Fundo do Coração com a Universal; 5) Um acordo de distribuição com a Columbia ou com a Warner para somente Vidas Sem Rumo. Cada opção colocava um problema diferente. O acordo de dois filmes com a Warner Brothers, que a princípio parecia o melhor, decorria do grande interesse do estúdio em seu projeto de filme para adolescentes, Vidas Sem Rumo. Embora Coppola e Spiotta tivessem razão para ser otimistas sobre como a Warner lidaria com o lançamento do filme para adolescentes, não estava exatamente claro como o estúdio planejava cuidar da distribuição de Do Fundo do Coração. 51 corliss, “Presenting Fearless Francis”. p. 76. 52 ross, “Onward and upward with the arts”. p. 90. 53 Idem. p. 100. 219 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão do fundo do cor aç ão 218 alegando que o estúdio exibira o filme sem sua permissão. Foi uma estratégia ofensiva que só teria sido eficaz se o filme fosse tão bom que o estúdio não pudesse deixar de lançá-lo. Na época, ele parecia genuinamente não saber o quanto Diller e Eisner tinham desgostado do filme e quão intensamente eles procuravam uma desculpa para anular o acordo de distribuição. Ao levar sua insatisfação a público, Coppola convidou a Paramount a humilhá-lo publicamente, e foi o que o estúdio fez. Em 15 de janeiro de 1982, para combater a publicidade negativa acompanhando a exibição do corte bruto aos exibidores, Coppola exibiu por conta própria (sem autorização da Paramount) uma versão bem mais polida da obra em duas sessões esgotadas no Radio City Music Hall Theater em Nova York. Estas exibições se tornaram assunto de consideráveis especulações da indústria quando, três dias mais tarde, a Paramount finalmente anunciou que havia decidido encerrar seu acordo de distribuição com o Zoetrope. Muitos na indústria suspeitaram que a jogada de Coppola no Radio City Theater havia constrangido o estúdio. Mas, na época, Diller disse à imprensa que o acordo já fora rasgado no dia anterior às exibições no Radio City e que ele havia adiado o anúncio da decisão da Paramount de não distribuir Do Fundo do Coração em deferência à exibição prévia planejada por Coppola em Nova York⁵⁰. Embora Coppola depois tenha argumentado que ele havia exibido o filme para mostrar que as exibições em São Francisco eram enganosas e que ele esperava convencer Diller que o filme de fato poderia ser um evento se fosse manuseado corretamente, a Paramount desistiu do filme e, ao fazer isso, efetivamente destruiu suas chances nas bilheterias. Em retrospecto, a trama de Coppola no Radio City parece uma manobra desajeitada e temerária. Mas na época ela atingiu muitos na indústria como ousada e estrategicamente impactante. Por exemplo, o escritor e roteirista Paul Schrader chamou a decisão de Coppola de exibir uma prévia do filme no Radio City de “uma jogada brilhante”, acrescentando que “se [Do Fundo do Coração] for um sucesso, [Coppola] pode limpar um ano de publicidade negativa”. Um “escritor amigo” de Coppola parecia, de modo parecido, indisposto a descartar o diretor: “Francis é um gênio em manipular a mídia, e eu aposto que ele fará isso outra vez. Apenas se lembrem: esta não é a história de um pequeno sujeito contra o sistema. Francis é o sistema”. Finalmente, mesmo um “infiltrado na Paramount” concedeu que as exibições no Radio City poderiam salvar o filme. “Nós poderíamos ter apoiado a ideia”, ele confessou à imprensa, “se Francis a tivesse trazido até nós”. Em sua própria defesa, Coppola resumiu a situação da seguinte maneira: “Assim que as coisas começaram a ir mal com a Paramount, resolvi abrir o filme (…) É como ser rejeitado por aquele que você ama; isso te dá uma desculpa para chamar outra pessoa (…) então eu pensei, vamos ter uma exibição perfeita – uma tela grande, boa projeção, formato de tela par te iii 50 klain, Stephen. “Paramount – Coppola break ‘Heart’ strings before previews; Zoetrop. seeks new distrib. tie”, Variety, 20 de janeiro de 1982. 54 Idem. p. 101. 55 “Col. Firms Domestic Distrib. Tie to Coppola’s ‘Heart’; Theatrical Only”, Variety, 3 de fevereiro de 1982. p. 32. 221 o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão As redes Plitt e Loews competiam por exclusividade, e vários cinemas importantes em Denver, Las Vegas, Chicago, Boston, Washington e Long Island fizeram ofertas. A princípio, Spiotta esperava se valer do considerável interesse de exibidores no filme para negociar um acordo melhor com os grandes estúdios. Em vez disso, ironicamente, o acordo que Spiotta estava mais disposto a aceitar a princípio – o acordo de dois filmes com a Warner que prometera alguma espécie de lançamento para Do Fundo do Coração e dinheiro adiantado para Vidas Sem Rumo – se desfez precisamente devido ao rumor de que o Zoetrope pudesse lançar Do Fundo do Coração ele mesmo. Uma vez que todas as outras propostas eram inaceitáveis, Spiotta foi forçado a agir sobre um rumor que ele mesmo criara. Frustrado, ele confessou à imprensa: “De um ponto de vista prático, distribuir o filme para além de um lançamento inicial sem uma empresa de distribuição é uma loucura”⁵⁴. Em preparação para um lançamento limitado do Zoetrope, Spiotta encomendou 25 cópias (em oposição às 600 prometidas pela Paramount). Quando as cópias ficaram prontas, um acordo havia sido alcançado com a Columbia. Ao contrário da Warner, que também queria Vidas Sem Rumo, ou da Universal, que insistia em se proteger exigindo todos os direitos de exibição do filme, a Columbia parecia disposta a assumir o risco contanto que não tivesse que adiantar muito dinheiro. Além disso, a Columbia manifestou interesse em uma relação em longo prazo com Coppola, a despeito da possibilidade de que Do Fundo do Coração fosse mal nas bilheterias. Após assinar o acordo com a Columbia, Coppola e Spiotta permaneceram preocupados com a falta de entusiasmo do estúdio. Para acalmá-los, a Columbia emitiu um comunicado que anunciava o acordo de distribuição e afirmava adicionalmente que, após uma exibição recente do filme (a segunda destas exibições para a maioria deles), executivos do estúdio haviam subitamente se apaixonado por Do Fundo do Coração⁵⁵. É difícil imaginar que qualquer um no mercado, incluindo Coppola e Spiotta, tenha acreditado neles. A Columbia decidira realizar o compromisso que fora da Paramount, e que se tornara do Zoetrope, de lançar o filme a tempo do Dia dos Namorados (Valentine’s Day, 14 de fevereiro nos eua). Mas, como a Columbia não concordara em distribuir o filme até o final de janeiro, não havia tempo para lançar um trailer nos cinemas ou anúncios nos jornais. Na realidade, não havia tempo para transformar o filme no tipo de evento que ele precisava ser para fazer dinheiro. Ademais, a Columbia se provou indisposta ou incapaz de administrar a reação da imprensa em relação a toda a controvérsia envolvendo a distribuição. A saída da Paramount parecia indicar que o filme era, como o artigo no San Francisco Examiner sugeria, “inlançável”. A imprensa se focou impiedosamente nos problemas financeiros do Zoetrope e o par te iii do fundo do cor aç ão 220 O acordo com a Columbia ao menos identificava Do Fundo do Coração como seu filme de interesse. Mas, dada toda a má publicidade ligada à produção do filme e aos problemas de Coppola com a Paramount, foi proposta uma estreia limitada, que iria se expandir somente se o filme fizesse sucesso imediato. Tal oferta parecia no mínimo tão ruim quanto aquela pouco entusiasmada da Warner para lançar o filme nacionalmente. O problema de um acordo com a Orion era um pouco mais complicado. A Orion, como o Zoetrope, era um dos chamados estúdios alternativos. Com alguma sorte a Orion poderia ter oferecido a Coppola a oportunidade de lançar Do Fundo do Coração como um filme radicalmente novo, de um tipo que os grandes estúdios eram muito conservadores para compreender. Mas, enquanto ir para a Orion parecia bom em teoria, o estúdio ainda estava no processo de assumir a Filmways, o selo sob o qual haviam proposto lançar Do Fundo do Coração. Portanto, apesar de seu considerável interesse em trabalhar com o estúdio menor, Coppola simplesmente não podia aguardar até que o acordo entre a Orion e a Filmways estivesse finalizado e o estúdio tivesse condições de lançar o filme. Os termos da oferta da Universal eram consideravelmente piores do que o acordo original com a Paramount. A Universal ofereceu 6 milhões para os direitos de distribuição doméstica, de transmissão na televisão aberta e fechada e de videocassete. Isto é, por apenas 2 milhões a mais do que a Paramount tinha oferecido, a Universal desejava controlar o filme em todos os formatos domésticos existentes. Na época, a possibilidade de receber dinheiro à vista em um acordo para apenas Vidas Sem Rumo com a Warner ou com a Columbia parecia ter potencial porque então o Zoetrope poderia usar as verbas de desenvolvimento para organizar um lançamento limitado de Do Fundo do Coração. Mas, enquanto essa opção parecia convidativa, Coppola percebeu o quão pequeno este lançamento precisaria ser e quão pouco tempo ele teria antes que seus credores fossem atrás de seus bens penhorados. Uma coisa ficava clara em todas as ofertas: ninguém estava tão interessado em distribuir Do Fundo do Coração. Spiotta esperara conseguir um acordo parecido com o que fora cancelado pela Paramount: um lançamento de 600 cópias e 4 milhões em publicidade em troca dos direitos de distribuição domésticos do filme. Sem conseguir isso, ele esperava no mínimo encontrar um estúdio que se entusiasmasse a respeito do filme. Mas, depois da decisão da Paramount de abandonar a obra, ninguém na indústria parecia disposto a fingir isso. Enquanto isso, rumores vazaram do Zoetrope informando que Coppola decidira lançar o filme ele próprio sem antes vender os direitos de Vidas Sem Rumo. Em resposta a estes rumores – que provavelmente foram disseminados por Spiotta ou Coppola para testar o interesse dos exibidores – vários cinemas de grandes cidades contactaram o estúdio. do fundo do cor aç ão 222 havia anunciado com sucesso Tess (1979), de Roman Polanski. Em outras palavras, o estúdio tentou definir O fundo do coração como um filme de arte com um potencial mais abrangente do que o de costume. Uma vez que o estúdio primeiro lançara Tess nos principais mercados urbanos e então se valera do boca-a-boca positivo para angariar algum sucesso de bilheteria, os executivos da Columbia continuaram a apostar em uma estratégia de lançamento limitada, exibindo Do Fundo do Coração em apenas 25 cinemas em nove cidades. A estratégia foi um fracasso. Depois de apenas sete semanas Do Fundo do Coração estava morrendo – sendo exibido em apenas um cinema. Em vez de montar um caro e constrangedor lançamento nacional, no final de abril de 1982, com o consentimento de Coppola, a Columbia tirou o filme de cartaz. Embora Do Fundo do Coração tenha rapidamente assumido seu lugar como um dos maiores fracassos de bilheteria da história do cinema moderno, as grandes novidades na Columbia na época não eram Do Fundo do Coração, mas a compra do estúdio pela Coca-Cola. Os 4 milhões que a Columbia perdeu em Do Fundo do Coração parecem irrelevantes diante dos 700 milhões que o estúdio arrecadou em 1982 e os 5,9 bilhões faturados pela Coca-Cola. Mas para Coppola, cujos bens estavam atrelados a empréstimos apoiando seu estúdio e o filme, o fracasso de Do Fundo do Coração foi devastador. Na esteira dos resultados sombrios nas bilheterias, Coppola anunciou que, após menos de dois anos em operação, o Zoetrope Studios estava à venda. 58 Idem. p. 115. 223 OS CRÍTICOS “Na Suécia, eles parecem gostar muito do filme.” — fr ancis coppola, 1982⁵⁸ No dia 20 de janeiro de 1982, quase duas semanas antes de o filme estar com o lançamento marcado, a Variety publicou sua resenha de Do Fundo do Coração. Como o filme na época estava sem distribuidora, a crítica foi lida com real interesse pela indústria. Infelizmente para Coppola, o texto, cujo subtítulo era Corpo Deslumbrante, Coração Vazio pouco fez para mudar a visão da indústria sobre o filme ainda não lançado. Como muitas das críticas que se seguiriam no mês seguinte, a resenha da Variety contextualizava sua crítica a partir da etiqueta do preço de cerca de 27 milhões de dólares. Por conta disso, uma avaliação geral do filme como “frequentemente engraçado, melodioso e ocasionalmente envolvente” foi qualificada por uma crítica crescente dos impressionantes efeitos técnicos que o tornavam um potencial filme-evento. De acordo com a Variety, Do Fundo do Coração era um “pequeno filme amável e modesto”, oprimido e minado por um estilo visual berrante e o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 57 ross, “Onward and Upward with the Arts”. p. 110. aparente descuido de Coppola com o dinheiro. Como resultado, quando o filme estava pronto para ser lançado, ele era o tipo errado de evento – um filme para “não” ser visto. Saíram então as primeiras resenhas, muitas das quais eram cruéis. Vincent Canby, do New York Times, escreveu: “Nada havia me preparado para a desconcertante quantidade de escolhas erradas realizadas por um de nossos mais talentosos e mais aventureiros cineastas”⁵⁶. Outros críticos seguiram a mesma linha, e a Columbia entrou em pânico. Para solucionar o problema de imagem do filme, o estúdio recorreu ao Cambridge Survey Research, uma empresa de pesquisa de mercado que ganhara proeminência trabalhando na campanha presidencial de Jimmy Carter em 1976. Mas já era tarde demais. Pesquisas de recepção – que deveriam ter sido realizadas antes que o filme fosse oficialmente lançado e que uma campanha publicitária fosse elaborada – revelaram que o filme fazia mais sucesso com um público restrito: homens solteiros brancos com formação universitária entre as idades de 26 e 35 anos. A empresa de pesquisa de mercado sugeriu que a Columbia deveria permanecer com sua estreia limitada, principalmente urbana, para explorar aquele público, mas não conseguiu formular um plano útil para alcançar mais ninguém. A equipe de Cambridge então propôs três peças publicitárias: a primeira baseada no “reconhecimento do nome” de Coppola, a segunda divulgando Do Fundo do Coração como um projeto “inovador” como a obra anterior de Coppola e a terceira definindo o filme como uma história de amor “capturada em uma extraordinária atmosfera de fantasia criada pela fotografia, pela cenografia, pela iluminação e pela música”⁵⁷. Cambridge sugeriu adicionalmente que Coppola fizesse chamadas pessoais para o filme no rádio e na televisão explicando por que as pessoas deveriam assistir a Do Fundo do Coração. O que os pesquisadores de mercado de Cambridge não conseguiram entender era que o problema com o filme “era” Coppola: as pessoas haviam se cansado de seu estilo bombástico, e ficavam desentusiasmadas por todo o dinheiro que custava para realizar seus filmes. Quanto menos ele falasse sobre o filme, melhor. Se tivessem parado para verificar as coisas que Coppola dizia à imprensa sempre que repórteres pediam sua opinião, os pesquisadores de mercado teriam dito que ele deveria calar a boca. Dada a inutilidade das sugestões dos pesquisadores de mercado, a Columbia se voltou a seu próprio departamento de distribuição em busca de ajuda. Previsivelmente, em vez de tentar formular alguma estratégia original para alcançar um público de massa, eles simplesmente aplicaram um pacote de lançamento para Do Fundo do Coração que havia se provado bem-sucedido para um filme supostamente parecido. Enquanto a Columbia afirmava na indústria que iria usar novos métodos de marketing, em vez disso, ela começou a anunciar Do Fundo do Coração da mesma forma como par te iii 56 Vincent Canby, “Screen: One from the Heart”, New York Times, 11 de fevereiro de 1982. p. C25. 61 kael, Pauline. “The current cinema: melted ice cream” (resenha de Do Fundo do Coração), New Yorker, 1 de fevereiro de 1982. p. 118. 62 thomson, 1981: 35. do fundo do cor aç ão 224 podia perdoar a Coppola por toda a propaganda e expectativa anteriores ao lançamento, e ela o fez pagar por sua frequentemente citada afirmação de que Do Fundo do Coração faria “a Revolução Industrial parecer um pequeno ensaio interiorano”⁶³. Kael achou a beleza do filme superficial de modo bastante literal. “Este filme parece algo dirigido a partir de um trailer⁶⁴. É frio e mecanizado; está a uma distância da ação (…) Alguns diretores começaram a usar o vídeo como uma ferramenta (…) mas Coppola chegou ao ponto de falar como se o próprio equipamento de vídeo pudesse dirigir seus filmes”. Quanto ao público potencial do filme, “ele poderia se tornar popular com crianças que cresceram viciadas em video games, e elas poderiam usá-lo para ficar doidões”⁶⁵. A resenha de Kael, somada a peças cáusticos de Vincent Canby, de David Denby, da revista New York, e de Gene Shalit, do Today Show’s, enterraram o filme antes que ele tivesse uma chance nos cinemas.⁶⁶ Eventualmente algumas críticas positivas foram publicadas, mas a Columbia se mostrou incapaz de tomar vantagem delas. A primeira resenha positiva “importante” veio de Sheila Benson, no Los Angeles Times. “‘Do Fundo do Coração é tão ousado”, escreveu Benson, “que ele tira sua respiração enquanto te impressiona visualmente. É tão fácil adorar Do Fundo do Coração, você só precisa se deixar relaxar e flutuar junto a ele. Uma obra de perplexidade constante (…) Suntuoso, sensual, deslumbrante”⁶⁷. Tanto Richard Corlis na Time (que definiu o filme como “espetacular”) e David Ansen na Newsweek (que o chamou de “sensual, vistoso, onírico e barroco”) escreveram resenhas positivas, assim como fez Janet Maslin, em contrapartida a Vincent Canby, no New York Times.⁶⁸ Infelizmente para Coppola e para a Columbia, as resenhas de fato foram bem menos importantes para as bilheterias do filme do que a maneira como o público as percebeu. A administração da resposta crítica a um filme é papel da distribuidora, mas, uma vez que Do Fundo do Coração estava “entre distribuidoras” imediatamente antes de seu lançamento nacional, não havia ninguém em posição para proteger o filme. E ele obviamente precisava de um protetor. Praticamente todas as críticas negativas se focavam em questões econômicas e autorais, e teria estado dentro da capacidade de qualquer grande estúdio mudar esta tendência. Quando a Columbia assumiu a distribuição do filme, ela o fez apenas pela metade. Desencorajada pela crítica da Variety e pelo “Painel de notas dos críticos de Nova York” iniciais, o estúdio simplesmente cortou suas perdas e deixou o filme morrer nas bilheterias. 63 kael, “The current cinema: melted ice cream”. p. 120. 64 Em grande medida o filme foi dirigido a partir de um trailer, a casa móvel de alta tecnologia de Coppola, Silverfish, de onde ele via boa parte da filmagem em monitores de vídeo e interagia com seu elenco via rádio. 65 kael, “The current cinema: melted ice cream”. p. 119. 66 Ver denby, David. “Empty Calories”, New York, 1 de fevereiro de 1982. Denby chamou Do Fundo do Coração de “um filme bizarro e despropositado”. 225 67 benson, Sheila. Do Fundo do Coração (resenha), Los Angeles Times, 22 de janeiro de 1982, seção 6. p. 1. 68 corliss, Richard. “Surrendering to the big dream” (resenha de Do Fundo do Coração), Time, 25 de janeiro de 1982. p. 71; Ansen, David. “Coppola’s fairy tale world” (resenha de Do Fundo do Coração), Newsweek, 25 de janeiro de 1982. p. 74; maslin, Janet. “Screen: preview of One from the Heart”, New York Times, 17 de janeiro de 1982, seção 3. p. 56. o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão 60 “New York critics scorecard”, Variety, 17 de fevereiro de 1982. p. 8. espetaculoso. A crítica reconhecia o “feito das lentes de Vittorio Storaro” (que criara “a mais estonteante fotografia atmosférica e a mais mágica iluminação concebíveis”), assim como os efeitos especiais de Robert Swarthe e a montagem de Arne Goursand e Rudi Fehr, mas apenas para elaborar seu argumento de que tais realizações técnicas e estilísticas eram um passivo do filme. A resenha concluía, pavorosamente, que “o próximo passo necessário seria encontrar uma substância narrativa forte o suficiente para sobreviver aos gênios estilísticos e tecnológicos que obviamente podem circundá-la”⁵⁹. Antes de Do Fundo do Coração ter passado em um só cinema, a Variety já estava falando sobre o novo filme de Coppola, como se o fracasso deste fosse um fait accompli. Na edição 17 de fevereiro de 1982 da Variety – publicada aproximadamente uma semana após a estreia nacional do filme – havia mais notícias ruins. A resposta crítica inicial dos influentes críticos de Nova York (destacados em uma seção da Variety chamada “Painel de notas dos críticos de Nova York”) trazia duas resenhas favoráveis, dez desfavoráveis e três inconclusivas⁶⁰. Ademais, as críticas negativas eram realmente mordazes e frequentemente repetiam o argumento da Variety do dinheiro e da tecnologia sobrepujando uma fina narrativa. A mais contundente e de certa maneira a mais representativa destas críticas foi a escrita por Pauline Kael para a New Yorker. Ela foi publicada, como muitas das críticas negativas, mais de uma semana antes do filme estrear nos cinemas. “Este filme não é do coração”, escreveu Kael, “e tampouco é da cabeça; ele é do laboratório. Tudo é cheio de truques, com efeitos de dissolução, de tela e sobreposições, e até mesmo sobreposições aurais (…) Do Fundo do Coração é como uma versão cheia de joias de um filme experimental de pastiche realizado por um estudante de cinema – o tipo de filme realizado em um ferro-velho mágico; não há nada por baixo destes mecanismos exceto uma esperança de se destilar as essências do romance no cinema”. Para Kael, Do Fundo do Coração era o ponto mais baixo do cinema autoral. Coppola finalmente conseguira se tornar “a estrela de seu filme”, e, no processo, perdera o contato com seu público. Em Do Fundo do Coração, Kael alfinetou, o público sem dúvidas iria “perceber que não há nada – literalmente nada – acontecendo exceto bonitas imagens deslizando umas sobre as outras”⁶¹. Do Fundo do Coração parecia ser a relação da profecia irônica de David Thomson de que, no futuro próximo, o cinema seria “menos narrativo do que atmosférico… o que quer que faça com que as paredes não sejam inertes ou chatas – mudanças de cor, a formação de padrões, o fluxo e as oscilações da luz”⁶². Tal cinema, Kael parecia disposta a conceder, podia ser (e neste caso era) bonito. Ela reconheceu que os cenários tinham uma “maravilhosa grandiloquência”, como uma espécie de “visão infantil de uma feira mundial do passado”. Mas, embora o filme fosse bonito, Kael simplesmente não par te iii 59 “One from the Heart: dazzling body, empty heart” (resenha), Variety, 20 de janeiro de 1982. p. 20. parte iv — gr aham greene “Você deve estar preparado para a experiência, conhecimento, saber: para não ser violentado no escuro por um bandido ou por um assaltante.” — william faulkner VIDAS SEM RUMO E O SELVAGEM DA MOTOCICLETA gene d. phillips No outono de 1980, Francis Ford Coppola recebeu uma carta conjunta da bibliotecária da Lone Star High School, em Fresno, Califórnia, Ellen Misakian, escrita em nome de vários dos alunos que também assinavam a carta. Depois do lançamento de Apocalypse Now (1979), Coppola assinou a produção executiva de O Corcel Negro (The Black Stallion, 1980), que havia sido feito sob o selo da American Zoetrope em São Francisco e dirigido por Carroll Ballard, que estudou cinema com ele na ucla. O Corcel Negro, uma história comovente de um menino e seu amado cavalo, tornou-se um sucesso entre os jovens. A bibliotecária pedia encarecidamente que Coppola levasse outra história de adolescentes, Vidas Sem Rumo, para as telas. “Eu sinto que nossos alunos são representativos da juventude da América”, escreveu ela. “Todo mundo que leu o livro, independentemente da sua origem étnica ou econômica, endossou entusiasticamente o projeto”¹. Coppola ficou impressionado com o fato daquele romance ter se transformado em um best-seller por meio de seus dedicados leitores adolescentes. O livro, leitura obrigatória em algumas escolas do ensino médio, tinha vendido quatro milhões de cópias desde sua publicação em 1970. Os apaixonados seguidores adolescentes do romance garantiriam um público enorme para o filme, e Coppola passou a ver aquele projeto como o sucesso que ele precisava para continuar pagando seus credores na sequência do fracasso do Zoetrope Studios em Hollywood. A autora de Vidas Sem Rumo, S.E. (Susan Eloise) Hinton, tinha apenas dezesseis anos quando escreveu o livro. Ela conseguiu disfarçar o fato de que o romance havia sido escrito por uma menina usando um pseudônimo masculino. Ela temia que suas jovens leitoras pudessem questionar a autenticidade de seus insights sobre adolescentes se elas desconfiassem que o autor do romance era na verdade do sexo feminino. De fato, suas leitoras nunca imaginaram que o autor era uma menina – talvez porque os amigos mais próximos de Susie Hinton fossem do grupo de meninos com o qual ela andava quando garota. Coppola estava convencido de que Vidas Sem Rumo tinha sido escrito por uma autêntica voz jovem, enquanto ela contava a história de três irmãos que se esforçam para se manterem como uma família depois que ambos os pais morrem em um acidente de carro. “Quando eu estava Publicado originalmente sob o título “Growing Pains: The Outsiders and Rumble Fish” em phillips, Gene D. Godfather: the intimate Francis Ford Coppola. Lexington: The University Press of Kentucky, 2004. p. 202–225. Tradução de Julio Bezerra. Texto traduzido e publicado sob cortesia da University Press of Kentucky, 2015. 1 bergan, Ronald. Francis Ford Coppola. Nova York: Orion Books, 1998. p. 65. 231 juventude e ressurreiç ão “Você aprende muito naqueles dias, antes de atingir a maioridade. Este conhecimento selvagem deve vir lentamente, o fruto gradual da experiência.” par te iv DOR DE CRESCIMENTO VIDAS SEM RUMO dor de crescimento 232 Fazer Vidas Sem Rumo atraía Coppola por diversas razões. Ele estava consciente de que, na esteira de Apocalypse Now e Do Fundo do Coração (One from The Heart, 1982), os executivos dos estúdios não mais o viam como um diretor com o qual se podia confiar quando o assunto era deadline e orçamento. Coppola percebeu que poderia facilmente criar um filme sobre adolescentes em uma escala muito menor do que as de filmes de grande orçamento que tinha feito durante a década anterior. Ele poderia, assim, provar para os homens do dinheiro que ele ainda era bem capaz de fazer um longa rapidamente e segundo um orçamento razoável. Afinal de contas, não era preciso muito dinheiro para rodar Vidas Sem Rumo, já que o filme seria realizado em Tulsa, Oklahoma, cidade natal de Hinton, onde a história se passa. Além disso, Coppola trabalharia com jovens e então desconhecidos atores, que ainda não ganhavam grandes salários. Dessa maneira, Coppola esperava colocar para trás todo o imbróglio que cercou a produção e o lançamento de Do Fundo do Coração – ao qual ele se referia tristemente como “caos incorporado” – enquanto trabalhava em Tulsa. Ao invés de perambular em torno de Hollywood e “ser chicoteado por ter cometido o pecado de fazer um filme que eu queria fazer”, explica ele, “escapei com um monte de jovens para Tulsa”. Ele acrescenta: “Eu costumava ser um grande conselheiro de acampamento, e a ideia de estar com meia-dúzia de jovens fazendo um filme era como voltar a ser um conselheiro de acampamento novamente. Era uma lufada de ar fresco”³. A American Zoetrope precisava de dinheiro e Coppola só poderia oferecer a Hinton uns míseros quinhentos dólares para comprar os direitos de seu romance, além de uma percentagem nos lucros. A jovem romancista aceitou a oferta. Kathleen Rowell, outra jovem escritora, foi contratada para adaptar o livro para o cinema. A história envolve a disputa entre duas gangues de adolescentes que vivem em Tulsa na década de 1960. Um grupo é constituído por rapazes conhecidos como Greasers, que estão do lado norte e pobre da cidade. O outro grupo é formado por jovens de classe alta, conhecidos como Rics, que vivem no lado sul e rico da cidade. “Todos os Greasers eram órfãos, párias”, diz Coppola, “juntos, contudo, eles formavam uma família”. Assim, o filme aborda o frequente tema da família na filmografia de Coppola⁴. Coppola estava decepcionado com as adaptações de Rowell. Os dois rascunhos do roteiro que ela tinha feito serpenteavam cada vez mais longe do livro. Consciente de que os leitores de Hinton não aprovariam um filme que divergisse muito do romance, Coppola decidiu reescrever ele mesmo o roteiro, mantendo-se o mais próximo possível da fonte literária. Coppola considerava Hinton grande escritora. “Quando eu conheci Susie”, diz o cineasta, “fui convencido de que ela não era apenas uma romancista para jovens, mas uma escritora realmente americana. Para mim, o principal de seus livros é a autenticidade dos personagens. Seu diálogo é memorável, e sua prosa é impressionante. Um parágrafo de sua prosa descritiva resume muitas vezes algo essencial que permanece com você”⁵. Lilian Ross, em seu ensaio exaustivo sobre Coppola, reporta que ele estava ocupado reescrevendo o roteiro de Vidas Sem Rumo no início da primavera de 1982, apenas três semanas antes do começo das filmagens, marcado para março. Sua própria versão do roteiro passou por diversos tratamentos até ele dar a coisa por encerrada no dia primeiro de março de 1982 – o que está arquivado no Script Repository da Warner Brothers, a distribuidora do filme. Quando se examina o roteiro, é evidente que a versão de Coppola é extremamente fiel ao material de origem – ele chegou até mesmo a incorporar alguns diálogos como estão no livro. Além do mais, Coppola continuou a rever o roteiro técnico até o início das filmagens no final de março, e essas alterações adicionais foram incorporadas ao roteiro nas páginas datadas de 12 de março a 19 de março (páginas adicionais de revisões de última hora que são inseridas em um roteiro de filmagem são habitualmente datadas, a fim de indicar que elas substituem versões anteriores do mesmo material.) Por causa do trabalho substancial que ele teve na revisão completa do roteiro, Coppola pediu ao Screen Writers Guild que lhe concedesse o crédito de tela oficial como único autor do roteiro de Vidas Sem Rumo. Normalmente, o requerente apresenta uma análise de cena por cena do roteiro para o Guild, para demonstrar que compôs a maior parte do texto em questão (ou seja, mais de 50%). Coppola estava tão confiante que enviou uma cópia do roteiro com uma breve carta, afirmando que entendia a necessidade de arbitragem nesses assuntos, “mas esse roteiro foi totalmente escrito por mim”⁶. Como Coppola não forneceu qualquer análise detalhada do roteiro para apoiar a sua petição, o Guild concedeu o crédito exclusivo para Katherine Rowell, que havia feito dois rascunhos do roteiro antes de Coppola 4 chaillet, Jean Paul e vincent, Elizabeth. Francis Ford Coppola. Traduzido por Denise Jacobs. Nova York: St. Martin Press, 1984. p. 93. 5 farber, Stephen. “Directors Join the S.E. Hinton Fan Club” em New York Times, 20 de março de 1983, seção 2. p. 19. 6 goodwin, Michael e wise, Naomi. On the Edge: The Life and Times of Francis Coppola. Nova York: Morrow, 1989. p. 346. 