Serra do Mar
Rio Cabuçu • Vila de Itatinga
Um enorme e imponente cordão montanhoso acompanha paralelamente o
Oceano Atlântico desde o estado do Espírito Santo até o sul de Santa Catarina,
elevando-se a alturas que variam de 500 a 1.000 m até o nível médio do planalto. É
a Serra do Mar.
A Serra do Mar abriga hoje a maior extensão contínua de Mata Atlântica remanescente. Criado para preservar esta floresta, o Parque Estadual da Serra do Mar
tem quase 315 mil hectares, estendendo-se da divisa de São Paulo com o Rio de
Janeiro até o município de Itariri, no sul do Estado.
Quem desce a Serra do Mar em direção à Baixada pela Rodovia dos Imigrantes
ou pela Via Anchieta pode ver escarpas cobertas de mata entrecortadas por cachoeiras, manguezais e a planície litorânea, que compõem um cenário convidativo e
inesquecível.
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Rio Cabuçu
Próximo a São Paulo, um tobogã natural
Diferente de muitas áreas que percorremos, a Trilha do Rio Cabuçu é uma área
particular. Ela pertence ao grupo Fazenda Sete Lagoas Agrícolas S.A., empresa agrícola ligada à citricultura e que mantém preservada a região das planícies e da Serra do
Mar na região continental do município de Santos, à qual se tem acesso pela Rodovia
Rio-Santos até o rio Itapanhaú, onde Santos faz divisa com Bertioga.
A história da fazenda Cabuçu, que começa por volta de 1500, é uma referência
histórica para a Baixada Santista. Nessa época, a Companhia de Jesus instalou um
posto no rio Cabuçu e, dirigida pelos padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega,
passou a catequizar os índios tamoios da região.
Na primeira metade do século XX, a região foi ocupada por plantações de banana cuja produção, exportada para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Argentina, era
transportada por barcos. O crescimento da produção possibilitou a implantação de
uma rede de transporte muito ágil. No meio das plantações foram instalados trilhos
por onde corriam vagonetes que levavam as bananas até a beira dos manguezais, de
onde elas seguiam em barcos pelo Canal de Bertioga até o mercado
de Santos.
A queda no preço da banana e as pragas que atingiram as plantações e fizeram com que a fazenda passasse a lenheiro durante a Segunda
Guerra Mundial. Hoje os bananais estão abandonados e a vegetação
nativa está retomando seu lugar. Contudo, neste local ainda podemos
encontrar pés de bananeiras matrizes que se reproduzem por semente e
não pelo rizoma subterrâneo, como as bananeiras que comemos.
Dois roteiros podem ser percorridos na região: o que leva até a
Cachoeira do Rio Cabuçu e o que leva ao mirante do Caeté, de onde
se avista boa parte da fazenda.
Começar pela Trilha do Mirante do Caeté, a 260 m de altitude, é
uma opção interessante, pois dela se pode avistar o canal de Bertioga,
a área urbana de Santos, os diversos ecossistemas da região - manguezais,
restingas e Mata Atlântica – e, ao fundo, o porto de Santos. Olhando
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na direção oposta, pode-se ver a região do Parque Estadual
da Serra do Mar.
O nome do mirante foi inspirado na abundância de caetés,
plantas baixas, de folhas grandes e largas como a bananeira,
que crescem à sombra das grandes árvores da Mata Atlântica.
O rio se transforma
Saindo da Trilha do Mirante do Caeté, rumamos para a
Trilha do Rio Cabuçu, que oferece dois percursos, um em que
se vai por terra até a maior cachoeira da região e outro que se
faz por dentro da água do rio.
Logo na entrada da trilha, após a guarita da fazenda,
pode-se avistar uma pequena porção do rio Cabuçu, cujo
fundo de lama e alguns caranguejos nos informam que trata-se de um rio de
manguezais. Após caminhar um pouco, nos deparamos com uma mata caracterizada por vegetação de restinga, com pequenas bromélias, que, sobre as árvores,
exibem belas flores cor-de-rosa.
