2 Nosso Recanto Acampamentos 50 Anos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Acampamento Nosso Recanto 50 Anos: 1953-2003 / edição e textos Dirce Helena Salles; fotografia Luiz França, Foto Mujano, Arquivo NR. — São Paulo: O Acampamento, 2003. 1. Acampamento Nosso Recanto (Sapucaí Mirim, MG) – História I. Salles, Dirce Helena. II. França, Luiz. III. Foto Mujano. IV. Arquivo NR. 03-3140 CDD-796.540981512 Índices para catálogo sistemático 1. Acampamento Nosso Recanto : Sapucaí Mirim : Minas Gerais : Estado : História 796.540981512 4 Um prefácio dispensável Abertura Um espaço de formação e lazer Mensagem do professor Affonso A encantadora tia Jacy Pais e filhos Nas férias, a educação pára? Diversão e saúde Crescer é uma arte Bons companheiros Aprendizado no exterior Histórias para contar A família Vívolo O caminho da felicidade e do sucesso Um jeito gostoso de aprender Para fazer a festa! Uma temporada especial Aventuras na maturidade Acampamento Emunah Amigos para sempre 6 8 12 18 20 22 24 36 44 54 58 60 68 70 82 86 90 92 94 95 5 Um prefácio dispensável Parece haver uma contradição entre uma instituição de 50 anos de vida e sua atividade dirigida aos jovens. Mas neste caso não há: o idoso Nosso Recanto continua tão jovem como sempre, talvez por sua contínua convivência com a juventude de seus acampantes. Este talvez seja também o segredo para que, durante suas cinco décadas de vida, a passagem dos anos, ao invés de enferrujar a estrutura dessa colônia de férias para jovens, só faz com que ela se aperfeiçoe, aprendendo a cada temporada modos novos e melhores de realizar seus objetivos. Fazer que férias escolares se tornassem, de um período de ócio inútil ou de monótonos lazeres, um momento de enriquecimento, através de atividades de todo tipo para o desenvolvimento do físico, da mente e da personalidade dos jovens, foi o sonho que deu origem ao Nosso Recanto. O jovem professor que, na década de 1950, teve esse sonho, teve também o talento e a pertinácia necessários para transformá-lo na realidade que, ano após ano, se desenvolveu e aprimorou como uma das mais perfeitas organizações de colônia de férias do país. Durante meio século, o Nosso Recanto tem realizado suas temporadas plenas nos períodos de férias escolares, oferecendo a crianças, pré-adolescentes, adolescentes e jovens seus recursos de entretenimento, esportes, convívio, cultura e formação. Em períodos mais curtos, no correr de cada ano, outros grupos de jovens desfrutam também das atividades que se realizam nas várias unidades do Nosso Recanto. Com o passar do tempo, locais cada vez mais bem equipados e um corpo de colaboradores bem 6 preparados para os trabalhos de infra-estrutura e para o trabalho substantivo do acampamento — nas esferas esportiva, cultural e educativa — garantem a realização das atividades envolvidas em cada temporada. Esta publicação conta muita coisa sobre o Nosso Recanto. Como nasceu, quais as idéias e ideais em que se baseou, como cresceu, se desenvolveu e aprimorou. Fala do número e variedade de atividades de cada temporada e da diversidade de públicos a que atende. Essas informações nos oferecem uma idéia clara e completa da estrutura, organização e funcionamento do Nosso Recanto. O essencial, porém, é que esta publicação nos demonstra que o sonho daquele jovem professor da década de 1950 tornou-se mesmo realidade. E o faz não mediante o relato de alguma avaliação objetiva de especialistas. Mas na forma simples, sincera e direta de depoimentos que colheu, os quais comprovam que os ex-acampantes do Nosso Recanto — sejam eles, hoje, recém-saídos da adolescência, jovens senhores maduros, ou “quase idosos” — todos eles expressam do mesmo modo o que representaram para eles as temporadas que ali passaram, possuem lembranças muito semelhantes sobre o que ali aprenderam, sentem idênticas doces saudades do tempo incomparável que ali viveram. “No NR sempre seremos crianças” é como encerra seu depoimento um dos mais antigos ex-acampantes, comentando a relação que teve com velhos amigos em reunião de veteranos do NR de que participara. Mas eu me atrevo a dizer que essa pequena frase diz mais, sintetizando poeticamente o mais profundo sentimento comum a todos os que passaram pelo Nosso Recanto. O sentimento de que a criança que foram graças ao Nosso Recanto continua viva dentro de cada um deles e os ajuda a se sentirem melhores em seu dia a dia de adultos. Lólio Lourenço de Oliveira 7 “ …ele era um professor dedicado e competente. Querido pelos alunos, respeitado pelos colegas. Fora da escola, passava o dia dando aulas particulares. Sua vida era ensinar. Muitas vezes — e nesta história aconteceu assim — ele era a única esperança de pais dispostos a tudo para evitar que seus filhos repetissem de ano. Certo dia, uma vovó muito simpática tira da bolsa uma promessa dessas pra duvidar: — Professor, quero que o senhor dê aulas particulares para o meu neto. Se ele passar de ano, farei questão de oferecer ao senhor umas férias no hotel de sua escolha. Meses depois, o garoto aprovado, o professor prestes a desfrutar de seus poucos dias longe dos livros, volta a vovó. Não estava brincando, queria cumprir sua palavra. O professor aceita, meio sem jeito, mas feliz pela expectativa do merecido descanso. Malas prontas, véspera da viagem, a gentil senhora reaparece: — Professor, houve um imprevisto! Quero lhe pedir um favor. Minha filha precisou se ausentar e deixou meu neto comigo. O senhor se importaria de levá-lo junto, nessa semana, para o hotel? Como dizer não? Foi assim que o jovem professor, um esportista entusiasmado, se apresentou na recepção: de um lado, um par de chuteiras prontas para os campos verdes do hotel fazenda; do outro, um garoto de 11 anos, pronto para uma temporada de diversão. Mal refeito da surpresa, o professor só tinha um pensamento: E agora? O que é que eu faço com esse moleque? Nosso Recanto “ … o professor Affonso não demorou muito a encontrar a resposta para a sua pergunta. Em pouco tempo, reuniu os garotos que estavam no hotel e ajeitou uma partidinha de futebol. Depois, montou um time para o basquete. E logo um grupo se reunia à sua volta para nadar no lago... e o esperaram no dia seguinte para... Bem, o resto da história, nem precisa contar. O que ele fez com aquele moleque? Na época, ele não sabia. Mas hoje se chama Acampamento Nosso Recanto. Um empreendimento fruto da sua vocação, de seu talento e de uma vida inteira dedicada às crianças e aos jovens. Ex-seminarista, formado em Direito pela Faculdade São Francisco, o professor Affonso conquista, com os 50 anos de sucesso do NR, mais uma etapa de sua carreira promissora — em que se destaca, entre as realizações que tiveram sua marca, a fundação do Colégio Friburgo, em São Paulo. 12 Um espaço de formação e lazer a Serra da Mantiqueira, emoldurada pela Mata Atlântica, uma das maiores infra-estruturas de lazer da América Latina completa, em 2003, 50 anos de amizades duradouras, inesquecíveis momentos de diversão e um respeitado trabalho de formação de jovens e crianças para a vida. N O Acampamento Nosso Recanto, que todos tratam carinhosamente por NR, fica na cidade de Sapucaí Mirim, ao sul de Minas Gerais, divisa com São Paulo. É nesse endereço que “A convivência é um dos instrumentos fundamentais do NR. Crianças e adolescentes, tão diferentes entre si, durante o ano ou em período de férias, participam do acampamento. Os dias e as semanas que passam juntos vão educando, aproximando uns dos outros, diminuindo diferenças, eliminando arestas, despertando simpatias e apreço mútuo, levando à compreensão e à porta de novas amizades. J. Delors, presidente da Comissão Internacional de Educação para o século XXI, sublinha os ‘quatro pilares da educação’, dos quais destaco dois: aprender a viver juntos e aprender a ser, como indivíduo e ser social. As temporadas no NR propiciam a convivência, sadia e desinteressada, de amizade e comunhão, que os acampantes testemunham com freqüência e saudade. No NR, os acampantes encontram chances de manifestar criatividade e desenvolver habilidades. São milhares de jovens passam suas férias, participam de excursões escolares para estudo do meio ou se reúnem com a turma para comemorar formaturas e aniversários. aprenderam no acampamento, transmitindo a seus filhos — a até netos! — muito do que o NR lhes deixou como lição de vida. Passaram pelo NR pessoas que hoje se tornaram importantes formadoras de opinião, líderes em suas áreas de trabalho, expoentes no campo das artes e dos esportes. Ou cidadãos anônimos, que dão sua contribuição para a sociedade trazendo na bagagem um pouco daquilo que descobriram e estimulados a freqüentar os espaços reservados à arte, artesanato, dança, música, pintura… Nas circunstâncias de hoje, quando a violência, a competitividade antagônica ofuscam o fair play olímpico do altius, fortius, citius, vale a pena resgatar o valor do esporte: o brio, o empenho no individual; o cavalheirismo e a garra no coletivo. No NR, sob o comando do poderoso Safo, o grande educador Affonso Vívolo, com a sua guapa equipe, tudo isso acontece. Diretor, professores, assistentes, monitores, acampantes, veteranos ou calouros, motivam-se a concretizar esse sonho, essa cidadania. Do “eu” ao “tu” para o “nós”. A camiseta NR cobre o coração – passa a ser ostentada com orgulho de pertença. De um grupo, de uma equipe. Desafia a tornar-se comunidade. Sonha a esperança de tornar-se família, a Família NR. De pequena semente, em 1953, desenvolveu-se em árvore frondosa; de poucos membros, transformou-se, na realidade, em grande família. Como frade franciscano, membro da Ordem Religiosa fundada por Francisco de Assis, um homem universal, uma das dez maiores personalidades do milênio recém-findo (em pesquisa do semanário Time), chamado de santo por todos, orgulho-me de ter convivido e conviver ainda na Família NR. E testemunho que a experiência religiosa de partilhar a palavra de Deus, com tantos jovens, constitui um marco lindo, histórico também, de minha vida franciscana. Considerando a dimensão pedagógica do NR, peçamos todos e cada um, que o Deus da Sabedoria continue a inspirar o coração de muitos educadores e educadoras dedicados a construir os sonhos e as esperanças de um Brasil justo e solidário, fraterno e feliz.” Frei Agostinho ondições para transformar cada uma das oportunidades vividas no NR em experiências ricas e gratificantes não faltam. Do ponto de vista pedagógico, porque o NR oferece a seus visitantes toda a competência acumulada por seu pioneirismo e por seu empreendedorismo. Na prática, porque lá as crianças e os jovens brincam, praticam esportes, despertam para suas vocações artísticas, desfrutam a natureza, exercitam as relações sociais... tudo com o apoio de uma equipe de monitores e profissionais preparados para promover o bem estar e o desenvolvimento humano dessa turma especial. C Não tão difundida no Brasil quanto nos países estrangeiros, a atividade de acampamento educativo, além de conquistar a garotada, recebe total aprovação dos educadores. Associar o lazer ao crescimento pessoal é uma fórmula de sucesso garantido. Marta Kohl de Oliveira (exacampante do NR), professora da 14 Universidade de São Paulo na área de psicologia da Educação, explica os benefícios dessa experiência: “ Balizado por horários, tarefas, hierarquias, o jovem se situa em uma estrutura explícita, dentro da qual pode se mover com segurança e construir uma interação produtiva com o ambiente, com as outras pessoas e as atividades vivenciadas”. Marta diz que o ser humano é o “menos pronto” dos animais – o potrinho sai andando poucas horas depois de nascer, toda pulga nasce sabendo ser uma pulga: “Mas a criança humana nasce ´em aberto`, poderá ser pessoa de muitas maneiras diferentes e cabe aos adultos que a rodeiam fornecer-lhe uma estrutura orientadora do seu processo de desenvolvimento”. Pe. Novelli Evelina Holender Orientador do Colégio São Francisco Xavier (SP) Diretora do Colégio I. L. Peretz “O colégio São Francisco se ufana de ser um de seus hóspedes há 18 anos consecutivos! Procurávamos um lugar de descanso e encontramos um lar carinhoso e acolhedor para nossas férias anuais. O bemestar que se experimenta ao contato com a natureza é maravilhoso nesse recanto privilegiado. Nada falta para isso: piscina, jogos, passeios, farta refeição. E o que dizer de seus donos? Gente fina e prestimosa, sempre a criar novidades esportivas a cada ano que passa.” “Uma colônia de férias bem estruturada, que se preocupa com os aspectos formativos... Não pensem, todavia, que esse pensamento racional de ter crianças criativas, autônomas e saudáveis foi o que nos fez permanecer durante tantos anos freqüentadores assíduos do NR. Foi ouvir de nossos filhos, cada vez que desciam dos ônibus, na volta de uma temporada: Mamãe, podemos ir de novo nas próximas férias?” Maria Lúcia Camargo de Garcia Professora na área de Psicologia da Universidade de Porto Rico “Hoje fora do Brasil, em outro contexto de vida, mãe de três filhos, não deixei passar por alto a oportunidade de fazer com que meus filhos também vivessem uma experiência parecida com a minha. A alternativa de poder mandálos para o NR foi uma decisão com um propósito educativo firmemente definido, pois eu sabia que a vivência com outros jovens e sob