233 juventude e ressurreiç ão 3 thomson, David, Gray, Lucy. “Idols of the King” em Film Comment 19, n° 5, 1983. p. 64. lendo o livro, percebi que queria fazer um filme sobre jovens, sobre laços de pertencimento”, diz Coppola, “pertencer a um grupo de colegas com os quais se pode identificar e por quem sentimos um amor verdadeiro. Mesmo que os meninos sejam pobres e, em certa medida, insignificantes, a história confere beleza e nobreza a eles”². Além disso, o romance o fez se sentir nostálgico em relação à sua própria juventude, quando crescia no Queens e via filmes direcionados aos jovens, como Folias na Praia (Beach Blanket Bingo, 1965). Coppola também pertencia a uma gangue de rua, conhecida como os Bay Rats (“Ratos da Baía”), quando tinha quinze anos e estudava na escola em Long Island. Ele então decidiu não só produzir o filme, mas também dirigi-lo e dedicá-lo à bibliotecária e aos estudantes da Lone Star School, em uma citação nos créditos finais – afinal, eles tinham inspirado o filme. par te iv 2 lewis, Jon. Whom the Gods Wish to Destroy… Francis Ford Coppola and The New Hollywood. Duke University Press: Durham e Londres, 1995. p. 100–101. 9 thomson e gray, 1983: 62. dor de crescimento 234 Coppola, dessa forma, lançou toda uma geração de jovens atores de cinema. As sete semanas de filmagem foram orçadas em us$ 10 milhões. Coppola trouxe com ele para Tulsa todo o equipamento técnico que ele havia comprado e implementado em Do Fundo do Coração, incluindo o trailer Silverfish, com todas as suas instalações eletrônicas. Então, já que o equipamento estava na locação, não havia necessidade de cobrar uma quantidade considerável de caros equipamentos eletrônicos no reduzido orçamento do filme. Coppola ainda não tinha conseguido um distribuidor para Vidas Sem Rumo. Antes de sair de Hollywood para as filmagens em Tulsa, ele foi de estúdio em estúdio com o roteiro debaixo do braço, tentando vender o que ele considerava uma obra bastante rentável: a adaptação para o cinema do popular romance para adolescentes, a ser realizada de forma rápida e barata – mas ninguém demonstrou interesse. Quando se estabeleceu em Tulsa, no entanto, Coppola finalmente conseguiu fazer com que a Warner Bros. distribuísse o filme e fornecesse algum adiantamento para a produção. A decisão da Warner veio como uma grande surpresa nos bastidores de Hollywood, pois o estúdio havia rejeitado todo um pacote de projetos que Coppola tinha apresentado a eles no final dos anos 60. O estúdio chegou até mesmo a exigir que o cineasta os reembolsasse pelo dinheiro que haviam investido naqueles projetos. Contudo, como diz o historiador de cinema Jon Lewis, Hollywood tem memória curta. Seja como for, o acordo de Coppola com a Warner permitiu ao cineasta obter mais financiamento junto ao Chemical Bank. A Warner sabia como os cronogramas de Apocalypse Now e Do Fundo do Coração foram se alastrando indeterminadamente e acompanharam Coppola de perto. Ele se comprometeu com todo um elaborado calendário que estabelecia os períodos de filmagem e pós-produção, a fim de ter o filme pronto para ser lançado no outono de 1982. Coppola reuniu seu elenco e começou a ensaiar com eles no início de março, empregando o método de “pré-visualização” de Do Fundo do Coração. Ele converteu o ginásio de uma escola abandonada em uma sala de ensaio, e filmou os ensaios como uma forma de ajudar os jovens atores no desenvolvimento de suas performances. Tom Cruise lembra dos ensaios como muito proveitosos para o elenco, ajudando-os não só a construir seus papéis, mas também a “aprender mais sobre atuação no cinema”¹⁰. Coppola gravou finalmente um ensaio geral com os atores na frente de uma tela em branco. Depois ele sobrepôs imagens da fita do ensaio geral a stills das locações externas em Tulsa e aos planos dos cenários interiores de Tavoularis. Ao começar as filmagens, Coppola tinha um conceito claro de como cada cena ficaria quando filmada. As filmagens se iniciaram em 29 de março de 1982. Coppola usou sua estratégia de “cinema eletrônico”, mas colocou o monitor de vídeo perto do set. Ele estava, portanto, no set com os atores durante cada tomada e 10 schumacher, 1999: 320. 235 juventude e ressurreiç ão 8 thomson e gray, 1983: 65. Ver também chaillet e vincent, 1984: 93. assumir. Vale a pena notar que o crédito recebido por Rowell não a ajudou a consolidar sua carreira como roteirista, já que ela jamais seria listada como autora de um grande filme novamente. Coppola afirma que perdeu a batalha judicial por causa dos “procedimentos antiquados” do Writers Guild. As decisões do Guild, explica ele, sempre pesam a favor do primeiro escritor a fazer uma adaptação de uma obra literária para o cinema – “porque ele supostamente estabelece os personagens e o enredo básico do roteiro”, mesmo que esse roteiro não seja particularmente eficaz. O ônus da prova recai sobre o escritor que revisa o roteiro original. Ele concluiu: “Mesmo que eu tenha sentado e escrito o roteiro que eu filmei, o Guild deu todo o crédito a ela. Ainda assim, aquela mulher simplesmente não escreveu o roteiro do filme que fiz”⁷. Coppola reuniu a equipe com a qual estava acostumado a trabalhar, incluindo o compositor Carmine Coppola e o diretor de arte Dean Tavoularis. Tavoularis escolheu áreas abandonadas e desertas de Tulsa como cenários, a fim de transmitir um sentido de exclusão aos Greasers. “O livro era uma espécie de …E o Vento Levou (…Gone with the Wind, 1939) para adolescentes, uma épica luta clássica entre os Greasers e os Rics, ou seja, os pobres e os ricos, durante a década de 1960”, explica Coppola. De fato, a cópia de capa dura de …E o Vento Levou que o jovem herói carrega com ele equivale quase a um talismã. “Vidas Sem Rumo se passa em um momento fascinante da vida de todos estes meninos. Eu queria capturar aquele momento. Eu queria pegar estes trombadinhas e dar-lhes proporções heroicas”⁸. Coppola disse ao pai, Carmine Coppola, que, como Vidas Sem Rumo era …E o Vento Levou para adolescentes, ele queria uma trilha clássica “parecida com a que Max Steiner tinha escrito para o …E o Vento Levou em 1939. A trilha é essencial para Vidas Sem Rumo, Coppola explica. Ou seja, o fato da música ser composta em um estilo romântico “indica que eu queria um filme que fosse contado em termos suntuosos, que tudo fosse cuidadosamente retirado do livro sem alterá-lo muito. Por isso, imaginava que o filme deveria se parecer com …E o Vento Levou não tanto no que concerne ao conteúdo, mas no que diz respeito ao estilo”. Ele “colocaria a ênfase no tipo de lirismo de …E o Vento Levou, algo importante para Susie Hinton quando ela escreveu isso… Agradava-me a ideia dos jovens verem Vidas Sem Rumo como um épico pródigo e sentimental sobre jovens”⁹. Para a fotografia, Coppola buscou um colega ex-aluno da escola de cinema da ucla, Steven Burum, que havia feito a fotografia da segunda unidade de Apocalypse Now. Vidas Sem Rumo seria filmado em widescreen e em cor, a fim de recriar o mundo romântico e melodramático característico dos filmes sobre delinquência juvenil dos anos 1950, como Juventude Transviada (Rebel without a Cause, 1955), protagonizado por James Dean. Coppola, por sua vez, selecionou astutamente o que um observador chamaria de “Hall da Fama” de atores jovens e promissores, tais como Tom Cruise, Emilio Estevez, Rob Lowe, Ralph Macchio e Patrick Swayze. par te iv 7 schumacher, Michael. Francis Ford Coppola: A Filmmaker’s Life. Crown Publishers: New York, 1999. p. 324. Ver também goodwin e wise, 1989: 346. 13 schumacher, 1999: 323. dor de crescimento 236 a primavera do ano seguinte. Coppola sofreu para atender os desejos do estúdio, e algumas semanas mais tarde, apresentou aos executivos da Warner um corte com 91 minutos. Ele então seguiu com os habituais testes de audiência, e o público, em grande parte adolescente, ficou maravilhado com o filme. A Warner concordou em lançar o filme em 23 de março de 1983, em um total de 829 telas em todo o país. “Acho que Vidas Sem Rumo sofreu um pouco com o caos que se instalou na Warner depois que eles viram o primeiro corte do filme e pressionaram para que ele fosse encurtado”, comentou Coppola anos mais tarde. Ele não entendia a desconfiança da Warner em relação ao filme, pois “eu o achava bem fiel ao livro”¹⁴, um verdadeiro best-seller. Ele se resentia do fato de ter sido obrigado a cortar algumas cenas importantes para a constituição dos personagens em nome de outras mais interessantes para levar o drama adiante. O filme se inicia com uma sequência de pré-créditos em que Ponyboy Curtis (C. Thomas Howell), narrador do filme, abre um livro em branco e escreve Vidas Sem Rumo na primeira página, enquanto começa a redigir uma composição para seu professor sobre alguns eventos recentes dos quais participou. Nós o ouvimos contar o que aconteceu, voz off na faixa sonora, enquanto a trama se desenrola. O roteiro, como o próprio Coppola o descrevia, era muito fiel à sua origem literária, fazendo Ponyboy recitar as primeiras linhas de sua composição conforme as escrevia: “Quando eu pisei fora da escuridão da sala de cinema para a luz do sol brilhante…” Ponyboy, em seguida, começa a contar a história, em que ele figura como participante e testemunha. Ponyboy é o mais novo dos três órfãos da família Curtis. Darrel, o mais velho (Patrick Swayze), trabalha duro para sustentar seus dois irmãos mais novos, e discute com Ponyboy, o caçula, sobre a sua ligação com uma gangue de rua. Sodapop, o irmão do meio (Rob Lowe), desempenha o papel de conciliador. Ponyboy faz parte dos Greasers, a maioria dos quais são órfãos como ele, rapazes que, consequentemente, constituem uma espécie de família. Ponyboy tem como exemplo a figura paterna de Dallas Winston (Matt Dillon), um jovem colega de rua que acaba de sair da prisão. Uma bela noite, Ponyboy e um outro amigo, Johnny Cade (Ralph Macchio), são abordados por alguns membros bêbados da gangue rival. Quando os outros meninos atacam Ponyboy, Johnny entra em pânico e puxa uma faca, apunhalando um deles à morte. Neste exato momento, a cor vermelha inunda a tela, escorrendo do topo à parte inferior do quadro, da mesma maneira que o sangue mancha a camisa do menino mortalmente ferido. A câmera de Burum depois olha de cima a baixo sobre a visão arrepiante do cadáver do rapaz morto. Johnny e Ponyboy pedem ajuda a Dallas e ele os aconselha a se esconderem em uma igreja abandonada. O filme trabalha todo um imaginário, como fica evidente na cena que acabamos de descrever. Além disso, quando 14 thomson e gray, 1983: p. 65. 237 juventude e ressurreiç ão 12 goodwin e wise, 1989: 343. não trancado no trailer Silverfish, como havia acontecido diversas vezes nas filmagens de Do Fundo do Coração. Ele assistia a um replay instantâneo em vídeo de cada tomada depois de filmá-la para verificar a necessidade de ajustes. Ele viria a rever cada cena no monitor do trailer, anotando sugestões para a editora do filme Ann Goursaud, que estava fazendo uma edição preliminar do longa em Hollywood. Por causa de sua estima por Hinton como romancista, Coppola envolveu-a nas filmagens. “Depois de vender os direitos do livro”, ela observa, “esperava ser convidada a deixar a face da Terra. Mas isso não aconteceu. Eu sabia que tinha pouca experiência como escritora. E, normalmente, o diretor não diz ‘Rapazes, estas são falas importantes, por isso você tem que conhecê-las palavra por palavra’, que era o que Francis dizia aos atores.” Além de monitorar o roteiro, a senhorita Hinton estava no set todos os dias, supervisionando os cortes de cabelo e o guarda-roupa. “Os rapazes dependiam muito da minha opinião”, diz ela. “Eu era uma espécie de mãe, e eles estavam sempre me consultando”¹¹. Coppola se dava maravilhosamente bem com os jovens atores, e os tratava como adultos. Sendo assim, vez ou outra, os encorajava a improvisar uma ou outra linha de diálogo, o que contribuiu bastante para o filme, já que eles falavam a mesma língua que os personagens que estavam interpretando. Emilio Estevez (o filho mais velho de Martin Sheen, que usava o verdadeiro sobrenome de seu pai), ajudou a trazer seu personagem para a vida como um dos Greasers ao apostar em seu próprio penteado ducktail, um estilo bastante popular entre os adolescentes na década de 1960. As filmagens ocorreram suavemente e sem maiores problemas. O único percalço mais grave se deu quando Coppola estava filmando a cena em que os Greasers resgatam algumas crianças do jardim de infância de um incêndio em uma igreja abandonada. A sede de Coppola por realismo foi um pouco longe demais durante a encenação da sequência, em uma igreja num campo deserto. “Mais fogo!”, ele gritou para seus técnicos, que inflamaram as chamas e acabaram acidentalmente queimando o campanário da igreja¹². O corpo de bombeiros local estava presente, pronto para intervir, quando começou a chover, como se atendesse uma deixa, apagando o fogo. As filmagens terminaram em 15 de maio, como planejado. Estevez, que visitou seu pai no set de Apocalypse Now, comentou que Coppola “está recuperando sua credibilidade como um diretor que pode sim entregar no prazo”¹³. Coppola convidou Hinton para conversar com ele sobre a edição do filme durante o verão de 1982, fazendo uso das instalações de pós-produção da American Zoetrope, em São Francisco. A Warner não estava satisfeita com o primeiro corte do filme, insistindo que os jovens não iriam permanecer sentados para ver um filme adolescente de mais de duas horas. O estúdio decretou que Coppola encurtasse Vidas Sem Rumo para 90 minutos e adiou o lançamento do filme do outono de 1982 para par te iv 11 farber, 1983, seção 2. p. 27. 17 corliss, Richard. “Playing Tough” em Time, 4 de abril de 1983. p. 78. Para a comparação com Scorpio rising, ver The Advocate, 22 de abril de 1983. p. 40. dor de crescimento 238 Dallas vai ao esconderijo de Johnny e Ponyboy para contar a eles que Cherry (Diane Lane), uma testemunha do caso, está disposta a depor a favor deles. Os meninos então decidem se entregar. Antes de voltarem para a cidade, contudo, um incêndio começa na igreja abandonada e o trio precisa salvar a vida de algumas crianças que estavam no local. De maneira trágica, Johnny se queima severamente durante a corajosa tentativa de resgate. A rivalidade entre os Greasers e os Rics explode finalmente na forma de uma briga generalizada em uma rua deserta e escura. Coppola encena o conflito com requinte. As chamas de uma fogueira no centro do quadro refletem a mútua animosidade dos combatentes, algo que só se inflama com o passar do tempo. A fumaça escurece as figuras dos oponentes enquanto eles se batem uns aos outros, e, quando uma tempestade irrompe, as ações dos jovens se tornam ainda mais selvagens em meio à lama. O grito de guerra de Dallas é “Vamos vencer uma pelo Johnny”. Two-Bit Mathews (Emilio Estevez) e Steve Randall (Tom Cruise) estão na vanguarda da brigada dos Greasers, e, com Dallas no comando, eles triunfam sobre os Rics. Mas a vitória é marcada pela fala de um dos Rics para Ponyboy: “Vocês podem bater na gente. Porém, isso não muda o fato de vocês viverem onde vivem, no lixo, e de que nós continuaremos sortudos como sempre. Os Greasers ainda serão os Greasers e os Rics, Rics”. De maneira semelhante, quando Johnny fica sabendo da briga, ainda no hospital, ele comenta sobre a futilidade desses conflitos: “É inútil. Brigar não adianta nada”. Pouco antes de morrer, Johnny “proclama seu lamento por uma juventude condenada”¹⁸. Ele diz estoicamente: “Dezesseis anos não são suficientes. Que inferno! Ainda há tantas coisas que eu queria ver e fazer”. Quando Johnny falece, Dallas chora amargamente, “É o que você recebe por ajudar as pessoas!” Pouco depois, Dallas, um ex-prisioneiro, sofre uma recaída, tenta roubar uma loja e acaba sendo morto em uma troca de tiros com a polícia. Ele morre com o nome de Johnny em seus lábios. Ao refletir sobre a morte de dois de seus melhores amigos, Ponyboy espera poder exorcizar a dupla tragédia escrevendo sobre os acontecimentos em uma redação para seus professores. Afinal de contas, um de seus irmãos disse: “Sua vida não está acabada somente porque você perdeu alguém”. Em uma das metades da tela, vemos Ponyboy pegando sua desgastada cópia de …E o Vento Levou, na qual ele encontra uma carta de Johnny. Neste momento, Johnny se materializa como uma aparição na outra metade da tela, garantindo a Ponyboy que a vida vale a pena.”Ainda há muita coisa boa no mundo”, diz Johnny, antes de sua imagem desaparecer. Essa sequência fantasiosa, datada de 12 de março de 1982, foi uma adição de última hora que Coppola fez ao roteiro de filmagem, que, por sua vez, data de primeiro de março¹⁹. E, assim, o filme termina como começou, com Ponyboy escrevendo a redação que dá vida à narração do filme. 18 cowie, Peter. Coppola. Croydon: cpi Group, 1989. p. 170. 19 Ver Francis Ford Coppola, “The Outsiders,” com Katherine Rowell, roteiro não publicado (Warner Bros., 1982). p. 115–16. 239 juventude e ressurreiç ão 16 chown, Jeffrey. Hollywood Auteur: Francis Coppola. New York: Praeger, 1988. p. 165. Ponyboy e Johnny entram na igreja em ruínas, Coppola corta para uma imagem de dois coelhos encolhidos embaixo da varanda – uma metáfora para os dois rapazes fugitivos que se escondem juntos. Essa imagem é logo seguida por uma outra em que duas aranhas rastejam em uma teia, o que sugere o entrelaçamento dos dois jovens em uma rede de circunstâncias difícil de se livrar. Apesar de tudo, os rapazes experimentam um fascinante interlúdio. A igreja se torna uma espécie de santuário. Coppola emprega belíssimos planos do sol se pondo em uma sequência um tanto bucólica que mais parece simbolizar a brevidade da juventude. “Quando você assiste ao pôr do sol, você percebe que ele já está morrendo’’, explica o cineasta. “O mesmo se aplica à juventude. Quando a juventude atinge o mais alto nível de perfeição, você já pode sentir as forças que irão destruí-la”¹⁵. A observação de Coppola torna-se ainda mais significativa quando se relaciona o incandescente pôr do sol retratado no filme e um poema de Robert Frost que Ponyboy recita para Johnny, no qual o poeta compara a inocência da infância ao ouro. Johnny encarna o tema do poema, oferecendo ao amigo o seguinte conselho: “Seja ouro, Ponyboy, seja ouro”. Essa é a maneira de Johnny incentivar Ponyboy a não perder a integridade fundamental da juventude na medida que eles envelhecem e são forçados a enfrentar as realidades sombrias do mundo adulto. Embora estes dois adolescentes exibam variados traços de masculinidade (visíveis nos “sinais exteriores de brigas e no gosto por esportes”), Johnny e Ponyboy expressam repetidas vezes uma enorme afeição um pelo outro¹⁶. A camaradagem, diz Richard Corliss, não é apenas familiar, mas “inconscientemente homoerótica. Sozinhos, eles podem sem nenhum problema se derreterem por causa de um pôr do sol, citarem versos de Robert Frost ou dormirem inocentemente nos braços um do outro. O mundo ideal deles é… um vestiário masculino; nenhuma mulher cabe nesta irmandade de sonho “. Outro crítico chegou a arriscar que as jaquetas de couro dos rapazes conjugadas com a camaradagem masculina exalavam um tom homossexual que trazia à lembrança o longa Scorpio Rising (1964)¹⁷. Os críticos que identificavam uma ponta de homossexualidade no filme estavam, na verdade, mal interpretando o valor que Coppola conferia à camaradagem masculina em seu cinema (basta lembrar da relação entre os soldados em seus longas sobre a Guerra do Vietnã). No caso de Vidas Sem Rumo, Ponyboy e Johnny jamais haviam experimentado uma relação profunda como aquela. A amizade entre eles evolui para uma relação enriquecedora emocionalmente que não tem nada a ver com sexo. Coppola sugere que garotos adolescentes precisam descobrir o que significa uma autêntica camaradagem masculina, para só então experimentar uma relação com um membro do sexo oposto. Pela mesma razão, os sentimentos protetores de Dallas em relação a Ponyboy e, sobretudo, Johnny, implicam uma solicitude paternal equivalente à que Darrel alimenta por seus dois irmãos mais jovens, que ele enxerga como filhos. par te iv 15 chaillet e vincent, 1984: 93 22 corliss, 1983: 78. dor de crescimento 240 Business], 1983), Patrick Swayze (Dirty Dancing, 1987), Emilio Estevez (Clube dos Cinco [The Breakfast Club], 1985), Matt Dillon (Drugstore Cowboy, 1989), C. Thomas Howell (O Amanhecer Violento [Red Dawn] 1984), e Ralph Macchio (Karate Kid, 1984). Depois dos enormes problemas que marcaram o financiamento e a comercialização de Do Fundo do Coração, era revigorante, para alguns críticos, encontrar um filme de Coppola que, graças a Deus, era apenas um longa convencional sobre rebeldia adolescente. Além do mais, o público jovem caiu de amores pelo filme. Vidas Sem Rumo arrecadou us$ 12 milhões em suas duas primeiras semanas e, eventualmente, somou us$ 100 milhões em lucros, o que ajudou a colocar algum dinheiro nos cofres da Zoetrope. Vidas Sem Rumo gerou receita suficiente “para me ajudar num momento em que eu precisava de muito dinheiro”, diz Coppola²³. Vidas Sem Rumo, posteriormente, gerou uma minissérie de tv na primavera de 1991. Ela estreou com um piloto de noventa minutos que começava de onde o filme de 1983 havia parado. O programa abre com cenas do filme de Coppola, Dallas é baleado pela polícia e, em seguida, enterrado. Depois disso, um assistente social alerta Ponyboy (Jay Ferguson) e Sodapop (Rodney Harvey) que, se eles participarem de mais uma briga entre os Greasers e os Ricss, serão levados para longe da custódia de seu irmão mais velho, Darrel, e colocados em lares adotivos. O piloto foi seguido por sete episódios semanais. Coppola supervisionou a série, mas não dirigiu nenhum dos episódios. Assim que terminou Vidas Sem Rumo, Coppola começou a trabalhar em outra adaptação cinematográfica de um romance de Hinton. O cineasta filmava Vidas Sem Rumo em Tulsa quando teve a ideia de empregar a mesma equipe e os mesmos cenários para um segundo filme adolescente. Como conta Hinton, “estávamos já na metade de Vidas Sem Rumo e Francis olhou para mim e disse: “Susie, nós nos damos muito bem. Você não escreveu mais nada que eu possa filmar? Então, falei para ele de O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, 1983). Ele leu o livro e adorou. Ele disse, ‘Eu sei o que podemos fazer. Em nossos domingos de folga, vamos escrever um roteiro, e, em seguida, assim que terminarmos Vidas Sem Rumo, vamos fazer uma pausa de duas semanas e começar a filmar O Selvagem da Motocicleta.’ Eu respondi: ‘Claro, Francis, estamos trabalhando 16 horas por dia e você quer gastar os domingos escrevendo outro roteiro?’ Mas foi exatamente isso o que nós fizemos”²⁴. No romance, Rusty-James é um adolescente desfavorecido de uma família disfuncional, que tem como ídolo o irmão mais velho, conhecido apenas como Motorcycle Boy, o líder de uma gangue local. A história dos irmãos era íntima de Coppola. Seu irmão August, cinco anos mais velho, incluía o então jovem Francis em todas as suas atividades e forneceu a ele um modelo forte à medida que eles cresciam. August Coppola “era o meu ídolo”, diz Francis Coppola, “ele me levava a todos os lugares quando saía com os caras. Ele era o líder da gangue”, chamada “Duques Selvagens”. 23 thomson e gray, 1983: 64. 24 farber, 1983, seção 2. p. 27. 241 juventude e ressurreiç ão 21 Idem. p. 114. Como Coppola descreve a cena final do roteiro, “Ponyboy se senta em sua mesa, vira a capa de seu livro tema e olha para o pôr do sol, lembrando-se… Ele pega a caneta e começa a escrever, ‘Quando eu pisei fora da escuridão da sala de cinema para a luz do sol brilhante…’”²⁰. Dessa maneira, o filme dá uma volta completa, repetindo suas linhas de abertura. Dentre as cenas que Coppola teve que abandonar para fazer Vidas Sem Rumo caber na duração estipulada pela Warner, a que teria realmente melhorado o filme se não tivesse sido cortada é uma bem no final do longa: uma sessão de rap em que os irmãos Curtis, Ponyboy, Sodapop e Darrel, refletem francamente sobre as lições de vida que aprenderam com suas experiências recentes. Eles renovam seus laços familiares e Sodapop diz: “Se nós não temos um ao outro, não temos nada. Se você não tem nada, você vai acabar como Dallas, que era um solitário infeliz”. Essa cena sublinharia a grande tese do filme, a profunda necessidade dos jovens de pertencer a alguma coisa, e, como tal, poderia muito bem ter sido incluída no filme²¹. Embora alguns críticos tenham menosprezado Vidas Sem Rumo como um melodrama menor indigno dos talentos de Coppola como diretor, o filme merece um lugar de destaque na filmografia do cineasta por várias razões. No quesito técnico, a fotografia de Burum é excelente. A imagem widescreen e em cores esbanja suavidade em visuais requintados; nebulosa com o calor do verão na sequência em que Johnny e Ponyboy se refugiam no campo. Vale sublinhar os planos da dupla em silhueta contra um pôr do sol vermelho-sangue, que lembra imagens similares a de …E o Vento Levou, o filme favorito de Ponyboy. E Coppola ainda dirige algumas das cenas que caracterizam os Greasers de uma maneira que emula filmes anteriores sobre gangues de rua adolescentes. “Os Greasers, com seus músculos elegantes… exibem um físico leonino enquanto caminham em direção a uma batalha, movendo-se através de espaços abandonados ou pulando graciosamente por cima de uma cerca de arame”²². Eles, assim, invocam imagens dos movimentos ágeis das gangues de rua em Juventude Transviada. Além disso, a trilha altamente romântica de Carmine Coppola é uma reminiscência da música de Leonard Rosenman para o mesmo filme. A trilha de Vidas Sem Rumo é imponente e regada a um pouco de sentimentalismo, como Francis Ford Coppola tinha solicitado. O filme segue de um retrato documental sobre os jovens, suas vidas miseráveis, para a tragédia dramática de Dallas, que, depois da morte de Johnny, torna-se uma presença atordoada, em ruínas. Coppola é perfeito na maneira como descreve a alienação tão característica da subcultura jovem. Vidas Sem Rumo, em última análise, é um conto pessimista, nada paternalista, sobre adolescentes brutalizados, marcado por um inspirado naturalismo, tanto no diálogo, quanto nas performances. Não menos importante, uma das virtudes do longa é a excelência das atuações de seu jovem e promissor elenco, que logo passaria a estrelar uma série de filmes adolescentes. Tom Cruise (Negócio Arriscado [Risky par te iv 20 Idem. p. 116–117 27 farber, 1983, seção 2. p. 27. 242 dor de crescimento O S E LV A G E M D A M O T O C I C L E T A – 1 9 8 3 Coppola não era de se repetir e buscou uma abordagem radicalmente diferente para O Selvagem da Motocicleta da que ele havia empregado em Vidas Sem Rumo. O último era um melodrama romântico nas linhas de O Poderoso Chefão (The Godfather), enquanto O Selvagem da Motocicleta estava mais para um filme de arte, concebido na direção de Apocalypse Now. Susie Hinton escreveu o livro cinco anos depois de Vidas Sem Rumo, quando estava mais madura, e, consequentemente, “a obra tinha um visual, diálogo e personagens impressionantes”, diz Coppola²⁶. Stephen Farber sublinha, “Coppola na verdade coescreveu o roteiro. O cineasta se preocupava com a estrutura narrativa e o imaginário visual, enquanto Hilton escrevia os diálogos. Ela, inclusive, descobriu um certo talento para o roteiro cinematográfico”²⁷. Hinton começa o romance no presente e depois faz Rusty-James narrar a história em flashback, uma estratégia que ela já tinha usado em Vidas Sem Rumo. Coppola não queria fazer uso dessa estrutura – que ele havia empregado no filme Vidas Sem Rumo – na versão cinematográfica de O Selvagem da Motocicleta, porque supostamente seu desejo era adotar uma perspectiva diferente daquela que o orientou no primeiro longa de Hinton. Fora isso, o roteiro do filme era bastante fiel ao livro. O roteiro, que se encontra no Script Repository of Universal Studios, o distribuidor do longa, é datado de 4 de maio de 1982. Ao lado do diretor de arte Dean Tavoularis, Coppola correu atrás de locações em Tulsa que fossem mais sombrias do que as usadas em Vidas Sem Rumo. Ele queria espaços marcados pela umidade e pela sujeira, a fim de criar o ambiente de uma terra desolada e sufocante no calor do alto verão. Coppola pediu a Tavoularis que adaptasse em alguns cenários as técnicas expressionistas da época dourada do cinema mudo alemão. Não é meu propósito aqui me debruçar sobre a influência do expressionismo em O Selvagem da Motocicleta, mas as seguintes observações estão em ordem. O expressionismo se define contra o naturalismo e sua mania de registrar a realidade exatamente como ela é. Em vez disso, o artista expressionista procura o significado simbólico que está por trás dos fatos. Foster Hirsch descreve o expressionismo no cinema nos seguintes termos: “Os filmes expressionistas alemães foram criados em ambientes claustrofóbicos idealizados dentro de um estúdio, onde a realidade física é distorcida”. Para ser preciso, o expressionismo exagera a superfície da realidade para marcar uma perspectiva simbólica²⁸. Coppola empregaria uma das técnicas mais características dos cineastas expressionistas alemães ao fazer Tavoularis pintar sombras nas paredes dos becos escuros das favelas para torná-las ainda mais ameaçadoras. Ou seja: este é um filme perturbador, cheio de neblina e sombras. Trabalhando em conjunto com Coppola, o diretor de fotografia de O Selvagem da Motocicleta, Burum, fez pleno uso de iluminação expressionista, que se presta tão facilmente para a constituição de uma atmosfera temperamental. Dessa maneira, uma atmosfera sinistra era criada em certos interiores, inundando-os com sombras ameaçadoras emergindo das paredes e do teto, o que imprimiu uma qualidade gótica aos rostos. Contudo, a fotografia em preto e branco, com suas ruas e becos à noite, com seus corredores sinistros e passagens escuras, conferiu ao filme de modesto orçamento uma rica textura. No entanto, Coppola insistia que o expressionismo deveria ser empregado em apenas algumas cenas-chave. Afinal, o uso excessivo de técnicas expressionistas em um filme hollywoodiano seria demais. Motorcycle Boy, o irmão mais velho de Rusty-James, é daltônico, devido ao dano cerebral sofrido após numerosas brigas e conflitos. O fato do personagem não conseguir ver cor é também um símbolo da desiludida visão de mundo que o jovem alimenta. Isso confirma a decisão de Coppola de filmar o longa em preto e branco, com algumas sobreposições de cores criteriosamente escolhidas, como nos planos do peixe-beta que dá nome ao longa. Esse peixe serve como uma espécie de metáfora para Motorcycle Boy, um indivíduo colorido que está preso em ambientes monótonos, em preto e branco. A visão de mundo de Motorcycle Boy permeia o filme, o que justifica claramente a fotografia em preto e branco. O contraste entre a cor de Vidas Sem Rumo e o preto e branco de O Selvagem da Motocicleta reassalta o quão diferentes Coppola queria que fossem seus dois filmes de gangues adolescente em termos de estilo e conceito. Era crucial estabelecer uma distinção entre os dois filmes, já que estava empregando a mesma equipe 28 hirsch, Foster. The Dark Side of the Screen. Nova York: Da Capo Press, 1982. p. 54. 