Neste trecho é possível caminhar pelo rio. Suas águas cristalinas e esverdeadas
serpenteiam pela planície da restinga, sobre um fundo de areia branca. A cada curva
encontramos um belo cenário, composto por árvores grandes, assim como bromélias,
orquídeas e trepadeiras que crescem sobre os troncos cobertos de musgo verde e de
liquens, uma autêntica floresta em recuperação.
Os rios Cabuçu e Quatinga, que têm suas nascentes no alto da serra, descem em
direção ao mar para desaguar nos manguezais e trazem em suas águas as sementes
necessárias à reocupação e ao enriquecimento botânico da área.
Os raios de sol penetram através das copas das árvores, que ficam arqueadas sobre
o rio. Cipós que descem de suas copas em direção à água formam pequenas cortinas.
Entre seus habitantes, grandes felinos
Um dos caseiros que vigiam a área contou que certa vez um casal voltou de uma
caminhada pelo local dizendo ter visto uma suçuarana ou onça-parda, animal que
está na lista do IBAMA de espécies ameaçadas de extinção no Brasil e cujo macho
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pesa de 55 a 65 quilos. Animais de hábitos solitários, as onças-pardas raramente são
vistas juntas. Cotias e pacas, que, de acordo com os moradores, existem na área bem
como capivaras que vivem nesta região podem servir-lhes de alimento.
Abandonado o trecho de rio, a trilha segue larga e aberta, cortando a vegetação. O rio vai se modificando, e seu leito passa a ter o fundo rochoso. Quanto
mais se sobe a serra, maiores são as pedras de seu leito e a força das corredeiras.
Além disso, alguns riachos cortam a trilha em direção ao rio Cabuçu, contribuindo
com suas águas.
Árvores de grande porte sombreiam a mata, ao mesmo tempo que servem de
apoio para bromélias, cipós e trepadeiras, que procuram mais luz solar. As copas das
árvores se encaixam, formando, a 30 m de altura, o “teto” da floresta.
Nesse ambiente pode ser encontrada uma fauna bastante diversificada. O divertido tangará dançarino pode ser admirado. O macho, azul-celeste, tem as asas, o pescoço e parte da cabeça pretos e um “boné” vermelho. A fêmea é verde-oliva, cor que
a mantém protegida, porque a camufla em meio à vegetação.
A corte feita pelos machos é responsável pelo nome que recebem. Vários deles
(de três a seis) ficam perfilados sobre um galho de árvore onde se encontra a fêmea a
ser conquistada. Em determinado momento, eles dão início à dança da conquista, na
qual se revezam. O macho mais próximo à fêmea pretendida emite um canto, enquanto salta e voa para o final da
fila, possibilitando que o seguinte se
aproxime dela e repita o bailado.
Habitantes da porção média das
matas densas, eles raramente saem da
floresta, mas podem viver também em
matas próximas às cidades. Alimentamse principalmente de frutos, mas podem comer também pequenos insetos
e aranhas.
Vale a pena sair algumas vezes da
trilha principal e, por outras peque88
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nas trilhas que se abrem a partir dela, caminhar
Voraz predador, ele é bastante comum na cachoeira principal do rio Cabuçu,
em direção à margem do rio, observando o belo
onde é possível fotografá-lo. Para se comunicar, os besouros emitem uma grande
cenário formado pelas corredeiras dos rios e pela
variedade de sons graves e agudos esfregando o arco superior do fêmur de suas patas
Mata Atlântica.
em seus élitros, duas peças que, localizadas nas costas, protegem as asas. Esse som de
Cobras são freqüentes na região. Algumas são
altamente venenosas, como a jaracuçu, espécie
vivípara, de solo, que come roedores e anfíbios e se
defende achatando o corpo e dando o bote.
reco-reco é produzido mais freqüentemente quando ele anda para trás, realizando
um misto de música e dança para conquistar a fêmea.