o cuidado de mãos firmes e unidas, seria muito valioso para todos nós.” Depoimento escrito em 1993 Luiz Antônio Bochio Advogado e professor da Unip “Uma imaginação poderosa criou esse lugar mágico, onde a formação pessoal convive com o esporte e a arte. Uma determinação inigualável transformou em realidade o sonho de educação de crianças e jovens, revelando em mim uma inequívoca vocação de educador. Pude constatar a importância do NR não só como um recanto de fazer amizades firmes e duradouras,mas um local capaz de aprimorar personalidades, valorizar o bom caráter, engrandecer o convívio social, enfatizar a vida sadia do esporte, das artes, do respeito à natureza.” Cristina Alvim Castello Branco, a Kiki Educadora, especialista em currículo no Programa das Nações Unidas (UNDP) “Muito esporte, muitos amigos, vitórias, derrotas. Mas o que realmente ficou de tudo isso foi a noção de equipe, a descoberta da vida em grupo. Hoje trabalho na prevenção e na luta contra a Aids, atividade onde a palavrachave é solidariedade. E esse sentimento, essa atitude, eu já conhecia de perto, com a minha vivência no NR.” 15 Os números do NR • 20 mil acampantes por ano • 2.280.000 m2 de área dos acampamentos NR1 e NR2 • 680 camas • 1.300 e-mails recebidos pelos acampantes, por dia ma coisa é certa. Para se divertir ou para aprender coisas novas, opções não faltam no NR. Nos dias ensolarados do verão ou nas noites frias de inverno, os monitores sempre preparam uma programação recheada de novidades. Torneios, gincanas, festas, trilhas, piscina, lago, trabalhos manuais... são tantas atrações que não dá para fazer tudo em uma única temporada. U Para que todo mundo possa aproveitar melhor sua estada, os acampantes são divididos em grupos de idade. O NR1 é um acampamento exclusivo para crianças de 5 a 10 anos. No NR 2, ficam os jovens de 11 a 16. Mesmo dentro de cada unidade, as atividades são realizadas em turmas de idades próximas e, algumas, dirigidas só para as meninas; outras, só para os garotões. 16 • 33 quilos de arroz, 90 quilos de batata frita e 110 litros de suco consumidos por dia • 5.800 medalhas e 400 troféus concedidos por ano • 500 ônibus com destino ao acampamento, por ano • 250 mil refeições servidas por ano • Capacidade para atender 650 acampantes simultaneamente • 193 monitores em atividade Nas acomodações dos chalés, a mesma regra: meninos e meninas, distribuídos pelos quartos, masculinos e femininos, de acordo com suas idades. Sempre acompanhados por um monitor, que dorme junto com eles, para ajudar no que for preciso. Estamos no ano de 2003. Durante o mês de janeiro, como sempre vem acontecendo, eu estou envolvido com centenas de acampantes. Tenho a meu lado minha esposa, companheira incansável de muitas lutas, meus filhos e netos. Entre os acampantes há filhos de jovens que um dia viveram as mesmas emoções que eles vivem hoje. O pai também foi acampante ou a mãe foi acampante. Há também casos de pai e mãe terem se conhecido no NR. Paro para pensar o que foi a minha vida. Há 50 anos, no mês de janeiro, Jacy e eu estávamos casando. Ambos jovens, idealistas, sonhando em criar uma família com muitos filhos mas aceitando a idéia de que como professores estaríamos participando da formação de outros jovens e crianças. Paro, penso e por uns momentos me vem a lembrança tudo que vivi nesse tempo. Muito trabalho, muita alegria, muitas realizações. Tudo que consegui realmente devo à colaboração da minha família e dos meus milhares de acampantes. Junto com todos os depoimentos aqui registrados por tanta gente, deixo os meus agradecimentos a minha esposa Jacy, a meus filhos Marco Antônio, Toninho, Ricardo, Afonsinho, a minha filha Maria Júlia, às minhas noras Sandra, Vera e Rachel, ao meu genro Gianni, aos meus netos Kito, Fernanda, Rafael, Patrícia, Juliana, Marcelo, Zeno, Antônio Felipe, Julian, Bruna,Nina, Rony e Tereza Flor e a milhares de jovens que passaram pelo Nosso Recanto. E, finalmente, o meu pensamento e os meus agradecimentos a Deus, que me guiou e me assistiu nessa longa caminhada. Affonso Vívolo julho de 2003 A encantadora tia Jacy “ Affonso freqüentava o sítio do meu pai desde nosso tempo de namoro. O casamento foi dia 21 de janeiro de 1953. Queríamos ter 11 filhos! Tivemos 5, mas compensamos nos netos… 13! Quando ele veio com a idéia do acampamento, eu já tinha ouvido falar sobre isso na escola de comércio, onde estudava. O Muitas amigas judias me contaram que costumavam ir a acampamentos antes de vir para o Brasil. Meu pai e meu tio deram o maior apoio e de pronto puseram o sítio à disposição. Na primeira temporada, em julho, eu não pude ir — estava grávida do Marco Antônio. E assim foi… em 54 nasceu o Toninho, em 56 o Ricardo, em 57 o Afonsinho, em 60 a Juju. Nesses anos todos, eu ia ao acampamento de vez em quando, só para visitar, passar um dia ou dois. Uma amiga ficava com pena porque eu morria de saudades do Affonso e mandava o próprio chofer me levar, com toda a filharada. Só depois que a Juju cresceu um pouco, os meninos já independentes, eu me envolvi de corpo e alma nas atividades do NR. Fiz questão de coordenar sozinha – que desafio! – o primeiro acampamento dos menores, em São Roque. Convidei minha amiga Ilse Kohl de Oliveira e montamos a turma de 6 a 8 anos, todos alunos do Colégio Friburgo, onde eu era diretora. Fiquei na ‘frente de batalha’ por muitos anos. E não tinha medo de trabalho. Ao contrário, fazia de tudo com muito amor: cozinhei, lavei roupa, levei crianças doentes para o hospital, tirei muito carrapato, botei pra dormir na minha cama os que estavam com febre... enfim, eu era uma mãezona, o acampamento era 20 a extensão da casa deles e também da minha, por que não? Acho que esse carinho, esse bom senso foram a combinação perfeita com a sensibilidade, a inteligência e a dedicação do Affonso. Foi isso que fez o sucesso do NR e a felicidade da nossa união, que junto com o acampamento, completa 50 anos. ” Boas lembranças Trocando pneu Uma vez, uma garotinha caiu de febre e nada da temperatura baixar. Eu não quis esperar o quadro se complicar. Botei a garota no meu fusquinha e peguei a estrada para levá-la ao hospital, na cidade. No meio do caminho, fura o pneu. Eu só estava acompanhada de uma monitora adolescente. Tive que descobrir como se troca um pneu de carro em uma única lição — e rapidamente! Consegui. Mas acho que ainda precisava de mais treino… poucos metros à frente o pneu trocado se soltou. Acho que eu não tinha força pra apertar os parafusos. Felizmente, dessa vez apareceu alguém pra ajudar. Fomos “escoltadas” até o hospital. E a menina ficou bem, pôde voltar ao acampamento e curtir o final da temporada. Escapadas do Safo Muitas temporadas, o Affonso cuidava dos jovens em Ferraz, e eu ficava com os pequenos em São Roque e depois em Sapucaí. Assim passávamos um mês ou mais, cada um atarefado com suas coisas. Nós éramos casados há pouco tempo, morríamos de saudades… então, de vez em quando, ele dava uma “escapada” pra me ver. Quando esses encontros iam acontecer, eu colocava minha melhor roupa e um aplique de cabelo, arrematado por uma linda trança — naquela época, anos 60, era um luxo! E era muito engraçado: quando as crianças me viam “de peruca”, começavam um coro: “O Safo vai chegar! O Safo vai chegar!”. Eu me divertia. E ficava feliz. O Safo ia chegar. No nosso aniversário de 25 anos de casamento, estávamos em plena temporada de verão. Eu, de um lado; ele, de outro. No dia das bodas – 21 de janeiro – não teve como nos encontrarmos. Então eu liguei para o acampamento de Ferraz e quando ele atendeu coloquei no telefone uma música do Roberto Carlos: Você meu amigo de fé meu irmão camarada, Amigo de tantos caminhos de tantas jornadas Cabeça de homem mas o coração de menino, Aquele que está do meu lado em qualquer caminhada Me lembro de todas as lutas meu bom companheiro, Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro O seu coração é uma casa de portas abertas, Amigo você é o mais certo das horas incertas Às vezes em certos momentos difíceis da vida, Em que precisamos de alguém para ajudar na saída A sua palavra de força, de fé e de carinho, Me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho… 21 Pais & filhos pôr do sol na mureta… lugar ideal para paquerar! Como vivia ouvindo música, inaugurei a rádio NR em Agudos. Levei o equipamento de som para o barzinho e montei a rádio, que oferecia notícias intercaladas com músicas. Foi no NR que conheci minha esposa. E fiz questão que meus filhos conhecessem o acampamento para aprenderem o que é convivência, para amadurecerem, serem mais independentes. Quando a nossa filha ganhou a medalha de melhor esportista, a alegria foi imensa. A gente passou por isso e sabe o que significa. Eu ainda guardo as minhas medalhas daquela época.” Irene Fischer Cimerman Fonoaudióloga Família Cimerman Irene e Paulo estão casados há 18 anos, ele foi monitor e hoje seus trigêmeos de 10 anos são acampantes. Paulo Cimerman Administrador de empresas “Eu trocava qualquer viagem pelo NR. Ficava ansioso, aguardando o dia chegar. Mal podia esperar a roda de violão, o 22 “Quando comecei em Agudos, aos 13 anos, ganhei a medalha de caloura revelação. Na segunda temporada, quatro anos depois, conheci o Paulo. A gente ficou juntos direto, um ia assistir as atividades do outro, mas sempre como amigos. Lembro que tinha medo dos morcegos. E hoje posso confessar que participava dos assaltos à cozinha... No dia da volta era a maior choradeira. Nossos filhos Como um bem precioso que passa de geração para geração, esse mundo de aventuras e brincadeiras é compartilhado por pais e filhos. Não são raros os acampantes que conheceram suas “caras metade” no NR. E cujos filhos hoje seguem seus passos rumo às deliciosas férias na “fazenda” ou no antigo prédio do seminário. começaram a acampar no NR com 5 anos e meio e já estão na sexta temporada! No começo, eu tinha as preocupações comuns de mãe: será que vão comer? Ficar com o cabelo molhado? Mas ao mesmo tempo eu estava sossegada porque sabia que a temporada é coordenada pelo Marco Antônio, com a assessoria do Zezinho. Que garantia maior a gente pode ter?” Isadora Cimerman “Meu pai falava muito do acampamento. E falou tanto que um dia a gente veio… e nem me importo de acordar cedo. Antes do toque da alvorada, já estou em pé!” Catherina Cimerman “Eu gosto da brincadeira do arco-íris, do tamancoball, do handball... de tudo! Mas quero ir pra fazenda. Vai levar um tempo pra conhecer tudo por lá.” Daniel Cimerman “Sempre fazemos muitos amigos, mas nem sempre dá para encontrar com eles em São Paulo. A gente gosta tanto daqui que até dobramos a temporada”. Família Brull Michel Brull Empresário “Quando fui pela primeira vez a Ferraz, eu tinha 8 anos. Naquela época, os pais visitavam os filhos no final da primeira quinzena. E eu aproveitei a chance para me mandar de volta pra casa. Quando estava indo embora, o professor disse que as minhas coisas iam ficar ali. Se eu quisesse voltar ao acampamento, poderia aproveitar a sua carona, já que ele ia à capital durante a semana. Eu estava inseguro com a saída de casa, queria ter certeza se a minha cama continuava lá, se o meu cachorro me esperava... E me lembro que na manhã seguinte, quando a empregada perguntou se eu já tinha mesmo voltado, respondi, para surpresa da minha mãe, que eu ia embora à noite. Foi o que aconteceu. E aí não deixei mais de ir. Eu fazia vários esportes. Também me lembro das idas ao cinema na cidade, todo mundo de uniforme – aquela camiseta de argolas. Às vezes o cansaço era tanto que a gente até dormia durante o filme. Mas recordo que foi lá que assisti Psicose e Teorema, com direito ao debate no dia seguinte. Era o máximo: chegar mais cedo na cidade, subir aquela escadaria que levava à lanchonete e usar o cheque colorido para comprar refrigerante, chocolates e outras guloseimas. Aliás, a gente não podia levar guloseimas para o acampamento. Um dia de visita, os pais de um menino levaram uma caixa enorme de chocolates que, misteriosamente, desapareceu. Claro que o garoto comunicou ao professor Affonso. Logo depois teve a brincadeira da caça ao tesouro e o que era o tesouro? A caixa de chocolates, que foi irmanamente dividida entre todos. Um dia virei monitor. E tinha o professor Affonso como referência porque sempre apreciei a forma com que ele agia. Quando ele premiava o melhor esportista, por exemplo, não necessariamente era o cara que jogava melhor. O importante era ter o espírito esportivo, gostar do esporte, saber perder, ajudar a equipe.” Marcelo Brull “Eu sempre ouvi as histórias do acampamento, contadas por meu pai, meu tio, e por meus irmãos. Mesmo assim, na primeira vez que fui, senti medo. Já chorei logo na saída do ônibus. Eu queria estar sempre perto dos meus irmãos. Mas na segunda temporada tudo mudou. Não tinha mais aquela história de insegurança. Fiz novos amigos, não precisei mais chamar meus irmãos. Foram eles que me ensinaram a dobrar as roupas e a organizar minhas coisas por causa da inspeção. Isso era importante porque a equipe que tinha o melhor quarto ganhava a pizza.” Daniel Brull “Freqüento o NR desde os 6 anos e já tive muitos momentos inesquecíveis no acampamento. Gostei tanto que resolvi continuar. Hoje sou assistente. E o que mais me impressiona é a quantidade de amigos, a renovação dos amigos que tive durante todos esses anos. Acho que me dei bem como monitor. Prefiro trabalhar com os menores, apesar da responsabilidade ser maior. O retorno é imediato e gratificante. Tudo o que você faz eles gostam, qualquer música, qualquer piada rende muitos sorrisos, muita alegria”. 