243 juventude e ressurreiç ão 26 Idem. p. 63. “Ele sempre cuidou de mim”²⁵. A dedicatória a August Coppola, que eventualmente se tornou um professor universitário, aparece nos créditos finais de O Selvagem da Motocicleta: “Para August Coppola, meu primeiro e melhor professor”. Coppola contratou o filho de August, Nicolas, para atuar em O Selvagem da Motocicleta como um membro da gangue chamado Smokey, mas Nicolas Coppola assumiria o nome profissional de Nicolas Cage, para obscurecer o vínculo familiar com o diretor do filme. Ainda assim, Nicolas Cage usa no filma uma réplica do antigo casaco do pai, com “Duques Selvagens” aparecendo na parte de trás. Coppola planejava ir de um filme direto para o outro. A produção das duas adaptações cinematográficas de Hinton fazia o cineasta recordar as circunstâncias que envolveram as filmagens de Demência 13 (Dementia 13, 1963) vinte anos antes. Depois que Roger Corman encerrou as filmagens de Desafiando a Morte (The Young Racers, 1963), Coppola o convenceu a deixá-lo fazer Demência 13, uma vez que as despesas envolvidas no transporte da equipe e do equipamento técnico para a Europa já tinham sido pagas. Coppola argumentou justamente que ele poderia fazer O Selvagem da Motocicleta com a mesma equipe de produção e equipamentos que ele havia montado em Tulsa para Vidas Sem Rumo. par te iv 25 thomson e gray, 1983: 65–66. 29 goodwin e wise, 1989: 352. 30 farber, 1983, seção 2. p. 27. 245 juventude e ressurreiç ão zação” do filme. Ele, então, projetava para o elenco e a equipe para obter as suas reações. As filmagens não poderiam começar até que Coppola garantisse um distribuidor que colocasse algum dinheiro adiantado para O Selvagem da Motocicleta. A Warner Brothers saiu de cena, pois não estava interessada em lançar um segundo longa adolescente na esteira de Vidas Sem Rumo, e que poderia acabar competindo com este. Até o final de junho, Coppola tinha assinado um acordo de distribuição com a Universal, com previsão de lançamento para o outono de 1983. As filmagens começaram como planejado em 12 de julho de 1982, apenas algumas semanas após a fase de produção de Vidas Sem Rumo ter acabado. Steven Burum, com a aprovação de Coppola, empregava muitas vezes uma iluminação plana e dura para dar ao filme um olhar austero e brutal. Ele fotografou algumas cenas com uma instável câmera na mão: Queríamos, disse ele, “dar às pessoas uma sensação de mal-estar”, de que há algo fora de ordem no mundo em que os jovens vivem²⁹. Além do mais, os cenários decadentes de Tavoularis abrangiam grossas capas de poeira, pintura descascando, rachaduras nas paredes e escadas rangentes nos cortiços, onde viviam os membros da gangue. Como a câmera explora os aposentos apertados que Rusty-James divide com seu pai e irmão – o espectador fica sem saber do confinamento aos quais os jovens estão associados. Durante as filmagens, Hinton estava impressionada com sua capacidade de reescrever material sob pressão. “Ao trabalhar com Francis”, lembra ela, “você nunca sabe quando ele vai virar para você e dizer, ‘Susie, nós precisamos de uma nova cena aqui para fazer isso funcionar’. Eu conseguia fazê-lo em três minutos, e muito bem”³⁰. Esse tipo de escrita emergencial no próprio set de filmagem produziu alguns diálogos memoráveis. Algumas das melhores falas do filme não se encontram no roteiro final e, portanto, foram incorporadas por Hinton ao longo das filmagens, talvez com a ajuda do elenco durante improvisações. Por exemplo, Motorcycle Boy expressa sua preocupação paternal com relação ao irmão mais novo, o que nos faz lembrar de Darrel e seus irmãos em Vidas Sem Rumo. (De fato, Motorcycle Boy confabula com Rusty-James na mesma farmácia Rexall de Tulsa que Dallas tenta roubar em Vidas Sem Rumo. Coppola faz, assim, uma sutil referência cruzada de um filme para o outro). Em uma conversa, Motorcycle Boy pergunta a Rusty-James porque ele era tão confuso, ao que Rusty-James responde laconicamente: “Eu estou bem.” Mas não é fácil se livrar do irmão. “Fale comigo”, ele insiste. “Por que você está tão fodido o tempo todo?” Rusty-James segue apenas grunhindo, “Eu não sei”. A linguagem crua de Motorcycle Boy desmente o carinho genuíno que nutre pelo bem-estar de Rusty-James, por quem ele subconscientemente se sente responsável, como uma figura paterna. Em suma, Motorcycle Boy não quer que seu irmão o siga no caminho para a ruína. par te iv dor de crescimento 244 de produção e a mesma cidade em ambos os longas. Vidas Sem Rumo era um projeto em cor de uma história sobre jovens delinquentes, enquanto O Selvagem da Motocicleta, ao contrário, apresentava um preto e branco austero, um filme sobre jovens profundamente descontentes e alienados. Embora a equipe de produção incluísse colaboradores regulares de Coppola, como Tavoularis e o editor Barry Malkin, Francis Coppola não convocou seu pai, Carmine, para compor a trilha do filme. Ao invés disso, o diretor optou por uma trilha de fundo que se baseava fortemente na percussão, e, por isso chamou Stewart Copeland, o baterista americano da banda de rock britânica The Police, para trabalhar no filme. Copeland usou basicamente percussão para a música de fundo do longa. Mas também gravou sons das ruas de Tulsa, como ruídos de tráfego, polícia e sirenes de ambulâncias e incorporou-os à trilha, que incluía não só bateria, mas um piano e um xilofone. Coppola acreditava que os instrumentos de percussão eram emocionantes em si mesmos, e sugeriu que em certas cenas Copeland usasse apenas percussão. O barulho no início do filme parecia ser o lugar perfeito para um solo de percussão, que, no contexto da cena, soa muito sinistro e ameaçador. A trilha de percussão de Copeland não poderia estar mais longe da doçura da música que Carmine Coppola fez para Vidas Sem Rumo. Depois de demonstrar que poderia fazer um filme comercial hollywoodiano como Vidas Sem Rumo, Coppola decidiu confirmar o seu status como um maverick em Hollywood, concebendo O Selvagem da Motocicleta como uma imagem que partia audaciosamente das convenções de um filme de gênero. Rodar o longa em preto e branco granulado, com uma trilha sonora avant-garde, fizeram de O Selvagem da Motocicleta um ponto fora da curva das produções de Hollywood. Dois dos atores principais em Vidas Sem Rumo reaparecem em O Selvagem da Motocicleta: Matt Dillon assinou para atuar como Rusty-James e Diane Lane (que viveria Cherry, a garota com quem o personagem de Matt Dillon teve um breve flerte em Vidas Sem Rumo) seria Patty, a menina de Rusty-James em O Selvagem da Motocicleta. Mickey Rourke, que fez o teste para Vidas Sem Rumo, foi selecionado para interpretar Motorcycle Boy. De Apocalypse Now, Coppola reconvocou Dennis Hopper como o pai bêbado de Rusty-James e Motorcycle Boy, e Larry Fishburne, como um membro de uma gangue rival, chamado Midget. Finalmente, Vincent Spano assumiu o papel de Steve, o companheiro ingênuo, porém simpático, de Rusty-James. O ator moreno oxigenou seu cabelo para perder o olhar sombriamente bonito que ele tinha como galã em filmes adolescentes anteriores. Coppola passou duas semanas filmando os ensaios de O Selvagem da Motocicleta no ginásio da escola onde ele tinha ensaiado o elenco de Vidas Sem Rumo. Ele incentivou os jovens atores em momentos de improvisação de diálogo que contivessem a profanação que os meninos de classe baixa ordinariamente empregavam. Coppola, como em outras ocasiões, gravou um ensaio geral de todo o roteiro, que serviria como uma “pré-visuali- dor de crescimento 246 de meses atrás. Rusty-James é desafiado por Biff Wilcox, o líder de outra gangue. Os membros de ambas as gangues se apresentam para a briga. Tudo se passa em um pátio de carga em uma viela molhada, o que faz com que o calor do verão seja quase palpável. “É uma dança da violência” – projetada pelo coreógrafo Michael Smuin do Balé de São Francisco – em que “as gangues formam um corpo de balé”, com os movimentos dos lutadores “iluminados por flashes a partir das janelas de um trem que passa”³³. Os movimentos de balé dos jovens evocam a encenação da clássica briga no musical Amor Sublime Amor (West Side Story, 1961). Durante a disputa, Biff, que está sob efeito de drogas, puxa uma faca contra seu oponente. Rusty-James, por sua vez, tenta escapar ao se pendurar nas vigas do encanamento, que acabam quebrando. Em seguida, ele lança Biff através da janela de um edifício abandonado. De repente, Motorcycle Boy aparece do nada montado em sua moto. Rusty-James é momentaneamente distraído pelo aparecimento inesperado de seu irmão, e Biff o corta com um pedaço de vidro da janela quebrada. O sangue que jorra da ferida de Rusty-James havia sido prefigurado pela água que corria do encanamento. Motorcycle Boy revida, soltando sua moto sem cavaleiro em plena aceleração sobre Biff, que é atropelado por ela. A imagem de Motorcycle Boy montado em sua moto, que se repete diversas vezes ao longo do filme, evoca Marlon Brando como o motociclista de O Selvagem (The Wild One, 1954). Motorcycle Boy também é um não conformista entediado e sem rumo, “o anti-herói adolescente por excelência”, determinado a vencer o sistema ou morrer tentando³⁴. No caminho de volta para o cortiço onde os jovens vivem com seu pai, Motorcycle Boy conta a Rusty-James que, durante sua estada na Califórnia, conseguiu localizar a mãe, que os havia abandonado na infância. Ela está vivendo em Los Angeles com um produtor de cinema. Seu pai está feliz com o retorno do filho pródigo. A miséria em que vive a família se reflete no caótico cortiço, enquanto as garrafas de bebidas vazias na pia suja simbolizam a desordem de vida do pai, especialmente a maneira pela qual ele negligencia seus filhos. Coppola, por vezes, fotografa o pai, que vive em uma névoa alcoólica, a partir de um ângulo inclinado, o que indica uma certa instabilidade, uma falta de equilíbrio. Como ele é daltônico, Motorcycle Boy diz que percebe o universo como se estivesse assistindo a um aparelho de televisão em preto e branco. Ele não pode “ver o que está sobre o arco-íris.” Significativamente, a única cor que consegue ver é o carmesim do peixe-beta, que ele mostra para Rusty-James em uma pet shop. Para transmitir que Motorcycle Boy é daltônico, Coppola achava que o personagem deveria ocasionalmente enxergar cor por alguns segundos para, em seguida, não mais conseguir fazê-lo. Foi o que levou Coppola a concluir: “só os próprios peixes – que servem como uma metáfora para a história – seriam em cores”³⁵. Motorcycle Boy chama o peixe-beta de “peixe de briga” porque eles possuem um instinto de luta que os leva a atacar uns aos outros. Na ver- 33 goodwin e wise, 1989: 383. 34 lewis, Jon. “The Road to Romance and Ruin: Rumble Fish” em starrett, Christopher (org.). Crisis Cinema. D.C.: Maison Elvc Press: Washington, 1993. p. 136–137. 35 thomson e gray, 1983: 63. 247 juventude e ressurreiç ão 32 oldham, Gabriella. First Cut: Conversations with Film Editors. Oakland: University of California Press, 1995. p. 330. Durante a filmagem, Dennis Hopper viu a vantagem que era para Coppola repetir cada tomada no monitor de tv no Silverfish, a fim de identificar modificações necessárias em cada cena e fazer anotações para o editor Barry Malkin. “O gênio de Francis está realmente em sua tecnologia”, diz Hopper³¹. Encerradas em outubro, as filmagens de O Selvagem da Motocicleta foram tão eficientes quanto as de Vidas Sem Rumo. Mais uma vez, Coppola estava dentro do cronograma e do orçamento. Os intermináveis cronogramas de filmagem e os orçamentos exorbitantes de Apocalypse Now e Do Fundo do Coração pareciam, naquele momento, pertencer a um passado distante. Coppola colaborou estreitamente com Barry Malkin na edição do filme. Malkin gostou particularmente de montar as cenas de briga que ocorrem no início, quando Rusty-James desafia o líder de uma gangue adversária. A sequência compreendia oitenta e um planos em dois minutos de tempo de tela. “É geralmente mais fácil de cortar… uma sequência de ação”, explica Malkin, “do que editar uma sequência de diálogo com um monte de personagens sentados ao redor de uma mesa”, o que pode parecer bastante estático e chato para o espectador³². Após a pós-produção ser concluída, a estreia de O Selvagem da Motocicleta foi adiada para o outono de 1983. A ideia era que o lançamento do filme não seguisse o caminho de Vidas Sem Rumo, que saiu na primavera de 1983. Como O Selvagem da Motocicleta foi pensado como um filme de arte, acabou que o consideraram sofisticado demais para atrair o mesmo jovem público de Vidas Sem Rumo. Coppola decidiu então estrear o filme no Festival de Cinema de Nova York, em 7 de outubro de 1983, a fim de trazê-lo para a atenção de um público mais maduro. Os críticos que viram o longa no Festival, no entanto, foram em grande parte indiferentes ao filme, assim como havia acontecido com Do Fundo do Coração, quando estreou no Radio City Music Hall. Coppola afirma que os esnobes críticos de Nova York tinham se alinhado contra ele desde O Poderoso Chefão, Parte ii (The Godfather, Part ii, 1974). “Eles nem sequer vão jogar um osso para mim”, lamenta. O Selvagem da Motocicleta começa com nuvens atravessando um céu que escurece (por meio da fotografia acelerada de Burum). As nuvens que se deslocam rapidamente, assim como as constantes imagens de relógios – incluindo um relógio enorme sem ponteiros – são destinadas a expressar um sentimento de urgência, da passagem do tempo – um fato da vida que os jovens, segundo Coppola, acham difícil de entender . Ele desejava, sobretudo, intensificar o efeito do tempo que se esvai para o desencantado e autodestrutivo Motorcycle Boy, cujo juízo final pode estar se aproximando. Há um sinal pintado com spray em uma parede de tijolo: “Motorcycle Boy é Rei.” Isso só faz Rusty-James lembrar o quanto ele sente falta de seu irmão mais velho, que tinha sido o líder da gangue de rua a qual Rusty-James pertence desde que Motorcycle Boy deixou a cidade um par par te iv 31 gallagher, John. Film Directors on Directing. Nova York: Greenwood Press, 1989. p. 136. da pet shop e mata Motorcycle Boy. O personagem tinha esperança de escapar da atmosfera corrosiva da cidade grande para um ambiente mais saudável, mas para Motorcycle Boy, brutalizado pela vida na rua, já era tarde demais. Ele é morto a tiros no clímax de O Selvagem da Motocicleta, assim como Dallas foi baleado a sangue frio em Vidas Sem Rumo, em ambos os casos, por policiais. Não há lugar na sociedade para solitários rebeldes como Dallas e Motorcycle Boy. Patterson joga Rusty-James contra um carro da polícia e o revista. Rusty-James vê seu próprio reflexo colorido na janela do carro – a única imagem colorida do filme além dos peixes-beta. Ele quebra a janela por angústia e frustração. A ação de bater contra seu próprio reflexo tem paralelo com o peixe que também ataca seu reflexo no espelho. Como o peixe-beta é um símbolo dos “adolescentes autodestrutivos presos na pobreza urbana”, eles representam a determinação de Rusty-James de escapar da existência estreita em que ele se sente preso³⁷. Coppola, que já tinha usado diversos planos-sequência em Do Fundo do Coração, emprega alguns planos longos impressionantes em O Selvagem da Motocicleta. Neste momento, por exemplo, a câmera rastreia lentamente o cadáver de Motorcycle Boy, passando pelos curiosos até Steve, o amigo leal de Rusty-James, que compartilha a sua dor. Em seguida, a câmera passa pelo alcoolizado pai dos irmãos, que se afasta do corpo morto do filho, traga um gole de uísque e tropeça longe da cena trágica. Este plano panorâmico é muito mais eficaz do que uma série de planos curtos, pois a solenidade e a lentidão do movimento sublinham a tristeza fúnebre do momento. O roteiro de filmagem acaba de forma muito diferente do filme. A última cena, como descrito no roteiro, termina com Motorcycle Boy deitado morto no chão, “com o bater dos peixes-beta morrendo ao seu redor, ainda muito longe do rio… enquanto o carro de polícia segue seu caminho com Rusty-James”³⁸. No filme lançado, Rusty-James carrega silenciosamente o aquário para a margem do rio e cumpre o último desejo de seu irmão, jogando os peixes na água. Lembrando o conselho de seu falecido irmão de que ele deveria sair da cidade e seguir o rio até o mar, Rusty-James monta na motocicleta de seu irmão e ruge noite adentro. Segue-se um breve epílogo que também não está no roteiro, e, portanto, como as ações silenciosas de Rusty-James que acabamos de descrever, deve ter sido inventado por Coppola durante as filmagens, já que Hinton ressaltou que foi ele quem contribuiu com o imaginário visual do filme. O Selvagem da Motocicleta termina com a silhueta de Rusty-James, montado na moto em uma praia da Califórnia, observando as gaivotas que voam sobre o Oceano Pacífico. Ele, de fato, alcançou o mar, parece liberado da adoração pela figura heroica do irmão, não está mais vivendo sob a sombra de Motorcycle Boy. Ele agora está preparado para um recomeço – sozinho. Coppola compreendeu que, ao longo do filme, o irmão mais novo e subvalorizado era certamente o mais promissor do par. No final, diz Coppola, Rusty-James deixa de adorar ao irmão como um falso ídolo e 37 lourdeaux, Lee. Italian and Irish Filmmakers in America: Ford, Capra, Coppola, and Scorsese. Philadelphia: Temple University Press, 1990. p. 202. 38 Francis Ford Coppola, “Rumble Fish” com S. E. Hinton, roteiro não publicado (Universal, 1982). p. 93–94. 249 juventude e ressurreiç ão dor de crescimento 248 dade, Motorcycle Boy diz que se alguém segura um espelho até o vidro do tanque, o peixe-beta vai atacar seu próprio reflexo. Motorcycle Boy sente um parentesco entre essas criaturas hostis e as gangues rivais, que estão sempre brigando umas contra as outras. Em essência, o próprio Motorcycle Boy representa os jovens valentões urbanos que povoam as ruas tortuosas e os becos sombrios de um mundo desprezível, pois ele está em desacordo com a sociedade e se recusa a obedecer às suas normas. Ele é reverenciado por seus pares, devido à sua atitude teimosa e insubordinada. O defeito básico do personagem, diz Coppola, “é a sua incapacidade de se comprometer, e é por isso que eu o fiz daltônico. Ele interpreta a vida em preto e branco”³⁶. Rusty-James, um jovem desarticulado, confuso, é desencorajado pelos outros membros da gangue, que admiram descaradamente seu irmão, e é constantemente lembrado de que ele não é páreo para Motorcycle Boy. “Ele é como um rei no exílio”, opina um deles. Mas Motorcycle Boy já não tem quaisquer ilusões de grandeza sobre si mesmo. É para ele uma espécie de fardo ser Robin Hood, Jesse James e O Flautista de Hamelin, ele confessa a Rusty-James. Ele se vê como pouco mais do que a “novidade do bairro”. Motorcycle Boy aparece em uma fotografia esfarrapada dos dois irmãos na infância em que ele segura seu irmão ainda bebê com um abraço protetor. “Você me seguindo como um cachorrinho perdido”, ele diz mais tarde para Rusty-James quando eles veem o peixe na pet shop. “Eu gostaria de ter sido o irmão mais velho que você sempre quis”. Ele tem a sensação incômoda de que decepcionou o irmão mais novo, seja como modelo, seja como líder de gangue. “Se você vai liderar as pessoas, você tem que ter um lugar seu”, reflete ele. Motorcycle Boy percebe que é uma causa perdida. Coppola filma Motorcycle Boy como uma espécie de rato que não consegue mais encontrar seu caminho para fora do labirinto. Além disso, os irmãos são fotografados diversas vezes através de uma cerca ou de barras de metal de uma escada de incêndio, sugerindo que eles estão presos em um mundo cruel e indiferente e que devem ficar juntos para sobreviver. Uma noite, Motorcycle Boy e Rusty-James invadem a pet shop. O primeiro abre todas as gaiolas e liberta os animais. Essa cena lembra a ação similar de “Killer” Kilgannon em Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969), que Hinton diz ter visto antes de ter escrito O Selvagem da Motocicleta. Motorcycle Boy então pega o aquário dos peixes-beta, “seus irmãos aquáticos”, e diz a Rusty-James que tem a intenção de libertá-los no rio. “Eles pertencem ao rio”, ele diz a Rusty-James; “Eu acho que eles não brigariam se estivessem no rio.” Quando a polícia chega, o oficial Patterson (William Smith), convencido faz tempo de que Motorcycle Boy é uma ameaça à sociedade, persegue o personagem. Patterson funciona como o Anjo da Morte no filme. Ele paira metaforicamente acima da cabeça de Motorcycle Boy esperando que “ele saia da linha”. Ele aproveita a oportunidade proporcionada pela invasão par te iv 36 cowie, 1989: 176. dor de crescimento 250 alguns críticos vejam o longa como um conto desagradável e desarticulado sobre jovens indecisos, o filme é na verdade um recorte instigante da vida nas ruas sobre alguns perdedores que estão sendo privados do pouco que tinham a perder. A iluminação austera e a fotografia em preto e branco ajudam a dar ao filme uma autêntica intensidade, enquanto a câmera foca em cenas de abandono, encontrando a beleza em enevoados pátios ferroviários e em cafés enfumaçados. De fato, a direção de arte de Dean Tavoularis e a fotografia de Steven Burum mereciam mais crédito do que tiveram quando o submundo sombrio, atmosférico que ajudaram Coppola a criar foi lançado. Coppola reclamou com alguma razão de que os críticos que escreveram sobre o filme no Festival de Nova York sequer reconheceram as performances dos atores. Matt Dillon entrega uma atuação muito mais nuançada do desajustado Rusty-James de O Selvagem da Motocicleta do que a interpretação um tanto superficial de Dallas Winston em Vidas Sem Rumo. Mickey Rourke vive o papel de sua carreira em uma leitura discreta do Motorcycle Boy e Vincent Spano faz um retrato impecável de Steve, o amigo de bom coração de Rusty-James, que tem o mesmo tipo de devoção obstinada para com Rusty-James que este alimentava por Motorcycle Boy. Todos os três jovens atores projetavam efetivamente o interior tumultuado dos jovens modernos. No entanto, o filme não encontrou seu público quando foi lançado e acabou sendo retirado dos cinemas depois de apenas sete semanas, com meros us$ 1 milhão arrecadados. Vidas Sem Rumo, contudo, tinha acumulado um lucro de cerca de us$ 12 milhões. E, assim como havia acontecido com Do Fundo do Coração, O Selvagem da Motocicleta atraiu mais público na Europa do que nos eua. Vidas Sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta estão ligados não somente porque são ambos baseados em romances adolescentes escritos por S.E. Hinton, que analisam a violência das gangues de rua. Eles também são conectados por tratarem de um tema frequente no cinema de Coppola, a família, o que é bastante visível em ambos os filmes. Os personagens de Matt Dillon em Vidas Sem Rumo e em O Selvagem da Motocicleta constituem um sentimento de família ao lado dos companheiros de gangue. A família disfuncional de Dallas Winston em Vidas Sem Rumo é praticamente inexistente. Se ele se preocupa com alguém, é com Johnny e Ponyboy. A família de Rusty-James em O Selvagem da Motocicleta entrou em colapso quando sua mãe fugiu para a Califórnia, seu pai começou a beber e seu irmão se tornou um vagabundo inquieto. Rusty-James tenta restabelecer um vínculo familiar com Motorcycle Boy, quando este regressa da Califórnia, mas eles nunca realmente se reconectam. Se alguém realmente se preocupa com Rusty-James, é Steve, mesmo quando Rusty-James parece não dar muita bola para ele. A consideração que Coppola tem por O Selvagem da Motocicleta como um filme significativo tem sido justificada com o passar do tempo pelo 251 juventude e ressurreiç ão 40 ehrenstein, David. “One from the Art” em Film Comment 29, n° 1, 1993. p. 30. Ver também ozer. Film Review Annual (1984). p. 1020–32, para uma amostra das críticas. se agarra ao fato de que “é ele, e não o irmão, que é abençoado”³⁹. É claro: o novo final que Coppola inventou confere uma conclusão mais positiva do que a que constava no roteiro, que terminava com Rusty-James sendo preso e o peixe se debatendo no chão. Em geral, acredita-se que a reação negativa ao filme no Festival de Nova York sabotou as chances do longa fazer sucesso com o público. Se o filme fracassou em seu lançamento original, isso se deu até certo ponto porque O Selvagem da Motocicleta é um filme austero e não muito fácil de ser amado. Várias críticas em todo o país condenariam o longa como irremediavelmente obscuro e pretensioso. Eles apontavam para a sequência fantasiosa em que Rusty-James desmaia depois que ele e seu amigo Steve são atacados por assaltantes. Rusty-James passa então por uma arrebatadora “experiência fora-do-corpo”, na qual acredita estar morto. Enquanto ele flutua acima da cidade, vê o seu corpo em coma estirado no chão. Ele mesmo imagina seu próprio velório em um salão de bilhar, com seus amigos em luto oferecendo um brinde “para Rusty-James, um cara bem legal”. Esta sequência fantasiosa é importante para o filme, uma vez que reflete claramente a realização do desejo patético de Rusty-James: ele se vê estimado pelos seus velhos amigos como uma lenda, assim como seu irmão mais velho, o que, simplesmente, não é verdade. David Ehrenstein descreve esta cena como “um momento maravilhosamente maluco”, exatamente o tipo de coisa que pontua os filmes de Coppola e que os críticos consideram como meros “truques visuais”. Um crítico chegou a elogiar ironicamente o filme por possuir uma grandeza febril e parcialmente redentora, como evidenciada na sequência de fantasia citada acima. Outro autor foi bem mais longe, afirmando que esta sequência lunática atestava que Coppola era um dos cineastas mais poderosos do nosso tempo. Ele resumia o filme dizendo que Coppola tinha criado um mundo opressivo e sombrio, um limbo fervente de salões de sinuca, bares e variados espaços frequentados por adolescentes – claramente o trabalho de um artista que se recusa a se render. Outro crítico, contudo, observou que Coppola, ainda o maverick, simplesmente jamais iria se comportar. Incitado pelos executivos do estúdio a realizar outro filme para o apaixonado público de Vidas Sem Rumo, ele, ao contrário, fez um filme barroco para o mercado menor do circuito de arte⁴⁰. O pequeno grupo de simpatizantes de Coppola endossou a direção sofisticada de O Selvagem da Motocicleta, classificando-o como um filme corajoso de um cineasta que se destacava das tendências do momento, algo que marcava a mentalidade hollywoodiana em que produtores tentavam a todo custo atender às mudanças no gosto do público. O Selvagem da Motocicleta ganharia toda uma horda de fãs ao longo dos anos. Atualmente, o filme é visto como altamente inventivo, que ainda mantém uma frescura abrasiva. O enredo se move corajosamente até o seu clímax, quando o destino de Motorcycle Boy é selado. Embora par te iv 39 goodwin e wise, 1989: 350. 41 oldham, 1995: 330. 42 bergan, 1998: 69. dor de crescimento 252 status de culto que o longa hoje ostenta, sendo, inclusive, exibido muitas vezes em cursos universitários de cinema. Além disso, os historiadores reconhecem a coragem artística de Coppola em fazer um filme um tanto pessimista sobre a juventude moderna, que transcende a apresentação simplista dos jovens em inócuos e ascéticos filmes sobre adolescentes. “Esse filme ganhou certo status no submundo”, diz Barry Malkin. “A fotografia em preto e branco com pitadas de cor, as sombras pintadas do cinema expressionista alemão” e a música de Stewart Copeland, “tudo isso ganhou uma enormidade de fãs”⁴¹. Resumindo os dois filmes adolescentes de Coppola, Bergan talvez tenha dito tudo quando declarou que “ambos os filmes provaram que Coppola não se contentava em fazer filmes de gênero de forma convencional”, mas, em vez disso, dava nova vida a velhas fórmulas⁴². Como O Selvagem da Motocicleta não conseguiu encontrar uma audiência na época de seu lançamento original, Coppola teria dificuldades para montar uma outra produção. Inesperadamente, ele seria convidado na última hora para ajudar a salvar um filme intitulado Cotton Club (1984) e produzido por ninguém menos que seu velho inimigo, desde os dias de O Poderoso Chefão, Robert Evans. david thomson e lucy gr ay Publicado originalmente sob o título “Idols of the King: The Outsiders and Rumble Fish” em philips, Gene D. e Hill, Rodney (orgs.). Francis Ford Coppola: Interviews. Jackson: University Press of Mississipi, 2004. p. 106–124. Tradução de André Duchiade. Texto traduzido e publicado sob permissão da revista Film Comment, 2015. 255 juventude e ressurreiç ão VIDAS SEM RUMO E O SELVAGEM DA MOTOCICLETA Nós havíamos visto Francis Coppola diversas vezes ao longo do último ano e meio – no Vale do Napa, na Califórnia, no fim de semana no qual ele se deu conta de que Do Fundo do Coração (One From the Heart, 1981) havia fracassado; também em Napa, um ano depois, enquanto a montagem de O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, 1983) acontecia acima da vinícola; uma noite no Tosca Cafe, em São Francisco, quando ele tirava um descanso de sua missão de reescrever Cotton Club (The Cotton Club, 1984) em duas semanas. Foi um período de agitação, terminando e recomeçando, com as finanças do estúdio Zoetrope instáveis e com seu fundador realizando vários filmes. Em meio a todo esse tumulto e escuridão, O Selvagem da Motocicleta é seu melhor filme, o mais emocional, o mais revolucionário e o mais claramente apaixonado por filmes da década de 1940. O filme tem um clima que poderia ter saído de Camus e dos existencialistas franceses, mas se parece com Welles e Cocteau. A mistura, reminiscente de Gregg Toland, entre uma onda de calor na cidade de Tulsa e os sonhos febris da adolescência, é uma rapsódia à fraternidade, em particular ao triângulo entre os dois irmãos e seu pai alquebrado – Matt Dillon, Mickey Rourke e Dennis Hopper. É deliberadamente um filme artístico americano – tão repleto de sons de corações partindo quanto Kane – e também uma lenda de amor, aspiração e perda, em uma província remota de um mundo que olha para Los Angeles como sua luz. Apesar de tão aberto pessoalmente, Francis Copolla é também um homem fechado e reservado, temeroso com a possibilidade de abrir toda a sua experiência, um Michael Corleone tentando ser como Sonny, assim como um Matt Dillon aspirando a ser tão legal quanto Mickey Rourke. O Selvagem da Motocicleta é um mito tão belo quanto Orfeu (Orphée, 1950), de Cocteau, mas é também uma confissão sobre o começo da vida do próprio diretor e sobre a psicologia da perseverança. Os anos mais felizes de seus 45 de vida foram quando ele tinha cinco e seis anos. Foi ali que surgiu sua intensa admiração por seu irmão mais velho, Augie, para quem O Selvagem da Motocicleta é dedicado. Quando encontramos Francis Coppola outra vez, em seu apartamento no hotel Sherry-Netherlands, em Nova York, demorou vários minutos para que reconhecêssemos sua natureza acriançada por trás da exaustão da demorada reescritura e dos ensaios de Cotton Club (que começou a ser filmado no final de agosto). Ele estava acordado por toda a noite escrevendo com seu novo corroteirista, William Kennedy (dos romances Legs, Billie Phelan’s Greatest Game, Ironweed). Sua saudação aflita foi acompanhada por uma história empolgada sobre a demissão de um grupo de secretárias que havia acontecido mais cedo no Astoria Studios, por terem sido impacientes com sua filha Sofia e com os amigos dela que tentavam ajudar. “Simplesmente não consigo aguentar este tipo de atitude das-nove-às-cinco. Não é condizente com o tipo de cinema no qual acredito”. Após dispensar outro visitante e concluir um breve encontro no quarto ao lado, Francis veio conversar conosco. Ele nunca encontrou uma posição cômoda em seu assento: ao contrário, vibrava com energia desesperada. par te iv ÍDOLOS DO REI 257 juventude e ressurreiç ão david thomson e lucy gr ay O Selvagem da Motocicleta é um filme completamente diferente de Vidas Sem Rumo (The Outsiders, 1983), não somente por um ser em preto e branco e o outro colorido, mas também pelos tons de cada obra. E todos diziam “Ele está em Tulsa, realizando dois filmes”, como se estivessem se referindo à época em que as pessoas iam para o deserto e filmavam dois westerns ao mesmo tempo. “O Selvagem da Motocicleta” faz com que Vidas Sem Rumo pareça um filme mais estranho do que pensei quando assisti a ele. Parecia quase um filme no qual você não estivesse lá o tempo todo. fr ancis ford coppola Não, eu não concordo. Vidas Sem Rumo foi o tipo de filme que eu pessoalmente gosto, um melodrama com um tom romântico. Eu gostei muito do livro quando o li: pensei que era doce e jovial, e que tinha algo em seu tema simples e pequeno que era valoroso, e eu quis fazer o filme exatamente desta forma. Talvez seja por isso que você esteja interpretando que eu não estava sempre lá, exceto que eu tomei a decisão de fazer o filme exatamente como o livro. A chave para Vidas Sem Rumo é sua música-tema: o fato de ser esta música sentimentalista, adequada ao cinema clássico, indica que eu queria um filme contado em termos suntuosos, muito honesta e cuidadosamente retirado do livro sem grandes alterações, com atores jovens – colocando a ênfase mais naquele tipo de lirismo ao estilo de “…E o Vento Levou” que era tão importante à jovem [Susie Hinton] quando ela escreveu o livro. Gostei do filme nesta base. É como eu o realizei e a razão pela qual o realizei. Mas, se você pensar na minha carreira, nunca fiz dois filmes que fossem parecidos… Talvez os dois da série O Poderoso Chefão. Mas cada um dos meus filmes é muito diferente do outro e eu sentia que estava em uma espécie de período da vida em que podia ser artífice, aproximando-me de um futuro estilo de trabalho próprio a um homem mais sério e maduro, estilo este que seria baseado sobre uma grande quantidade de explorações realizadas enquanto eu tinha a chance para tal. Para mim não é nada dizer “bem, eu vou fazer aquele filme e será aquele tipo de filme”. Como com Vidas Sem Rumo – não é que eu não pudesse ter feito o filme de 16 outras maneiras. As pessoas sugeriam: “Bem, nós realmente vamos adaptar este livro desta maneira?”