A maior cachoeira do rio parece um tobogã e forma um grande poço onde é
possível praticar mergulho livre e admirar, em suas águas límpidas, peixes como a
mocinha, além de várias espécies de pitus e de camarões, belos bagres rajados em
Os besouros cantores da Mata Atlântica
Em diversos riachos do pé da Serra do Mar, no
litoral norte de são Paulo, encontramos o besouro conhecido como tiger beetle, ao
pé da letra besouro-tigre. Ele é preto e tem pintas amarelas nas costas, o que torna
tons de marrom e, com sorte, uma pequena tartaruga de água doce entre as rochas do fundo.
É um lugar para se divertir no tobogã natural, para contemplar o mirante, para
aguçar a observação e para um bom banho de cachoeira.
fácil vê-los correndo sobre as pedras, nas corredeiras.
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Vila de Itatinga
Uma vila perdida no pé da serra
Longe do burburinho de Bertioga, no pé da Serra do Mar, fica a Usina Hidrelétrica de Itatinga, inaugurada em 10 de outubro de 1910, e construída em uma
fazenda no sopé da Serra do Mar com o objetivo de fornecer eletricidade ao
porto de Santos.
No local também se encontra a Vila de Itatinga, construída para abrigar os trabalhadores da Hidrelétrica e cujo acesso é possível somente por barco ou por trem.
Fundada também em 1910, a pequena vila é realmente surpreendente, diferente de
tudo o que pode ser visto na região.Seu aspecto original pôde ser preservado devido
à dificuldade de acesso à região e ao fato de ela pertencer à Companhia das Docas do
Porto de Santos (CODESP).
A capacidade geradora da usina, maior que a demanda das instalações do porto,
permitiu que a sobra de energia fosse utilizada pelos municípios da
Baixada Santista, o que ocorre ainda hoje, assim como pela Light por
ocasião da construção da Usina Henry Borden, em Cubatão.
Se eu perder este trem...
A vila é separada da cidade de Bertioga pelos manguezais do rio
Itapanhaú. O barco e o bonde que levam até ela estão disponíveis em
poucos horários por dia. De barco, atravessa-se o rio Itapanhaú, o que
leva apenas três minutos. Apesar de a viagem ser curta, pode-se observar uma bela paisagem, composta pelas águas escuras dos manguezais
e por suas margens preservadas, assim como pelo imponente paredão
da Serra do Mar, muito próximo.
Chegando à margem oposta do rio, embarca-se em um simpático
bondinho que, cortando a vegetação de restinga por 7,5 km, segue
paralelo à muralha formada pela serra e ruma para a Vila de Itatinga.
No caminho, uma única parada: um pequeno agrupamento de casas
habitadas por funcionários da usina. Nas proximidades existem ruínas
de construções coloniais do século XVIII que se supõe terem sido anti92
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gos povoados existentes na região em função do
porto. Paredões de pedras justapostas existentes
em meio à vegetação estimulam relatos de histórias misteriosas entre os moradores. Há quem
acredite na existência de túneis e de cemitérios
indígenas nas imediações.
É desse local que sai uma trilha que margeia
o córrego Fazenda ou Pelais, cercado por mata
de encosta preservada, e leva à área de captação de água, onde existe uma cachoeira alta e
muito bonita.
Após esta parada, o bonde segue viagem.
Dezenas de rios e córregos cruzam os trilhos, e pode-se sentir o perfume doce de lírios
do brejo. Pequenas pontes cortam os riachos que, vindos das matas das encostas das
montanhas, seguem pela restinga em direção aos manguezais.
Bem-vindos à Vila de Itatinga!
Teatro, campo de futebol com arquibancada, clube para funcionários, escola,
posto médico, padaria e a capela Nossa Senhora da Conceição, tudo muito limpo e
organizado, enriquecem esta pequena vila, que, com cerca de 70 casas dispostas ao
longo de uma única rua, foi construída pela empresa inglesa responsável pela implantação da usina hidrelétrica da região. As casas são quase todas de madeira, mas o
prédio da usina tem suas paredes construídas com pedras da região cuidadosamente
dispostas.