23 Um acampamento de férias, para crianças ou para adolescentes, sempre é um universo de muita diversão, onde o cotidiano dá lugar a descobertas fascinantes e emoções intensas. Para os adultos que os acampantes vão se tornar, esse aspecto é só a parte mais aparente dos benefícios. Nas férias, a educação pára? filosofia e a pedagogia adotadas pelo NR propiciam outros ganhos: em formação de caráter, em experiência de vida, em crescimento pessoal e em desenvolvimento de senso comunitário. A alegria, os bons momentos, ficam registrados nas fotos dos álbuns de recordações. O aprendizado fica no coração, em cada gesto, em cada posicionamento diante dos desafios do mundo. A “Do ponto de vista educacional, o professor Affonso sempre foi vanguarda”, testemunha o educador Luiz Antônio Bochio. “Ele conseguiu ser bem-sucedido no binômio educação e recreação”, acrescenta. A realidade dos 50 anos de NR comprova: o acampamento tem uma forte tradição em veteranos, 26 isto é, jovens que retornam em diversas temporadas. Muitos, quando chegam à idade limite para ser um acampante, 16 anos, prosseguem na carreira de monitor. Outros tantos são filhos de ex-acampantes, sem falar dos diversos casamentos de jovens que se conheceram nas temporadas. Mas essa fórmula de sucesso não chegou pronta às mãos do professor Affonso, nem foi importada de outros países. Quando ele começou a traçar o seu projeto, com todo o entusiasmo de seus 25 anos, acampamentos eram novidade no país. “A princípio, imaginei um lugar que fosse a continuidade da casa de cada um. Um lugar onde a criança recebe afeto e formação”, diz ele. A partir daí, o professor Affonso foi aperfeiçoando seu modelo, acompanhando a evolução das técnicas para lidar com a garotada e modernizando a infra-estrutura. As únicas coisas preservadas integralmente, ao longo de todas essas décadas, foram o carinho e a dedicação para receber crianças que deixam o conforto de suas casas e a proteção de seus pais. Adquirindo autonomia e respeito ao próximo ão demorou muito para a Colônia de Férias Nosso Recanto se transformar no Acampamento Educativo NR — onde tudo o que acontece contribui para a formação dos acampantes, e de forma tão natural, que eles nem se dão conta disso. Mesmo pequenas tarefas diárias, como fazer a cama, recolher a louça, cuidar da roupa representam uma oportunidade de aprender. “Por meio desses detalhes, os acampantes adquirem autonomia e respeito ao próximo. Além de fazer um treino para conquistar sua independência, eles também comprovam, na prática, que o bem-estar comum depende do cuidado de cada um com o seu pedacinho”, explica Marco Antônio. N Outro grande mérito do acampamento é oferecer um ambiente propício ao trabalho com as características de personalidade. Timidez, agressividade, competitividade… a lista é imensa. Mas há acolhimento para todos os comportamentos que necessitem de atenção. Lado a lado com os acampantes, 24 horas por dia, os monitores estão preparados para identificar e encaminhar da melhor forma possível cada caso. “Sabemos que cada criança é única, tem suas características, seu ritmo, suas fantasias, seu medos e seus sonhos. Quando formamos um time ou organizamos um campeonato, não queremos que os bons de bola façam o show nas quadras enquanto os retraídos se encolhem, intimidados, nas arquibancadas. Ao contrário, estamos atentos para dar chance de crescimento a todos”, diz o professor Affonso, completando que há muitos casos de acampantes excepcionalmente reservados e fechados que se tornaram líderes quando adultos. “O acampamento propicia uma autoconfiança que você carrega pelo resto da vida”, acrescenta o professor. 27 Saudades da mamãe? Sim, mas dá pra agüentar… m exemplo de como o acampante se sente seguro é a “prova da saudade”: passar tantos dias sem ver os pais, podendo comunicar-se apenas por escrito. Parte do processo de construção da proposta educativa do NR, o esquema de relacionamento dos acampantes com a família também passou por uma evolução. Nos primeiros anos, os domingos eram reservados à visita dos pais. “Mas logo vimos que não dava certo. Nem todos os pais iam, por diferentes motivos. Ou algum ia de sábado, porque tinha compromisso no domingo, atrapalhando a programação. As crianças ficavam ansiosas, agitadas. Então testamos a forma atual, que se mostrou bem mais eficaz”, diz Marco Antônio. U Nos últimos anos, com as novas tecnologias, a comunicação 28 entre acampantes e pais deu um salto em qualidade. Em sua página na Internet, o NR publica diariamente muitas fotos dos acampantes em atividades. Por meio desse canal também trafegam, todos os dias, cerca de mil mensagens de correio eletrônico entre pais e filhos. O professor Affonso explica que esse distanciamento físico dos pais também tem um fundamento educativo. A criança ou o jovem acabam sendo obrigados a descobrir e exercitar sua capacidade de resolução de problemas: “Longe de casa, eles não têm mais a facilidade de recorrer aos pais — às vezes até sem necessidade — para resolver qualquer probleminha. Essa rotina caseira tira a oportunidade do menino ou da menina buscarem a solução por conta própria”, avalia o professor. Diversão para todos os gostos A programação do acampamento é intensa e muito divertida. Mas não cansa nem constrange os acampantes porque é cuidadosamente estudada e preparada. Os jogos e brincadeiras são selecionados e renovados a cada temporada. Mais que isso, são selecionados de acordo com cada turma. Ou seja, não variam apenas se a época é de frio ou de calor, se os acampantes são crianças pequenas ou moçada. Existem outras preocupações, como atender às expectativas ansiosas daqueles que, já enturmados, chegam com “a corda toda”; e dar tempo para ambientação dos que estão chegando no pedaço pela primeira vez. Também é preciso estar atento para alimentar a ansiedade dos fanáticos por esportes e, ao mesmo tempo, criar oportunidades para os que preferem atividades mais introspectivas… Acima de tudo, porém, a direção do NR e os monitores procuram identificar as particularidades de cada acampante, captadas nas entrevistas pessoais feitas antes da temporada. “Se uma criança tem problemas de relacionamento, se os pais estão se separando, se está indo mal na escola… todos esses detalhes podem interferir na disposição desse garoto ou garota ao se expor em um jogo de futebol, por exemplo. Quem sabe nesse momento ele ou ela prefiram fazer uma atividade com argila. Temos que saber compreender e lidar com cada caso”, diz o professor Affonso. O dia no acampamento começa com o toque alvorada às 7h30 da manhã. As turmas se revezam entre a arrumação do quarto e o delicioso café com os pães da padaria do NR. Antes das atividades, todos se reúnem no teatro para o aviso diário. Depois, vêm as atividades individuais ou em grupo, divididas em duas modalidades, esportivas ou culturais. A programação esportiva conta com caiaques, piscinas, cavalos, tirolesa, tênis etc. e acontece sempre pela manhã. No período da tarde o acampante participa de atividades culturais na oficina de artes, faz trabalhos no jornal mural, dança e teatro, entre outras opções. “Acho que o segredo do sucesso da programação do NR é o fato de ela ser elaborada pelos próprios assistentes e monitores, que também são acampantes. Como você já foi acampante, sabe o que eles querem”, diz Kito. Lólio Lourenço de Oliveira sociólogo e tradutor “Quando o NR completou 40 anos, perguntei ao Affonso: `Alguma vez você pensou que um dia o Nosso Recanto seria assim? Ele me olhou, apertando um pouco os olhos, umedeceu os lábios de um jeito todo seu, e sorriu. Pensei que adivinhava sua resposta. Quem o conhece sabe que o professor Affonso se orienta sempre para fazer coisas. Não é um contemplativo: ele age no mundo. Os possíveis sonhos ou fantasias que tenha imediatamente se transformam em projetos que, por sua vez rapidamente se convertem numa operação para a consecução de objetivos a serem alcançados custe o que custar. Mas ele me disse: `Não sei responder essa pergunta… Talvez lá no fundo, sem saber, eu sonhasse com alguma coisa assim. Mas não posso dizer que fosse um plano concreto desde o início. Da perspectiva de hoje, posso dizer que esses 40 anos de acampamento foram de passos gradativos, até chegar a este ponto. Na verdade, porém, não sei se sequer tinha consciência de cada um desses passos antes que fossem dados.` Essa afirmação, que poderia parecer que as coisas aconteceram fora de seu controle, é, na verdade, o indício de outros traços que caracterizam o professor Affonso. Talento, que é o que leva alguém a fazer as coisas sem que precise de longa preparação prévia; convicção do próprio acerto no que faz e, conseqüentemente, a permanente disposição de arriscar; competência na ação, que permite concretizar com rapidez e eficiência o projeto que se tenha em mente”. 29 É hora de prestar atenção “Não dá para imaginar a existência de um acampamento sem uma presença realmente efetiva. Não falo de uma presença fiscalizadora, mas sim daquela que é sentida por ser co-participante de todas as coisas. Sabe, os acampantes sentem a presença da gente. Sentem essa participação. Eu já fiz duas encomendas para poder tocar o trabalho: uma muleta e um carrinho de rodas, pois pretendo continuar envolvido nessa atividade”. Professor Affonso 30 odos os dias, depois do café da manhã, os acampantes têm um encontro marcado. No NR2, com o professor Affonso (é o famoso “aviso do Safo”) ou com o Afonsinho para os menores. No NR1, com o Marco Antônio ou com o Zezinho. Esse é o momento de uma conversa amiga, da aproximação entre a direção e os acampantes. Além dos informes sobre a rotina da temporada, nessa hora os acampantes recebem “doses homeopáticas” de cidadania e respeito ao outro, ao ambiente. T “Embora hoje haja tantas técnicas de comunicação — temos alto-falante, painéis para fixar comunicados, o jornal —, faço questão de manter o momento dos avisos. É nessa hora que passamos a filosofia do acampamento”, conta o professor Affonso. As crianças e os adolescentes ouvem com a mesma atenção as orientações sobre a festa a fantasia que vai acontecer à noite e um pedido para respeitar as regras de convivência coletiva evitando entrar na piscina com os pés sujos de terra. Esses pequenos ensinamentos, nessa hora, são imperceptíveis. Mas ficam dentro de cada um para o resto da vida. Basta ler os depoimentos dos ex-acampantes ao longo deste livro. Os acampantes em visita ao Reino da Garotada – 1965 O Reino da Garotada Durante os primeiros anos, a equipe de futebol do NR era imbatível. Além do campeonato interno, aconteciam jogos com times de fora. Um deles era o time do Reino da Garotada, um orfanato de Poá, que na época tinha como diretor o padre Simão. Os acampantes iam até lá jogar futebol e assim conheciam o que era um orfanato. Os meninos do Reino geralmente tinham instrução primária e depois faziam cursos profissionalizantes. Eles tinham uma tipografia, uma lavanderia, uma fábrica de brinquedos e faziam consertos de sapatos para fora. Quando eles iam ao acampamento, além de jogar futebol, tomavam um lanche junto com os acampantes. O contato com aquela realidade era muito educativo dentro do nosso programa. Como prova desse aprendizado, duas histórias inesquecíveis. O professor Affonso conta que um dos acampantes, Michael Perlman, era filho de um industrial que importava máquinas para sapataria. Sem contar a ninguém, ele conseguiu que seu pai doasse uma máquina para o Reino. Zezinho também tem lembranças emocionantes: “Havia um acampante chamado Stefan Alexander. Ele e o irmão levavam roupas mais velhas, mais rasgadas, exatamente para usar no dia do jogo com o os garotos do Reino porque não queriam que os meninos do orfanato se sentissem diferenciados”. 