. E eu respondia: “Bem, adolescentes me escreveram cartas querendo que fosse assim”. De todas as cartas que recebo devido aos filmes, Vidas Sem Rumo é o único em que todas essas pessoas fofas de 14 anos… Então eu fiz para “elas”. Sinto que obtive algo, embora não tenha sido tão desafiador, cinematograficamente ou mesmo no nível da direção de atores e de outras coisas, quanto, digamos, aquele que veio logo a seguir. Mas eu sempre tive esta ideia de que queria fazer um filme que fosse romântico e sentimental, como O Poderoso Chefão, e um filme que fosse de arte, mais na direção de Apocalypse Now. thomson e gray Você pode nos contar como surgiu a ideia para O Selvagem da Motocicleta? coppola Quando eu estava trabalhando em Vidas Sem Rumo, uns garotos me falaram sobre outro livro que tinham lido, chamado Rumble Fish, e isto me lembrou “Os Peixes-Banana”, um conto de Salinger. Como era mesmo? “Um dia maravilhoso para os peixes-banana” [Um dia ideal para os peixes-banana]? E esta expressão ficou grudada no meu ouvido, a palavra esquisita, o peixe brigão. Também, quando vi um exemplar do livro, era muito curto, e eu gosto de romances curtos. Eu simplesmente peguei o livro e comecei a lê-lo. Ele havia sido escrito quando Susie Hinton era mais velha – e bêbada, eu acho. Tinha uma visão tremenda, realmente impressionante, e diálogos e personagens e ideias complicadas, o tipo de ideias que você não entende totalmente na sua cabeça, mas que, mesmo assim, de algum modo você sente que entende. É o fato de você seguir pensando a respeito dele o que o torna atraente. E, além de ter me afetado daquela forma, eu havia visto Mickey Rourke em um dos testes para Vidas Sem Rumo e estava muito impressionado com ele, ainda que não houvesse nenhum papel de fato que ele pudesse interpretar naquele filme. Escalamos então Mickey e Matt, o que tinha muito a ver com Fred Roos dizendo “Bem, isso seria demais”, porque eu estava pensando se deveria fazer o filme com atores mais jovens. A história é sobre um adolescente de 14 anos. De algum modo, por causa de uma menção ao daltonismo, eu imaginei o filme em preto e branco. Isso foi sugerido a partir do romance, eu não impus isso. E então veio a ideia de que, par te iv ídolos do rei 256 Mas, conforme a conversa engrenava, ele também demonstrou paixão, ideias inesperadas e associações rápidas ou instintivas demais para serem formuladas em frases. Bebericamos vinhos da vinícola do próprio diretor enquanto ele planejava o jantar com o filho. Depois disso, ele mostrou um novo sistema de som para um equipamento de vídeo avançado. Escolheu uma sinfonia de Shostakovich para a demonstração, e o som estrondoso, límpido como cristal, fez com que sua filha e seus amigos, agora de volta do estúdio, se reunissem para escutar. Nós conseguíamos imaginar Coppola convencendo adolescentes dos méritos do sofisticado O Selvagem da Motocicleta, uma vez que ele podia fazer isso pessoalmente. Eles podem sentir que ele criou, como adulto, o que todos esperam criar quando são crianças: um gigantesco quarto de jogos cheio de equipamentos e de pessoas desejando se dedicar a qualquer esquema que ele possa inventar. O Selvagem da Motocicleta é um sonho de filme, e Coppola é como Charlie Kane, ocupado demais, criativo demais, feliz demais gastando dinheiro para envelhecer. Ele pode vir a nunca criar seu Media Dome em Belize, mas seu romance o acompanha em todo lugar. O Zoetrope, entre outras coisas, ainda possui os direitos de On the Road e de Peter Pan. Francis Coppola é o homem que poderia transformar esses dois livros em filmes. 259 juventude e ressurreiç ão quatro meses. Então eu pensei que adiantar o máximo de produção que eu conseguisse seria bom. Muitas pessoas olharam para mim e disseram: “Ah, sim, claro, claro, O Selvagem da Motocicleta, mas preste atenção em Vidas Sem Rumo”. E meio que me ignoraram por completo. Mas, quando o filme a cores ficou pronto, fiquei muito sério e disse que realmente ia seguir adiante com o preto e branco. A Warner Brothers nos recusou, algumas pessoas disseram que eles sentiram que iríamos competir com Vidas Sem Rumo. Eu sinto que Vidas Sem Rumo sofreu um pouco de certo caos, porque todos ficavam amarelos quando viam o corte bruto do filme, e isso influenciava que seu corte ficasse mais e mais curto. Eu realmente preciso assistir ao filme mais uma vez, porque eu não entendi por que tantas pessoas não gostaram, quando não havia nada de tão sério para desagradar. Eu pensei que estava bem próximo ao livro. Eu acredito que diretores devem dirigir – eles são diretores. Se eu sou contratado para dirigir uma adaptação para o teatro de Um Bonde Chamado Desejo, eu farei de tudo para fazer Um Bonde Chamado Desejo, não vou tentar impor à obra minha própria imaginação bizarra – embora eu pudesse fazer isso. Foi esta a minha atitude. Assumi o projeto para fazer assim, e fiquei muito orgulhoso por ter conseguido fazer assim. Pegue algo, avalie o que é, e faça do jeito que a obra é. Mas, não obstante, talvez seja verdade – meu interesse na obra devia-se a um certo… era um bocado de trabalho. Você faz um filme como este – pegue, por exemplo, a cena de briga em Vidas Sem Rumo, aquilo foi tão difícil quanto qualquer outra coisa que eu já fizera antes. Era tão difícil quanto qualquer coisa em O Poderoso Chefão. Também era de um conceito mais incomum. Então estávamos trabalhando muito duro. Talvez tudo se deva ao fato de que eu poderia ter escrito um roteiro a partir de Vidas Sem Rumo e interpretado o livro de um modo diferente do que o jeito que a autora conta a história. Mas então não seria Vidas Sem Rumo. E então, o que você faz? E, com O Selvagem da Motocicleta, eu acredito que estávamos começando a criar um verdadeiro meio de produção. Nós tínhamos uma equipe de produção muito boa, estávamos cheios de energia e entusiasmados e todos estavam prontos para fazer outro filme. E eu fui falar com o fotógrafo durante o final de Vidas Sem Rumo e nós decidimos que, oh, nós vamos usar todas apenas lentes curtas e o filme vai ter a seguinte aparência… Eu costumava brincar dizendo que era um filme de arte para os jovens, ou então que era Camus para adolescentes, ou que o filme parecia para mim com a forma como vejo os escritos dos existencialistas. E eu gostava do fato de que os jovens podiam ver Vidas Sem Rumo como um épico exuberante e sentimental sobre garotos que não estudaram inglês. Estes garotos têm um gigantesco sentimento romântico, se eles forem como nós éramos, e então eu queria explorar isso. Mas, quanto par te iv ídolos do rei 258 se queremos mostrar que alguém se torna daltônico, então talvez nós devêssemos ter cor no filme e depois retirar a cor para provocar essa impressão. E é daí que veio a ideia de ter alguns elementos coloridos no filme. Conforme burilamos mais essa ideia, pensamos que talvez fosse ótimo se só os próprios peixes – a metáfora da história – fossem coloridos. thomson e gr ay Isso aconteceu durante as filmagens de Vida Sem Rumo? coppola Sim. Enquanto filmávamos Vidas Sem Rumo, eu escrevia o roteiro de O Selvagem da Motocicleta. E, pensando a respeito dele e sobre o que eu tinha à disposição, veio a ideia de que certamente poderíamos ir direto de um filme para o outro, e também que, embora os elencos fossem ser iguais, os filmes seriam totalmente diferentes. Por uma coisa, não somente um dos filmes era preto e branco e o outro colorido, mas Vidas Sem Rumo era em widescreen e O Selvagem da Motocicleta é em 1:37, o mais perto que conseguimos chegar de 4:3, um formato que é melhor para os cineastas – as lentes são melhores. E de fato comecei a tratar O Selvagem da Motocicleta como minha motivação para quando terminasse Vidas Sem Rumo. Também, sinceramente, como você pode imaginar, a produção de Vidas Sem Rumo começou imediatamente após o fracasso de Do Fundo do Coração nos Estados Unidos. Em vez de passar seis meses sendo açoitado por ter cometido o pecado de fazer o filme que eu queria fazer, eu fugi com um bando de gente jovem para Tulsa e não precisei lidar com os críticos. Eu havia sido conselheiro de acampamento quando era mais novo e sempre me dei muito bem com jovens. Prefiro estar com jovens a adultos, então esta se tornou uma maneira de curar a dor no coração causada pela terrível rejeição naquele momento. Além disso, Vidas Sem Rumo tinha certo potencial financeiro, e eu sabia já naquele momento, já no primeiro dia de recepção de Do Fundo do Coração, que três meses depois eu enfrentaria os piores problemas financeiros pelos quais eu já passara. Então, em vez de me preocupar a este respeito, comecei a trabalhar, imaginando que o que mais poderia me salvar seria intensificar o ritmo da produção. Além disso, grande parte da experimentação eletrônica que estivéramos fazendo começou a render frutos, e me senti confiante de que poderíamos fazer os filmes por somas modestas, muito bem controladas. E de fato isso aconteceu. Vidas Sem Rumo trouxe dinheiro suficiente para me ajudar durante um momento em que eu precisava de bastante grana. thomson e gr ay Quando você propôs fazer o segundo filme, virtualmente sem um intervalo entre os dois, foi fácil conseguir financiamento? coppola Bem, ninguém me levou a sério. Nós estávamos trabalhando em Vidas Sem Rumo e eu sabia que este abismo se aproximava, porque este tipo de problema financeiro demora um pouco a chegar. Quero dizer, você está encrencado, e todos sabem disso. Mas, na hora em que todas as rodas completam suas voltas, você já está nessa há três ou 261 juventude e ressurreiç ão para ser incluído naquele grupo cinco anos mais velho do que eu. E, quando voltei para a escola militar depois disso, nunca consegui alcançar aquilo outra vez, o nível de coisas que acontecia lá, e eu fugi, em última instância, por causa disso. Fui para a Great Neck High School, que estava mais próxima a esta experiência com meu irmão. De qualquer maneira, este relacionamento com ele durante aqueles anos foi uma parte poderosa da minha vida. Eu tive um sonho uma vez quando era criança que me assustava todo. Eu estava em um desses becos e havia um enorme bueiro, e estes garotos durões estavam pegando meu irmão e iam jogá-lo no bueiro e escondê-lo lá. E eu corria para várias casas diferentes atrás de um telefone para chamar a polícia. Eu nunca esqueci este sonho. E, de alguma forma, todos estes sentimentos sobre os quais estou falando… você sabe a jaqueta naquele filme do filho dele, você sabe, Nicholas Cage, aquela jaqueta alucinante? Aquela jaqueta era dele, do meu irmão. Era uma cópia da verdadeira. E ele tinha tal encanto mágico em seu jeito. Quando li o livro, lembrei dessas coisas. Então eu fiz com que o personagem se parecesse com Camus, e foi esta a inspiração inicial para Mickey e o cigarro. Eu diria que meu amor por meu irmão formou a maior parte do que eu sou, e que a outra parte foi formada por meu pai em termos de minha atitude em relação à música. Meu pai tocava flauta e você pode imaginar o que isso significava para uma criança pequena. Então eu acredito que muito do que sou se deve ao fato de ter sido espectador da família. E eu entendia tudo aquilo como se fosse mágica – eu acreditava em tudo. Minha mãe, que era uma espécie de mãe pueril, nos trazia muita mágica. Eu acreditei em Papai Noel até os nove ou dez anos. thomson e gr ay É um dos filmes mais coesos e precisos a que eu já assisti. coppola Bem, tudo correu bem. Suavemente. thomson e gr ay O som, as imagens, a cor… Tudo. As nuances de luz e escuridão, tudo. coppola A música surgiu devido a outra coisa. Eu tenho esta ideia sobre o tipo de filme que quero fazer dentro de alguns anos, um tipo de filme que é bem diferente daqueles que estou fazendo agora – diferente daqueles que qualquer pessoa está fazendo agora, eu suponho. E uma das coisas que eu gostaria de fazer é escrever minha própria música. Eu tinha prometido a mim mesmo que, em O Selvagem da Motocicleta, eu poderia escrever minha própria música, e eu tinha um conceito muito, muito preciso de como ela iria ser. Na verdade, eu havia preparado boa parte dela em uma espécie de brincadeira. Eu pus meus filhos, seus amigos e meu sobrinho para lerem o roteiro enquanto estávamos em um estúdio de gravação de som. Eu tamborilava diferentes ideias de métrica para expressar o tempo. Um dos conceitos centrais era a ideia de que o tempo está se esgotando e as pessoas jovens não entendem que ele está se esgotando. Então trabalhamos par te iv ídolos do rei 260 a O Selvagem da Motocicleta, eu queria que fosse como Pedro e o Lobo, de Prokofiev, para crianças, no qual você está fazendo um filme e então diz: “Ah, filmes também podem ser realizados em preto e branco com lentes de 14mm, e a banda-sonora e a música também podem ser parte do filme. As atuações podem ser de natureza muito verossímil porém ainda assim estilizada, etc, etc, etc. E pessoas jovens poderão assistir a tudo isso”. Em resumo, entregue isso aos jovens e, mesmo se eles não gostarem logo de cara, é possível que, em dois anos, eles gostem. thomson e gr ay Você dedicou o filme a seu irmão, e isso nos faz pensar que, embora O Poderoso Chefão I e II sejam filmes sobre irmãos, o modo como O Selvagem da Motocicleta é sobre irmãos é muito mais pessoal e importante para você. coppola De fato ele é. É muito pessoal. O Selvagem da Motocicleta vem de determinado período da minha vida quando eu tinha, sete, oito, nove anos, em uma área não muito distante daqui, perto do Astoria Studios, em um lugar chamado Woodside. Eu estava em um maravilhoso jardim de infância em outro bairro, próximo à praia, e minhas lembranças de ter cinco anos são realmente maravilhosas – continuam sendo os melhores cinco ou seis anos da minha vida. E então nós mudamos para outro bairro e subitamente havia um monte de vielas, que é como O Selvagem da Motocicleta aparece no filme. E eu tinha um irmão cinco anos mais velho – eu tenho um irmão cinco anos mais velho – que era meu ídolo, que era muito, muito bom para mim. Ele me levava para todos os lugares e me ensinava todas as coisas. Você sabe, quando ele saía com os outros caras, porque ele era o líder da gangue, ele era tremendamente bonito, ainda é… Ele poderia facilmente ter me abalado, dito que não queria me levar. Eu dormi no mesmo quarto que ele até os dez ou onze anos. Até que ele se mudasse para o sótão, ficasse deprimido e passasse o dia olhando para mapas do Taiti. Ele era um garoto muito avançado. Era um ótimo irmão mais velho e sempre cuidava de mim, mas, além disso, ele ia muito bem na escola e recebia vários prêmios por redações e outras coisas, e era a estrela da família, e eu fiz a maior parte do que fiz para imitá-lo. Para tentar parecer com ele, ser como ele. Eu até mesmo peguei os contos dele e os entreguei assinados com meu nome em aulas de redação no ensino médio. Comecei a escrever imitando ele, pensando que, se eu pudesse fazer aquelas coisas, então eu poderia ser como ele. Ele sempre gostara de ter sonhos grandes e de ler livros. Ele lia André Gide, Jean-Paul Sartre, me falava sobre James Joyce quando eu tinha 14 anos. Eu não entendia muita coisa. Ele sempre me incluía. Quando eu estava na escola militar, um ano fui mandado para viver com ele na Califórnia. Ele era um aluno da ucla e vivia em uma bonita casinha em Westwood junto de três outros caras, e havia um casal de garotas vivendo lá, e este foi um verão maravilhoso… Todo dedicado a coisas intelectuais, ler livros. Foi aí que comecei a escrever, 263 juventude e ressurreiç ão o fato dele nunca ter conseguido o sucesso que parecia querer tanto. Eu não queria tanto assim. Meu irmão sempre parecia estar muito preocupado em ser o maior cara, o mais poderoso, e ganhar todos os prêmios. Eu não era tão ambicioso quando garoto. thomson e gr ay Surpreende-me que você não tenha querido cantar. coppola Eu cantei um pouco. Esta foi uma das poucas coisas que me diferenciava, e não sei por que não segui adiante e estudei a sério. Todos costumavam dizer: “Você sabe, você deveria estudar, Francis”, mas ninguém fazia nada a este respeito, e então eu acho que, conforme avançava ensino médio adentro, toda minha educação era bem louca. Eu nunca fiquei em qualquer escola por mais do que alguns meses, e então nunca entrei em um clube de canto ou nada disso. Passei por 24 escolas antes de ir para a faculdade, então de fato não me integrei a qualquer uma delas. Minha principal paixão naquela época era a ciência. Eu lia sobre cientistas e teria sido um físico se fosse bom em matemática. Lembro-me de coisas que eu esboçava que vejo que aconteceram. thomson e gr ay Como você acha que seu pai vai se sentir se você compuser música para seus próprios filmes? coppola Bem, antes de mais nada, farei dois filmes agora, Cotton Club e Interface, e então pretendo tirar, quem sabe, uns três anos de intervalo. Não porque eu tenha outras coisas que queira fazer, que eu realmente queira fazer, mas porque estou me entediando com a indústria do cinema. Ela não me atrai mais: é uma espécie de zona de ninguém para um cara como eu. Então os projetos nos quais eu gostaria de trabalhar, começando daqui a três anos, aconteceriam numa época que não seria relevante em termos da vida do meu pai. Além disso, ele sabe que tenho essas aspirações. Ele não está me encorajando nem um pouco, mas ele sabia que eu queria escrever a música para O Selvagem da Motocicleta, e quando ele ouviu uma fita – parte do material tinha sido gravada – ele comentou como uma seção da música parecia algo composto por ele. Eu não disse que a mesma seção também parecia com algo composto por alguém há cem anos. Mas meu pai nunca foi um homem muito encorajador. thomson e gr ay Você sente que ajudou a carreira dele? Você se sente orgulhoso dele? coppola Eu fiz a carreira dele. Eu sinto que ele merecia qualquer sucesso que conseguisse para si. Não fui eu que pus as notas musicais no papel. Ele pode pegar uma folha de papel bem grande e escrever uma composição para uma orquestra de 60 pessoas. Quanta gente consegue fazer isso? Sou bem orgulhoso disso. O conhecimento de música dele é tremendo. É como Leonard Bernstein ou aqueles mestres que simplesmente conseguem fazer as coisas. Sinto muito respeito por ele. Ele também tem um irmão, a propósito – um grande músico. Há uma grande história de competição aí. O irmão vive aqui na região par te iv ídolos do rei 262 esta música com percussão e contrabaixo solo, que eu mesmo toquei. Então veio a ideia de que o baterista que marcaria o tempo seria Stewart Copeland, que é um ótimo baterista e que, em algumas músicas do The Police, tinha a precisão que buscávamos. Encontrei-me com ele, que era um cara muito legal. Gostei do nosso encontro, e ele veio aos ensaios para criar esses ritmos. Nós tínhamos estes ensaios com um baterista que se revelou um compositor presente. Em outras palavras, o projeto de certa forma nasceu nesta espécie de happening teatral. O que aconteceu com a música foi que cada vez mais eu pensei que o que ele estava fazendo era tão bom que eu na verdade deixei os planos iniciais de lado e disse: “Olhem, eu acho que isso que ele está fazendo é ótimo”. E ele é um sujeito bem interessante. Então, é claro, o outro componente era tentar expressar o tempo se esgotando por meio de lapsos de tempo. E eu tinha essa coisa ligada às ruas, e as sombras seguem ladeira abaixo desta forma… thomson e gr ay É hoje difícil para você acreditar, lá no fundo, que você se tornou, de longe, o mais conhecido e mais notável membro da família? coppola Bem, eu consigo entender que sou mais famoso do que qualquer um deles. Penso que é um pouco como a família de Napoleão. Você sabe, quando éramos crianças de quatro ou cinco anos e íamos rezar à noite, minhas memórias mais antigas, nós sempre incluíamos em nossas preces: “E permita que o papai faça sucesso”. Este era um grande assunto de minha família. Nossa mãe dizia para rezarmos para que isso acontecesse. Lembro de quando tinha 15 anos e trabalhava em um escritório da Western Union. Escrevi um telegrama falso dizendo “De fulano e beltrano na Paramount Pictures: Prezado Senhor Coppola, o senhor foi escolhido para ser o compositor de Jet Star, por favor venha a Hollywood imediatamente…”. E fomos lá e entregamos o telegrama para ele, e então precisamos dizer que era mentira. O que inspirava a carreira de meu pai era sua vaidade e seu desejo de ser apreciado. Ele fazia de tudo, ele tinha pequenos trechos de programas de rádio… Em outras palavras, ele tinha tido um programa de rádio de 15 minutos na década de 1940, e eu me lembro daquelas fitas. Uma vez que eu era a única criança na família que conseguia cantar, os únicos elogios que eu recebia na família era quando o acompanhava cantando, coisa que ninguém mais conseguia fazer. thomson e gr ay Quando você pediu a ele que compusesse parte da música para alguns de seus filmes, isto era uma continuação daquela época? coppola Eu sempre senti que meu pai era… Há poucos músicos por aí, exceto os daquela geração, que são mestres orquestradores e regentes. Mas, além disso, eu pensei, ele também tinha uma imaginação melódica espantosa, e, ao passo que envelheceu, também se esforçou para se tornar sentimental. Algumas de suas composições são bem impressionantes. De algum modo sempre foi uma trapaça do destino 265 juventude e ressurreiç ão Quando mais jovem, eu nunca pensei sobre mim mesmo como alguém particularmente especial ou particularmente talentoso. Eu só sabia que eu trabalho mais duro do que qualquer outra pessoa e que eu tinha um bocado de boas ideias, uma imaginação vivaz. Mas eu não podia fazer algo que as pessoas fossem dizer: “Oh, como isso é belo!”. Até hoje não consigo fazer isso. Nunca fiz um filme que foi recebido dessa forma. Muitos dos filmes, em retrospecto, foram assim, mas o prazer de realizá-lo e de oferecê-lo como se serve um prato de comida, para que então digam “Mas rapaz, isso foi bom!” – eu nunca tive isso. Quando criança, sempre senti que talvez houvesse gente que tinha muito mais talento do que eu, que eu só tinha uma fagulha, um fio de talento. Mas então, se eu pudesse seguir este fio longe o bastante, talvez então eu conseguisse encontrar o depósito real mais tarde. E então talvez muitas dessas pessoas que tinham talentos espetaculares iriam desaparecer – e elas desapareceram. Então agora eu estou, mais do que qualquer outra coisa, interessado em fazer as coisas do meu próprio jeito. E não acho que a indústria tradicional do cinema vá me tolerar. Penso que parte do meu infortúnio com os jornais baseia-se na verdade em um mal-entendido. Uma incompreensão que não pode ser desfeita. Mas eles não contavam com uma coisa: com o fato de que muita coisa do que fiz foi realmente sincera. Não exibi Do Fundo do Coração para realizar um golpe publicitário; o exibi para tentar salvá-lo. E não mostrei o estúdio para ser um espertalhão; eu estava orgulhoso dele. Pensei que era uma boa ideia. E eles são tão cínicos que pensam que qualquer um que faça esse tipo de coisa está pegando as melhores cartas em um jogo de Banco Imobiliário, e deve pagar por isso. Sempre fui muito cândido, sempre digo às pessoas tudo o que sinto e estou consciente de que seriamente prejudiquei, se é que já não acabei pela metade, com a minha capacidade de seguir fazendo minhas próprias coisas. Devido a alguns mal-entendidos. thomson e gray Digamos que alguém aparecesse e dissesse: “Tudo certo, nós vamos te dar bilhões de dólares”. Você iria aproveitar a oportunidade, iria embora mesmo assim ou então esperaria três anos para pensar a respeito? coppola A primeira coisa que eu faria seria pegar a maior parte deste dinheiro e tentar unir, não de fato, mas espiritual e economicamente, o Canadá, toda a América do Norte, o México, a América Central e a América do Sul. Eu faria este continente tão protegido economicamente que ele seria uma espécie de mercado comum. Porque eu acredito que, se isso pudesse ser feito, então seria algo tão formidável que ninguém mais na Terra iria querer qualquer problema conosco. Seria muito estável, muito rico. thomson e gr ay Ninguém nunca faz a conexão entre seus planos de ir para Belize e a proximidade com a região onde os eua têm mais problemas e onde é mais necessário um americano falando com as pessoas. par te iv ídolos do rei 264 central… Ele é um regente muito conhecido, mais bem-sucedido do que meu pai. Ele é muito considerado na família. thomson e gr ay Você estava contando que teve um problema no estúdio hoje devido a um incidente provocado por sua filha. Algumas das crianças acabaram de passar nesta sala e isso me faz pensar, só de ver você em casa, por umas poucas vezes como esta, que você adora tê-los por perto. coppola Bem, quando era criança, eu sempre adorava outras crianças. E uma das minhas grandes frustrações, como ocorre com muitas crianças, era que eu não tinha amigos, ou que eu não ficava na escola tempo o bastante, ou então que não pude manter meus primeiros amigos do jardim de infância, onde fui muito feliz. O jardim de infância realmente foi – e não estou exagerando – cinco vezes mais feliz do que o resto da minha vida. Nunca mais voltou a ser a mesma coisa. Para mim era um período mágico, construindo coisas, contando histórias e brincando com meninas – foi tudo que tinha que ser. E, de algum modo, eu tentei recriar aquilo. O Zoetrope não foi nada além, e não é nada além, do que um departamento universitário de teatro passando à vida adulta, e mesmo o incidente hoje ao qual você se refere não foi de fato sobre Sofia, mas sobre o ponto de vista que um estúdio de cinema e a indústria cinematográfica na verdade são algo para os jovens, para a experimentação, para a vida, para a diversão e todas estas outras qualidades. Eu desprezo a outra força que quer demolir o cinema e transformá-lo em algo ligado à contabilidade, à burocracia, a turnos das nove-às-cinco e a “Como assim, há crianças no estúdio?”. Odeio isso. Vou matar isso. Porque, para mim, é isto o que já destruiu grande parte da herança cinematográfica neste país. É como se alguém tivesse derrubado o Chrysler Building, que é o que houve com a Warner Brothers, ou posto abaixo a Brooklyn Bridge, que é o que aconteceu com a MGM. E não apenas os edifícios ou os sistemas vão embora, mas a entrada de jovens. Agora que estou com 45 anos, o que é mais precioso para mim é garantir que os jovens herdem o cinema. Porque os intermediários, o pessoal do merchandising e do marketing irá bloquear seu acesso à juventude, e também o acesso aos seus líderes tradicionais – os chamados cineastas valorosos e antigos que ainda querem trabalhar e participar. Você vê, toda a minha ideia era “manter” estes dois extremos. Para mim, é uma guerra, que eu não imagino que tentarei vencer, mas é a mesma coisa que aconteceu aos automóveis quando os designers pararam de projetar carros, e os garotos não foram correndo ler os jornais porque o 19xx Pontiac estava sendo lançado… Nós corríamos, nós andaríamos quilômetros para ver um novo carro. E esse problema se espalhou para todos os níveis da nossa vida e do nosso mundo. Está se espalhando tão rapidamente que eu praticamente preciso de uns dois anos para pensar a este respeito, para entender se eu deveria desistir ou não… ou talvez eu esteja fazendo do jeito errado. 