Com quase cem anos de operação ininterrupta, esse modelo de hidroelétrica é
um exemplo de preservação, já que causa pequeno impacto ao ambiente. Pequenas
usinas são menos impactantes, pois não inundam grandes áreas naturais.
No início da década de 1990 era possível conversar com os netos daqueles que
construíram a hidroelétrica ou que começaram a operá-la e ouvir seus relatos. As casas
da vila possibilitaram moradia durante muitos anos, e muitas famílias se formaram no
local. Hoje, com a facilidade da Rio-Santos, outros horizontes se abrem para os funcionários, que podem oferecer a seus filhos outras oportunidades.
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Como um convite para começarmos a explorar as
trilhas, vimos nas proximidades da usina várias espécies
de pássaros, alguns em busca dos abundantes frutos dos
palmiteiros plantados na vila. Um tucano de bico e dorso
pretos, peito amarelo e barriga vermelha chamou nossa
atenção. Do alto de uma árvore, ele anuncia sua chegada cantando seu “crec-crec” característico. Infelizmente, está na lista oficial do IBAMA das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Junto aos pés de palmito pode-se encontrar também bandos de maritacas,
periquitos-verdes e sanhaços.
A caminho da trilha vimos cerca de cem andorinhas,
algumas cortando o céu, outras pousadas sobre os cabos de
transmissão das torres de alta tensão. Nas áreas descampadas
é sempre possível encontrar casais de quero-quero e corujas
buraqueiras fazendo e cuidando de seus ninhos.
Há uma moradora da vila que já deu abrigo a uma
família de caninanas, cobras amarelas e pretas que não são venenosas nem agressivas, mas que assustam porque costumam seguir as pessoas devido ao calor do
corpo humano que fica no ambiente. A moradora contou que certo dia viu uma
caninana no madeiramento do telhado. Numa outra manhã, ao abrir uma caixa
que estava na varanda, encontrou-a, o mesmo ocorrendo em outros dias, de onde
concluiu que ela resolvera fazer do local a sua casa. E aí ela ficou, criou seus
filhotes, ajudou a controlar a presença de ratos, até que um dia a mulher não a
viu mais. Tempos depois, outra cobra menor, provavelmente filhote da primeira,
passou a ocupar a confortável caixa e está lá até hoje.
Três poços, três banhos, três lembranças...
A Trilha dos Três Poços, a mais próxima da vila, leva a uma bela cachoeira. Sem
muita dificuldade e ouvindo o burburinho do rio, segue-se margeando as corredeiras
de águas cristalinas, o que permite observar vários aspectos do ambiente e diferentes
cenários.
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A grande quantidade de seixos no leito do rio evidencia a força das águas que
solar. Essas condições constituem uma li-
atingem a região em épocas de chuvas fortes e atesta a composição predominante
mitação natural para o crescimento de
dessas montanhas, ricas em gnaisses e granitos.
diversas espécies oportunistas, garantin-
Bromélias e orquídeas estão presentes tanto no solo como no alto das árvores e
do a beleza da Mata Atlântica.
são comuns nas matas da região. A bromélia absorve água e nutrientes sobretudo
No final deste belo trecho de flo-
pelas folhas, onde ficam depositados até a absorção, o que faz com que possa se
resta há um poço. A água, que desce em
desenvolver em áreas em que outras plantas não sobreviveriam, já que não depende
grande velocidade por uma grande ro-
de raízes para a absorção de alimentos.
cha, forma duchas naturais. Depois de um
Dentro do copo formado por suas folhas pode se processar a metamorfose dos
gostoso banho, é possível descansar em
girinos. No final do verão, pode-se ouvir o coaxar de centenas de pequenos sapos e
uma das rochas que ladeiam o ribeirão,
pererecas que desovam nas poças formadas nos braços do rio principal, que nesse
repondo as energias para a volta.
período começam a secar.
No trecho próximo à cachoeira, a vegetação apresenta-se mais preservada. O
extrato arbóreo, bem composto, forma um dossel que dificulta a passagem da luz
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