31 Joel Korn Economista, presidente da Câmara Americana do Rio de Janeiro e coordenador geral do Grupo de Investidores Estrangeiros “Aos 55 anos ainda relembro as temporadas que passei no NR, no final da década de 50. O acampamento era uma atividade ainda recente no Brasil. As famílias de muitos dos acampantes geralmente se conheciam porque os filhos eram amigos ou colegas de escola. Quem passava por essa vivência queria sempre mostrar às pessoas queridas como era fascinante a vida naquele recanto em Ferraz. A disciplina sempre foi algo importante no acampamento. Não a disciplina militar, mas aquela que delega responsabilidades, seja pela arrumação do quarto ou pelo cuidado com as roupas. Além da organização, aprendi muito, em termos de independência. Também aprendi a me relacionar com outras crianças. No acampamento havia companheirismo. Fiz amizades sólidas. Nessa idade, as amizades são desinteressadas. O jovem se aproxima por afinidade. E o NR sempre procurou incentivar as atividades em grupo. O professor Affonso, muito dedicado, procurava oferecer àqueles jovens uma visão aberta e saudável do mundo que se dava principalmente por meio das atividades artísticas e esportivas. Sempre pratiquei esportes. Na infância, fazia atletismo e durante o acampamento lutei boxe e joguei futebol, vôlei, basquete e tênis de mesa. Algumas vezes o Biriba, campeão brasileiro dessa modalidade, 32 aparecia por lá para jogar e incentivar a garotada. Os monitores também animavam muito a temporada. Eles deviam ter seis a oito anos a mais do que a gente, uma diferença pequena na fase adulta, mas bastante significativa na adolescência. E eles foram para mim uma referência tanto nas atividades culturais quanto esportivas e sociais. Me lembro bem das sessões de cinema em Ferraz, das noites passadas nas tendas ao ar livre, do toque do sino anunciando o horário das refeições. Atividades pequenas e simples que proporcionavam prazeres enormes. A experiência foi tão importante para minha formação que fiz questão de proporcionar o mesmo benefício a meu filho, mesmo morando no Rio de Janeiro”. Sandra Burstin Lilienthal Ex-acampante, mora atualmente nos Estados Unidos “Certo dia eu estava no carro com minhas três filhas, hoje com 8, 6 e 3 anos. A menor era um bebê e coloquei uma fita com músicas de Bach para bebês, que ela acabara de ganhar. Quando começou a ária da 4ª corda, imediatamente me veio, com extrema nitidez, a imagem do Toninho tocando essa peça nos degraus da enorme escadaria do seminário em Agudos. Em poucos minutos me dei conta de como a minha passagem pelo NR alterou a minha vida. Posso afirmar que se sou hoje quem sou, é em função da minha experiência no NR. No NR aprendi a ser gente. E se essa frase parece lugar comum, esclareço: foi no NR que aprendi o valor da amizade e da família. Ainda me lembro como eu admirava a família de vocês, e o quanto cada amigo novo foi importante para mim. Mais do que tudo isso, e talvez aqui venha a ironia da situação, no NR aprendi o valor da religião. Tendo nascido em uma família totalmente secularizada, sem nenhum vestígio de religião (sabíamos que éramos judeus, mas parava por aí), foi no NR que eu aprendi a importância dos valores éticos e morais das religiões. As missas na igreja do seminário me emocionavam. Me lembro, como se fosse hoje, a primeira vez que participei de um serviço de Shabbat. Ligia Zaborovsky fez a bracha das velas. Fiquei tão emocionada… eu nem sabia o que era isso! Foi a partir daí que comecei a estudar e aprender mais sobre judaísmo. No NR eu aprendi a ser judia. Ironia das ironias, hoje sou casada com um rabino (liberal), dou aulas de Bar/Bat Mitzvah e sou extremamente envolvida com o judaísmo! No NR aprendi, além do aspecto da religião, o verdadeiro conceito de amizade, de participação em um grupo, de responsabilidade. Me lembro com carinho de cada um dos meus monitores. E da alegria que senti na noite em que os monitores vieram me acordar porque eu havia passado a aspirante. Não há nada que se equipare a esses momentos, tanto que passados mais de 20 anos, ainda estão tão presentes.” Henri Zylberstajn Ex-acampante “Em julho de 2000, embarquei para mais um desafio em minha vida. Desta vez, uma experiência profissional na Europa, desempenhando tarefas parecidas com as que eu já havia feito como monitor do NR. Logo que fui contratado para ser um counselor of sports and activities na TASIS da Suíça – The American School of Switzerland, imaginei, é claro, que minha passagem no acampamento me ajudaria a desempenhar melhor as funções na escola. E isso, de fato, aconteceu! No entanto, tive uma grande surpresa: percebi que não só valeu minha experiência de monitor, mas também todo o aprendizado como acampante. Equipe da lavanderia de Agudos liderada pela tia Itália, e varreção dos corredores das alas do acampamento. Por diversas vezes, fui chamado pela direção da escola para receber elogios com relação à minha conduta. Numa ocasião, um dos assistentes da diretora ficou realmente impressionado com o que ele classificou de ‘capacidade de percepção de detalhes’. Eu havia sido escalado para tomar conta das crianças do andar onde dormia. Minha obrigação era ficar no meu quarto, para que as crianças me procurassem em caso de necessidade. Um colega de nível superior ao meu chegou pouco antes do ‘toque de recolher’ e resolveu ficar no meu lugar. Então simplesmente dei um aviso a todos os estudantes comunicando a mudança e expliquei que não fossem ao meu quarto e sim ao dele, que ficava no mesmo andar. Além disso, ele gostou de ver os bilhetes que eu havia deixado ao lado do telefone do corredor, informando o novo número da enfermaria (para emergências), e os avisos explicando as regras do banheiro coletivo. Agora compreendo por que meus pais sempre preferiram 34 que eu passasse as férias no NR do que em qualquer outro lugar. As lições de vida e o espírito de comunidade, passadas de forma imperceptível aos acampantes de geração em geração, fazem com que o NR não seja simplesmente um acampamento ou um local de lazer onde se passa as férias com os amigos, mas um lugar de formação de personalidade, onde se aprende a viver! É por isso que eu também farei questão que meus filhos passem por essa experiência.” Antonio Carlos Penteado Economista “Comecei a freqüentar o NR em Ferraz, em julho de 1969. Estava com 12 anos e fiquei no dormitório dos médios. A partir daí não parei mais, até completar cerca de quarenta temporadas, distribuídas em vinte anos de acampamento. Durante esse período passei por todos os setores: rouparia, banco, salão de jogos, departamento de esportes e tudo o mais. E por todas as categorias, de aspirante a coordenador. Vivi três etapas bem distintas. Primeiro a de Ferraz onde, por ser só masculino, os acampantes não se preocupavam com a aparência. Passavam o dia sujos e suados até a hora do banho no fim da tarde e já iam jantar de pijama. Calça e camisa, só quando tinha cinema em Poá ou pizza em Mogi. Era esporte o dia inteiro. A hora passava rapidinho. Mal iniciava a temporada e lá estavam os pais para buscar seus filhos. Sem dúvida foram as melhores experiências. A era de Agudos trouxe uma mudança radical: temporada mista em um lugar enorme. No dormitório cabiam cem acampantes. Realmente tudo diferente. Foi como começar do zero. Contudo, em poucas temporadas todos já estavam adaptados. Foram dez anos maravilhosos, usufruindo do teatro, três campos de futebol, várias quadras, piscina de 50 m, tudo no meio de uma grande fazenda. Minha terceira fase aconteceu em Sapucaí Mirim. Acompanhei desde a construção, indo quase todo fim de semana dar uma força para o Afonsinho, que ficava lá direto. Cheguei a fazer umas duas temporadas na Fazenda. Passei para aspirante em Agudos e cheguei a coordenador da ala masculina junto com Celso Halpern. Essa vivência foi muito importante para minha formação pessoal e profissional. Além da saudade, guardo da passagem pelo NR uma centena de amizades que permanecem até hoje”. 35 basquete biribol caiaque (para o corpo e para o espírito) cama elástica ecochallenge M equitação futebol handebol megabeisebol minigolfe natação parede de alpinismo pebolim pedalinho pesca pingue-pongue playground pólo aquático rally na lama Diversão e saúde arca registrada do professor Affonso, a prática esportiva sempre foi um ponto forte do NR. Porém, muito mais do que uma herança pessoal, no acampamento as atividades físicas representam um valioso instrumento pedagógico. No plano individual, educam as crianças e os jovens a cultivar hábitos saudáveis, como caminhar e nadar. No âmbito coletivo, os esportes em grupo ajudam a avançar na sociabilização e na conquista de seu espaço no mundo. “Todos somos campeões quando conseguimos superar a nós mesmos, dando um passo que represente o nosso crescimento, não importa em que posição cheguemos ao final da competição”, sintetiza o professor Affonso. E são tantas as opções oferecidas, tanto no NR 1 quanto no NR 2, que ninguém fica fora do jogo por não encontrar algo que lhe dê prazer ou onde se sinta à vontade, de acordo com suas habilidades e características pessoais. Muitos acampantes acabam até descobrindo suas potencialidades em esportes que nunca imaginaram praticar. “Às vezes a gente pergunta a um menino: você sabe dar estrela? Então vem cá, vamos fazer uma apresentação de ginástica olímpica. O garoto aprende a fazer o exercício, volta para casa e na outra temporada chega dando salto mortal porque começou a treinar no clube coisas que ele não sabia que podia fazer”, conta Kito Vívolo. Assim, tudo o que acontece nas quadras do acampamento – dos campeonatos de minigolfe dos pequenos aos torneios de futebol dos marmanjos — é resultado de um trabalho diário e constante no sentido de estimular nossos jovens à prática de esporte em geral. Mesmo os mais tímidos e inseguros vão ganhando confiança e descobrindo quais as modalidades lhes são mais apropriadas. “Os líderes não nascem feitos, precisam ter oportunidades em que vão ganhando segurança e crescendo”, acrescenta o professor Affonso. soft tênis taco tamancobol tênis tirolesa touro mecânico trilha vôlei xadrez 38 O professor Henrique Angielczyk, o Kazi, responsável pela introdução do judô nas primeiras temporadas, lembra que a proposta sempre foi permitir que o jovem se observasse e descobrisse suas aptidões ou suas simpatias por uma modalidade esportiva: “Nós perguntávamos: o que você gosta de fazer? O que seria mais fácil praticar? O que quer experimentar?”. Medalhas e troféus O importante é dar espaço para todos. Mesmo para os que acham que não levam muito jeito. Por isso, o NR faz questão de mostrar reconhecimento a quem se esforça. Em todas as temporadas, diversos acampantes são homenageados com medalhas e troféus esportivos. No entanto, os prêmios nem sempre vão para aqueles que conquistaram mais pontos nos placares. E sim para os que melhor compreenderam a essência do espírito esportivo: o esforço coletivo, a força do trabalho em grupo. Nas “maratonas” (ginganas por equipes) do NR1, por exemplo, os participantes ganham pontos em várias atividades, não só por terem cumprido o objetivo, mas pelo fato de participarem, de enfrentar o desafio. “Até as premiações individuais contemplam os acampantes que deram o melhor de si para contribuir com o desempenho da sua equipe, independentemente dos resultados”, diz o professor Affonso. Afonso Celso Vívolo, Afonsinho Diretor do NR 2 “Comecei em Ferraz. Aos 16 anos, já aspirante, meu pai me incumbiu de ajudar minha mãe com os pequenos, no NR1. Montei minha equipe com jovens da minha idade, como Mauro e Ligia Zaborowsky, Zeca e Marina Cunha. Eu era apaixonado por agronomia mas na hora do vestibular, envolvido com o trabalho, acabei optando por educação física. Uma de minhas atribuições era apresentar o acampamento às escolas e percebi que o NR, apesar de ter boas propostas educacionais e de ser organizado, não chegava aos pés dos concorrentes em termos de estrutura. Ouvir essa avaliação dos donos de colégios me estimulou a idealizar algumas obras, como o minigolfe e os grandes escorregadores da piscina. Fiz ainda o teatro, que leva o nome do meu avô Marcos Brusarosco. Em 87, ajudei na construção da Fazenda. O primeiro chalé foi o Pioneiro, baseado num projeto de Ricardo Van Steen, na época aluno do Friburgo. A primeira planta do chalé Campestre foi feita em um papel de pão, por mim e pelo Marco Antônio. Assim a Fazenda foi se expandindo até chegar à grande obra que é o Village. Ainda me lembro das sensações de medo e de satisfação que senti na primeira temporada no NR2, em 88. Realizado pela concretização da sede, eu sabia que havia muito por fazer. O chão ainda era de terra, a luz vinha de Campos, o gerador não tinha grande porte. Choveu direto, tinha barro por todo canto e o gerador não funcionou. Mas todo mundo curtiu muito a temporada. Hoje, sou responsável pela turma do Village. No momento, estamos fazendo o Museu da Revolução de 32, que terá exposições das peças e uma trincheira para atividades, unindo o lúdico à informação. Também cuido da criação de trutas — uma produção de 30 toneladas por mês —, graças ao incentivo de Rachel, minha mulher, que conhecia meu espírito para agronegócios.” 