267 juventude e ressurreiç ão nição que a Sony desenvolveu mostra que a física pode comportar isto que estamos discutindo tão logo este imenso mercado global venha abaixo. É necessário entender que um país é de um tipo, outro país é de outro – países não podem realmente se comunicar. A qualidade é pobre, é monofônica, é pequena. Isso vai mudar bem rápido, se os pequenos interesses ocultos que controlam as transmissões permitirem. A razão pela qual a mídia não está se expandindo é porque as pessoas que a controlam não querem mudanças. Em geral, a história nos diz que não se pode barrar este tipo de inovação – dez ou vinte anos depois, ela vai avançar. Quando isso acontecer, ela se tornará o padrão, e todos no mundo poderão ver qualquer coisa em sua própria língua. Bem, isto vai mudar o mundo. Vai mudar a política, a economia, a arte – e eu suponho que vai mudar para melhor, uma vez que sabemos que, no passado, em geral, são grupos de maus interesses ocultos que controlam a informação. Então estou olhando para esse outro mundo, que é o mundo no qual serei já um velho. E estou desistindo deste mundo, porque não consigo mais lidar com ele. thomson e gr ay Isto significa que o Zoetrope, nas várias formas que ele teve nos últimos 12, 13 anos, é uma coisa do passado? coppola Bem, o Zoetrope sempre foi capaz de se reinventar. Já fez isso quatro ou cinco vezes. Nós nos chamávamos American Zoetrope porque éramos muito jovens, muito sinceros, acreditávamos que éramos cineastas americanos e que o Zoetrope era o símbolo tradicional do cinema. Depois de um tempo, percebemos, quando éramos mais cínicos, que o American do nome não ia nos ajudar de modo algum. Que você precisa se tornar o Zoetrope internacional se quiser ser alguma coisa. Ou até mesmo em novas dimensões: fomos o Omni-Zoetrope por cerca de um mês. E então veio a ideia do estúdio e ela realmente esquentou meu coração, porque o que amo mais do que tudo é o teatro. O estúdio. O comissariado, os atores chegando, o entusiasmo, virar a noite, passando a limpo o roteiro. Pensamos que teríamos nosso próprio estúdio de Hollywood à imagem dos antigos. E, quando este projeto não foi capaz de se sustentar, que é onde estamos agora, eu acho que ele vai renascer. Acho que provavelmente vai se chamar Zoetrope Corp., e que vai terminar no Chrysler Building, que irá adquiri-lo… thomson e gr ay Até aqui você esteve descrevendo todos estes passados e este futuro deste modo muito complicado. Você tem um senso do agora? coppola Eu não tenho qualquer presente. Vivo como uma pulga entre dois blocos de granito, não há espaço, é horrível. Nunca tenho tempo para fazer nada que eu queira fazer. Sinto-me como se estivesse basicamente sempre resolvendo algum problema com alguém que não é importante. Estou sempre sob a mira de uma arma. Tento ser cortês com as pessoas, mas há muita gente! Geralmente estou trabalhando em muitos projetos, mas quando eu estava mais feliz em janeiro, fevereiro par te iv ídolos do rei 266 coppola Há muitos aspectos nesta questão. Você pode imaginar que pessoas em Washington falaram comigo, e as pessoas dizem “Bem, por que você iria querer fazer qualquer coisa num lugar como aquele, uma região problemática…?” O que não param para pensar é que regiões problemáticas sempre recebem dinheiro, porque Belize é necessária à estabilidade daquela região, como Hong Kong ou a Suíça são necessárias a outros lugares. Há um aeroporto e ele está em funcionamento. Minha ideia sempre foi baseada na noção de que o Caribe era o Mediterrâneo do futuro, e que uma das quatro grandes indústrias mundiais seria a das telecomunicações. E as telecomunicações podem estar baseadas em qualquer lugar onde você as instale. O que é necessário é um meio-ambiente muito bonito, de modo que muita gente queira ir pra lá. Belize tem a costa mais vasta e exuberante, intocada, em qualquer lugar do mundo. Em segundo lugar, é necessário também que seja um país pequeno e independente, porque você quer ter seus próprios satélites e você quer que seu próprio governo administre a si pelo bem de sua indústria principal, que é a das telecomunicações. Belize fica a três horas daqui de Nova York. Fala-se inglês por lá, quase não há ninguém, eu realmente… O que eu pensava, minha fantasia – bem, eu não vou mesmo fazer isso, é claro, mas, em minha vida de fantasia, se eu estivesse escrevendo uma história a este respeito, é isto o que eu faria – eu criaria naquelas pessoas, e nos jovens do Caribe, e nos jovens em geral, o gosto pelo vídeo. Dar-lhes-ia as ferramentas para que produzissem vídeos e criaria uma pequena indústria. thomson e gr ay Então você acredita mais no vídeo do que na película? coppola Não vai haver película em 15 anos exceto por razões industriais, bioquímicas ou de análise; é simplesmente… lembrem-se do que aconteceu ao Super 8 preto e branco, em determinado momento não havia mais preto e branco. Agora não há filmes preto e branco de 35mm. A película é como uma carruagem sem cavalos: não é relevante. A questão sobre a película é que ela é “tão bela”, e está no apogeu de seu desenvolvimento, então ninguém pode dizer que ela não deveria existir. Mas, deixando isso de lado, estou dizendo que a película está morta, está acabada. Porque a nova mídia é tão incrivelmente flexível, imediata e econômica, e ela pode ser tão bonita quanto. thomson e gr ay Pode ser? coppola Ah, é claro que pode. Quero dizer, basicamente, quando falamos sobre beleza, a razão pela qual a película é tão bela é porque ela ocupou nossas imaginações por 80, 90, 100 anos, e aprendemos como obter todas essas emulsões, gerar essas pequenas reações químicas, enquanto, com o meio eletrônico… Se você visse o Betamax há dez anos, você não acreditaria que ele existe. Agora eu tenho uma câmera deste tamanho, e você pode pôr a fita direto nela, você pode pôr o vídeo direto nela. A televisão em alta defi- 269 juventude e ressurreiç ão thomson e gr ay Como Joyce? coppola Como Ulysses. Mas é sobre algo que está na vida de todos nós, aquela pressão. Megalopolis é como Tóquio… Mas também, Nova York agora é para mim o cenário perfeito para um filme que vai tentar lidar com questões como quem nós somos, onde estamos, o que é a raça humana neste ponto? Baseia-se em parte na história romana, porque pega um período de Roma imediatamente anterior a César, quando as condições em Roma eram quase idênticas às nossas. Todos estavam voltados para a morte, todos os valores haviam se convertido na busca pelo dinheiro. A sociedade estava saindo de si. E esta é a época de Cícero… e eu pesquisei este período, tomando o incidente da revolta de Catilina, e quero contar esta história como uma espécie de visão de Plutarco de Nova York como uma cidade romana, embora o visual não vá ser romano, será o de Nova York mesmo. Catilina era um personagem muito interessante. Ele queria apenas queimar tudo e matar a todos – somente trazer a sociedade abaixo, destruí-la. Uma ideia muito interessante, é claro. Mas, em última instância, em sua maior escala… Há muitas dimensões sobre este assunto. Vocês conhecem o caso da aquisição da Bendix… de certa forma as coisas são contadas em um desses níveis, e também no caso da Steve Ross Corporation… Passa-se na cidade inteira: nos esgotos, no mercado de ações. Mostra a cidade como um organismo. Eu realmente queria fazer um épico sobre os dias atuais abordando o tema da utopia. Penso que utopia é uma palavra cujo tempo chegou. Nós costumávamos fazer graça dela, e todos sabemos que utopia em grego significa: em lugar nenhum. O modo como vou realizá-la é em uma espécie de estrutura elaborada e novelística que tem um intervalo e uma segunda parte que segue mais e mais tarde noite adentro até a parte que se passa às três da manhã – uma parte realmente selvagem, que, em última instância, cria a base para o conceito de utopia ao curso desta louca alucinação que acontece. Mas eu quero fazer um filme sobre a utopia, sobre o que ela é. Isto é ignorado. Todos riem dela. Nem sequer pensamos a este respeito. thomson e gr ay Você estava falando sobre o período no começo deste ano quando você estava escrevendo muito, obviamente escrevendo parte da base deste projeto, e então veio Cotton Club. Você pode contar como foi isso? coppola Bem, Cotton Club aconteceu originalmente devido a Bob Evans, que eu não conheço muito bem, mas que, de alguma maneira, inspira as pessoas a tomarem conta dele – talvez porque ele é como um príncipe descuidado ou coisa assim. De qualquer forma, ele se envolveu em problemas umas duas vezes, e sempre me senti compelido a ajudá-lo. Ele me ligou desesperado com alguma metáfora afetada sobre como o seu bebê estava doente e precisava de um médico. Em resumo, eu disse que ficaria feliz em ajudá-lo por cerca de uma semana, sem custo, para ver se podia dar minha opinião. Eu estava pensando que talvez o par te iv ídolos do rei 268 e março deste ano – foi um período que realmente me encheu de muita esperança, quando se esperava que eu fosse dirigir Nos Calcanhares da Máfia (The Pope of Greenwich Village, 1984). Eu tinha algumas boas ideias sobre o filme: eu tinha Vittorio Storaro e a ideia de realizá-lo como um filme desesperançado ao estilo de George Orwell – mas passado em Nova York. Estava empolgado por isso. Então continuaram adiando, em parte porque Al [Pacino] estava ocupado com outro filme, e então as coisas pararam de acontecer. Então decidi, em vez de esperar ou de me importar, que eu começaria a trabalhar em outro projeto no qual estivera pensando. E eu iria para esta casa de campo que eu tenho – possuo uma bela biblioteca em Napa… Oh, vocês viram. E eu iria trabalhar todos os dias nesta outra coisa, e então, em dois meses eu tinha 400 páginas de coisas realmente interessantes, e estava trabalhando nisso quando recebi o telefonema sobre Cotton Club. thomson e gr ay Esta outra coisa na qual você estava trabalhando, você pode nos dar uma ideia do que ela é? Ficção? coppola Ah, sim. Minha ideia é que eu gostaria de passar para outra classificação de trabalho. Eu gostaria de ser uma espécie de – não tenho um nome para isso, então só posso inventar uns nomes engraçados – mas eu gostaria de uma espécie de romancista de chromakey. Vocês não viram um dos ensaios, viram? Agora nós temos os meios para que eu possa dizer a um grupo de atores: “Tudo certo, vá para lá, e você está em um carro, etc, etc”, e posso fazer isso. E os atores fazem o que digo e, quando você vê na tela, parece que eles estão em um cenário. Isso pode ser feito de forma muito convincente, se você souber como. Você filma na frente de uma tela, que depois fica meio que invisível, e você pode fazer qualquer coisa que quiser, incluindo muitas coisas sofisticadas, então você pode totalmente criar qualquer coisa que você consiga… se você usa atores reais… você pode pôr atores reais… então não é algo artificial ou frio: é apenas que o cenário é falso. thomson e gr ay É muito parecido com o teatro. coppola Mas, ao contrário do teatro, você faz isso por tomadas, então você pode obter a visão total do cinema e criar a ilusão completa. Basicamente, eu quero fazer não como os grandes cineastas, mas como os grandes pensadores e romancistas que eram os interesses do meu irmão: Joyce, Thomas Mann, etc. E tentar escrever um romance. Mas, em vez de ser um romance na página escrita, ele seria escrito no cinema. thomson e gr ay Você distribuiria esta obra na forma de fitas ou de cds? coppola Não, película. Isto é, impresso como um filme. Mas pode ser realizado em um vigésimo do tempo. E é isto o que vou fazer. Em vez de fazer um filme normal… vinte de uma vez, vou pegar o mesmo dinheiro e farei algo vinte vezes maior. Ir na outra direção. Ele se chama – vou dizer como se chama – Megalopolis. Se passa em Nova York. E é contemporâneo. Tem muitos personagens e acontece ao longo de um dia. uma chance para descansar. Eu gostaria muito de ter isso. Eu não tive vida, em minha vida inteira nunca tive férias; nunca pude ficar em um apartamento ou me divertir. Sempre foi esta vida absurda. E eu sabia que o material de Cotton Club era tão rico que, se eu tivesse controle sobre a obra, não havia razão para que não pudesse fazer um belo filme. juventude e ressurreiç ão 271 par te iv ídolos do rei 270 roteiro estivesse meio ferrado, e, sendo sincero, sempre fico ansioso para testar minhas invenções. Ele veio, eu olhei o material e disse que não tinha nada que pudesse fazer em uma semana. Não havia nada lá, era uma história rasa de gângsteres que não tentava dizer nada, você entende? Mas, lendo parte da pesquisa, comecei a ficar mais… Há muita coisa que aconteceu naquele período e ele é muito rico e estimulante. Há música, ótima música, e há teatro – porque aquilo era um teatro – e há belas dançarinas. Então, eu dei uma chance ao roteiro e comecei a retrabalhá-lo. Eu tentava manter um conjunto para ele. Ele insistia para que eu dirigisse o filme, e eu não queria porque tenho pânico de estar em uma situação na qual pessoas opinem sobre o que faço. Porque minhas ideias não parecem boas na primeira vez que as digo, mas sempre parecem muito boas depois, se tenho autorização para executá-las. Mas, se eu preciso lutar por tudo, como tive que lutar por Al Pacino e Marlon Brando, não tenho mais a energia para isso ou não estou disposto a fazer isso. Então deixei bem claro que, se eu fosse fazer o filme, eu realmente precisaria controlá-lo em todos os níveis possíveis. Então é claro que eu chego aqui e, embora tenha todos estes direitos, a mesma coisa acontece. Então finalmente estive colocando cada coisa em seu lugar, pelo bem do filme. O que aconteceu é que eu estava indo fazer este filme, Interface, que é muito interessante, e meio que me apaixonei por Cotton Club, se pudesse realizá-lo do modo como o vejo. É uma espécie de épico à sua própria maneira. É um épico. É uma história de determinado período: conta a história dos negros, dos gângsteres brancos, dos artistas, de tudo daquela época, como Dos Passos, e todas essas vidas são permeadas por Minnie the Moocher e Mood Indigo. Não há como perder num caso como este, contanto você saiba o que fazer. thomson e gr ay Você obviamente sabia que Evans queria que você dirigisse este filme, e não demorou muito para ver que o roteiro era uma isca. Quando você soube que iria aceitar? coppola Bem, você sabe, minha vida foi muito difícil neste último ano. Quero dizer, nós temos o empréstimo, então sai um artigo na Newsweek e perdemos o empréstimo. Realmente foi assim que aconteceu, e eu não levo tão a mal. Sou bom em lidar com esse tipo de coisa, mas isso te põe em um estado de confusão, e nos preparamos para decretar falência, e Ellie precisou entregar todas as suas joias, e vieram até nossa casa… Então isso estava acontecendo, e não posso dizer com certeza o que eu ia fazer porque eu não sei quais são as condicionantes. Nos Calcanhares da Máfia era um trabalho que me pagaria um salário que iria ajudar, e havia várias ofertas para escrever outras coisas, e eu praticamente queria trabalhar em algo só para conseguir evitar todo esse caos. Então eu disse, farei Interface e Cotton Club, um depois do outro. Eu pensei que, com isso, eu daria um golpe decisivo em meu problema financeiro – que, em dois anos, eu talvez até pudesse ter… — f. scott fitzger ald DRÁCULA DE BRAM STOKER gene d. phillips Como Winona Ryder afastara-se de O Poderoso Chefão, Parte iii (The Godfather, Part iii, 1990) por motivos de saúde, ela estava ansiosa para trabalhar com Coppola em outro filme. Quando ela leu a adaptação de Drácula que James Hart fez para o cinema, baseada no romance de Bram Stoker, de 1897, ela não somente quis o papel da heroína do filme, como também pediu para que Coppola fosse o diretor. Ela lhe enviou o script, e Coppola demonstrou interesse imediato. O que mais o impressionou foi o fato do roteiro de Hart ser tão fiel ao romance, enquanto as adaptações anteriores haviam ignorado diversas passagens do livro. Abraham Stoker (1847-1912) nasceu em Dublin, mas, com o tempo, se mudou para Londres, onde dirigia o Lyceum Theater para o famoso ator Sir Henry Irving. Ainda assim, ele encontrava tempo para escrever. Na época, as histórias de Edgar Allan Poe estavam na moda na Inglaterra, e um grande número de novelas de terror góticas acompanharam esse movimento e ganharam popularidade. Stoker, então, decidiu aproveitar a nova onda de ficções góticas e compôs Drácula. Embora algumas novelas de terror sobre vampiros legendários já tivessem sido publicadas no século xix, Stoker foi o primeiro a dar ao seu conto um fundamento histórico ao transformar seu protagonista no sanguinário príncipe do século xv, Vlad Tepes, que nasceu na Transilvânia, uma província da Romênia. A maneira pela qual Stoker mescla história autêntica com folclore distingue seu Drácula das histórias sobre vampiros que o precederam, escreve o historiador literário Leonard Wolf. Além disso, diz Wolf, “a grande realização de Stoker foi ter criado uma história de aventura cuja principal imagem – uma criatura morta-viva que bebe o sangue de jovens e atraentes mulheres – resplandece um sentido erótico.” Drácula, como Stoker o concebeu, parece, à primeira vista, ser um idoso e, portanto, algo como uma encarnação de um mal antigo. Então, como ele se alimenta do sangue de suas vítimas, transforma-se em um jovem arrojado e sedutor. Além de erotismo, Wolf continua, o romance de Stoker possui um componente religioso, já que o vampiro, afinal, havia perdido sua alma. Por sua vez, “o vampiro, ao tomar o sangue de sua vítima”, torna-se uma ameaça para a alma da vítima, que pode também virar um dos mortos-vivos. A história, como Stoker a conta, assume portanto “um significado mais amplo de uma luta entre as legiões de Deus e de Satanás”¹. É por isso que os caçadores de vampiros, que estão do lado dos anjos, empregam como defesa contra os vampiros diabólicos objetos sacramentais do ritual católico, como crucifixos e água benta abençoada. Como Stoker era um irlandês nascido em Dublin, não era de se estranhar que seu romance fosse inspirado em elementos de sua religião católica. De fato, Publicado originalmente sob o título “Fright Night: Bram Stoker’s Dracula” em phillips, Gene D. Godfather: the intimate Francis Ford Coppola. Lexington: The University Press of Kentucky, 2004. p. 283–299. Tradução de Julio Bezerra. Texto traduzido e publicado sob cortesia da University Press of Kentucky, 2015. 1 coppola, Francis Ford, hart, James. Bram Stoker’s Dracula: the film and the legend. New York: Newmarket, 1992. p. 167–169. 275 juventude e ressurreiç ão “Um homem cava sua própria cova e deveria, presumivelmente, deitar-se nela.” “Pra mim, o passado é eterno.” par te iv NOITE ASSUSTADORA É importante notar que o filme de Browning foi inspirado em sua maior parte nas peças de Deane e Balderston, e não diretamente no romance de Stoker. O mesmo pode ser dito das versões cinematográficas subsequentes. Na verdade, uma das coisas no roteiro de Hart que mais agradavam a Coppola era o fato dele ter voltado ao romance original como fonte primordial e não utilizado as peças de teatro. De fato, Coppola observou com aprovação que Hart tinha inclusive trabalhado no roteiro a coleção de cartas e as passagens de diário pelas quais a história é contada no livro. Coppola tinha sido um fã de filmes de terror desde a infância, e, quando era jovem, gostava de ver filmes de terror com seu irmão mais velho, August. “Quando eu era menino, Drácula era um dos meus filmes de terror favoritos”, observa ele. Coppola estava encantado com esta criatura estranha que sugava o sangue de suas vítimas. “Como eu estava obcecado com o quão assustador Drácula era, fui procurar por ele na Enciclopédia Britânica que a nossa família tinha, e fiquei muito impressionado com o fato do Drácula ser baseado em uma pessoa real, que viveu uma vez, uma figura histórica: Vlad Tepes, o campeão dos romenos contra a invasão dos turcos infiéis. “ Apesar de Vlad Tepes ter nascido na Transilvânia, ele reinou na verdade no sul da Romênia, no principado da Valáquia, nas margens do Danúbio. No entanto, Stoker se referia consistentemente ao Drácula como um nativo da Transilvânia, e até hoje é essa região que segue associada à lenda do Drácula. Este líder feroz dos cruzados romenos protegeu a Romênia, que era a porta de entrada para a Europa cristã, contra a invasão dos sultões turcos e hordas muçulmanas. Ele ganhou o epíteto de Vlad, o Empalador, por empalar guerreiros inimigos abatidos em estacas e exibi-los em plena vista do exército turco. Mesmo para aquela época bárbara, a sede de sangue de Vlad, o Empalador, era considerada como excessiva. Seus inimigos o chamavam de Vlad Dracul, o que significa “diabo”. Ainda assim, o jovem Francis Coppola era fascinado por Vlad: “Eu tinha talvez doze anos quando li sobre ele, mas me lembro que Vlad tinha empalado um monte de gente em estacas, e os turcos viram aquilo tudo e decidiram dar meia volta ao invés de mexerem com esse cara”. Ele ainda achava que os historiadores tinham sido muito duros ao julgarem Vlad. Como governante, Coppola explica, “Vlad Drácula era um déspota esclarecido”. Ele era imparcial na forma como fazia justiça: “ele empalava e torturava até mesmo alguns conterrâneos, independentemente de sua posição na comunidade”. Stoker empregou a figura real e histórica de Vlad Drácula em seu romance, “e, em seguida, inventou a ideia de essa pessoa se tornar um vampiro.” A primeira esposa de Drácula foi a princesa Elisabeta, que, por causa de um ardil turco, foi falsamente informada da morte de Vlad. Agoniada, a jovem pulou da torre do castelo de Drácula e se afogou rio abaixo. “Então, as sementes da história da mulher amada, o amor há muito perdido de 277 juventude e ressurreiç ão n o i t e a s s u s ta d o r a 276 o romance de Stoker é um conto para todos os tempos que retrata a luta entre as forças do bem e do mal, a luz e a escuridão, o dia e a noite. Drácula representa o lado negro da nossa própria natureza – razão pela qual queremos vê-lo vencido. Stoker idealizou seu romance no formato epistolar, uma forma de narrativa que remonta a Pamela ou a Virtude Recompensada (1741), de Samuel Richardson. Em Drácula, o narrador, um cavalheiro Inglês, emprega cartas e passagens de um diário como documentação, a fim de dar credibilidade ao seu bizarro conto de horror sobrenatural. O grande cineasta alemão F.W. Murnau fez a primeira adaptação do livro de Stoker para o cinema em 1922, dez anos após a morte do romancista. Murnau não tinha conseguido autorização para filmar o Drácula de Stoker porque a viúva do autor considerava o cinema mudo uma forma primitiva de arte, menos digna do que o teatro. Implacável, Murnau progrediu com o filme. Ele mudou o título para Nosferatu, um termo arcaico eslavo usado na novela para se referir ao morto-vivo. Além disso, alterou o nome Drácula para Conde Orlok e transferiu a Transilvânia, terra natal de Drácula, para Bremen, na Alemanha. Além disso, Murnau omitiu alguns incidentes do livro e acrescentou outros. Dessa maneira, no filme do vampiro (Max Schreck), uma criatura cadavérica com um semblante de morcego desencadeia uma praga de roedores em Bremen, um episódio que não está no livro. “É uma releitura livre da história”, diz Coppola, “com muitos elementos no enredo que diferem do romance”². No entanto, apesar das diversas divergências em relação ao romance, o filme foi reconhecido como uma adaptação do livro de Stoker, e os detentores dos direitos processaram os produtores do longa por terem feito um filme não autorizado a partir do livro. O processo limitou a circulação inicial do filme, mas, eventualmente, ele se tornaria amplamente disponível na década de 1990. A viúva de Stoker aprovou uma dramatização teatral por Hamilton Deane, uma vez que ela respeitava o teatro como uma forma de arte legítima. Deane simplificou a ação, eliminando o prólogo histórico envolvendo Vlad Tepes e a cena final no castelo de Drácula, na Transilvânia, em que o personagem é confrontado com os caçadores de vampiros. Ele manteve apenas a seção central do romance, que se situa em Londres, onde Drácula persegue novas vítimas. A peça estreou em fevereiro de 1927 na capital inglesa e foi bem-sucedida o suficiente para justificar uma produção em Nova York. John Balderston reformulou a peça de Deane para a estreia na Broadway, em outubro. A produção de Nova York ficou em cartaz por 33 semanas e fez do ator húngaro Bela Lugosi (que na verdade nasceu na Transilvânia) uma grande estrela. Ao contrário do vampiro grotesco de Max Schreck em Nosferatu, Lugosi era suave e culto, impecavelmente vestido em roupas de noite, um smoking e uma capa. E assim, ele transmitia a atração fatal do mal. Lugosi foi convidado pela Universal Pictures para repetir o papel em 1931 na versão cinematográfica de Tod Browning. par te iv 2 Idem. p.2. 5 coppola, Francis Ford. “Journal: 1989–1993” p. 17, 25 em boorman, John e donahue, Walter (orgs.), Projections Three: Filmmakers on Filmmaking. Boston: Farber and Farber, 1994. p. 3–34. Ver também coppola, 1992a: 3. 6 coppola, 1992b: 13. n o i t e a s s u s ta d o r a 278 DR ÁCUL A DE BR AM S TOKER – 19 92 Em novembro de 1990, Hart foi convidado para se encontrar com Coppola em sua casa no Vale do Napa, em Inglenook, perto do vinhedo de Inglenook, que Coppola agora opera como a adega Niebaum-Coppola. Há um bangalô nas terras da propriedade, onde Coppola realiza conferências durante a fase de pré-produção de um filme – a mesma casa de campo onde se reuniu com Dean Tavoularis e Vittorio Storaro quando estavam planejando Tucker: Um Homem e Seu sonho (Tucker: The Man and His Dream, 1988). Embora Hart tenha composto o projeto original de seu roteiro, sob o título Dracula: The Untold Story, já em 1977, ele achava que encontrar e discutir uma versão revista do roteiro com Coppola era uma espécie de revelação. Coppola sorriu para ele por cima dos óculos como um professor travesso, Hart se lembra. Então, ele abriu o roteiro “como um condutor prestes a iniciar uma sinfonia. Por duas horas e meia eu me sentei aos pés do Mestre enquanto ele passava pelo meu roteiro, página por página, hipnotizando-me, dizendo-me com imagens que iria transformar minhas palavras em um “sonho febril e erótico”⁷. Coppola tinha a intenção de dar a Drácula de Bram Stoker a impressão de um suntuoso filme de terror no estilo de O Iluminado (The Shining, 1980), de Stanley Kubrick, e ainda trabalhar com um orçamento previsto de 40 milhões de dólares – uma soma modesta para um filme histórico com figurinos de alto nível. Ele teve a ideia de cortar os custos com as locações para poder dispensar mais dinheiro para os trajes luxuosos – se os figurinos conseguissem encantar os olhos, ele raciocinou, os espectadores não iriam notar que ele havia economizado nas locações. Coppola trouxe, então, Eiko Ishioka, a designer japonês que tinha colaborado com ele em seu telefilme Rip Van Winkle (1985). Ao contratar Eiko, Coppola explica, ele estava confiante de que pelo menos um elemento do design do filme, os trajes, seria absolutamente único e original. Os figurinos deslumbrantes de Eiko eram criações exóticas e impressionantes, com sedas requintadas e brocadas, dignas de um museu. Como o vermelho em geral simboliza o sangue no cinema, Eiko vestia Drácula principalmente com esta cor (o manto vermelho que Drácula usa quando Jonathan Harker, um jovem advogado, vem visitá-lo em seu castelo, demonstra essa técnica). O enorme rastro, que se arrasta atrás de Drácula enquanto ele caminha, “é ressaltado quando Drácula corre pelo castelo como um morcego. Ele foi projetado para ondular como um mar de sangue”⁸. Coppola selecionou o diretor de fotografia alemão Michael Ballhaus. Ballhaus era o fotógrafo favorito do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder antes de chegar a Hollywood, e havia filmado mais recentemente Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990), de Martin Scorsese. Como Coppola não tinha recursos suficientes para contar com as locações elaboradas de seu constante colaborador Dean Tavoularis, acabou apostando em um jovem diretor de arte, Thomas Sanders. Como muitas das cenas aconteciam à noite, Coppola fez Ballhaus fotografar essas cenas com sombras profundas e dissonantes. Portanto, Coppola foi muitas vezes capaz de conviver com as configurações mais 7 hart, James. “The first time I met Francis Coppola” em leecourt, Peter, e shapiro, Laura (orgs.). The first time I got paid for it: writer’s tales. New York: Perseus, 2000. p.86. 8 coppola, 1992b: 41. 279 juventude e ressurreiç ão 4 coppola, 1992a: 2. Ver também coppola, 1992b: 13. Drácula também se baseiam na história real”, Coppola ressalta. E Stoker também a trabalhou no romance³. É preciso dizer: o histórico Vlad Drácula foi morto em batalha fora da cidade de Bucareste, alguns anos depois, em 1476, aos quarenta e cinco anos de idade. Ele foi decapitado e sua cabeça enviada por seus inimigos turcos ao sultão em Constantinopla como prova de que o feroz Vlad Drácula finalmente havia morrido. Foi o gênio de Stoker que transformou esta figura histórica em um vampiro. No romance, no entanto, Drácula renuncia a Deus e abraça Satanás na sequência do suicídio de sua esposa. Ele se torna o vampiro Drácula, e, como um morto-vivo, procura por sua amada Elisabeta ao longo dos séculos. Ela retorna 400 anos mais tarde, reencarnada como Mina, uma garota inglesa, e ele promete fazê-la sua noiva. Coppola foi exposto pela primeira vez ao romance de Stoker quando estava em sua adolescência. “Eu tinha treze ou catorze anos”, lembra ele, “Eu era um conselheiro teatral em um acampamento no interior de Nova York; eu lia em voz alta para as crianças à noite, e, em um determinado verão, lemos toda a versão original de Bram Stoker.” Os meninos acharam aquilo uma experiência arrepiante. Foi nessa época que Coppola viu a versão de Browning para a história de Stoker com Bela Lugosi: “Eu amei Lugosi”, lembra ele, embora estivesse desapontado com o fato do filme, como todas as outras adaptações anteriores da história de Stoker que dependiam da peça de teatro, ser tão diferente do livro original⁴. “Fiquei espantado com o quanto eles haviam ignorado do romance de Stoker”, lembra ele em seu diário de produção. Toda a última seção do romance, “quando os assassinos do vampiro Drácula o perseguem até seu castelo na Transilvânia e a coisa toda alcança um clímax em um enorme tiroteio à la John Ford que ninguém nunca tinha retratado”⁵ em um filme do Drácula. “Eu sabia o suficiente sobre o autêntico Drácula para perceber que nunca tinham feito dele um filme”, concluiu ele⁶. Com Drácula, Coppola voltou ao gênero do horror pela primeira vez desde Demência 13, seu primeiro filme. Logo após examinar o roteiro de James Hart, Coppola emitiu um comunicado à imprensa anunciando que iria filmar Drácula para a American Zoetrope, sua unidade de produção independente, e que o filme seria financiado e distribuído pela Columbia Pictures. Coppola tinha vendido o projeto para a Columbia, não apenas como um filme de terror, mas como “um sonho erótico”, e no qual ele planejava estrelar vários jovens e atraentes atores. Dessa maneira, convenceu a Columbia de que o projeto era comercializável, e eles deram o seu aval. par te iv 3 coppola, Francis Ford, ishioka, Eiko. Coppola and Eiko on Bram Stoker’s Dracula. San Francisco: Collins, 1992b. p. 13–14. 11 timm, Larry. The soul of cinema: film music. Upper Saddle River, nj: Prentice Hall, 2003. p. 80. 12 coppola, 1992a: 162. n o i t e a s s u s ta d o r a 280 of the Lambs, 1991), interpretaria o Professor Abraham Van Helsing, um médico e metafísico que brinca com o ocultismo e que é o alter ego de Abraham Stoker. Hopkins também estaria no papel de um padre romeno que se choca com Vlad no prólogo do filme. Coppola reuniu os atores no Castelo Coppola, em Napa, para a semana habitual de ensaios pré-produção. O elenco passou dois dias se revezando na leitura de passagens do romance de Stoker. Esta leitura dramática de trechos do livro se parecia com uma performance que o próprio Stoker encenou no teatro Lyceum, em Londres, logo depois que a obra foi publicada. Coppola transferiu os storyboards para videotape e teve o roteiro lido em voice-over para acompanhar os desenhos. Então, Coppola já tinha uma fita que contava a história toda, a qual ele poderia se referir durante os ensaios. O elenco do filme também caminhou por todas as cenas do roteiro. Até Hopkins, que normalmente torce o nariz para ensaios mais extensos, considerou-os de grande valia. Coppola criou uma ótima atmosfera para trabalhar, ele disse depois. O diretor preparava uma cena e, em seguida, improvisava, “ele te orienta pela cena.” O ator conclui: “A única maneira de trabalhar com alguém como ele é decorar suas falas, mostrar-se presente e não fazer perguntas, porque ele parece saber o que quer fazer”¹³. Coppola, então, organizou alguns ensaios gerais diante do público, algo que ele havia testado originalmente em seu primeiro filme de estúdio, Agora Você É Um Homem (You’re a Big Boy Now, 1966). Estes ensaios gerais foram filmados, e serviram, Coppola observa, como uma versão teatral da Broadway em Boston. As filmagens começaram em 14 de outubro de 1991 nos antigos estúdios de som da mgm, que a Columbia havia comprado. Oldman escolheu permanecer no personagem entre as tomadas, o que fez com que ele parecesse sombrio e desagradável no contato com o resto do elenco e com o diretor. É certo que Oldman tinha boas ideias para cada uma das cenas, mas todos, Coppola e os outros atores, acharam-no muito mandão, tentando sempre se impor sobre eles. Coppola pensava que Oldman era o ator mais temperamental com o qual ele teve de lidar desde Marlon Brando, em Apocalypse Now (1979). Quando Coppola tentou argumentar com ele, Oldman respondeu que estava sob uma grande pressão, esforçando-se para desempenhar um papel tão exigente: “Eu tenho 400 anos e estou morto; como diabos faço para entrar no personagem?¹⁴” Uma das maneiras que ele encontrou foi alterar astutamente sua voz para poder ronronar “o timbre perverso de entonações desumanas de Bela Lugosi”¹⁵. Coppola ficou preocupado com o consumo etílico de Oldman, e teve, finalmente, de confrontá-lo sobre o assunto quando o ator foi preso por dirigir sob a influência de álcool em um determinado fim de semana. Oldman, contudo, um ator talentoso, entregaria uma performance inesquecível como a fumegante criatura das trevas. 13 grobel, Lawrence. Above the line: Conversations with Robert Evans and Others. Nova York: Da Cappo Press, 2000. p. 157 . Ver também coppola, 1992a: 4. 14 bergan, Ronald. Francis Ford Coppola. Nova York: Orion Books, 1998. p.96 15 hinson, Hal. “Bram Stoker’s Dracula” em keough, Peter (org.) Flesh and blood: film critics on violence and censorship. San Francisco: Mercury House, 1995. p. 168. 281 juventude e ressurreiç ão 10 coppola, Eleanor. “Futher Notes” em Notes: On Apocalypse Now. Nova York: Limelight, 1995. p.61. simples, já que elas estavam envoltas em sombras. Desta forma, ele conseguia poupar dinheiro, não era preciso que Sanders construísse sets extravagantes, e era, portanto, capaz de ficar dentro do orçamento. Coppola afirma que optou por filmar Drácula inteiramente em estúdio, em vez de em locações como havia feito em Tucker: Um Homem e Seu Sonho e alguns outros filmes. No estúdio, “nós poderíamos controlar os cenários de maneira artística e incomum”. Isso simplesmente não era possível em locações reais, onde as condições meteorológicas poderiam estragar uma cena⁹. Como outro dispositivo para economizar dinheiro, Coppola requisitou a utilização de alguns cenários construídos para Hook – A Volta do Capitão Gancho (Hook, 1991), de Steven Spielberg, que ainda estavam de pé no estúdio. Eleanor Coppola ficou surpresa quando visitou o estúdio durante as filmagens e viu as maravilhas que Sanders poderia produzir com pintura e gesso. Um dos principais cenários de Sanders era “uma mansão vitoriana”, com um quarto de frente que “abria para um terraço com vista para um jardim com uma fonte e uma lagoa”¹⁰. O suntuoso jardim havia sido, na verdade, todo remendado a partir de um conjunto de madeira velha, luzes coloridas e palmeiras em vasos. Coppola encomendou a Peter Ramsey e sua equipe de artistas cerca de mil desenhos de storyboard para planos individuais. Ele instruiu Ramsey e seus artistas a desenharem não só a partir de suas pesquisas, mas também com base em seus próprios pesadelos. Quando concluídos, os storyboards foram correlacionados com o roteiro, página por página, para produzir um guia detalhado para as filmagens, que, consequentemente, tornou-se uma espécie de bíblia para todo o filme. Coppola queria uma partitura musical diferente, em pé de igualdade com aquelas que Sergei Prokofieff compôs para os épicos russos de Sergei Eisenstein, como a de Alexander Nevsky (1938). Ele importou Wojciech Kilar da Polônia para imprimir na música um sabor de Leste Europeu. Kilar compôs uma das trilhas sonoras mais assustadoras de todos os tempos. Esta música assustadora e medonha, afirma o musicólogo Larry Timm, “tem uma certa aura satânica que deixa o ouvinte com uma sensação estranha e inquieta”, uma vez que abrange vários temas marcados em uma variedade de notas menores¹¹. Quando chegou o momento de escolher o ator principal, Coppola escolheu o jovem britânico Gary Oldman. O ator via o Drácula de Stoker justamente como um anjo caído, uma alma torturada. “Os vampiros são criaturas egoístas e destrutivas, metade deles despreza o que está fazendo, mas não pode evitar de fazê-lo”, diz Oldman. “Então, eu não interpreto o Drácula como Mal com M maiúsculo”¹². Winona Ryder, é claro, faria a primeira esposa de Vlad, Elisabeta, bem como Mina Murray, a reencarnação de Elisabeta. Mina é a noiva de Jonathan Harker, vivido por Keanu Reeves. Anthony Hopkins, que havia recentemente ganhado um Oscar por O Silêncio dos Inocentes (The Silence par te iv 9 coppola, 1992a: 42. 16 coppola, 1994: 24. 17 Idem. p. 24, 31–32. 283 juventude e ressurreiç ão As filmagens terminaram no dia 01 de fevereiro de 1992 – dentro do orçamento e um pouco antes do previsto. Coppola, em seguida, mergulhou na pós-produção com sua equipe de editores na American Zoetrope, em São Francisco. Em abril, Coppola tinha reunido um primeiro corte. Logo depois, organizou um teste de audiência em São Diego, no mesmo lugar em que havia exibido O Poderoso Chefão, Parte ii (The Godfather, Part ii, 1974). A história se repetiu e a reação do público em relação ao Drácula não foi melhor do que tinha sido para O Poderoso Chefão, Parte ii. Coppola refletiu que o tom negativo de vários cartões de visualização apresentados pelos espectadores significava que o filme só tinha atendido às suas próprias expectativas. O grande problema era que o público tinha achado o enredo, que se estende por quatro séculos, difícil de acompanhar. Ou seja: a narrativa claramente necessitava de mais edição. Ao retrabalhar o primeiro corte, Coppola manteve em mente que havia se comprometido por contrato a entregar para a Columbia um filme para maiores de 18 anos. Sendo assim, ele acabou excluindo algumas cenas que julgou muito sangrentas e lúgubres para sustentar tal classificação. Por exemplo, em uma cena, as noivas do vampiro carregam uma criança por um corredor escuro enquanto se preparam para sugar todo o seu sangue. Coppola restringiu o incidente a um único plano das concubinas de Drácula recolhendo o bebê e deixou o resto para a imaginação dos espectadores. Coppola não estava indevidamente deprimido pela reação do público: “No lado positivo, também sei que, às vezes, bons filmes podem inicialmente ter uma pontuação baixa”, como aconteceu com O Poderoso Chefão, Parte ii. Consequentemente, “eu espero que eu possa fazer o público gostar mais do que em São Diego”, Coppola escreveu em seu diário em 17 de abril¹⁶. Outro teste foi organizado no final do verão, desta vez em Denver. De acordo com as cartas de visualização, a continuidade narrativa ainda era um problema. Cinéfilos pensavam que “como um todo, a narrativa ficava pulando de um canto ao outro, e as transições eram ruins”, e “as coisas não foram explicadas o suficiente”, como Coppola escreveu em seu diário em 2 de setembro¹⁷. Por exemplo: por que Jonathan Harker, um advogado inexperiente, tinha medo de visitar o Conde Drácula em seu castelo na Transilvânia? Os espectadores também queriam personagens mais desenvolvidos, especialmente Mina e sua estranha relação com Drácula: será que ela realmente se apaixonou quando ele tentou seduzi-la? Esse era um trabalho difícil para Coppola. Ele devia “eliminar a sensação do público… eles não sabem o que está acontecendo”. Ele estava convencido de que era preciso consertar os nós da trama, o que envolveria novo material, novas tomadas. Por exemplo, era obviamente necessário adicionar uma breve cena para estabelecer que Jonathan, um jovem advogado em um escritório de advocacia, era enviado para a Transilvânia para fazer com que o Conde comprasse a propriedade em Londres, porque Renfield, outro advogado, não tinha conseguido concluir par te iv n o i t e a s s u s ta d o r a 282 Cada tomada foi gravada ao mesmo tempo em vídeo e em película. Isso permitiu que o trio de editores do filme, Nicholas Smith, Glenn Scantelbury e Anne Goursaud, montasse uma edição preliminar de cada cena em vídeo logo após as filmagens. Por conseguinte, até o fim das filmagens, Coppola tinha um esboço da versão final em película – processo que ele já havia empregado em outros filmes, como Vidas Sem Rumo (The Outsiders, 1983), também editado por Goursaud. O orçamento bastante rigoroso atribuía apenas uma quantia mínima para os efeitos especiais. Coppola compensava ao ter seu filho de vinte e sete anos de idade, Roman, que estava no comando dos efeitos especiais, realizando a maioria dos truques visuais na própria câmera, sem o benefício das custosas imagens geradas por computador (cgi). Roman Coppola empregava algumas técnicas cinematográficas pitorescas como exposições duplas, fades lentos e fusões para alcançar efeitos espectrais. Por exemplo: fazer um vampiro desaparecer por meio de uma lenta fusão sugere sua capacidade de evaporar-se no ar. Um close-up do rosto de Drácula sorrindo terrivelmente é sobreposto a um plano do céu, o que implica a presença sobrenatural do mal pairando sobre a paisagem da escura e sombria Transilvânia. A iluminação chiaroscuro infunde certos interiores com vastas sombras ameaçadoras que pairam em paredes e nos tetos, imprimindo uma qualidade sinistra e gótica, cara a um vampiro. Estes efeitos visuais artisticamente compostos não eram apenas econômicos, mas também uma homenagem à magia dos filmes anteriores, os Dráculas de Murnau e Browning, que se utilizavam de procedimentos similares. Portanto, o presente filme tinha a aparência de uma produção de estúdio de 1930. Coppola também pegou emprestado truques que costumavam ser usados na produção de efeitos mágicos em peças de teatro. Por exemplo, para a cena em que as três concubinas de Drácula se materializam no quarto de Jonathan Harker enquanto ele está hospedado no castelo, um alçapão foi construído debaixo de sua cama para que elas pudessem emergir debaixo dela. Elas surgiam provocativamente por debaixo dos lençóis e por entre as pernas de Harker para estuprá-lo. Da mesma forma, Coppola criou a ilusão de uma longa viagem a cavalo em um único cenário interior, sem o uso de locações externas. É a sequência em que Van Helsing e seus assassinos de vampiros viajam através das montanhas da Transilvânia na direção do castelo do Drácula. Sanders trabalhou um ambiente sonoro que era do tamanho de um campo de futebol. Construiu uma pista oval em torno do perímetro do estúdio. Os atores montaram seus cavalos e galoparam ao redor da pista em meio a uma nevasca gerada por máquinas de vento e neve artificial. Entre os takes, a equipe movia as árvores e plantas falsas nas mais diversas composições, a fim de criar uma variedade de paisagens. Como resultado, os cavaleiros parecem estar atravessando centenas de milhas em estradas diferentes em uma velocidade vertiginosa, quando na verdade estão apenas a galope em torno do estúdio. 20 coppola, 1992a: 96. n o i t e a s s u s ta d o r a 284 o Príncipe das Trevas. Como um dos infames mortos-vivos, sua existência seria prolongada por beber o sangue de suas vítimas, assim como ele sacrilegamente consumiu o sangue que jorrou da cruz. Como as versões cinematográficas anteriores do livro de Stoker, foram baseadas principalmente nas peças de teatro de Deane e Balderston, ambas omitiam o prólogo de Stoker. O filme de Coppola é a primeira adaptação que retrata o contexto histórico do romance. Após o prólogo, que serve como uma abertura para essa sinfonia de horror, a história salta para o século xix, em Londres. Jonathan Harker, um jovem e ambicioso advogado, viaja à Transilvânia para concluir as negociações envolvendo alguns imóveis em Londres com o Conde Drácula. O antecessor de Jonathan, o Sr. Renfield (Tom Waits), tinha sido enviado para o castelo de Drácula nos confins dos Cárpatos para concluir o negócio. Ele, contudo, retornou inexplicavelmente para Londres sofrendo um colapso mental completo e sendo sumariamente expedido para um asilo de loucos. Jonathan escreve sobre suas experiências angustiantes no castelo de Drácula em um diário. Vemos sua mão pegar caneta e papel enquanto começa a narrar os acontecimentos em voice over. Jonathan inicialmente vê o Conde Drácula como um idoso excêntrico em um castelo decrépito, mas ele logo descobre aterrorizado que o Conde é um fantasma sinistro. Drácula diz para Jonathan em determinado momento, “Ouça-os”, referindo-se aos lobos uivando nos portões do castelo, “as criaturas da noite – que música elas fazem!” Para grande consternação de Jonathan, o próprio Drácula é igualmente revelado como uma criatura da noite, um vampiro. De fato, Drácula possui o poder sobrenatural para se transformar em morcego ou lobisomem. Quando Drácula põe os olhos em uma foto de Mina Murray, noiva de Jonathan, espanta-se ao reconhecê-la como a reencarnação de sua amada Elisabeta. Ele logo decide deter Jonathan em seu castelo, enquanto segue para Londres em busca de Elisabeta/Mina. Ele ordena que suas três concubinas dominem Jonathan, que elas o seduzam e o mantenham cativo no castelo. Jonathan, no entanto, consegue finalmente escapar de sua prisão e encontra refúgio em um convento, onde as freiras cuidam da saúde do jovem infeliz após sua provação terrível. Embora mais tarde ele admita ter sido infiel a Mina quando foi seduzido por essas fêmeas demoníacas, mantém firmemente que nunca chegou a provar o sangue delas. Jonathan, portanto, não havia sido infectado com “a doença de Vênus”, o eufemismo vitoriano para doença venérea. Enquanto isso, Drácula viaja pelo mar até Londres, onde procura por Mina Murray. Ele, então, pensa ter “cruzado oceanos de tempo para encontrá-la.” Coppola observa que “Drácula é um drama apaixonado, erótico e obscuro”. Ele retrata “sentimentos tão fortes que podem sobreviver ao longo dos séculos, como o amor de Drácula por Mina/Elisabeta”²¹. Drácula se transforma em um jovem dândi vitoriano com direito a uma cartola. Ele anda pelas ruas enevoadas de Londres em busca de seu 21 coppola, 1994: 18–19. 285 juventude e ressurreiç ão 19 coppola, 1992b: 14. a transação. Coppola também decidiu gravar a voz de Anthony Hopkins, como Van Helsing, para usá-la como narração em off e melhor costurar a trama de forma coerente – algo que ele já havia feito para esclarecer o enredo de Apocalypse Now. A Columbia rejeitou a despesa adicional para trazer de volta os membros do elenco para fazer mais trabalho, mas Coppola insistiu. O elenco e a equipe se reuniram novamente no início do outono de 1992 para novas tomadas. Em 28 de outubro, Coppola escreveu em seu diário que estava confiante de que tinha corrigido as falhas observadas pelo público no teste de audiência: “Eu acho que ganhei por fazer o teste de Denver, e, certamente, por ser tão teimoso sobre a obtenção dessas mudanças para a versão final”¹⁸. Drácula estreou no dia 13 de novembro de 1992, e, rapidamente, tornou-se uma mina de ouro na bilheteria. Drácula de Bram Stoker começa com um prólogo datado de 1462. Van Helsing, o narrador, declara, na faixa sonora, que os “turcos muçulmanos invadiram a Europa, atingindo a Romênia e ameaçando toda a cristandade.” Um cavaleiro romeno, Vlad Drácula, conhecido como o Empalador, e seus cruzados, defenderam sua pátria cristã contra os turcos infiéis. A fim de filmar a sequência de batalha de abertura de maneira econômica, Coppola se utilizou de uma estratégia em que os atores atuavam na frente de uma tela na qual as silhuetas de homens em combate eram projetadas ao fundo. Na posição intermediária, ele ainda projetou fantoches na silhueta, representando soldados turcos mortos empalados em estacas, recuando para o fundo. Desta forma, Coppola foi capaz de dar uma sensação de profundidade à cena e sugerir um número muito maior de homens no campo de batalha, muito mais do que realmente havia em cena. O Vlad vitorioso e suas tropas expulsam os invasores turcos da Romênia. Como uma despedida vingativa, os turcos atiraram uma flecha na direção do castelo que continha uma pequena nota endereçada à esposa de Vlad, a princesa Elisabeta. Nela, alegava-se falsamente que Vlad tinha caído na batalha. “Assim como em Romeu e Julieta”, comenta Coppola, “ela decide que, se Vlad está morto, ela não poderia viver”, e comete suicídio.¹⁹ Vlad retorna a seu castelo e encontra o cadáver de Elisabeta deitado na capela. Padre Chesare e seus colegas pronunciam-se sobre Elisabeta: como ela tirou a própria vida, ela é maldita e, portanto, proibida pelo direito da Igreja de ter um enterro cristão ou de ser enterrada em solo sagrado (suicídio na época era considerado “o pecado imperdoável”). Vlad responde renunciando à fé cristã que tão corajosamente defendeu contra os infiéis. Vlad, o Empalador, em seguida, com raiva, espeta a enorme cruz acima do altar com sua espada, e o sangue jorra a partir dele. Ele pega o sangue em um cálice sacramental da Comunhão tirado do altar e bebe. Através da “reação desses homens santos”, a cena mostra o grau de blasfêmia de Vlad Drácula”²⁰, comenta Coppola. Vlad Drácula condenou a si mesmo a se tornar um vampiro por amaldiçoar a Deus e proclamar desafiadoramente que ele está agora em aliança com Satanás, par te iv 18 Idem. p. 32, 34. Van Helsing convoca três caçadores de vampiros, incluindo Jonathan Harker, para perseguir Drácula até seu covil na Transilvânia. Eles atravessam os Alpes da Transilvânia em uma tempestade de neve implacável. Este episódio, como o prólogo, nunca havia sido retratado em qualquer adaptação anterior do livro de Stoker. No clímax do filme, os assassinos de vampiro atacam Drácula com facas, e ele se deita no chão, sangrando. Segue-se uma breve cena final entre Drácula e Mina, a quem Drácula havia magicamente transportado para o seu castelo. Coppola decidiu refilmar a cena após as respostas negativas evocadas durante os testes de audiência. O final original foi impresso na edição publicada do roteiro (que não inclui as revisões de última hora de Coppola.) Como originalmente filmado, Mina beija Drácula, e sua juventude é milagrosamente restaurada. Ele é mais uma vez o Vlad Drácula de quatro séculos antes. Drácula, então, suplica a Mina que enfie uma faca em seu coração. Ao fazê-lo, ela dá a ele, finalmente, a paz eterna da morte. A cena termina com Mina correndo para os braços de Jonathan, e eles se abraçam. O roteiro de filmagem afirma neste momento “Jonathan a segura, compreendendo o que havia acontecido”²³. Jonathan pode ter entendido o que aconteceu, mas os espectadores dos testes de audiência, não. “O final os decepcionou”, escreveu Coppola em seu diário após a exibição em Denver. “Eles queriam uma morte mais dramática para Drácula. Eles estavam atormentados com o fato de no fim não saberem ao certo se Mina era ou não uma vampira; e eles odiavam que ela tivesse beijado Drácula e logo depois Jonathan – vou ver se consigo chegar a um novo final para Mina e Drácula, talvez até mesmo envolvendo sua decapitação”, uma vez que no folclore, esta seria a única maneira decisiva de matar um vampiro²⁴. Depois de conversar com Hart, Coppola reviu a cena final como se segue. Após ser esfaqueado pelos caçadores de vampiros, Drácula é levado até a capela do castelo. Enquanto agoniza na mesma capela em que tinha amaldiçoado Deus 400 anos antes, Drácula suspira para Mina, “Por que me abandonaste, meu Deus?” Ele está, na verdade, proferindo as palavras de Cristo quando este morreu na cruz do calvário, o que implicaria que Drácula, por ter defendido a cruz de Cristo como um cruzado, ainda poderia ser resgatado pela cruz de Cristo. De fato, quando Mina beija Drácula, uma luz celestial brilha a partir da enorme cruz sobre o altar, transformando-o no jovem Vlad Drácula de quatro séculos atrás. Mina, em seguida, diz em voice over na trilha sonora, “Lá, na presença de Deus, eu entendi como meu amor pode libertar-nos dos poderes das trevas.” Afinal, como Richard Corliss observa, “Drácula é uma alma amaldiçoada que precisa ser exorcizada; e apenas Mina, o avatar de sua esposa morta, pode fazê-lo”²⁵. Drácula murmura, “Dá-me paz”. Mina o apunhala no coração e beija seus olhos mortos. A essa altura, Coppola confere um importante acréscimo à cena: Mina tira a faca de seu coração – e corta a sua cabeça. Ela, então, liberta-se de sua maldição, cortando a ligação 23 hart, James. “Bram Stoker’s Dracula: a screenplay” em coppola, 1992a: 163. 24 coppola, 1994: 31–32. 25 corliss, Richard. “A vampire with a heart” em Time, 23 de novembro de 1992. p. 71. 287 juventude e ressurreiç ão n o i t e a s s u s ta d o r a 286 verdadeiro amor. Ele finalmente descobre Mina, uma professora recatada, e se apresenta como um nobre do continente. Ele leva Mina para ver um filme mudo, exibido em um cinematógrafo, uma versão primitiva do projetor de cinema. O filme a que eles assistem é na verdade a cena de batalha do prólogo do longa – um gracejo cinematográfico da parte de Coppola. Drácula corteja Mina, que perdeu contato com Jonathan, e tenta dobrá-la com absinto no esfumaçado Rule Café. (Ele afirma que o absinto faz o coração crescer mais afeiçoado.) “O absinto era uma espécie de lsd da era vitoriana”, explica Coppola. Era uma espécie de sedutor sexy “que mexe com seu cérebro. Esse é o tipo “Oscar Wilde” de droga, decadente, que Jim Hurt tentou colocar no roteiro como o espírito de Rule Café”, um bistrô que Wilde de fato frequentava²². Mina estava prestes a sucumbir aos agrados de Drácula quando descobre que Jonathan tinha sido preso em seu castelo e que havia conseguido escapar. Ela se apressa na direção da Transilvânia para se casar com ele em uma elaborada cerimônia católica. Um padre abençoa o casal no altar enquanto recebem o sacramento sagrado do matrimônio. Coppola planejou a cena do casamento como um contraponto às seduções profanas de Jonathan pelas noivas do vampiro e de Mina por Drácula. Quando o casal retorna a Londres, Jonathan conta ao professor Abraham Van Helsing sobre suas experiências terríveis no Castelo de Drácula. Van Helsing fica chocado ao saber que Drácula, sob o disfarce de um aristocrata estrangeiro, teria tentado atrair Mina para longe de Jonathan. Antes que Van Helsing pudesse intervir, Drácula enfeitiça Mina para convencê-la de que ela é a encarnação de sua, há muito perdida, Elisabeta. Em seguida, ele a possui, a fim de se reunir com Elisabeta. Mina finalmente percebe que ela caiu nas garras de um vampiro, e que a promessa de “amor eterno” de Drácula significa que ela estará condenada a suportar a maldição da vida eterna ao lado dele. Aos poucos, Mina adoece e se torna apática e pálida. Van Helsing suspeita que ela tenha caído sob o feitiço satânico de Drácula. Ele toca a testa dela com uma hóstia da Comunhão sagrada que queima sua pele, deixando uma marca vermelha em sua testa. Quando Mina recua da hóstia sacramental, Van Helsing se convence de que ela está sob poder de Drácula. Coppola já havia incorporado elementos de rituais católicos em outros filmes (o batismo em O Poderoso Chefão, Parte i, a primeira comunhão em O Poderoso Chefão, Parte ii) e, seguindo o exemplo de Stoker, inclui referências análogas à religião Católica neste longa, pois o filme, como o livro, reflete uma perspectiva cristã sobre pecado, culpa e redenção. Van Helsing se empenha então para salvar Mina da condenação. Van Helsing, um destemido assassino de vampiros, faz votos para derrotar Drácula. Ele carrega uma cruz de prata, uma vez que a cruz de Cristo é adversária de Satanás. Brandindo a cruz, ele proclama, “a guerra de Drácula contra Deus acabou. Agora, ele deve pagar por seus crimes.” par te iv 22 coppola, 1992a: 96. 28 hinson, 1995: 169. 29 corliss, 1992: 71. Ver também fry, Carol, craig, Robert. “The genesis of Coppola’s Dracula” em Literature/ Film Quarterly 30, nº 4, 2002. p. 272–275. n o i t e a s s u s ta d o r a 288 Coppola fugiu para um local de férias isolado na Guatemala antes da estreia do filme em 13 de novembro, “para que eu não tivesse que saber ou me preocupar com o lançamento do filme”, como ele escreveu em seu diário em 19 de novembro. Ele finalmente fez Eleanor telefonar para o escritório para saber sobre os resultados dos primeiros cinco dias. “Eu sabia que ele teria que fazer pelo menos sete ou oito milhões de dólares para não ser uma desgraça”³⁰. Ela relatou que o longa tinha feito mais de 31 milhões de dólares no primeiro fim de semana, a maior abertura da Columbia em todos os tempos. Em 30 de junho de 1992, apenas poucos meses antes, Coppola havia pedido falência, pessoal e corporativa. Um de seus principais credores era Jack Singer, que lhe havia emprestado uma soma substancial em 1981 para ajudar a financiar a produção de Do Fundo do Coração (One From the Heart, 1982), um empréstimo que Coppola ainda não tinha devolvido. “Eu estava sendo processado e perseguido por este homem”, diz Coppola³¹. Consequentemente, os lucros de Drácula permitiram-lhe, finalmente, limpar suas dívidas e seguir em frente. A American Zoetrope, em São Francisco, estava novamente no azul. O filme arrecadou us$ 82 milhões no mercado interno e alcançou um lucro mundial de us$ 200 milhões (além disso, a adega de Coppola, Niebaum-Coppola, estava crescendo e saindo de sua toca). Ao recontar a história de Drácula em uma forma fresca e original, Coppola tinha “triunfado em um gênero desgastado³²”. Sem falar nos Oscars de figurino (Eiko Ishioka), maquiagem (Michelle Burke) e edição de som (Leslie Schatz). Coppola apresentou uma versão absolutamente bem feita do romance de Stoker. Dessa maneira, tornou-se o critério pelo qual todas as subsequentes adaptações deverão ser julgadas. A única adaptação do romance de Stoker posterior à versão de Coppola é A Sombra do Vampiro (Shadow of the Vampire, 2000), de Elias Merhige, sobre a realização de Nosferatu, de Murnau. Este filme incomum e assustador se baseia na premissa ficcional de que Max Schreck, o ator que Murnau escalou como Drácula, era realmente um vampiro que caçava os membros do elenco e da equipe durante a produção. Coppola tinha uma conexão implícita com o filme, pois Cary Elwes, que foi escalado como o cineasta Fritz Arno Wagner em A Sombra do Vampiro, viveu um dos caçadores de vampiros na obra de Coppola. Além disso, A Sombra do Vampiro tinha sido coproduzido por Nicolas Cage, sobrinho de Francis Ford Coppola. Drácula de Bram Stoker sinalizou que o impulso autoral de Coppola tinha não só sobrevivido às turbulências financeiras da última década, mas havia prevalecido. “Não há nenhum perigo para mim, pela primeira vez em trinta anos, nenhuma preocupação”, refletiu. “Eu tenho tempo para repousar”³³. Na década de 1982–1992, Coppola fez nove filmes, com média de quase um longa por ano. Não era mais necessário que ele atirasse para todos os lados, dirigindo obras como Jardins de Pedra 30 coppola, 1994: 37–38. 31 lewis, Jon. The Godfather. Londres: The British Film Institute, 2010. p. 50 32 cook, David. “Auteur cinema and the film generation in the 1970’s Hollywood” em lewis, Jon (org.). The new American cinema. Durham, nc: Duke University Press, 1999. p. 19. 33 schumacher, Michael. Francis Ford Coppola, Nova York: Crown Publishers, 1999. p. 455. 289 juventude e ressurreiç ão 27 coppola, 1994: 19. entre eles, enquanto lhe concede o descanso eterno que ele tanto desejava. Ela olha para a pintura no teto, um retrato de Elisabeta e Vlad Drácula quando jovens. Vlad Drácula e Elisabeta sobrevivem, “congelados no voo através do céu em uma cúpula pintada, muito acima da carnificina”²⁶. Coppola estava confiante de que as refilmagens representariam uma grande melhoria no corte final do filme. O novo desfecho, diz Coppola, mostra “que o amor pode vencer a morte, ou, pior do que a morte, que Mina pode realmente dar a alma perdida de volta ao vampiro”²⁷. Por conseguinte, Coppola terminou o filme mais preocupado com a libertação de Drácula e Mina dos poderes das trevas do que com Mina voltando, inevitavelmente, para os braços de Jonathan. Eu examinei os finais alternativos de Drácula em detalhe porque a maioria dos comentaristas do filme não o fizeram. Claramente, Coppola fez um bom trabalho ao amarrar as pontas soltas no final, o que fez com que a versão lançada do longa fosse melhor do que a original do roteiro de filmagem, que deixava o destino de Mina em dúvida. Críticos e cinéfilos comemoraram o retorno de Coppola à boa forma com O Drácula de Bram Stoker. “Drácula é o manuscrito iluminado de Coppola do clássico de Stoker”, escreve Hal Hinson, “como se o livro tivesse realmente ganhado vida diante de nossos olhos”²⁸. Corliss festeja o fato de Coppola “reimaginar de maneira poderosa o mito vitoriano… trazendo a velha e assustadora história à vida – bem, morta-viva – como um romance emocionante e infernal”. Mais recentemente, Carol Fry e John Craig declararam Drácula de Bram Stoker como a adaptação mais fiel ao romance. Embora Drácula continuasse a ser um monstro, uma criatura da noite, no filme de Coppola o cinema lhe dá um toque de simpatia, fazendo dele algo como uma figura trágica com qualidades redentoras – já que seu amor eterno por Elizabeta/Mina vive em seu coração. Coppola fez uma interpretação elegante, a mais visualmente impressionante, de Drácula²⁹. Em outras palavras, Coppola elevou as apostas de seu filme, prometendo a versão definitiva do romance de Stoker, o que é precisamente o que ele entrega. Drácula de Bram Stoker é uma homenagem afetuosa à era dourada do cinema de terror. O ambiente misterioso e fantasmagórico constituía um cenário quase perfeito para as tendências mais barrocas de Coppola. O corajoso esquema de cores expressionista do design do filme é bastante apropriado para um conto de horror. Além disso, os efeitos visuais complementam a história – uma raridade em termos de filmes de terror. Este sombrio, sedutor e perfeitamente editado longa é muito melhor que a grande maioria dos filmes de terror. Até podemos esquecer dos sustos, mas a tristeza no coração da imagem permanece por muito mais tempo. Em um momento em que o gênero da ficção científica estava em ascensão, graças a Star Wars e Star Trek, Coppola evocava a magia da fantasia, não da tecnologia, das espadas e não dos lasers, e do passado, não do futuro. par te iv 26 cowie, Peter. Coppola. Croydon: cpi Group, 1989. p. 249. (Gardens of Stone, 1987) apenas para pagar as contas. Ele agora podia se dar ao luxo de ser exigente, e o filme que ele escolheria fazer o tornaria ainda mais bem sucedido, seja no que diz respeito à crítica, seja no que concerne à bilheteria. O filme, um drama de tribunal, chamava-se O Homem que Fazia Chover (John Grisham’s The Rainmaker, 1997). n o i t e a s s u s ta d o r a 290 parte v ana rebel barros e paulo ricardo g. de almeida 1 delorme, Stéphane. Francis Ford Coppola. Cahiers du Cinema, 2010. p. 93. 