39 É show na quadra uitas vezes o acampante se sente um verdadeiro atleta no NR. As aberturas dos campeonatos das temporadas acontecem em grande estilo, com ares das festas oficiais. Monitores, acampantes, coordenadores, funcionários de apoio, diretores... quase todo o acampamento se envolve nos preparativos integrando, além das equipes competidoras, a turma da arbitragem, o grupo que cuida das bolas ou dos uniformes, a graciosa galera das “líderes de torcida”, o time de M 40 “jornalistas” que faz as reportagens para o jornal diário. A preparação para a abertura é o primeiro exercício de integração da temporada. E o que prevalece é o espírito de coletividade. No momento tão esperado e prestigiado por todos os acampantes, os atletas fazem o juramento de respeito às regras, aos colegas, aos árbitros, aos adversários. Atletas com trajes típicos representam os cinco continentes, entre outras exibições. A seleção de craques do NR o longo desses 50 anos, os acampantes receberam aulas e treinamento de muitos nomes famosos no circuito esportivo oficial. Da mesma forma, outro tanto de craques renomados despertou para a vida esportiva nas quadras do NR. A Um dos primeiros esportistas profissionais a colaborar com o NR foi o técnico e ex-lutador de boxe Lúcio Inácio. Seu empresário, Jacob Nahum, tinha um filho acampante, David. E, além de trazer o lutador para dar aulas no final de semana, Nahum fornecia as luvas para a garotada praticar. “Porém, essa prática não era bem aceita. Os garotos iam para o ringue só para provar masculinidade. E os pais não viam muita graça em chegar ao acampamento no final de semana e ver os filhos levando socos e sopapos”, conta o professor Affonso. Por sorte, o professor Kazi logo passou a fazer parte da comunidade do NR e introduziu o judô – que, além de contribuir para a defesa pessoal, foi descoberto como filosofia de vida. Outros esportistas e técnicos de várias modalidades atuaram no NR, o que representava um forte estímulo aos acampantes. Muitos deles tinham títulos de campeões brasileiros e sul-americanos: • Edson Bispo dos Santos – campeão brasileiro de basquete e treinador da seleção brasileira • Eduardo Carlos Filippe (Cipó) – integrante da seleção brasileira de basquete • Ilton José da Costa – começou como goleiro de futebol. Jogou no Palmeiras, foi juiz e atualmente é gerente de futebol do Santos • Helinho – jogador de futebol • Emílio – professor e jogador de xadrez Muitos professores de Educação Física dos melhores colégios de São Paulo também vieram integrar a família NR: Emédio Bonjardin, Erasmo, Pedro, Pedrão, Antônio Roque, entre outros. Em cima: • Osmar Lopes – era jogador de vôlei do Adamos, mas já tinha integrado outros clubes no Rio de Janeiro • Henrique Angielczyk (Kazi) – instrutor do NR e introdutor da modalidade de judô no acampamento Embaixo: • Francisco Brusarosco – professor de aeromodelismo e tiro ao alvo • Professor Affonso • Biriba – jogador e campeão brasileiro de tênis de mesa • Amauri Passos – foi jogador da seleção brasileira de basquete. Tinha muitos títulos como campeão, defendendo o Sírio e a Seleção Paulista Flávio Emir Adura Médico e professor da Universidade Federal de São Paulo “O acampamento Nosso Recanto influenciou de forma marcante a minha vida. Ainda recordo com saudade as felizes temporadas que lá passei nos anos 60. Com a fórmula mágica do professor Affonso, a gente era preparado e educado para o futuro, enquanto praticava esportes e se divertia. Garoto introvertido e um tanto inseguro, percebi no NR que levava jeito para o esporte e compreendi que, se desenvolvesse essa aptidão, seria bem mais fácil viver em sociedade. Resolvi apostar nisso. Como me destaquei nos torneios de basquete no acampamento, tomei coragem para praticar esse esporte no Esporte Clube Corinthians. Acabei chegando às divisões principais do clube, numa carreira que me proporcionou muita satisfação. No NR também descobri meu lado artístico. Nas festas de aniversários de acampantes eu tocava violão, modestamente. Mas recebi tantos aplausos que me animei a estudar esse instrumento. Hoje, médico e professor, considero que essa carreira teve início com minha atuação como ‘enfermeiro’ do acampamento, na saudosa Ferraz de Vasconcelos.” Henrique Angielczyk, o Kazi Psicólogo “Meus dois sobrinhos Moacyr e Leonardo Strzygowski freqüentaram a colônia de férias do NR desde as primeiras temporadas, na década de 50. Nessa época, os pais iam ao acampamento no final de semana. Uma vez, fui junto com meus cunhados e assisti a uma luta de boxe. Morando no Brasil há alguns anos, eu era industrial e professor de judô. No primeiro contato que tive com Affonso, logo ficou evidente uma grande empatia. Como meu trabalho permitia que durante as férias escolares eu me ausentasse de São Paulo 42 a partir de quinta-feira, propus a ele a introdução do judô no acampamento, além de me oferecer para auxiliar em outras práticas esportivas como natação, basquete e vôlei. Sempre achei que a gente se ajuda quando pode ser útil ao outro. Essa dedicação me entusiasmava tanto que em nenhum momento o trabalho foi penoso. Ao contrário: me fazia muito bem a receptividade daqueles jovens. Nasci na Polônia e sou uma testemunha do holocausto. Vivi as atrocidades do nazismo, mas sempre achei que se tivesse fé no homem, que possui características tão valiosas como o amor, seria possível uma sobrevivência mais fraterna. E era isso que eu estava experimentando no NR. Ali prevalecia uma filosofia de vida baseada no afeto, no reconhecimento da qualidade do outro. O jovem era sempre valorizado. Porque, no fundo, todo mundo tem algum talento, algo de bom que mereça ser ressaltado. E isso acontecia ao se premiar o melhor amigo, o melhor esportista, o calouro revelação. Existia ainda a presença doce da Jacy, sempre por perto, como um anjo pairando no ar. Eu me identifiquei com a proposta do acampamento e me redescobri. Ali nada era imposto. Tudo acontecia naturalmente. Eu que senti o preconceito de raça e de religião, através do NR pude conhecer um outro jeito de viver. Não posso dizer que não exista preconceito no Brasil, mas ele é tão diminuto que os povos de diferentes nacionalidades, idéias, classes e credos se adaptam facilmente à sua realidade. Aqui eu pude escolher o caminho que me permitiu a realização. Graças também às aulas de português dadas pelo Affonso, consegui passar no vestibular e fazer o curso de Psicologia na USP. Ainda hoje atuo na área”. 43 argila banda biblioteca bijuteria biscuit cinema culinária dança jornal marcenaria mosaico em vidro papelaria teatro 44 Crescer é uma arte esmo sem que a gente se dê conta, a arte permeia toda a nossa existência. Na juventude, ainda mais. Porque é tempo de assumir personagens, de ensaiar para viver a vida, de questionar se o mundo vai nos aplaudir ou nos vaiar! Ciente desse processo do crescimento humano, o NR procura propiciar oportunidades para os acampantes descobrirem os seus melhores papéis. M Teatro, dança, música, literatura, cinema, artes plásticas… diversas manifestações artísticas marcaram os 50 anos do acampamento. No início de cada temporada, o acampante escolhe uma modalidade e participa de aulas, oficinas, ensaios. É a oportunidade de experimentar novas atividades, onde poderão se expressar, se divertir e também levar lembranças concretas dos dias passados no NR. O teatro e a dança sempre tiveram lugar de destaque entre as atividades culturais. A cada final de semana, os grupos se revezam no palco. E todos se preparam com muita dedicação para o grande espetáculo final. Essa apresentação é um dos mais esperados acontecimentos da programação da temporada, com cenários, figurino, iluminação e sistema de som que não deixam nada a desejar para o circuito de arte profissional. Também, pudera... o trabalho é resultado do esforço conjunto de todo o acampamento: quem não gosta de aparecer na ribalta, colabora fazendo cenários, na sala de artes; quem não tem habilidades manuais, ajuda a escrever o texto, e assim todos dão sua contribuição. No início, a atividade cultural no NR exigia uma cuidadosa pesquisa. “A gente aproveitava o Heitor Isoldi, com sua harmônica, para descobrir cantores. Também ensaiávamos poesias e montávamos jograis”, relembra o professor Affonso. Outra atração muito prestigiada, nos primeiros anos, era a noite do cinema, em Ferraz de Vasconcelos ou Poá. Naturalmente, era uma farra sair do acampamento para passear na cidade, uma ou duas vezes por semana. Mas o programa não terminava aí. No dia seguinte, a turma dos maiores se reunia para discutir o tema do filme, trocar idéias sobre o que aprendeu, exercitar seu direito de manifestação e a capacidade de ouvir o outro. Com o tempo, o leque de opções foi se abrindo. Surgiram os grupos de teatro, de dança, de música. Hoje a meninada passa 45 horas na sala de artes e na marcenaria, onde mexem com argila, fazem bijuterias com miçangas, dobraduras e pipas de papel ou ainda preparam presentes para levar para casa, como porta-retrados e caixinhas dos mais variados materiais. Há também a “turma da imprensa”. Jornalistas e fotógrafos registram os melhores — e os piores — momentos do dia: quem se destacou no videokê, quem perdeu o jogo, recadinhos que envaidecem e que provocam gatinhas e gatões… Tudo fica escancarado nas paredes do barzinho. Cortinas sempre abertas teatro exerce um fascínio especial sobre os acampantes do NR. Ou será o NR que desperta nos acampantes a fascinante vocação para a arte? Não importa saber. O fundamental é constatar que os palcos de Ferraz, Agudos, São Roque e Sapucaí impulsionaram grandes revelações — daqueles que se tornaram mais tarde verdadeiros artistas profissionais aos que simplesmente desfrutaram dela para viver momentos de prazer. O Bem longe de ser uma festinha de encerramento de temporada, os espetáculos do acampamento consistem em grandes produções. No início, em Ferraz, as peças eram escritas e ensaiadas pelo professor Affonso. Mas hoje existem testes para os atores, ensaios, exercícios de impostação de voz, composição dos textos, produção e tudo o mais. Além do teatro de características profissionais, os atores e diretores dispõem de camarins completos e um acervo com centenas de peças de figurinos e acessórios. “Sempre tem aquele acampante que vai para o teste pensando em ser 46 ator e acaba encantado com a magia da contra-regra”, conta Márcia Regina Martins, gerente do NR2. Os palcos do NR já abrigaram peças de sucesso como Aí Vem o Dilúvio, Pluft, o Fantasminha, A Bela e a Fera, Cats e O Fantasma da Ópera. Foi na época de Agudos que o teatro ganhou grandes proporções no acampamento. A sala de espetáculos era tão fantástica que poderia concorrer com qualquer similar da capital. Nesse período, o acampamento já era misto e contava com grande participação feminina. Foi também o auge das apresentações de dança. Júlia Vívolo, a Juju, logo passou de acampante a monitora e dedicou todo o seu talento e graça para coordenar os grupos de dança. Nas últimas temporadas de Agudos, já morando nos Estados Unidos, Juju vinha de Nova York especialmente para as apresentações. Acima, João Adura, Roque Monteleone, David Cytrynowicz, e Moacyr Strzygowski no palco de Ferraz Ao lado, grupo cover, dos monitores, em festas de formatura 47 Júlia Vívolo Bailarina “Quando penso no NR, eu penso nos teatros de Agudos e de Sapucaí, palcos onde dei os primeiros passos para me tornar uma bailarina profissional e onde aprendi a amar meu trabalho. Eu comecei a fazer balé aos 4 anos. Tive aulas de clássico com a professora Yolanda Verdier. Mas as apresentações no acampamento ajudaram a definir minha vocação para o estilo moderno. Lembro da primeira coreografia que montei, aos 13 anos, junto com a monitora Iose Pasqualini. Ao ser promovida a aspirante, eu só queria saber da dança. E desde o início com pretensões à altura dos produtores da Broadway, mesmo que adaptadas à realidade do acampamento. Assim, em 1979 montamos um espetáculo com base no tema Viagem ao Centro da Terra, de Rick Wakeman, onde se misturavam clássico, jazz e 48 rock – afinal, era isso que as pessoas queriam dançar! A adesão dos meninos foi outro marco histórico: eles foram fisgados por um número de country que começou com 4 “voluntários”, no início da temporada, e terminou com 12 dançarinos no espetáculo final. Um sucesso. Pelo nosso grau de exigência, parecíamos integrantes do Bolshoi. Mas as condições de trabalho não eram exatamente as do renomado grupo russo… aproveitávamos todos os “buracos” da programação para ensaiar: depois do banho, no intervalo da tarde, de madrugada. Encerrada minha carreira como monitora do NR, iniciei minha carreira artística profissional. Dos palcos do NR, eu brinco, fui para os palcos de Nova York, onde estudei balé a partir de 1982. Então eu voltava ao Brasil nas temporadas, sempre para ajudar nas apresentações. Foram inesquecíveis os momentos ao lado de Fernando Benini, Paulo Schwartz e outras acampantes bailarinas do Teatro Municipal de São Paulo. De tudo isso, me ficou o aprendizado das realizações em equipe, do companheirismo. Mesmo na minha área, onde há uma concorrência acirrada pelo pequeno mercado de trabalho, me vejo como uma pessoa aberta para a competição, sem cultivar os aspectos negativos da competitividade. Devo isso à minha vivência no NR”. A cultura em sintonia com a natureza ovens e rodinhas de violão: aí está uma combinação que sempre dá certo. Ainda mais em um cenário envolvente como a bucólica paisagem de um acampamento. Ao pé de uma árvore, à beira da piscina, na intimidade do quarto, enfim, a música cabe em todos os momentos e todos os lugares. “Envolve o ser de maneira absoluta”, diz o músico Antônio Maurício Vívolo, o Toninho, não por acaso o organizador do Acampamento Musical promovido pelo NR em 1981. J Hoje, muitos acampantes levam para as temporadas seus próprios instrumentos e formam bandas -- que ensaiam num espaço especialmente equipado com tudo o que os músicos e os “técnicos de som” necessitam. Essas bandas se apresentam no Show de Talentos, tocam nas discotecas e acompanham o pessoal do teatro. “Alguns garotos, quando passam do NR1 para o NR2, já avisam que querem tocar na Rock Band. Na temporada de janeiro de 2003, cerca de 20 pessoas se revezaram na banda”, conta Kito, um dos coordenadores do NR2. A cada temporada, novos grupos aparecem e entusiasmam tanto a platéia que vários rapazes e garotas voltam das férias dispostos a estudar um instrumento. Esse entusiasmo já foi tão contagiante que resultou na realização de um acampamento musical, em Ferraz de Vasconcelos. A proposta era oferecer à