2 Idem. 295 epílogo “Seja ouro, Ponnyboy, seja ouro”, diz Johnny Cade a Ponnyboy Curtiss em Vidas Sem Rumo (The Outsiders, 1982), adaptação de Coppola para o romance adolescente de S.E. Hinton. O conselho de Johnny se reflete nas imagens do nascer e do pôr do sol em Tulsa, Oklahoma, os raios fugidios de luz que representam a brevidade da juventude, período intenso, mas efêmero, da vida, condenado a se esvair rapidamente. De acordo com Stéphane Delorme¹, “o elemento comum [do cinema de Coppola] é o tempo. O Poderoso Chefão, Vidas Sem Rumo e Peggy Sue, Seu passado à Espera representam as pontes mais longínquas na busca pelo tempo perdido. A obra inteira de Coppola se divide entre vitalidade, velocidade, vida e juventude (que é da maior importância para ele) e declínio, melancolia e morte. É como se a vida se reduzisse a essas duas idades. Ao passarem dos trinta anos, Tucker e Peggy Sue se comportam como adolescentes; abaixo dessa idade, Michael Corleone e Motorcyle Boy são curvados pelo peso dos anos”. “E as duas idades estão ligadas”, prossegue Delorme, “pelo elemento da trasmissão. Willard e Kurtz, Michael e Vito, Vincent e Michel, Hazar e Willow – é menos um caso de sucessão (da perspectiva do poder), do que de transmissão”². Em Agora Você É Um Homem (You’re a Big Boy Now, 1966), Coppola lida pela primeira vez com o universo dos jovens: Bernard Chanticleer sai da casa dos pais, embora continue sob a vigilância deles, para se tornar adulto. É um filme sobre o rito de passagem, em que os relacionamentos amorosos são essenciais para o amadurecimento do herói. Tanto em Demência 13, quanto em Agora Você É Um Homem, Coppola desenvolve o tema da família, seja com os aterrorizantes Haloran no primeiro, seja com os dominadores Chanticleer no segundo; em Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969), talvez a primeira produção feminista de Hollywood, Natalie Ravenna, em dúvida sobre a vida de casada, abandona o marido e cai na estrada (e as comparações com Sem Destino [Easy Rider, 1969] não ajudaram na carreira do filme nos cinemas), onde adota Jimmy “Killer” Kilgannon, ex-jogador de futebol americano, com sérios problemas mentais devido à violência do jogo. Ao assumir o papel de mãe de Kilgannon, que espelha sua própria gravidez, Natalie leva junto a família, da qual não se liberta, embora busque a independência quando decide atravessar de carro os Estados Unidos. No entanto, Coppola jamais representou o peso massacrante da família como na trilogia O Poderoso Chefão (The Godftaher, 1972–1990), em que Michael Corleone, o filho mais novo que, a princípio, quer se afastar dos negócios da Máfia, é obrigado a suceder seu pai, Don Vito, devido a circunstâncias que fogem ao controle de ambos. Como na tragédia clássica, o destino de Michael já está traçado quando, ainda criança, Vito Andolini chega à Ellis Island e, sentado no quarto de onde observa Nova York pela janela, alimenta o desejo de vingança contra Don Ciccio, que matou seus pais e seu irmão mais velho na Sicília: a espiral interminável par te v SE JA OURO, FRANCIS, SE JA OURO 3 koehler, Robert. “‘Megalopolis’: helmer chases utopia.” em Variety, nº 6, agosto de 2001. p. 40. 297 epílogo adolescência, mas sem perder a memória da vida adulta. Conceito semelhante permeia Drácula de Bram Stoker (Bram Stoker’s Dracula, 1992), no qual Vlad tepes é amaldiçoado a vagar como morto-vivo através dos séculos, com a lembrança do suicídio de sua amada Elisabeta e a traição da Igreja Católica, mas que rejuvenesce quando encontra Mina, a reencarnação de sua esposa, na Londres Vitoriana. Em Jack (1996), o personagem título envelhece em ritmo quatro vezes mais rápido que o normal: embora tenha apenas dez anos de idade, o corpo de Jack já está com quarenta anos, ao contrário de Vlad em Drácula de Bram Stoker. Peggy Sue, Drácula e Jack vivem a “juventude sem juventude”, que seria a tradução literal para o português de Youth without Youth que, no Brasil, recebeu o título de Velha Juventude (2007). Baseado no romance do romeno Mircea Eliade, Velha Juventude narra o conto fantástico do idoso filólogo Dominic que, ao ser atingindo por um raio, rejuvenesce inexplicavelmente. Como Drácula e Peggy Sue, embora jovem, Dominic carrega o peso da idade, pois mantém todas as vivências e as lembranças do passado. Quando encontra Laura, a reencarnação de Verônica, seu amor da juventude (outra conexão com Drácula de Bram Stoker), a trama se torna ainda mais complexa, uma vez que Laura é o repositório de todas as línguas criadas pelo Homem. Com Velha Juventude, Francis Ford Coppola retornou para trás das câmeras após hiato de dez anos. Não que o diretor tenha se afastado do cinema depois de O Homem que Fazia Chover (The Rainmaker, 1997) para cuidar exclusivamente de sua vinícola no Vale do Napa, na Califórnia: além da restauração e do lançamento de sua própria obra em dvd e em Blu-ray – a trilogia O Poderoso Chefão, Vidas Sem Rumo (que adicionou mais de vinte minutos ao filme), Apocalypse Now Redux, O Selvagem da Motocicleta –, Coppola também atuou, por meio da American Zoetrope, como produtor de Sofia Coppola nos filmes As Virgens Suicidas (The Virgins Suicides, 1999), Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003), Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006), Um Lugar Qualquer (Somewhere, 2010) e Bling Ring: A Gangue de Hollywood (The Bling Ring, 2013). Os projetos mais importantes de Coppola na década entre O Homem que fazia Chover e Velha Juventude, entretanto, não saíram do papel: Megalopolis e Pinóquio. Com ideias escritas desde meados de 1968, Megalopolis era uma ficção científica de proporções épicas, acalentada pelo cineasta por décadas. A história de Megalopolis se passava na Nova York contemporânea, mas, segundo Coppola, “a Nova York de quinze anos atrás, quando a cidade estava terrivelmente em crise e desesperada por renovação. Ela se centra em dois personagens principais. Um, o prefeito, tem a erudição de um Mario Cuomo e se dedica a preservar a herança do passado. Seu antagonista é o arquiteto inspirado pelo legendário construtor e empreiteiro Robert Moses, mas com a visão artística de Frank Lloyd Wright. Porém, ao contrário da maioria dos artistas, ele tem poder real, e busca o salto rumo ao futuro”³. par te v s e j a o u r o, f r a n c i s , s e j a o u r o 296 de sangue e de violência tragará Michael que, sob o pretexto de proteger a família, transformar-se-á em um assassino frio e brutal, cuja sede de poder, paradoxalmente, levará os Corleone à ruína. Michael alienará Kay, matará Freddo e verá Mary ser assassinada nas escadarias da Ópera. “Nada é mais importante nesta vida do que os filhos”, Michael resume no início de O Poderoso Chefão, Parte iii (The Godfather, Part iii, 1990). O Tempo, principal tema de Coppola, aparece na questão sucessória que permeia a trilogia. Como em Rei Lear, Vito, o velho patriarca, deve passar seu Império à nova geração dos Corleone. O primogênito Sonny, contudo, não tem o equilíbrio necessário para ser o próximo Don, Freddo é frágil demais e Tom Hagen não partilha dos laços de sangue – apenas Michael, que reluta, possui a capacidade de liderar a família. Quando Michael envelhece e parte em busca do sucessor, não o encontra nos filhos: Anthony renega os negócios dos Corleone em favor de uma carreira na ópera, enquanto Mary, inocentemente, acredita que o pai os legitimou. Resta a Michael trazer Vincent Mancini, filho bastardo de Sonny, para o seio da família, e transformá-lo no próximo Don Corleone. O conflito de gerações reaparece em O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, 1983) e em Jardins de Pedra (Gardens of Stone, 1987). O Selvagem da Motocicleta se inicia com planos em alta velocidade das nuvens que, assim como as imagens constantes de relógios – incluindo um sem ponteiros –, expressam a passagem do tempo, a urgência da juventude. No filme, Rusty-James admira e é assombrado pela aura mítica do irmão mais velho, Motorcycle Boy. Em Jardins de Pedra, por sua vez, sargento Clell Hazard e o recruta Jackie Willow mantêm uma relação de pai e filho, enquanto prestam o serviço militar no Cemitério Nacional de Arlington, enterrando os mortos da Guerra do Vietnã. São obras diferentes, pois se O Selvagem da Motocicleta é um dos projetos mais autorais de Coppola, em preto e branco altamente contrastado, que bebe do Expressionismo Alemão, com a trilha sonora percussiva e quase abstrata de Stuart Copeland (baterista do grupo de rock The Police), Jardins de Pedra, cujo roteiro não foi escrito pelo cineasta, situa-se no período em que Coppola trabalhou como “hired-gun”, ou seja, como diretor contratado dos estúdios, a fim de pagar as dívidas que acumulou com a falência do Zoetrope Studios e o fracasso de Do Fundo do Coração (One from the Heart, 1982). Jardins de Pedra, no entanto, ganhou trágica ressonância pessoal quando o filho mais velho e assistente de Coppola, Gian-Carlo, morreu durante as filmagens, em acidente de lancha provocado por Griffin O’Neal, filho do ator Ryan O’Neal. O corpo de Gian-Carlo foi velado na mesma capela que recebia os soldados mortos da Guerra do Vietnã: de repente, o projeto sob encomenda se transformava em doloroso reflexo de acontecimentos privados. Mesmo quando trabalhou como diretor contratado, Francis Ford Coppola imprimiu sua preocupação com o Tempo. Em Peggy Sue, Seu Passado à Espera (Peggy Sue Got Married, 1986), maior sucesso de público e de crítica do cineasta nos anos 1980, a dona-de-casa Peggy Sue retorna à o estúdio emprestou 600 mil dólares para o então jovem cineasta se estabelecer em São Francisco. Com 300 mil dólares, Coppola adquiriu equipamentos de ponta na Alemanha; com os outros 300 mil dólares, ele teria que desenvolver projetos para a aprovação da Warner. O cineasta voltou com sete roteiros, entre os quais os de A Conversação e Apocalypse Now – todos rejeitados. Pior: a Warner exigiu que a American Zoetrope devolvesse o empréstimo. A fim de pagar as dívidas e salvar a produtora da falência, Coppola cedeu à Paramount (seguindo o conselho de George Lucas) e aceitou dirigir O Poderoso Chefão. Os constantes atrasos da Warner Brothers para aprovar o financiamento de Pinóquio permitiram que a New Line Cinema lançasse sua própria versão, As Aventuras de Pinocchio (The Adventures of Pinocchio, 1996), de Steve Barron, com Martin Landau no papel de Geppetto, ao custo de 25 milhões de dólares. Sem perspectivas de continuar com o projeto, que já se encontrava na fase de pré-produção, Coppola processou a Warner Brothers – e venceu. Em caso raríssimo no qual o artista ganhou nos tribunais do estúdio, o diretor recebeu 80 milhões de dólares de indenização. Dos filmes de Coppola, apenas O Poderoso Chefão e Drácula de Bram Stoker faturaram mais nas bilheterias do que a ação judicial de Pinóquio. Livre das dívidas que o perseguiam desde a falência do Zoetrope Studios e do fracasso de Do Fundo do Coração, com o sucesso comercial de sua vinícola no Vale do Napa e com a carreira dos filhos estabelecida (Sofia venceu o Oscar de melhor roteiro original⁵ por Encontros e Desencontros e o Leão de Ouro em Veneza por Um Lugar Qualquer), Coppola se voltou para os projetos autorais que desejava realizar no início da carreira, a exemplo de Caminhos Mal Traçados e A Conversação. Após Velha Juventude, Francis Ford Coppola dirigiu Tetro, seu filme mais pessoal e autobiográfico. Realizado na Argentina, em digital e em preto e branco de alto contraste (como O Selvagem da Motocicleta, inclusive com algumas sequências coloridas), Tetro narra o relacionamento entre Bennie e seu irmão mais velho, Angelo “Tetro” Tetrocini, e de ambos com o pai, o compositor e regente Carlo. A história remete, claramente, à admiração do próprio Francis pelo irmão August (Augie) e à complexa infância que os dois viveram sob o pai, Carmine, ao mesmo tempo músico frustrado e ambicioso, cujo irmão mais velho – como no filme – era mais reconhecido, embora menos talentoso, do que ele. No entanto, se Angelo representa Augie, ele também personifica Francis: o artista que alcançou o reconhecimento cedo demais e caiu no ostracismo. Seria Alone (“Sozinha”, em português), a crítica interpretada por Carmen Maura, uma referência sarcástica de Coppola a Pauline Kael, que o elevou a gênio com O Poderoso Chefão, Parte ii, e depois lhe foi implacável nos filmes seguintes? Como Francis, em relação a Megalopolis (ou como Dominic, com o infindável dicionário em Velha Juventude), Tetro é incapaz de terminar o romance que começou. A conclusão do projeto inacabado 5 Três gerações da família Coppola venceram o Oscar: Carmine, o de melhor trilha sonora por O Poderoso Chefão, Parte ii; Francis, os de melhor roteiro por Patton – Rebelde ou Herói?, O Poderoso Chefão e O Poderoso Chefão, Parte ii, os de melhor direção e melhor filme por O Poderoso Chefão, Parte ii; e Sofia, o de melhor roteiro por Encontros e Desencontros. (Mas vale ressaltar que Nicholas Cage, sobrinho de Coppola, também ganhou o prêmio, de melhor ator, por Despedida em Las Vegas [Leaving Las Vegas, 1995]). Antes, somente a família Huston conseguira tal feito: Walter Huston venceu o Oscar de ator coadjuvante (dirigido pelo filho) por O Tesouro de Sierra Madre (The Treasure of Sierra Madre, 1948); John Huston ganhou os de melhor roteiro e direção também por O Tesouro de Sierra Madre; e Anjelica, o de melhor atriz coadjuvante (dirigida pelo pai), por A Honra do Poderoso Prizzi (Prizzi’s Honor, 1985). 299 epílogo s e j a o u r o, f r a n c i s , s e j a o u r o 298 A renovação maciça da cidade se tornava o nexo de uma batalha sobre visão, escala e lucros, que envolvia “todas as camadas da sociedade – dos trabalhadores, dos sindicatos, do homem na rua, até os homens de ideias, os homens do dinheiro e todos aqueles que se conectam com eles”, diz Coppola. “A filha do prefeito se une ao visionário arquiteto, que é tão hedonista em sua vida privada, quanto seu adversário é moral e justo. O prefeito está perdendo sua filha para o futuro”⁴. Toda a ação se dava em apenas um dia, como o Ulisses, de James Joyce. Coppola se inspirou na Conjuração Catilina, mas transposta para Nova York, que, naquele momento, parecia o cenário perfeito para lidar com as questões sobre quem somos, para onde vamos e o que era a espécie humana. A Conjuração Catilina, que ocorreu logo antes da ascensão de César, entrou para a História como o memorável embate entre a República Romana e a Desordem, e ajudou Coppola a pensar a respeito da política contemporânea dos eua, quando a sociedade perdia o controle. O diretor via um paralelo entre o Cônsul, que ao não aceitar a perda do posto máximo da República na disputa com Cícero, simplesmente ameaçou incendiar a cidade de Roma, e a Nova York contemporânea, que amargava altos índices de corrupção e de criminalidade Segundo Coppola, Megalopolis seria ao mesmo tempo grandioso – em seu tema, disposto a discutir a utopia de uma sociedade que está se pensando e que se transformará em algo diferente no futuro – e econômico, já que utilizaria então incipiente chroma key. Lançar mão dessa tecnologia, para o cineasta, seria uma maneira de usar cenários elaborados e não dispendiosos, pois os atores interpretariam de acordo com as imagens, que o diretor projetaria sobre um fundo verde. Em abril de 1998, Coppola retomou o projeto, seu primeiro roteiro original desde A Conversação (The Conversation, 1974). Megalopolis esteve perto de sair do papel, com trinta horas de filmagens prévias feitas ao redor de Manhattan. Porém, os ataques terroristas ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 mudaram radical e inevitavelmente os planos do diretor, que chegou à conclusão de que seria impossível não se referir ao incidente. Sem saber como lidar com o problema, Coppola viu que era hora de desistir. E ainda havia a questão orçamentária: de onde tirar 100 milhões de dólares para a produção? Apesar de engavetá-lo indefinidamente, Megalopolis permitiu que Coppola se correspondesse com a professora de Civilizações Orientais em Yale, Wendy Doniger, que lhe enviou o romance Youth without Youth (Uma Segunda Juventude, em Portugal), do filósofo e historiador das religiões Mircea Eliade. Velha Juventude estreou mundialmente no Festival de Roma, em novembro de 2007. Após o sucesso de Drácula de Bram Stoker, Coppola assinou com a Warner Brothers para escrever e dirigir a adaptação live-action de Pinóquio, baseada nos romances de Carlo Collodi. O relacionamento entre Coppola e a Warner sempre foi conturbado e data da fundação da American Zoetrope: par te v 4 Idem. 6 delorme, Stéphane. Francis Ford Coppola. Paris: Cahiers du Cinema, 2010. p. 93. s e j a o u r o, f r a n c i s , s e j a o u r o 300 requer a intervenção de Bennie, como se apenas a jovem e ainda inocente versão do alter ego de Coppola pudesse retornar ao manuscrito. Se a intenção de Coppola, com Bennie, é o retorno às origens, seu último longa-metragem, Virgínia (Twixt, 2011), marca a volta do cineasta ao início da carreira: ao terror exploitation de Demência 13 e de Roger Corman. Segundo Coppola, a ideia do filme nasceu de um pesadelo, após uma noite de bebedeira, quando o fantasma de Edgar Allan Poe o visitou. Novamente como em Tetro, o protagonista funciona como o alter ego do cineasta: Hall Baltimore é o escritor fracassado, que produz literatura barata sobre vampiros, apenas para pagar as contas. Baltimore, contudo, possui a primeira edição de Folhas de Relva, de Walt Whitman – seu gosto como colecionador mostra a admiração pela arte, em conflito permanente com as “pulp fictions” que escreve. Quando Baltimore chega à pequena cidade para a tarde de autógrafos de seu último romance, chama-lhe a atenção a torre do relógio, cujas várias faces nunca marcam a hora certa (outra vez, o Tempo no cinema de Coppola). Enquanto trava discussões sobre a arte da narrativa e o processo criativo com o fantasma de Edgar Allan Poe, Baltimore é assombrado por V, adolescente que, junto com outras crianças, foi assassinada por um maníaco religioso. Ela pode, ou não, estar relacionada à jovem morta com uma estaca de madeira. Foram as gangues de jovens (referência a Vidas Sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta), que vivem nos limites da cidade, que a assassinaram, como sugere o xerife Bobby LaGrange? Ou foi o próprio xerife? Coppola leva a narrativa entre o pesadelo, o delírio ébrio e a pura gozação. A atmosfera fantástica alimenta (e se reflete) no novo livro de Baltimore, que espertamente usa as pistas e as informações do mistério em proveito próprio. Virgínia é um conto de terror gótico pós-moderno, com duas breves sequências em 3d e com toda a estilização visual barroca de Coppola, com uso abundante de chroma keys. Mas o diretor transforma Virgínia, assim como fizera com Tetro, em outra história autobiográfica, ao incluir o acidente de lancha que matou seu filho Gian-Carlo durante as filmagens de Jardins de Pedra nas memórias de Hall Baltimore, cuja filha sofreu o mesmo trágico destino. Que Coppola seja capaz de lidar tão abertamente com os traumas familiares, a ponto de utilizá-los como matéria-prima de seu cinema, talvez apenas confirme a aceitação, pelo diretor, da inevitabilidade do tempo. Como ele escreveu em diário, em 18 de setembro de 1991, enquanto preparava Drácula de Bram Stoker: Pode-se estar congelado no tempo Pode-se estar além do tempo Pode-se estar adiante do tempo Pode-se estar atrás do tempo Mas não se pode estar sem o tempo (…) O tempo não espera por ninguém⁶ o c aminho do arco-íris o c aminho do arco-íris 19 68 19 68 19 69 c aminhos mal tr aç ados filmogr afia c aminhos mal tr aç ados c aminhos mal tr aç ados 19 69 19 69 o p oderoso chefão o p oderoso chefão 1972 1972 a conver saç ão a conver saç ão 19 74 19 74 19 74 o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i filmogr afia o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i 19 74 19 74 1979 a p o c a ly p s e n o w filmogr afia a p o c a ly p s e n o w do fundo do cor aç ão 1979 1981 vidas sem rumo cot ton club 1983 1984 peggy sue, seu pa ssad o à esper a peggy sue, seu pa ssad o à esper a 1986 1986 o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i i o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i i 19 90 19 90 dr ácul a de br an stoker dr ácul a de br an stoker 19 92 19 92 velha juventude tetro 2007 2009 2011 virgínia 1961 69" COR Tonight For Sure é uma comédia skin flick sobre um par de carolas hipócritas que, mesmo sendo secretos entusiastas de obscenidades, querem fechar uma casa burlesca em Las Vegas. roteiro Jerry Shaffer e Francis Ford Coppola direção Francis Ford Coppola fotografia Jack Hill direção de arte Albert Locatelli edição Ronald Waller música Carmine Coppola elenco Karl Schanzer, Don Kenney, Marli Renfro, Virigina Gordon , Barbara Martin, Linda Gibson, Sandy Silver, Pat Brooks, Laura Cornell, Karen Lee e Sue Martin produção Francis Ford Coppola THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS 1962 9 4" COR The Bellboy and the Playgirls narra as aventuras de George, um mensageiro no Happy Holiday Hotel que observa secretamente o diretor de uma companhia de teatro na esperança de aprender como se tornar um especialista em mulheres. Madame Wimplepoole, uma designer de lingerie erótica, chega ao hotel com um grupo de modelos, dando a George a oportunidade de praticar sua nova técnica e forçando-o a interagir com as sexy playgirls. roteiro Fritz Umgelter e Francis Ford Coppola direção Fritz Umgelter e Francis Ford Coppola fotografia Jack Hill direção de arte Albert Locatelli elenco June Wilkinson, Don Kenney, Karin Dor, Willy Fritsch, Michael Cramer, Louise Lawson, Laura Cummings, Gigi Martine, Ann Perry, Jan Davidson e Lori Shea produção Wolfgang Hartwig DEMÊNCIA 13 DEMENTIA 13 1963 75" P&B Demência 13 conta a história de uma maldição envolvendo uma nobre família irlandesa que vive no enorme Castelo Haloran, uma edificação de pedra no melhor estilo gótico que foi atingida pela tragédia da morte de Kathleen, uma criança que se afogou no lago da residência quando brincava com seu irmão Billy. Após o acidente fatal, a família se separou, ficando apenas a matriarca Lady Haloran vivendo no castelo com seus criados Arthur e Lillian. Porém, a família, formada ainda pelos irmãos John, o escultor de estátuas Richard e o jovem Billy Haloran, reúne-se todos os anos para celebrar o memorial da morte da irmã Kathleen. Passados alguns anos da morte da garota, quando a família se encontra novamente para mais um memorial, um assassino começa a atuar nas imediações do castelo utilizando um machado para dilacerar suas vítimas. 337 roteiro Francis Ford Coppola direção Francis Ford Coppola fotografia Charles Hannawalt direção de arte Albert Locatelli edição Mort Tubor e Stewart O'Brien música Ronald Stein elenco William Campbell Richard Holloran, Luana Anders Lousie Holoran, Bart Patton Billy Holloran, Mary Mitchell Kane, Patrick Magee Justin Caleb, Eithne Dunn Lady Holoran, Peter Reed John Holoran, Karl Schanzer Simon, Ron Perry Arthur, Derry O'Donovan Lillian e Barbara Dowling Kathleen produção Francis Ford Coppola para Roger Corman Productions Première em 25 de setembro de 1963. AGORA VOCÊ É UM HOMEM YOU'RE A BIG BOY NOW 196 6 96" COR Bernard Chanticleer é um jovem ansioso para entrar no "mundo dos adultos". Seu plano é se mudar da casa dos pais para o oitavo andar de um prédio no Village, em Nova York, tendo de lidar com a vigilância paterna e materna e as filmogr afia TONIGHT FOR SURE 338 roteiro Francis Ford Coppola, baseado no romance de David Benedictus direção Francis Ford Coppola fotografia Andy Laszlo direção de arte Vassele Fotopoulos figurino Theoni V. Aldredge coreografia Robert Tucker edição Abram Avakian música Bob Prince (canções de John Sebastian interpretadas por Lovin' Spoonful) elenco Peter Kastner Bernard Chanticleer, Elizabeth Hartman Barbara Darling, Geraldine Paige Margery Chanticleer, Julie Harris Sra. Thing, Rip Torn I.H. Chanticleer, Tony Bill Raef, Karen Black Amy, Michael Dunn Richard Mudd, Dolph Sweet Francis Graf e Michael O'Sullivan Kurt Doughty produção Phil Feldman para Seven Arts, lançado pela Warner Bros. Première em 20 de março de 1967. O CAMINHO DO ARCO-ÍRIS FINIAN'S R AINBOW 196 8 141" COR filmogr afia Finian McLonergan é um malandro irlandês que enterra um pote de ouro, roubado de um duende, próximo ao Fort Knox, pensando em, no futuro, colher ricos frutos. Com ele estão sua espirituosa filha, um duende e um senador sulista transformado em afro-americano por mágica. roteiro E.Y. Yarburg e Fred Saidy, baseado na peça da Broadway (libreto de E.Y. Yarburg e Fred Saidy, letras de E.Y. Harburg, música de Burton Lane) direção Francis Ford Coppola fotografia Philip Lathrop desenho de produção Hilyard M. Brown direção Musical Ray Heindorf direção de arte Vassele Fotopoulos figurino Dorothy Jeakins coreografia Hermes Pan som M.A. Merryick e Dan Wallin edição Melvin Shapiro elenco Fred Astaire Finian McLonergan, Petula Clark Sharon McLonergan, Tommy Steele Og, Don Francks Woody Mahoney, Barbara Hancock Susan, Keenan Wynn Senador “Billboard” Rawkins, Al Freeman, Jr. Howard, Ronald Colby Buzz Collins, Dolph Sweet Xerife, Wright King Procurador, Louis Silas Henry, Brenda Arnau Arrendatária, Avon Long, Roy Glen e Jerster Hairston Evangelistas Peregrinas da Paixão produção Joseph Landon para Warner Bros. – Seven Arts. Première em 9 de outubro de 1968. CAMINHOS MAL TRAÇADOS THE R AIN PEOPLE 1969 101" COR Insegura, grávida de dois meses e sentindo-se presa em sua própria vida, Natalie Ravenna deixa tudo para trás e parte em uma viagem pelos eua. Aparentemente sem destino, sua jornada acaba tomando um rumo trágico quando ela decide dar carona a Killer Kilgannon, um atraente jogador de futebol que possui uma lesão cerebral. roteiro Francis Ford Coppola direção Francis Ford Coppola fotografia Bill Butler direção de arte Leon Ericksen som Nathan Boxer coreografia Robert Tucker edição Barry Malkin edição de som Walter Murch música Ronald Stein elenco James Caan Kilgannon, Shirley Knight Natalie Ravena, Robert Duvall Gordon, Maria Zimmet Rosalie, Tom Aldredge Sr. Alfred, Laurie Crews Ellen, Andrew Duncan Artie, Margaret Fairchild Marion, Sally Gracie Beth, Alan Manson Lou e Robert Modica Vinny produção Bart Patton e Ronald Colby (American Zoetrope) para Warner Bros. – Seven Arts. Première em 27 de agosto de 1969. O PODEROSO CHEFÃO THE GODFATHER 19 72 175" COR Esta obra-prima retrata a turbulência no poder de um clã mafioso siciliano na América. Don Vito Corleone, o patriarca da família e chefe de uma dinastia do crime organizado, tenta transferir o controle de seu império clandestino a Michael, seu filho relutante. A narrativa equilibra magistralmente a história entre a vida familiar dos Corleone e os negócios fora da lei em que estão envolvidos. roteiro Mario Puzo e Francis Ford Coppola, baseado no romance de Mario Puzo direção Francis Ford Coppola fotografia Gordon Willis desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Warren Clymer figurino Anna Hill Johnstone som Christopher Newman edição William Reynolds e Peter Zinner música Nino Rota, com música adicional de Carmine Coppola elenco Marlon Brando Don Vito Corleone, Al Pacino Michael Corleone, James Caan Sonny Corleone, Richard Castellano Clemenza, Robert Duvall Tom Hagen, Sterling Hayden McCluskey, John Marley Jack Woltz, Richard Conte Barzini, Al Lettieri Sollozzo, Diane Keaton Kay Adams, Abe Vigoda Tessio, Talia Shire Connie, Gianni Russo Carlo Rizzi, John Cazale Fredo Corleone, Rudy Bond Cuneo, Al Martino Johnny Fontane, Morgana King Mama Corleone, Lenny Montanna Luca Brasi, John Martino Paulie Gatto, Salvatore Corsitto Bonasera, Richard Bright Neri, Alex Rocco Moe Greene, Tony Giorgio Bruno Tattaglia, Vito Scotti Nazorine, Tere Livrano Theresa Hagen, Victor Rendina Philip Tattaglia, Jeannie Linero Lucy Mancini, Julie Gregg Sandra Corleone, Ardell Sheidan Sra. Clemenza, Simonetta Stefanelli Apollonia, Angelo Infanti Fabrizio, Corrado Gaipa Don Tommasino, Franco Citti Calo e Saro Urzi Vitelli produtor associado Gray Frederickson produção Albert S. Ruddy (Alfran Productions) para a Paramount Pictures Première em 11 de março de 1972. A CONVERSAÇÃO THE CONVER SATION 19 74 113" COR Harry Caul é um especialista em vigilância de áudio que enfrenta um dilema moral após ser contratado pelo diretor de uma grande empresa para vigiar e gravar a conversa de um casal de amantes. No passado, um trabalho de Harry provocou a morte de três pessoas, e agora ele teme que algo parecido aconteça. roteiro Francis Ford Coppola direção Francis Ford Coppola fotografia Bill Butler e Haskell Wexler (não creditado) desenho de produção Dean Tavoularis cenografia Doug von Koss figurino Aggie Guerard Rodgers supervisão de edição, som e edição de som Walter Murch edição Richard Chew música David Shire consultores técnicos Hal Lipset, Leo Jones e Jim Bloom elenco Gene Hackman Harry Caul, John Cazale Stan, Allen Garfield Bernie Moran, Frederic Forrest Mark, Cindy Williams Ann, Michael Higgins Paul, Elizabeth MacRae Meredith, Harrison Ford Martin Stett, Robert Duvall o Diretor, Mark Wheeler Recepcionista, Teri Garr Amy, Robert Shields Mime e Phoebe Alexander Lurleen produção Francis Ford Coppola e Fred Roos (American Zoetrope) para The Directors Company, lançado pela Paramount Pictures 339 Première em 7 de abril de 1974. O PODEROSO CHEFÃO, PARTE II THE GODFATHER PART II 19 74 20 0" COR A continuação da saga da família Corleone intercala a história do jovem Vito Corleone, na década de 1910, em Little Italy, Nova York e na Sicília, bem como, a de Michael Corleone, na década de 1950, enquanto tenta expandir o negócio da família em Las Vegas, Hollywood e Cuba. filmogr afia dificuldades dos relacionamentos – apaixona-se por uma mulher experiente e fria, mas acaba por achar o amor verdadeiro em uma mocinha leal. fotografia Vittorio Storaro desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Angelo Graham figurino Charles E. James som Walter Murch supervisão de edição Richard Marks edição Walter Murch e Gerald B. Greenberg, Lisa Fruchtman e Barry Malkin (não creditado) música Carmine Coppola e Francis Ford Coppola elenco Marlon Brando Coronel Walter E. Kurtz, Robert Duvall Tenente Coronel Bill Kilgore, Martin Sheen Capitão Benjamin L. Willard, Frederic Forrest “Chef ” Hicks, Albert Hall Chefe Phillips, Sam Bottoms Lance B. Johnson, Larry Fishburne “Clean”, Dennis Hopper Fotojornalista, G.D. Spradlin General Corman, Harrison Ford Coronel Lucas, Jerry Ziesmer Civil e Scott Glenn Capitão Richard Colby produtora associada Mona Skager coprodutores Fred Roos, Gray Frederickson e Tom Sternberg produção Francis Ford Coppola para American Zoetrope, United Artists desenho de produção Dean Tavoularis figurino Ruth Morley direção de arte Angelo Graham desenho de som Richard Beggs coreografia Kenny Ortega e Gene Kelly (não creditado) edição Anne Goursaud, com Rudi Fehr e Randy Roberts canções e música Tom Waits, cantadas por Tom Waits e Crystal Gayle elenco Frederic Forrest Hank, Teri Garr Frannie, Raul Julia Ray, Nastassja Kinski Leila, Lainie Kazan Maggie, Harry Dean Stanton Moe, Allen Goorwitz (Garfield) Dono do Restaurante, Jeff Hamlin Agente Aéreo, Carmine e Italia Coppola Casal no Elevador produção Gray Frederickson e Fred Roos para Zoetrope Studios, Columbia Pictures produtora associada Mona Skager produtor executivo Bernard Gersten coprodutor Armyan Berenstein Première em 15 de agosto de 1979. VIDAS SEM RUMO THE OUTSIDER S 1983 91" COR DO FUNDO DO CORAÇÃO ONE FROM THE HE ART 1982 107" COR Première em 12 de dezembro de 1974. APOCALIPSE NOW 19 79 153" COR filmogr afia Durante a guerra do Vietnã, o capitão Willard recebe a missão de encontrar e matar o comandante das Forças Especiais, Coronel Kurtz, que aparentemente enlouqueceu e se refugiou nas selvas do Camboja, onde é tido como um líder para um exército de fanáticos. Livremente baseado na novela “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad. roteiro John Millius e Francis Ford Coppola, baseado na novela O Coração das Trevas, de Joseph Conrad (não creditada). Narração escrita por Michael Herr direção Francis Ford Coppola Première em 15 de janeiro de 1982. Hank e Frannie não parecem ser capazes de viver juntos. Depois de um relacionamento de cinco anos, a sonhadora Fanny deixa Hank no aniversário de seu casamento, que também é o Dia da Independência dos Estados Unidos. Andando por Las Vegas, cada um deles encontra o que parece ser seu par ideal. Será que o amor verdadeiro prevalecerá sobre uma paixão momentânea aparentemente glamorosa? roteiro Armyan Bernstein e Francis Ford Coppola, do roteiro original de Armyan Bernstein direção Francis Ford Coppola fotografia Vitorio Storaro efeitos visuais Robert Swarthe cinema eletrônico Thomas Brown, Murdo Laird, Anthony St. John e Michael Lehman, em cooperação com a Sony Corporation › 113" VER SÃO L ANÇ ADA EM 20 05 Em um subúrbio da pequena cidade de Tulsa, Oklahoma, Ponyboy Curtis é o caçula dos irmãos Darrel Curtis e Sodapop Curtis, envolvidos em brigas de gangues. Eles tentam vencer e amadurecer enfrentando os ricos. Os acontecimentos são vistos pela ótica de Ponyboy, que gosta de poesia e …E o Vento Levou. roteiro Kathleen Knutsen Rowell e Francis Ford Coppola (não creditado), baseado no romance de S.E. Hinton direção Francis Ford Coppola fotografia Stephen H. Burum efeitos visuais Robert Swarthe desenho de produção Dean Tavoularis figurino Marge Bowers som Jim Webb desenho de som Richard Beggs edição Anne Goursaud música Carmine Coppola elenco Matt Dillon Dallas Winston, Ralph Macchio Johnny Cade, C. Thomas Howell Ponyboy Curtis, Patrick Swayze Darrel Curtis, Rob Lowe Sodapop Curtis, Emilio Estevez Two-Bit Mathews, Tom Cruise Steve Randle, Glenn Withrow Tim Shephard, Diane Lane Cherry Valance, Leif Garrett Bob Sheldon, Darren Dalton Randy Anderson, Michelle Meyrink Marcia, Gailard Sartain Jerry, Tom Waits Buck Merrill e William Smith Clerk produção Fred Roos e Gray Frederickson para Zoetrope Studios e Warner Bros. produtor associado Gian-Carlo Coppola Première em 25 de março de 1983. O SELVAGEM DA MOTOCICLETA RUMBLE FISH 1983 9 4" P&B E COR O filme narra a história de luta de um jovem bandido (Rusty-James) para viver de acordo com a reputação lendária de seu irmão adorado, Motorcycle Boy, que retornou da Costa Oeste, em uma cidade industrial empobrecida. roteiro S.E. Hinton e Francis Ford Coppola, baseado no romance de S.E. Hinton direção Francis Ford Coppola fotografia Stephen H. Burum desenho de produção Dean Tavoularis figurino Marge Bowers som David Parker desenho de som Richard Beggs edição Barry Malkin música Stewart Copeland elenco Matt Dillon Rusty-James, Mickey Rourke Motorcycle Boy, Diane Lane Patty, Dennis Hopper Pai, Diana Scarwid Cassandra, Vincent Spano Steve, Nicolas Cage Smokey, Christopher Penn B.J. Jackson, Larry Fishburne Midget, William Smith Patterson, Michael Higgins Sr. Harrigan, Glenn Withrow Biff Wilcox, Tom Waits Benny, Herb Rice Jogador de Sinuca, Maybelle Wallace Última Vendedora de Passagens, Nona Manning Mãe de Patty, Domino Irmã de Patty, Gio Primo James e S.E. Hinton Prostituta produção Fred Roos e Doug Claybourne para Zoetrope Studios, lançado por Universal produtor executivo Francis Ford Coppola produtores associados Gian-Carlo Coppola e Roman Coppola Première em 7 de outubro de 1983. 