garotada, entre 9 e 10 anos, um pouco de cultura musical. Em meio a atividades esportivas e brincadeiras, foram incluídas atividades como aulas de gramática musical, projeções de slides sobre o funcionamento de uma orquestra sinfônica, audições de instrumentos diversos. O sucesso do acampamento musical recebeu contribuições importantes como as de colegas Toninho Vívolo profissionais de Toninho, de sua esposa, na época, Pauline Vívolo; e do músico Dieter Gogarten, que fazia parte da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo. Os acampantes fizeram aulas e oficinas de música e prepararam uma emocionante apresentação, no final da temporada. Participaram também alguns estrangeiros, que quase não falavam português. Mas isso não causou qualquer dificuldade, segundo Toninho: “Nós conversávamos na linguagem musical, que é universal”. Michael Tullkop, Toninho Vívolo, Sandra Burstin e Marcelo Kauffman no palco de Agudos 49 Nascidos no berço da arte lguns pais famosos no meio artístico deram sua canja nos palcos do NR. Quem viu, não esquece do palhaço Arrelia, que nas primeiras temporadas ia ao acampamento visitar o filho e aproveitava para arrancar gargalhadas da garotada. O mesmo acontecia com Renato Corte Real, durante muito tempo autor dos esquetes que seus filhos Renato e Ricardo levavam para a turma do NR encenar. A Guto e Júnior, filhos de Moacyr Franco, também brilharam no palco de Ferraz. Nessa época, Mário Papaterra declamava poesias de seu pai, Toninho Vívolo e Fran Papaterra já mostravam seu talento com o violão, Milton Gevertz encantava com a flauta doce e André Klein, com a flauta transversal. Os acordes do violão de Flávio Adura ficaram gravados na memória dos colegas. Enquanto seu irmão João preferia divertir a platéia em papéis cômicos no teatro, ele integrava um grupo musical ao lado de David Cytrynowicz e Romeu Pisani. Anos mais tarde, outra banda, liderada por Eduardo Suplicy, o Supla, e Eduardo Bidilowsky, agitou a temporada de férias. Passaram, ainda, pelo NR, nomes que mais tarde se tornaram profissionais. Como o cineasta Carlos Reichenbach, os atores Débora Bloch e Luciano Szafir, o apresentador Luciano Huck, os músicos Caribe da Rocha e Peninha, e os teatrólogos Fernando Benini, Roberto Lage e Arthur K. de Oliveira. 50 Alexandre Novak, o Lelê Médico anestesista “Freqüentei o NR de 1978 a 1991. Foram 16 temporadas! Na verdade, meu primeiro contato com o acampamento não foi por interesse em uma simples colônia de férias. Em 1978 tive notícias de um provável acampamento musical onde todos os jovens eram interessados por música e eu, na época, tocava piano. Fiz minha inscrição, porém não houve o número suficiente de acampantes e então resolvi participar de uma temporada normal em Sapucaí-Mirim. Sem dúvida foi uma experiência excelente. Estive no acampamento durante quase toda a minha adolescência. Foi lá que conheci os meus melhores amigos. Aprendi a conviver com pessoas da mesma idade, com os mesmos ideais, a ter espírito de grupo e a deixar de lado o egoísmo e a auto-afirmação tão comuns nessa fase da vida. Mantenho contato com o acampamento até hoje e sempre que posso visito o professor Affonso nas grandes temporadas. Parabéns ao NR e que essa luz que o Safo acendeu se propague por muitas e muitas gerações.” Acima, Mário Papaterra, Ricardo Corte Real e Toni Vívolo, em acampamento para funcionários da Arno, nos anos 60 Na página ao lado, acima, Moacyr Franco. Abaixo, Waldemar Seyssel, o palhaço Arrelia, abraçando seu filho, Carlos Alberto de Azevedo Seyssel, à sua direita 51 Milton Gevertz Engenheiro “Fui e continuo sendo um fã incondicional do NR. Foram 20 temporadas bem aproveitadas. Desde pequeno me interessei por música e encontrei no NR condições de continuar minha formação. Em Ferraz de Vasconcelos e Agudos, comecei a levar a flauta (estava iniciando as aulas particulares) para estudar durante o acampamento. Na época, pouquíssimas pessoas levavam algum instrumento, geralmente violão. Imagino que perturbei muita gente com aquele som agudo, as escalas, os exercícios. A tal ponto que um dia os amigos fizeram a brincadeira da caça ao tesouro e esconderam minha flauta no escritório do professor Affonso. Espero ter compensado a turma com as apresentações que fazíamos no teatro. Era bom criar, ensaiar durante a semana para a apresentação do domingo. Inesquecível o grande teatro de Agudos. Uma estrutura profissional, construída dentro de um seminário, numa quase desconhecida cidade do interior paulista. Quem participou, quem esteve em cima do palco, sabe do que estou falando. Daquela espera pelo momento de entrar em cena, do nervosismo e da insegurança, que depois de alguns segundos desaparecem. Da curiosidade em saber se tudo está saindo bem, da torcida pelos colegas, do silêncio da platéia. Do aplauso, da sensação de leveza após o espetáculo, da missão cumprida e da felicidade de ter participado da peça. Numa das primeiras temporadas, integrei o coral, coordenado pelo Toninho Vívolo. Ele conseguia reunir mais de 20 pessoas e chegar a um resultado excepcional em poucos dias de ensaios. O Toninho, que à noite nos deliciava (essa é a palavra correta) com seu violão, fazia grandes grupos cantarem os sucessos da MPB. Tocamos diversas vezes duo de flauta e violão num repertório bem variado, com música medieval, renascentista, barroca e até uns chorinhos. Quantos não se apresentaram no teatro do NR? Só para lembrar alguns: Marcelo Zimberg (Cepolla), André Klein, Carlinhos Algranti, Michael T., Fabinho e Marcelo Kauffman, Supla, Sandra Burstin, os Bidlowski, o Afonsinho… Já como monitor, assumi a coordenação do coral, que tinha vozes assíduas como Fernanda Vidigal e Betina Galperin. Teatro, dança e música se juntaram em algumas ocasiões para compor uma apresentação em torno de um mesmo tema, como o espetáculo em homenagem aos Beatles nos anos 80.” Carlos Reichenbach Cineasta, dirigiu, entre outros filmes, Anjos do arrabalde, Alma corsária e Dois córregos “O ano de 1960 foi marcante em minha vida em razão do falecimento de meu pai. Após o segundo infarto, ele passou por um longo tratamento em casa e com isso, fui transferido do Colégio Visconde de Porto Seguro para o internato de Rio Claro, que também oferecia o alemão como segunda língua. Apesar de ter sido triste a separação da família, a adaptação na nova escola não foi traumática, como acontecia com a maioria dos jovens, em função da minha experiência no NR. No acampamento, aprendi a me virar sozinho, a ser independente, a ter respeito pelas diferenças. Outros valores como entrosamento com o grupo e organização também eram incentivados no dia a dia. O acampamento ficou na minha história. Tanto que a região de Ferraz se tornou referência para mim. Alguns dos meus filmes têm cenas rodadas em Suzano e Poá. Vem também dessa época o meu fascínio por estação ferroviária, outro elemento freqüente em meus trabalhos. Fiz a minha primeira viagem de trem com o pessoal do NR. Me lembro até hoje de uma foto na cabine, eu e meu primo-irmão, Ronaldo Carlos Beich, que vinha do Rio para as temporadas, usando a camiseta da ‘colônia’, com aquelas argolas simbolizando as olimpíadas. Embora durante a infância eu praticasse — e até competisse — mais os esportes ligados a água, no NR ainda jogava vôlei e lutava boxe. Ganhei até algumas medalhas nessa modalidade. Também foi lá que me apresentei em público, cantando, pela primeira vez. Logo eu, que sempre fui tímido e retraído. O NR sempre teve uma visão humanística e aberta. Sua proposta de educação visava a formação. Além de oferecer atividades novas para a maioria daqueles garotos da cidade, como o passeio de trem e a chance de dormir em uma cabana no meio do mato, a gente passava por uma convivência harmoniosa. Você pensava no coletivo, respeitava a liberdade e a diferença do outro. Era algo revolucionário.” Ronaldo Beich, Otávio Mindlin, Carlos Reichenbach e sua mãe, dona Lula Bons companheiros té os 16 anos, acampar no NR é só aventura, diversão e festa. Depois disso, continua a aventura, a diversão e a festa… mas o acampante pode virar “aspirante” e, sem deixar de aproveitar a curtição, começar a ter pequenas tarefas de auxílio à equipe do NR nas atividades com o pessoal. Esse é o primeiro passo na carreira de monitor. A Isso mesmo: carreira de monitor, pois o NR tem um programa de preparação de monitores fortemente estruturado, por meio do qual formam-se colaboradores especializados em receber e atender crianças e jovens, tanto em férias quanto em eventos escolares. 54 Existe um departamento específico para essa capacitação de monitores, sob a responsabilidade da psicóloga Lílian Andreucetti e de Marco Antônio Vívolo Filho, o Kito. Esse setor se encarrega de montar as equipes adequadas às atividades que o NR realiza com escolas e grupos de férias. A carreira de monitor começa em uma temporada de férias. Alguns acampantes são selecionados pela direção e pelos coordenadores do NR para, juntamente com os assistentes e monitores já profissionalizados, desenvolverem algumas atividades a eles atribuídas. Tornam-se, assim, “aspirantes”, cuja atribuição mais importante é estar com os acampantes todos os momentos do dia, ajudando-os em todas as suas necessidades. A escalada da monitoria O aspirante fica nessa função durante algumas temporadas, para se familiarizar com todos os detalhes da rotina do acampamento. Depois, começa a galgar os níveis de “monitoria”. São seis, um por temporada. O monitor joga, brinca, dança e faz tudo lado a lado com a turma. Mas, no final do dia, precisa participar da reunião de avaliação e também fazer relatórios periódicos sobre o Pizza Rato Sumô Pera Bicudo Banana aproveitamento e a saúde de cada integrante do grupo sob sua responsabilidade. À medida em que crescem os níveis de monitoria, diminui a participação do monitor nas brincadeiras e jogos, enquanto aumentam suas responsabilidades na organização e no funcionamento da temporada. Quando completa o nível seis, o monitor torna-se “assistente”. Os assistentes são encarregados de apitar os torneios, organizar as escolas de esportes, montar o espetáculo de final de temporada. Também existem os monitores selecionados nos cursos de Educação Física, Turismo, Pedagogia e Psicologia, que não precisam ser ex-acampantes mas passam igualmente por um processo de formação. Todos os aspirantes, monitores e assistentes atuam sob a orientação do grupo que está no grau máximo da monitoria, os “coordenadores”. 55 Sumô Gabriel Augusto Santoro dos Santos 24 anos, 8 de NR / coordenador “Eu gosto de gente, de estar com as pessoas. E como monitor percebo como posso ser importante na vida das pessoas, nem que seja de um único acampante. Minha responsabilidade, como monitor, é imensa, pois sei que posso influenciar um adolescente, no sentido positivo ou negativo. O mais prazeroso, para mim, é ter sido monitor de algum deles e agora ver esse jovem ou essa jovem trabalhando a meu lado”. Pera Expedito Donizete Pereira 35 anos, 9 de NR / coordenador “Eu nasci na região de Sapucaí e cheguei ao NR para trabalhar como monitor em uma temporada de férias. Confesso que fiquei um pouco assustado. Mas aos poucos, ao descobrir o que era o acampamento, fui entendendo que era um trabalho diferente dos outros... e acima de tudo, de outros acampamentos. No NR a gente exercita diariamente a criatividade, inventa, transforma, renova.” 56 Dêfo Fábio Defourny 30 anos, 8 de NR / coordenador “O relacionamento da gente no NR é intenso. Em um ano, cheguei a ter contato com umas 12 mil pessoas. Montei até um site para me corresponder com os amigos que faço no acampamento. E, mesmo depois de tanto tempo realizando um trabalho de coordenador, ainda me vejo como um grande amigo de todos. Sinto saudades quando eles vão embora, fico gratificado quando um garoto se aconselha comigo como se eu fosse um irmão mais velho.” Taty Tatyana Wolff (à esquerda) 20 anos, 12 de NR / assistente “Os sentimentos de amizade e respeito que eu vivencio no NR, nunca encontrei em outro lugar. Freqüento o acampamento desde os 8 anos, sempre me dedicando muito à dança – antes, como acampante; hoje, como assistente. Nesse posto, procuro preservar o senso de integração das equipes, sempre ajudando os monitores a aprender a compartilhar e a liderar pessoas.” 57 Aprendizado no exterior esde 1976, dois monitores do NR representam o Brasil no Annual Lions International Youth Camp, em Montgomery, no Alabama, Estados Unidos. Tudo começou quando o professor Affonso, que pertencia ao Lions Club da Mooca, foi convidado pelo professor João Fernando Sobral para ser o assessor da juventude da instituição. “Organizei acampamentos para os filhos dos ‘leões’ em Ferraz”, lembra Safo. Nessa fase, o Lions de Montgomery já reunia jovens de vários lugares do mundo para conviver com culturas diversas e conhecer a história norte-americana. D Coube ao professor Affonso indicar os primeiros representantes do país para essa experiência internacional. Os escolhidos para a primeira temporada foram um filho de um integrante do Lions e David Cytrynowicz, um jovem que participava ativamente do NR. Alguns anos depois, o professor Affonso pediu afastamento do Lions mas, a pedido do professor Sobral, continuou responsável pela seleção de dois representantes brasileiros anuais. Foi tão bem-sucedido em seu trabalho que, no início dos anos 80, o então presidente do Lions Internacional, William C. Chandler, recomendou seu nome para receber a Medalha de Apreciação Presidencial. Além do reconhecimento por sua contribuição para o intercâmbio juvenil, a premiação mereceu destaque por ser a primeira Medalha Presidencial conferida a uma pessoa que não integrava o quadro do Lions. “Além do rico contato com pessoas de diferentes nacionalidades, o acampamento do Lions oferece a chance de conhecer vários Estados americanos e visitar locais como Professor Sobral com Carlos Eduardo Pecucci e Rubens Ochini, nos Estados Unidos. Ao lado, Kito Vívolo e Bill Chandler, diretor do Lions IYC, Montgomery, Alabama. 