341 filmogr afia 340 roteiro Francis Ford Coppola e Mario Puzo, baseado em eventos do romance de Mario Puzo direção Francis Ford Coppola fotografia Gordon Willis desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Angelo Graham cenografia George R. Neison figurino Theadora Van Runkle som e edição de som Walter Murch edição Peter Zinner, Barry Malkin e Richard Marks música Nino Rota e Carmine Coppola elenco Al Pacino Michael Corleone, Robert Duvall Tom Hagen, Diane Keaton Kay Adams, Robert De Niro Vito Corleone, John Cazale Fredo Corleone, Talia Shire Connie, Lee Strasberg Hyman Roth, Michael V. Gazzo Frank Pentangeli, G.D. Spradlin Senador Pat Geary, John Martino Paulie Gatto, Salvatore Corsitto Bonasera, Richard Bright Neri, Gaston Moschin Fanucci, Tom Rosqui Rocco Lampone, B. Kirby, Jr. Clemenza, Frank Sivero Genco, Francesca de Sapio Jovem Mama Corleone, Morgana King Mama Corleone, Mariana Hill Deanna Corleone, Leopoldo Trieste Sr. Roberto, Dominic Chianese Johnny Ola, Amerigo Tot Bodyguard, Troy Donahue Merle Johnson, John Aprea Tessio e Joe Spinell Willi Cicci produção Francis Ford Coppola para American Zoetrope/Paramount Pictures produtora associada Mona Skager coprodutores Gray Frederickson e Fred Roos THE COT TON CLUB 198 4 127" COR Cotton Club apresenta uma visão genuína da era de ouro do jazz, ambientado no famoso clube noturno do Harlem. A história segue as pessoas que visitaram o clube e aqueles que o comandaram, tendo no músico Dixie Dwyer sua personagem central. 342 roteiro William Kennedy e Francis Ford Coppola, baseado em uma história de William Reynolds, Francis Ford Coppola e Mario Puzo, sugerida por uma narrativa pictórica de James Haskins direção Francis Ford Coppola fotografia Stephen Goldblatt desenho de produção Richard Sylbert direção de arte David Chapman e Gregory Bolton figurino Milena Canonero coreografia principal Michael Smuin coreografia do sapateado Henry LeTang edição de som Edward Beyer edição Barry Malkin e Robert Q. Lovett música John Barry e Bob Wilber elenco Richard Gere Dixie Dwyer, Gregory Hines Sandman Williams, Diane Lane Vera Cicero, Lonette McKee Lila Rose Oliver, Bob Hoskins Owney Madden, James Remar Dutch Schultz, Nicolas Cage Vincent Dwyer, Allen Garfield Abbadabba Berman, Fred Gwynne Frenchy, Gwen Verdon Tish Dwyer, Lisa Jane Persky Frances Flegenheimer, Maurice Hines Clay Williams, Julian Beck Sol Weinstein, Novella Nelson Madame St. Claire, Larry Fishburne Bumpy Rhodes, John Ryan Joe Flynn e Tom Waits Irving Stark produção Robert Evans para a American Zoetrope e Orion Pictures coprodutores Silvio Tabet e Fred Roos produtor executivo Dyson Lovell Première em 14 de dezembro de 1984. roteiro Mark Curtis, Rod Ash e Francis Ford Coppola (não creditado), baseado na história de Washington Irving direção Francis Ford Coppola direção de iluminação George Riesenberger desenho de produção Michael Erler consultora artística Eiko Ishioka figurino Sam Kirkpatrick edição Murdo Laird e Arden Rynew música Carmine Coppola elenco Harry Dean Stanton Rip Van Winkle, Talia Shire Esposa de Rip, Sofia Coppola e Hunter Carson produção Fred Fuchs e Bridget Terry para a série Teatro dos Contos de Fadas (Faerie Tale Theater) do canal de televisão hbo produtora executiva Shelley Duvall CAPTAIN EO 198 6 17" COR 3D O Capitão Eo e sua tripulação espacial se aventuram em uma missão para salvar o mundo de uma rainha do mal através de som e dança. direção Francis Ford Coppola fotografia Vittorio Storaro coreografia Jeffrey Hornaday edição Walter Murch música Michael Jackson elenco Michael Jackson Capitão Eo, Anjelica Huston She-Devil Supreme produção Lucas Film Ltd. para Disney PEGGY SUE, SEU PASSADO A ESPERA PEGGY SUE GOT MARRIED 198 6 103" COR RIP VAN WINKLE filmogr afia 1985 49" COR A história de um homem preguiçoso que adormece nas montanhas de Catskill por vinte anos e acorda depois da Revolução Americana. Uma mulher de 43 anos, à beira do divórcio, desmaia, volta no tempo (de 1985 para 1960) e vê, entre outras coisas, seu namorado com quem vai se casar e se separar 25 anos depois. Surge então uma questão: se ela vai se separar, deve se casar ou não? Nesta volta no tempo ela tem a oportunidade de transformar o curso da sua vida. roteiro Jerry Leichtling e Arlene Sarner direção Francis Ford Coppola fotografia Jordan Cronenweth cinema eletrônico Murdo Laird, Ted Mackland e Ron Mooreland desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Alex Tavoularis figurino Theadora Van Runkle supervisão de edição de som Michael Kirchberger edição Barry Malkin música John Barry elenco Kathleen Turner Peggy Sue Kelcher, Nicholas Cage Charlie Bodell, Barry Miller Richard Norvik, Catherine Hicks Carol Heath, Joan Allen Maddie Nagle, Kevin J. O'Connor Michael Fitzsimmons, Jim Carrey Walter Getz, Lisa Jane Persky Dolores Dodge, Lucinda Jenney Rosalie Testa, Wil Shriner Arthur Nagle, Barbara Harris Evelyn Kelcher, Don Murray Jack Kelcher, Sofia Coppola Nancy Kelcher, Maureen O'Sullivan Elisabeth Alvorg, Leon Ames Barney Alvorg, com Helen Hunt e John Carradine produção Paul R. Gurian para Tri-Star. Uma produção Paul R. Gurian/American Zoetrope. produtor executivo Barrie M. Osborne Première em 5 de outubro de 1986. roteiro Ronald Bass, baseado no romance de Nicholas Proffitt direção Francis Ford Coppola fotografia Jordan Cronenweth desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Alex Tavoularis figurino Will Kim e Judianna Makovsky desenho de som Richard Beggs edição Barry Malkin música Carmine Coppola elenco James Caan Clell Hazard, Anjelica Houston Samantha Davis, James Earl Jones Sargento Major Goody Nelson, D.B. Sweeney Jackie Willow, Dean Stockwell Homer Thomas, Mary Stuart Masterson Rachel Feld, Dick Anthony Williams Slasher Williams, Lonette McKee Betty Rae, Sam Bottoms Tenente Webber, Elias Koteas Pete Deveber, Larry Fishburne Flanagan, Casey Siemaszko Wildman, Peter Masterson Coronel Feld, Carlin Glynn Mrs. Feld, Erik Holland Colonel Godwin e Bill Graham Don Brubaker produção Michel I. Levy e Francis Ford Coppola para Tri-Star produtores executivos Stan Weston, Jay Emmett e Fred Roos coprodutor executivo David Valdes 343 Première em 8 de maio de 1987. JARDINS DE PEDRA GARDENS OF S TONE 1987 111" COR Jardins de Pedra se situa no Cemitério Nacional de Arlington, onde as infindáveis sepulturas emolduram os heróis mortos na guerra. Este jardim está sob a responsabilidade da "Velha Guarda" do grupo de elite do exército, liderado por veteranos de guerra que não estão mais em serviço. Quando o jovem recruta Jackie Willow é designado para a unidade, torna-se subalterno do Sargento Clell Hazard e do Sargento Major Goody Nelson. Hazard tem que mostrar o caminho e preparar o jovem para o duro e mortal ambiente de guerra, ao mesmo tempo em que se envolve com uma jornalista pacifista, enquanto Willow reata com sua namorada do colégio. Em um ambiente de protesto, de incerteza e de violência, a guerra em casa e a guerra fora dela trazem inesquecíveis consequências. TUCKER: UM HOMEM E SEU SONHO TUCKER : THE MAN AND HIS DRE AM 198 8 110" COR O filme narra a história do “maverick” Preston Tucker, designer de carros e empreendedor que desafiou a indústria automobilística com seu conceito de carro revolucionário. roteiro Arnold Schulman e David Seidler direção Francis Ford Coppola fotografia Vittorio Storaro desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Alex Tavoularis figurino Milena Canonero desenho de som Richard Beggs edição Priscilla Nedd música Joe Jackson filmogr afia COTTON CLUB Lundy Gia Scianni Devo, Diane Lin Cosman Margit, Selim Tlili Abu, Robin Wood-Chapelle Gel, Celia Nestell Hillary, Alexandra Becker Andrea, Adrien Brody Mel, Michael Higgins Robber, Chris Elliot Assaltante, Thelma Carpenter Empregada, Carmine Coppola Músico de Rua, Carole Bouquet Princesa Soroya e Jo Jo Starbuck Patinador do Gelo produção Fred Roos e Fred Fuchs para Touchstone Pictures Première em 12 de agosto de 1988. A história do filme começa em 1979, com um breve flashback sobre os momentos trágicos da Família Corleone. Michael Corleone ainda se sente culpado. Seu irmão adotivo, Tom Hagen, está morto. A propriedade dos Corleone em Lake Tahoe está abandonada. Michael e Kay se divorciaram e ela ficou com a custódia dos dois filhos, Anthony e Mary. Michael retorna a Nova York, onde usa sua energia e poder para restaurar sua dignidade e reputação.Michael criou a Fundação Vito Corleone e é agraciado com a comenda de Comandante da Ordem de São Sebastião. Vincent Mancini, filho ilegítimo de Sonny Corleone, aparece na festa após a cerimônia e Michael o convida a entrar para a família. Michael continua com seus planos e negocia com o Banco do Vaticano uma operação milionária, ajudado pelo Arcebispo Gilday. CONTOS DE NOVA YORK, SEGMENTO A VIDA SEM ZOE LIFE WITHOUT ZOE – SEGMENT T WO IN NEW YORK S TORIES 1989 34" COR filmogr afia O segundo segmento de Contos de Nova York, “A vida Sem Zoe”, conta a história de Zoe, uma menina que vive esquecida em um hotel de luxo, enquanto seus pais artistas viajam pelo mundo. roteiro Francis Ford Coppola e Sofia Coppola direção Francis Ford Coppola fotografia Vittorio Storaro desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Speed Hopkins figurino Sofia Coppola som Frank Graziadei edição Barry Malkin música Carmine Coppola canções Kid Creole and the Coconuts elenco Heather McComb Zoe, Talia Shire Charlotte, Gia Coppola Bebê Zoe, Giancarlo Giannini Claudio, Paul Herman Clifford, James Keane Jimmy, Don Novello Hector, Bill Moor Sr. Lilly, Tom Mardiosian Hasid, Jenny Bichold Première em 16 de fevereiro de 1989. O PODEROSO CHEFÃO, PARTE III THE GODFATHER PART III 19 9 0 162" COR › 170" VER SÃO FINAL 20 01 roteiro Mario Puzo e Francis Ford Coppola direção Francis Ford Coppola fotografia Gordon Willis desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Alex Tavoularis figurino Milena Canonero som Richard Beggs edição Barry Malkin, Lisa Fruchtman e Walter Murch música Carmine Coppola música adicional e temas Nino Rota desenho de som Richard Beggs elenco Al Pacino Michael Corleone, Diane Keaton Kay Adams, Talia Shire Connie Corleone Rizzi, Andy Garcia Vincent Mancini, Eli Wallach Don Altobello, Joe Mantegna Joey Zasa, George Hamilton B.J. Harrison, Bridget Fonda Grace Hamilton, Sofia Coppola Mary Corleone, Raf Vallone Cardeal Lamberto, Franc D'Ambrosio Anthony Corleone, Donal Donnelly Arcebispo Gliday, Richard Bright Al Neri, Helmut Berger Frederick Keinszig, Don Novello Dominic Abbandando, John Savage Andrew Hagen, Franco Citti Calo, Mario Donatone Mosca, Vittorio Duse Don Tommasino, Enzo Robutti Lucchesi, Michele Russo Spara, Al Martino Johnny Fontane, Robert Cicchini Lou Pennino, Rogerio Miranda Armand, Carlos Miranda Francesco e Jeannie Linero Lucy Mancini produção Francis Ford Coppola para Zoetrope Studios e Paramount Pictures produtores executivos Fred Fuchs e Nicholas Cage coprodutores Gray Frederickson, Fred Roos e Charles Mulvehill produtora associada Marina Gefter Première em 26 de dezembro de 1990. música Wojciech Kilar elenco Gary Oldman Drácula, Winona Ryder Mina/Elisabeta, Anthony Hopkins Abraham Van Helsing, Keanu Reeves Jonathan Harker, Sadie Frost Lucy Westenra, Richard E. Grant Dr. Jack Seward, Cary Elwes Arthur Holmwood, Bill Campbell Qunicey Morris, Tom Waits Reinfield, Monica Bellucci Noiva de Drácula, Michaela Bercu Noiva de Drácula, Florina Kendrick Noiva de Drácula, Jay Robinson Mr. Hawkins, I.M. Hobson Hobbs e Laurie Frank Empregada de Lucy produção Francis Ford Coppola, Fred Fuchs e Charles Mulvehill para American Zoetrope e Columbia Pictures produtores executivos Michael Apted e Robert O’Connor coprodutor James V. Hart produtora associada Susie Landau Première em 13 de novembro de 1992. 345 JACK 19 96 113" COR DRÁCULA DE BRAM STOKER BR AM S TOKER'S DR ACUL A 19 92 12 8" COR No século xv, Vlad Tepes, líder e guerreiro dos Cárpatos, renega a Igreja quando esta se recusa a enterrar em solo sagrado sua esposa Elisabeta, que se matou acreditando que o marido estava morto. Drácula perambula através dos séculos como um morto-vivo e, ao contratar o advogado Jonathan Harker, descobre que a noiva deste, Mina, é a reencarnação de sua amada. Assim, Drácula parte para Londres, no intuito de encontrar a mulher que sempre amou através dos séculos. roteiro James V. Hart direção Francis Ford Coppola fotografia Michael Ballhaus desenho de produção Thomas Sanders direção de arte Andrew Precht figurino Eiko Ishioka som David Stone efeitos visuais Roman Coppola edição Nicholas C. Smith, Glenn Scantlebury e Anne Goursaud Jack é um menino especial: por conta de um distúrbio que o faz envelhecer quatro vezes mais rápido que as crianças comuns, o garoto entra na quinta série da escola com a aparência de um homem de quarenta anos, e precisa viver seus desafios junto aos pais e à comunidade. roteiro James DeMonaco e Gary Nadeau direção Francis Ford Coppola fotografia John Toll desenho de produção Dean Tavoularis direção de arte Angelo Graham figurino Aggie Guerard Rodgers som Agamemnon Andrianos edição Barry Malkin música Michael Kamen elenco Robin Williams Jack Powell, Diane Lane Karen Powell, Jennifer Lopez Miss Marquez, Brian Kerwin Brian Powell, Fran Drescher Dolores Durante, Bill Cosby Lawrence Woodruff, Michael McKean Paulie, Don Novello Bartender, Allan Rich Dr. Benfante, Adam Zolotin Louis Durante, Todd Bosley Edward, Seth Smith John-John, Mario Yedidia George, Jeremy Lelliott Johnny Duffer, Rickey O’Shon Collins Eric e Hugo Hernandez Victor filmogr afia 344 elenco Jeff Bridges Preston Tucker, Joan Allen Vera, Martin Landau Abe Karatz, Frederic Forrest Eddie, Mako Jimmy, Elias Koteas Alex, Christian Slater Junior, Nina Siemaszko Marilyn Lee, Anders Johnson Johnny, Corky Nemec Noble, Marshall Bell Frank, Jay O. Sanders Kirby, Peter Donat Kerner, Lloyd Bridges Senator Ferguson, Dean Goodman Bennington, John X. Heart Ajudante de Ferguson, Don Novello Stan, Patti Austin Millie, Sandy Bull Assistente de Stan, Joseph Miksak Juiz, Scott Beach Floyd Cerf, Roland Scrivner Oscar Beasley, Dean Stockwell Howard Hughes, Bob Safford Narrador, Larry Menkin Doc, Ron Close Fritz e Joe Flood Dutch produção Fred Roos e Fred Fuchs para Lucasfilm Ltd., Zoetrope Studios, lançado pela Paramount Pictures produtor executivo George Lucas produtor associado Teri Fettis Première em 9 de agosto de 1996. O HOMEM QUE FAZIA CHOVER JOHN GRISHAM'S THE R AINMAKER 19 9 7 135" COR Um jovem advogado desempregado luta para ajudar um casal que precisa do dinheiro de uma companhia de seguros para o transplante do filho, ao mesmo tempo em que se envolve com uma mulher casada que sofre de violência doméstica. filmogr afia 346 roteiro Francis Ford Coppola, baseado no romance de John Grisham. Narração escrita por Michael Herr direção Francis Ford Coppola fotografia John Toll desenho de produção Howard Cummings direção de arte Robert Shaw e Jeffrey McDonald figurino Aggie Guerard Rodgers som Nelson Stoll edição Barry Malkin música Elmer Bernstein elenco Matt Damon Rudy Baylor, Claire Danes Kelly Riker, Jon Voight Leo F. Drummond, Mary Kay Place Dot Black, Mickey Rourke Bruiser Stone, Danny DeVito Deck Schifflet, Dean Stockwell Juiz Harvey Hale, Teresa Wright Sra. Birdie, Virginia Madsen Jackie Lemancyzk, Andrew Shue Cliff Riker, Red West Buddy Black, Johnny Whitworth Donny Ray Black, Danny Glover Juiz Tyrone Kipler, Wayne Emmons Prince Thomas, Adrian Roberts Butch, Roy Scheider Wilfred Keeley, Randy Travis Billy Porter, Michael Girardin Everett Luf kin, Randall King Jack Underhall, Justin Ashforth F. Franklin Donaldson e Michael Keys Hall B. Bobby Shaw produção Michael Douglas, Steven Reuther e Fred Fuchs para Constellation Films, Douglas/ Reuther Productions, American Zoetrope e Paramount Pictures coprodutora Georgia Kacandes produtor associado Gary Scott Marcus Première em 21 de novembro de 1997. APOCALYPSE NOW REDUX 20 01 202" COR Versão expandida de Apocalypse Now, com 53 minutos de sequências adicionais. edição Walter Murch supervisão de edição de som Michael Kirchberger elenco A Plantação Francesa – Christian Marquand Hubert DeMarais, Aurora Clément Roxanne Surrault produção Kim Aubry para American Zoetrope e Miramax Films Première em 15 de agosto de 2001. VELHA JUVENTUDE YOUTH WITHOUT YOUTH 20 07 124" COR Uma história de amor envolta em mistério. Situado na Europa pré-Segunda Guerra Mundial, o filme retrata um professor tímido cuja vida é alterada por um evento cataclísmico, lançando-o em uma exploração acerca dos mistérios da vida. roteiro Francis Ford Coppola, baseado no romance de Mircea Eliade direção Francis Ford Coppola fotografia Mihai Malaimare Jr. desenho de produção Calin Papura direção de arte Ruxandra Ionica e Mircea Onisoru figurino Gloria Papura som Pete Horner efeitos visuais Liviu Gherghe e Vít Komrzy edição Walter Murch música Osvaldo Golijov elenco Tim Roth Dominic, Alexandra Maria Lara Veronica/Laura, Bruno Ganz Professor Stanciulescu, André Hennicke Josef Rudolf, Marcel Iures Professor Giuseppe Tucci, Adrian Pintea Pandit, Alexandra Pirici Mulher no Quarto 6, Florin Piersic Jr. Dr. Gavrila, Zoltan Butuc Dr. Chirila e Adriana Titieni Anetta produção Francis Ford Coppola para American Zoetrope coprodução srg Atelier, Pricel, bim Distribuzione e participação de Bavaria Atelier produtores executivos Anahid Nazarian e Fred Roos Première em 14 de dezembro de 2007. TETRO 20 09 127" P&B E COR Bennie, de 17 anos, chega a Buenos Aires devido a um problema no navio onde trabalha. Ele encontra seu irmão mais velho, Angelo, que agora responde apenas por Tetro. O período em que Bennie vive com ele faz com que os irmãos relembrem experiências do passado. roteiro Francis Ford Coppola e Mauricio Kartun direção Francis Ford Coppola fotografia Mihai Malaimare Jr. desenho de produção Sebastián Orgambide direção de arte Federico García Cambero figurino Cecilia Monti som Juan Ferro efeitos visuais Vít Komrzy e Alejo Varisto edição Walter Murch música Osvaldo Golijov elenco Vincent Gallo Angelo “Tetro” Tetrocini, Alden Ehrenreich Bennie, Maribel Verdú Miranda, Silvia Pérez Silvana, Rodrigo de la Serna José, Erica Rivas Ana, Mike Amigorena Abelardo, Lucas Di Conza Jovem Tetro, Adriana Mastrángelo Ángela, Klaus Maria Brandauer Carlo/Alfie, Leticia Brédice Josefina, Sofía Gala María Luisa, Jean-François Casanovas Enrique, Carmen Maura Alone, Francesca De Sapio Amalia, Ximena Maria Iacono Naomi, Susana Giménez, Pochi Ducasse Lili, Nora Elisabeth Robles Naomi Dançarina, Pedro Arturo Calveyra Carlo Dançarino, Mariela Noemi Magenta Ángela Dançarina e Marcelo Fabio Carte Tetro Dançarino produção Francis Ford Coppola e Valerio De Paolis para American Zoetrope coprodução Zoetrope Argentina, Tornasol Films e bim Distribuzione produtores executivos Anahid Nazarian e Fred Roos coprodutores Mariela Besuievsky e Gerardo Herrero Première em 12 de junho de 2009. VIRGÍNIA T WIX T 2011 8 8" COR Um escritor decadente chega a uma pequena cidade como parte da turnê de seu livro e se vê envolvido no misterioso assassinato de uma jovem. Naquela noite, em um sonho, é abordado por uma menina-fantasma, V. Ao mesmo tempo inseguro em sua ligação com o assassinato na cidade, Hall é grato pela história que o está sendo entregue. Em última análise, é levado à verdade da história, surpreso ao descobrir que o fim tem mais a ver com a sua própria vida do que jamais poderia ter antecipado. roteiro Francis Ford Coppola direção Francis Ford Coppola fotografia Mihai Malaimare Jr. desenho de produção Adriana Rotaru direção de arte Jimmy DiMarcellis figurino Marjorie Bowers som Richard Beggs efeitos visuais Doug E. Williams edição Kevin Bailey, Glen Scantlebury e Robert Schafer música Dan Deacon e Osvaldo Golijov elenco Val Kilmer Hall Baltimore, Bruce Dern Xerife Bobby LaGrange, Elle Fanning V., Ben Chaplin Poe, Joanne Whalley Denise, David Paymer Sam, Anthony Fusco Pastor Allan Floyd, Alden Ehrenreich Flamingo, Bruce A. Miroglio Delegado Arbus, Don Novello Melvin, Ryan Simpkins Caroline, Lucas Rice Jordan P.J., Fiona Medaris Vicky, Katie Crom Circe, Lucy Bunter Assistente de Biblioteca, Dorothy Tchelistcheff Sra. Gladys, Lorraine Gaudet Operator, Stacey Mattina Woman in Store e Tom Waits Narrator Voz produção Francis Ford Coppola para American Zoetrope produtores executivos Anahid Nazarian e Fred Roos produtores associados Josh Griffith e Masa Tsuyuki 347 filmogr afia produção Ricardo Mestres, Fred Fuchs e Francis Ford Coppola para American Zoetrope e Buena Vista produtor executivo Doug Claybourne SOBRE OS AUTORES autores gene d. phillips é um escritor e professor americano. Escreveu diversas biografias críticas a respeito da obra de grandes cineastas, além de prolongadas entrevistas com realizadores como Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Fritz Lang e Joseph Losey. Participou do júri de alguns dos mais importantes festivais do mundo, como Cannes e Berlim, e integra o conselho editorial da revista Film Quarterly desde a sua fundação, em 1973. Membro da Companhia de Jesus (Jesuítas), exerce o sacerdócio desde 1965, quando foi ordenado. mario gianluigi puzo foi um escritor americano – também escreveu alguns livros sob o pseudônimo de Mario Cleri. É mais conhecido por suas obras de ficção acerca da máfia, sobretudo O Poderoso Chefão, originalmente publicado em 1969. Puzo ajudou a escrever o roteiro dos três filmes de Francis Ford Coppola inspirados na sua obra. Ele também se envolveu com outros filmes, como Terremoto (Earthquake, 1974) e Super-Homem (Superman, 1978). Morreu de ataque cardíaco em 2 de julho de 1999. jon lewis é professor da School of Writing, Literature, and Film da Oregon State University, onde leciona cursos sobre cinema e estudos culturais desde 1983. Publicou dez livros, entre os quais Hollywood v. Hard Core (nyu Press, 2002), American Film: A History (W.W. Norton & Company, 2007) e Essential Cinema: An Introduction to Film Analysis (Cengage Learning, 2013). Atualmente, coordena a Behind the Silver para Rutgers University Press, uma coleção sobre a história de algumas das principais profissões dentro do cinema (roteirista, diretor, ator, produtor, diretor de fotografia, diretor de arte, engenheiro de som, animador, editor, e figurinista). david thomson é um escritor e historiador inglês. Escreveu biografias sobre Nicole Kidman e Orson Welles. Crítico de cinema, colaborou com as mais diversas publicações, como The New Republic, The New York Times, Film Comment, Movieline e Salon. Foi professor de cinema na Dartmouth College e integrou a comissão de seleção do New York Film Festival. Autor de The Whole Equation: A History of Hollywood (Knopf, 2004), é o criador e compilador do The New Biographical Dictionary of Film (Knopf ), editado anualmente. luc y gr ay é uma artista de São Francisco. Estudou cinema na Dartmouth College e criou inúmeros projetos de arte pública. Fez Naming the Homeless na Catedral da Graça em 1998. Suas montagens realizadas com a atriz Tilda Swinton foram projetadas nos lados norte e sul da prefeitura da cidade por uma semana durante o San Francisco International Film Festival de 2007. Escreveu e produziu sua primeira peça na Catedral da Graça em 2009. Dirigiu o filme Genevieve Goes Boating (2011). michael schumacher é um escritor americano. Publicou mais de dez livros. Entre eles estão festejadas biografias de Allen Ginsberg, Eric Clapton, Phil Ochs, George Mikan e Francis Ford Coppola. ana r ebel barros é formada em Comunicação Social – Cinema pela Universidade Federal Fluminense, Mestra pelo programa de Pós Graduação em História Social da Cultura da puc-rj. Trabalhou na produção de diversos curtas e mostras, e foi bolsista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (icict), na Fundação Oswaldo Cruz, onde colaborou com os projetos “Walt Disney e a Fundação sesp”, Rede Unida, Cooperação Tripartite Brasil–Haiti–Cuba, entre outros. curador paulo ricardo g. de almeida é formado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (ufrj) e em Comunicação Social – Cinema pela Universidade Federal Fluminense (uff). É sócio fundador e gerente geral da Voa – Comunicação e Cultura ltda. Foi curador e organizou o catálogo nas mostras “Oscar Micheaux: O Cinema Negro e a Segregação Racial”, “Francis Ford Coppola: O Cronista da América” e “Surrealismo e Vanguardas”. Na última, atuou também como produtor. 351 CRÉDITOS FINAIS 352 patrocínio Banco do Brasil legendagem eletrônica Casarini Produções sesc – serviço social do comércio administração regional no estado de são paulo realização Centro Cultural Banco do Brasil revisão de cópias Mnemosine Serviços Audiovisuais presidente do conselho regional Abram Szajman diretor do departamento regional Danilo Santos de Miranda correalização sesc cópias e reproduções Eduardo Reginato produção Voa Comunicação e Cultura tráfego de cópias nacional tpk Transportes superintendências técnico-social Joel Naimayer Padula comunicação social Ivan Paulo Giannini administração Luiz Deoclécio Massaro Galina assessoria técnica e de planejamento Sérgio José Battistelli produtora associada Vai e Vem Produções tráfego de cópias internacional e liberação alfandegária Wind Logistics apoio cultural Cine Odeon – Centro Cultural Severiano Ribeiro Cine Brasília curadoria Paulo Ricardo G. de Almeida coordenação de produção José de Aguiar Marina Fonte Pessanha produção executiva José de Aguiar Marina Fonte Pessanha pesquisa e produção de cópias Fábio Savino assistente de produção executiva Rafael Bezerra produção local Ana Rebel Barros – rj Rafaella Rezende – df Renata da Costa – sp identidade visual Guilherme Gerais Marcus Bellaver – estúdio mero Pablo Blanco – estúdio mero assessoria de imprensa Claudia Oliveira – rj Objeto Sim – df Thiago Stivaletti – sp catálogo idealização Paulo Ricardo G. de Almeida organização Ana Rebel Barros Paulo Ricardo G. de Almeida produção editorial José de Aguiar Marina Pessanha projeto gráfico editorial Guilherme Gerais Marcus Bellaver – estúdio mero Pablo Blanco – estúdio mero tradução de textos André Duchiade Julio Bezerra revisão de textos Ana Moraes Manuela Medeiros gerências ação cultural Rosana Paulo da Cunha adjunta Kelly Adriano de Oliveira assistentes Rodrigo Gerace e Talita Rebizzi estudos e desenvolvimento Marta Colabone adjunto Iã Paulo Ribeiro artes gráficas Hélcio Magalhães adjunta Karina C.L. Musumeci difusão e promoção Marcos Carvalho adjunto Fernando Fialho cinesesc Gilson Packer Adjunta Simone Yunes 353 agradecimentos agradecimento especial Francis Ford Coppola 354 agradecimentos Adriana Rotaru Alexandra Alonso Cecília Lara Charles Pessanha David Thomson Edu Ferrer Elina Fonte Pessanha Gene D. Phillips Hernani Heffner James Mockoski Jon Lewis Lee Bye Leslee Dart Lucy Gray Liciane Mamede Mark Spratt Michael Schumacher Monike Mar Sandra Gomes Sophie Glover Viviane da Rosa Tavares Denize Araújo Joice Scavone Walerie Gondim Rita Araújo Pessoa créditos finais agradecimento às intituições University Press of Kentucky: Craig Wilkie e Mack McCormick Duke University Press: Diane Grosse e Ken Wissoker Cambridge University Press: Linda Nicol University Press of Mississipi: Cynthia Foster Film Comment Magazine: Vicki Robinson British Film Institut: George Watson As imagens publicadas neste catálogo tem como detentoras as seguintes produtoras/distribuidoras: Europa Filmes, Imovision, Pathé, Tamasa e Park Circus. A organização da mostra lamenta profundamente se, apesar de nossos esforços, porventura houver omissões à listagem anterior. Comprometemo-nos a reparar tais incidentes em caso de novas edições. bibliografia consultada browne, Nick (org.). Francis Ford Coppola’s The Godfather Trilogy. Nova York: Cambridge University Press, 2000. cowie, Peter. Coppola. Milwaukee: Applause Theater & Cinema Books, 2014. delorme, Stéphane. Francis Ford Coppola. Paris: Cahiers du Cinema, 2010. koehler, Robert. “‘Megalopolis’: helmer chases utopia” em Variety n° 6 agosto de 2001 lewis, Jon. Whom God Wishes to Destroy… Francis Ford Coppola and The New Hollywood. Durham: Duke University Press, 1995. . American Film: a History. Nova York: W.W. Norton & Company, 2008. phillips, Gene D. Godfather: the intimate Francis Ford Coppola. Lexington: University Press of Kentucky, 2004. phillips, Gene D. e hill, Rodney (orgs.). Francis Ford Coppola: Interviews. Jackson: University Press of Missisipi, 2004. schumacher, Michael. Francis Ford Coppola: a filmmaker’s life. Nova York: Crown Publishers, 1999. francis ford coppola: o cronista da américa ccbb rio de janeiro 3 a 29 de junho de 2015 centro cultural severiano ribeiro: odeon – rj 18 a 24 de junho de 2015 ccbb brasília e cine brasília 25 de junho a 20 de julho de 2015 ccbb são paulo 1 a 27 de julho de 2015 sesc sp cinesesc 23 a 29 de julho de 2015 Este livro foi impresso em junho de 2015 na gráfica Midiograf. O papel empregado no miolo é o Pólen bold 90g/m². As fontes utilizadas são das famílias Nexus e Brothers. 9 7788567 153018