58 certos departamentos da agência espacial norte-americana, Nasa, e o Palácio do Governo em Alabama, onde dificilmente se poderia entrar sem o respaldo da entidade”, diz Kito Vívolo, coordenador do NR. Os irmãos Tiago e Felipe Papaterra, que também passaram por essa experiência, recomendam. “É o top da carreira de monitor”, avalia Tiago. A temporada de 40 dias, exclusiva para rapazes entre 16 e 22 anos, começa geralmente no final de junho. Os jovens ficam hospedados em alojamentos ou em casas de família, mas passam a maior parte do período em viagem. Saem de Washington e vão até o sul da Flórida. Também visitam lugares históricos como o Memorial de Martin Luther King, em Washington, participando de atividades com enfoque nas questões raciais. “Como falamos muito inglês, é praticamente um intercâmbio, que visa ampliar seu conhecimento sobre a cultura americana”, informa Felipe. Tiago acrescenta que, no acampamento do Lions, as atividades não são programadas: “Se você consegue, por exemplo, organizar uma equipe de basquete, o jogo acontece porque a quadra está ali”, diz. Mário de Magalhães Papaterra Limongi Promotor de Justiça "Não apenas eu, mas meus irmãos Francisco, João, Marcelo e Fernando também freqüentaram o acampamento. Mais tarde, foi a vez de meus filhos. Assim, o NR faz parte da vida dos Papaterra. Eu peguei a época romântica de Ferraz: toda semana tinha festa de aniversário, shows. A gente adaptava os textos do Renato Corte Real, declamava poesia e fazia pantomimas. A estrutura era precária: o campo não tinha grama, o piso da quadra era áspero, ralava os joelhos. No entanto, a temporada era mágica, o tratamento excepcional, havia clima de camaradagem, de amizade. Tanto que meus amigos mais próximos vieram dessa fase. Em janeiro de 71, quando já estava na faculdade de Direito, tive outra experiência rica em Agudos. De cara, não gostei muito da idéia de ir como monitor porque imaginei que iria perder minhas férias. Trocar o lazer pela responsabilidade, ter que dar exemplos. Mas acabei topando e vivi a primeira grande temporada mista. Quando comecei em Ferraz éramos 50 acampantes. Em Agudos, a turma passava dos 300. No ano seguinte, encerrei minha carreira — entrei menino e saí no terceiro ano da faculdade. Mas passei a visitar o acampamento, geralmente em dias de jogo de futebol. Mesmo não sendo mais acampante, fiz questão de manter o vínculo. Meus dois filhos, Tiago e Felipe, tornaram-se acampantes bem pequenos. Eu morava em uma cidade do interior que oferecia uma boa qualidade de vida, mas achava importante que os garotos passassem pela experiência de socialização que eu tive. Eles gostaram, fizeram carreira de monitor e participaram do acampamento internacional promovido pelo Lions.” Carta enviada ao professor Affonso por Renato Floh e Daniel Szyfman, enquanto participavam do Acampamento Internacional do Lions, em julho de 2001. “Representar o Brasil e, é claro, o NR diante de outros 52 acampantes de 25 países pode parecer uma tarefa delicada, mas graças à nossa experiência ao longo de mais de 10 anos de acampamento, não encontramos muitas dificuldades. O NR, graças à filosofia implantada por você, possibilitou a formação de grandes acampantes, líderes e, por que não dizer, homens. Ter consciência do quanto o acampamento contribuiu para a nossa formação, compreender e respeitar as tradições e aprender sobre as culturas dos países aqui representados nos levou a estabelecer um estreito laço de amizade, que esperamos perdure por um longo tempo. Além disso, tivemos o orgulho de constatar que o NR possui uma estrutura comparável ao acampamento internacional. Acredite: os nossos chalés são bem mais organizados que os camps americanos. A experiência tem sido interessante. O único porém é que não participamos da temporada de julho. Por isso, sentimos saudade da vida no acampamento, das conversas com os acampantes na hora do banho e na hora de dormir; do convívio com os monitores e com você. Não esquecemos, de forma alguma, do estresse no último dia do teatro. Mas amenizamos a nossa tristeza acompanhando a temporada pelo site.” 59 “É difícil, pra mim, imaginar que tenho 76 anos! O tempo parece que não passou...” 60 O professor Affonso lembra os bons momentos do NR em 50 anos dedicados à formação de jovens Histórias para contar Comboio rumo à aventura No início, as saídas para o acampamento pareciam uma viagem de família. Todo mundo se reunia em frente à casa de um dos garotos. O primeiro posto foi a residência da família Kuperman. Depois, mudamos para a casa dos Kasinsky. Shyl Kuperman e Bibi Kasinsky foram dois entusiastas do acampamento e nos deram muito apoio. Algumas famílias colocavam carros com motoristas à nossa disposição. Farra no trem Nós fazíamos um passeio de Maria Fumaça, de Ferraz a Mogi. Lá, a gente visitava a indústria de máquinas Elgin, que era do pai do acampante Henry Feder, ou passava um dia no Clube Náutico. O trem fazia quatro paradas de dois minutos. Nem preciso dizer que a brincadeira predileta do pessoal, durante esse tempinho, era sair de um vagão e entrar em outro. Uma vez, um dos mais levados não conseguiu embarcar a tempo e ficou na estação. Um monitor teve que voltar pra buscá-lo. Talentos para o mercado O Banco NR era um negócio espetacular. Os acampantes 62 faziam um depósito em dinheiro e recebiam um talão de “cheques” para gastar até o limite depositado. O pai de um dos acampantes, Murilo Macedo, na época presidente do Banco da Lavoura, nos fornecia os cheques e as fichas dos “correntistas”. Os cheques do NR eram aceitos nos estabelecimentos das cidades que visitávamos. No cinema, nas docerias... Imagine cem garotos entrando em Ferraz e Poá, consumindo e pagando com “cheque”. Eles se sentiam muito importantes. A cada temporada, um ou dois acampantes ficavam responsáveis pela contabilidade do Banco. Um deles, o Samuel Berenstein, mandou fazer um carimbo e registrou todos os cheques com seu nome e “cargo”: banqueiro. Outro que assimilou totalmente o papel de banqueiro foi o Martin Glogowsky, que, quando adulto, se tornou diretor do Citibank. Aprontações na cidade Quando saíamos do acampamento, todos iam de uniforme, para facilitar a identificação caso alguém se afastasse do grupo. Uma vez, fomos a uma quermesse típica do interior. Mas os garotos da cidade tinham ciúmes porque as meninas do local ficavam muito entusiasmadas quando os nossos acampantes chegavam. E, como acontece nessas festas, o alto-falante fazia anúncios do tipo ‘o Joãozinho oferece essa música à Mariazinha como prova de amor’. A certa altura, ouvi um anúncio que me deixou em pânico: ‘Os playboys do Nosso Recanto oferecem essa música aos caipiras da cidade’. Ou seja: o pau ia comer… Todo mundo que estava de uniforme saiu em disparada. Tomates e só tomates! Havia uma atividade de acampamento ao ar livre, com barracas montadas no meio do mato mesmo. Uma vez, eu e Francisco Brusarosco levamos o pessoal para um desses acampamento em Suzano. A barraca destinada à cozinha, onde se guardavam os mantimentos, era coberta por uma lona azul. Naquela noite, choveu muito. A lona se encheu de água e começou a vazar sobre a comida. O arroz ficou azul, o pão ficou azul, os temperos… Só deu pra salvar os tomates. Como o caminhão que nos levou não conseguia voltar para onde estávamos por causa do barro da chuva, passamos um dia inteiro comendo tomates e só tomates! As Muralhas de Jericó Mandamos fazer um chuveiro fechado, lá em Ferraz. Era um chuveiro frio para ser usado depois de praticar esportes. Foram levantadas as paredes, foi instalada a ducha... tudo direitinho. Ficou tão bom que resolvemos fazer uma inauguração. Terminada a partida de futebol, todos correram para estrear a ducha. Um monte de garotos se espremendo e fazendo bagunça dentro da cabine. Foi um minuto pra desmoronar tudo! As paredes literalmente desabaram no chão. Depois o chuveiro foi reconstruído e apelidado de Muralhas de Jericó. Sauna improvisada A água dos banheiros era aquecida por uma serpentina. Uma hora antes do banho, o Zé Trator enchia o forno de lenha e acendia o fogo. A água fria esquentava à medida em que circulava pela serpentina. Da quadra de basquete dava para escutar as borbulhas da água fervendo. Aí o pessoal sabia que tinha de correr porque, dali a pouco, o que ia acontecer? Como não existia misturador, a temperatura da água subia sem parar e ninguém aguentava tomar banho. A técnica que eles usavam era a seguinte: se a água estava boa, o cara tomava banho 63 em pé e, conforme a temperatura subia, ia abaixando, ficando de cócoras, porque a água chegava mais fria embaixo. Tinha gente que ficava deitado, porque não dava pra aguentar. Tanto que alguém teve uma idéia brilhante. Quando os acampantes iam dormir, os monitores colocavam bastante lenha no fogo. Como já não saía mais água, só vapor, era só levar as folhas de eucalipto e aproveitar a sauna. Chacrinha na cozinha Depois que a garotada ia para cama, a noite era uma criança para os monitores… eles iam dormir às 4 da manhã, embora tradição: acontece na última noite e todos participam, com pizza e guaraná. diferentes, e faziam os meninos medir o campo de futebol com palitos de fósforo… Guerra de mercúrio cromo Passeio macabro Uma vez, para variar as guerras de ovos, eles resolveram fazer uma guerra de mercúrio cromo. A questão é que saíram correndo uns alvejando os outros com jatos de líquido vermelho, em volta da casa cujas paredes eram brancas. Quando a farra acabou e os danados pararam pra ver, o estrago não tinha tamanho! Eu já estava dormindo e eles sabiam que iam ter de dar um jeito naquilo porque eu iria ficar furioso. Então o que fizeram, em plena madrugada? Arrumaram tinta e caiaram tudo. No dia seguinte, levantei e vi a casa, que era branca, com as paredes cheirando a tinta fresca e… rosadas. Em Agudos, havia um passeio que a garotada adorava. Era feito à noite, em clima de suspense, mas tudo na base da brincadeira. Durante o dia, os monitores preparavam o caminho: colocavam abóboras no mato, penduravam nas árvores adereços que imitavam fantasmas. Uma vez, durante essa preparação do percurso, a Iose Pasqualini e outra monitora conheceram um senhor muito gentil, que as deixou dar uma voltinha em seu cavalo, pois sabia que elas eram do acampamento. À noite, o grupo saiu para o tal passeio. Todo mundo com lanterna, para ir até a “fonte peristáltica” — diziam para as crianças que, se tocassem na água, ficariam com a mão brilhante. Certa hora, a Míriam Born se enfiou na lama e fingiu ter caído na areia movediça. Enquanto as crianças se distraíam com ela, uma monitora correu na frente para se esconder em um buraco e dar um susto no pessoal. Mas, de repente, ela volta pálida, dizendo para os outros monitores: “Vamos embora daqui, pelo amor de Deus, vamos embora!’. Só mais tarde entendemos o que aconteceu. O homem que as monitoras encontraram à tarde estava voltando pelo mesmo caminho. Ela, no buraco, ouviu o barulho e perguntou: ‘Quem está aí?’ Ele respondeu: ‘Sou eu’. Trote com respeito às 7 estivessem de pé. Uma das brincadeiras mais apreciadas era invadir a cozinha, de madrugada, na surdina... o que deixava os cozinheiros malucos porque a turma da “chacrinha” fazia uma boquinha com o que tivesse pela frente! Quem ficava muito bravo com essa história era o Zé Mineiro, um vigia noturno baixinho que andava com uma espingarda mais pra botar panca, porque a arma era do tamanho dele. Hoje essa chacrinha foi institucionalizada e virou 64 Nunca gostei da brincadeira do trote porque achava que podia ser constrangedor para o garoto que acabava de chegar ao local e não conhecia ninguém ali. Mas em uma fase do acampamento, essa tradição existiu e acontecia no penúltimo dia da temporada, quando o acampante já estava enturmado com o grupo. Mesmo assim, as aprontações eram leves, não podiam ter falta de respeito e duravam no máximo uma hora: os veteranos davam nó nas roupas dos calouros, misturavam coisas de quartos Imagine ela sozinha, no escuro, ouvindo o homem… em vez de dar um susto, foi ela que levou o susto. De Ferraz, ficaram na memória os jogos de basquete, os acampamentos ao ar livre e a amizade da turma Acima, João Adura entrega flâmula comemorativa dos 10 anos do NR 65 Kito Vívolo recorda o grande lance de Safo “Abdul Jabah” Na temporada em que o professor Affonso estava comemorando 70 anos, houve um jogo que ficou famoso como o Safo 70. Ele tinha trazido dos Estados Unidos uns óculos que protegiam os óculos de grau durante o jogo. E o pessoal logo começou a chamá-lo de Safo Abdul Jabah porque o Karin Abdul Jabah, conhecido jogador de basquete norte-americano, usava um modelo parecido. A marca registrada do Abdul era uma técnica chamada “gancho”. Por coincidência, o Safo também era muito bom no gancho. Na noite de abertura, com o ginásio lotado, ele recebeu uma bola quase no meio da quadra e fez um gancho dessa distância. A bola caiu direitinho na cesta. Foi uma festa! A arquibancada explodiu em um grito só, o ginásio veio abaixo. Os sete Safos O acampamento nasceu em Ferraz de Vasconcelos, num sítio de dois alqueires e meio. Os dormitórios, refeitório, salão de jogos e campos eram distribuídos dentro dessa área. E eu conseguia estar presente durante todo o dia, até a hora de 66 recolher, em todos esses lugares, quase ao mesmo tempo. participação, que era para todos uma forma de prestigiá-los. Depois de Ferraz as coisas mudaram. Agudos, o novo local era muitas vezes maior mas a tradição continuou: eu acompanhava de perto todas as atividades. Os acampantes sempre admiraram essa Surgiu então a lenda dos sete Safos, que atravessou os tempos e não mudou quando passamos para a Fazenda em Sapucaí. Recentemente estávamos para receber quase 500 acampantes. Bem cedinho, os monitores se encarregaram de arrumar os chalés, cuidar da montagem das camas e dos armários. Tarefa cumprida, todos se encontraram no café da manhã e o Kito comentou que às 8 e meia eu tinha estado no chalé dele para conferir as camas, os armários etc. Então o Rafael falou que nesse horário eu também tinha passado pelo seu chalé. E a Fernanda Vívolo acrescentou: “No meu também!” E o Pera: “no meu também!” O tempo passa, os lugares mudam mas a lenda continua. O ataque das abelhas africanas Às vezes a gente ia ao Doctor’s Club, lá em Ferraz. Num galpão, estava um armário antigo, e detrás dele saía uma ou outra abelha. Num dia, o Ricardo Vívolo disputava com um acampante quem acertava não sei o quê aonde. Só lembro que ele atirou uma pedra nesse armário... que escondia uma casa de abelhas africanas! Elas saíram enfurecidas. E todo mundo correu pra se jogar na piscina. Um de nossos acampantes acabou perdendo uma máquina fotográfica novinha. Foi um susto e nunca mais a gente voltou àquele clube. O misterioso Zé do Pinho Existe uma tradição no acampamento que é o sino. Todas as atividades começam após o toque de sino. Em Ferraz, o sino ficava preso a um coqueiro e às vezes caíam aqueles coquinhos amarelos, pequenininhos, bem em cima dele. Então era aquele silêncio, à noite, e de repente se ouvia um pim… pim… Acho que um monitor mais sofisticado aproveitou a idéia do coquinho, amarrou um fio de náilon transparente no badalo e puxou até o quarto. De madrugada, não deu outra: o sino começou a “badalar sozinho”. E imediatamente surgiu a história do Zé do Pinho, um fantasma que tocava o sino. Mas o curioso é que a história foi se modificando, ao longo dos anos. A primeira versão conta que o Zé do Pinho teria sido um escravo que foi enterrado embaixo do sino porque a área de Ferraz tinha sido um cemitério. Depois disseram que ele era um funcionário antigo e muito fiel a mim. Tinha um espírito bom e brincalhão, por isso pregava peças. Os monitores começaram a contar a história do Zé do Pinho para as crianças e a personagem crescia e se enriquecia à medida que os pequenos acampantes faziam perguntas sobre ele. Com a mudança para a Fazenda, inventaram explicações até para justificar como o Zé do Pinho pode aparecer por lá, já que foi enterrado em Ferraz. E chegaram até a espalhar que ele gostava de comer chocolate. Aí os garotos passaram a deixar bombons para o Zé do Pinho, em cima das camas... Hoje tem o dia do aniversário do Zé do Pinho, nas temporadas. Ele é a única pessoa que aniversaria duas vezes por ano: em julho e janeiro! Para resgatar essas histórias memoráveis, colaboraram Iose Pasqualini, José Inácio (Zezinho), Kito Vívolo, Márcia Regina Martins e Marco Antônio Vívolo 67 A família Vívolo Até parece que foi ontem. Lembrar de tudo que aconteceu nesses 50 anos de vida do Nosso Recanto seria impossível. Mencionar o nome de acampantes, pais, professores, monitores, assistentes e funcionários que participaram conosco dessa idéia seria justo, mas arriscado. Temo que, aos 76 anos, minha memória me trairia. Mas devo dizer que não teria chegado a construir o NR sem a colaboração de muita gente. Em 1953, falar em acampamento de férias para jovens era difícil. Imaginar o quanto essa prática poderia acrescentar na formação de cada um seria pretensioso. Hoje, diante dos resultados alcançados, constatamos que não era uma utopia, nem um sonho simplesmente. Mas uma proposta de vida. E somos profundamente agradecidos. Agradecidos a todos que de alguma forma colaboraram conosco nesses anos todos. O Nosso Recanto realmente é nosso: da Jacy, meu, dos meus filhos e netos e nosso, porque é de vocês que ajudaram a construí-lo, e de seus filhos, que continuarão a tarefa de engrandecê-lo. 68 Marco Antônio Afonso Celso Foi acampante desde os 11 anos. Fez toda carreira para se tornar monitor, atuou como assistente e hoje é um dos diretores do Nosso Recanto, responsável pela administração da empresa. Dirige as temporadas do NR1, com a turma de crianças menores. Coordena, nos dois acampamentos, as equipes de enfermeiras e de médicos. Em 1980, idealizou e iniciou, com um grupo de médicos da Escola Paulista de Medicina, o acampamento para crianças e jovens portadores de diabetes, que coordena até hoje, juntamente com sua esposa Sandra. Atualmente é presidente da Associação Brasileira de Acampamentos Educativos (ABAE). Seus filhos, Fernanda, Marco (Kito) e Rafael estão engajados no acampamento e têm a mesma vocação do pai e dos avós. Como os irmãos, começou no acampamento aos 11 anos e chegou a assistente. Dirigiu, junto com a mãe, Jacy, o acampamento dos menores no NR 1, onde criou atividades novas e construiu a maior parte das instalações. Formado em educação física, contribuiu para incrementar todos os esportes. Durante a construção do NR 2, em 1987, esteve à frente de uma equipe de 200 trabalhadores para concluir a obra. Juntamente com seu pai, dirige o NR 2. Em 1978 participou do Acampamento Internacional do Lions em Montgomery, representando o Brasil. Iniciou no acampamento uma criação de trutas que é, sem dúvida, a maior do país e vem sendo utilizada por muitas escolas no programa de estudo do meio. Casou-se com Rachel, jovem que conheceu no acampamento. Da esquerda para a direita, os filhos Marco Antônio, Afonso Celso, Maria Júlia, Ricardo e Antônio Maurício. Maria Júlia A única menina entre os cinco filhos. Aos 6 anos, fez parte da primeira turma feminina em Ferraz. Seguiu carreira até se tornar assistente. Atuou durante anos na coordenação das turmas femininas de Agudos. Sua paixão pela dança a levou até Nova York, onde realizou diversos cursos de jazz, sapateado e dança moderna. Desde que foi para o exterior, não deixou de vir ao Brasil para dirigir o grupo de dança do acampamento. Graças à sua participação, essa atividade hoje é uma tradição que envolve a maior parte das acampantes. Mestre pela Universidade de Nova York, foi contratada para lecionar em Firenze, na Itália. Mesmo vivendo na Europa, continua prestigiando as turmas da dança nas férias de janeiro. assistente. Sua atividade de empresário não lhe permite hoje maior presença no acampamento mas continua atuando como consultor. Seus três filhos seguem o caminho dos pais: a Juliana e a Patrícia são assistentes; o Marcelo está envolvido na atividade de Rally, onde tem se destacado atuando como navegador nas provas em que o pai é piloto e na equipe oficial da Mitsubishi. Antônio Maurício Desde pequeno o envolvimento de Toninho no acampamento esteve voltado mais para a música. Quando se tornou assistente, e já casado com Pauline, dirigiu o Acampamento Musical do NR. A experiência motivou alguns participantes a desenvolverem sua vocação pela música. Sua passagem pelo Acampamento Internacional ficou marcada por seu violão. Deixou de freqüentar o NR ao ser contratado pela Orquestra Sinfônica de Salvador. Depois, mudou-se para a Holanda, onde tocou por 5 anos. De volta ao Brasil, continua a se dedicar à música. Alguns acampantes têm aproveitado seus ensinamentos nas aulas de violão. Seus filhos, Zeno e Felipe, tornaram-se monitores. Vivem na Holanda mas esporadicamente participam das temporadas. Tia Jacy, Safo e netos. Ricardo Como acampante, sempre foi muito ativo e selou grandes amizades ao longo dos anos. Fez toda carreira para monitor, tornou-se assistente e foi, durante muitas temporadas, o organizador da parte burocrática do escritório em São Paulo. Viajou para os Estados Unidos no programa do Lions de Montgomery. Fez administração na Getúlio Vargas e casou-se com a Vera, que também foi acampante chegando a 69 O caminho da felicidade e do sucesso Para um homem como Affonso Vívolo, esportista nato, acostumado a lidar com estudantes, a idéia de montar um acampamento foi como um jorro de água sobre sementes em terra fértil. A experiência das férias ao lado do aluno, quando logo se pôs a organizar atividades com a garotada do hotel, fez germinar uma brilhante vocação. FERRAZ – 1953 a 1978 ob o estímulo de amigos e familiares, seu projeto foi criando raízes e desabrochando. Em casa, a namorada Jacy deu apoio total. O pai dela, Marcos Brusarosco, e o tio, Armando Inácio, entusiasmaram-se tanto que ofereceram o sítio da família, em Ferraz de Vasconcelos, para receber os S 70 primeiros acampantes – entre eles os alunos do ginásio São Judas Tadeu, em São Paulo, onde o professor Affonso lecionava. O incentivo dos pais desses alunos também foi determinante para tudo dar certo. Os Vívolo recordam com carinho e agradecimento as preciosas contribuições de Shyl Kuperman e de Bibi Kasinsky nas primeiras temporadas. Transformar o sítio Nosso Recanto em uma “colônia de férias” não era difícil. O lugar, 54 mil metros quadrados de área verde com um grande bosque, era extremamente agradável e propício. Mas exigia muito trabalho! A essa altura, Jacy e Affonso já não eram mais noivos. E sim jovens recémcasados com muita garra para construir uma vida em comum. De volta da lua-de-mel, em fevereiro, os dois arregaçaram as mangas dispostos a receber os primeiros 28 acampantes nas férias de julho. Não faltou apoio: pais, sogros, tios e primos se envolveram na empreitada. Em quatro meses, compraram beliches, adaptaram as acomodações, fizeram um campinho de futebol, uma quadra de basquete, uma de vôlei e uma cancha de bocha (esporte, é claro, não podia faltar!). O galpão que já existia serviria para ser usado ora como salão de pingue-pongue, ora como refeitório. Em julho, estava tudo pronto para receber a turma de meninos entre 10 e 15 anos. Sozinho, o professor Affonso dava conta da programação esportiva e recreativa, além de cuidar da administração geral – compras, cozinha e manutenção. “Logo na primeira temporada escolhemos alguns dos rapazes maiores, de 15 anos, que demonstravam capacidade de liderança, para serem os primeiros monitores. Entre eles estavam Carlos Polini, Armando Nakakubo, Elcio Isoldi e Humberto Casarini”, registra o professor. A participação da família nas atividades do acampamento continuou, ao longo dos anos. Francisco Brusarosco, irmão de Jacy, gostava muito de acampar. Ex-escoteiro, Chico chegou até a levar 4 a 5 rapazes, equipados com mochilas, cantis e barracas, para acampar ao ar livre na região de Mogi das Cruzes. Nos finais de semana, ele ia ao acampamento dar aulas de tiro ao alvo e praticar aeromodelismo com os garotos. Primo de Jacy, filho de Armando Inácio, José Inácio, o Zezinho, fez uma temporada como acampante e na seguinte já se tornou monitor. Hoje é o gerente responsável pelo NR1. No início, o ponto forte das temporadas eram os esportes: futebol, basquete, vôlei, judô, pingue-pongue, xadrez e até boxe. Anos depois, foram compradas mais terras e escavou-se um lago, onde a garotada nadava e passeava de bote. Outra novidade que veio com o tempo foi a construção de um salão, com um palco, ao lado do refeitório. O professor Henrique Angielczyk, responsável pela introdução do judô no acampamento, foi um dos que mais se dedicou a essa obra. Armando e Esmeralda Inácio na inauguração da represa do NR 2 Professor Chico do aeromodelismo A cada temporada, o NR ia se tornando mais conhecido e a procura por vagas crescia. Era preciso aumentar os dormitórios. Mas não havia muito fôlego para altos investimentos. Foram surgindo galpões simples, sem forro. “A cobertura era de telha de amianto. Fazia um frio danado no inverno e um calorão no verão”, lembra o professor Affonso. Mas ninguém se incomodava com esses pequenos detalhes, nem se importava de passar 71 quase um mês longe do conforto de casa. Ao contrário, a vida no NR era uma aventura instigante. Tanto que, os primeiros tempos de Ferraz, os pais podiam visitar os filhos aos domingos para matar a saudade e para conhecer a rotina das crianças no acampamento. Duas turmas de Ferraz: em 1957 e em 1978, na comemoração dos 25 anos do acampamento Também em Ferraz, o professor Henrique (Kazi) em cerimônia de hasteamento da bandeira Depois do café da manhã, os católicos iam à missa e os de outra religião permaneciam no acampamento preparando a recepção para os visitantes. Nesse dia, os pais participavam de atividades esportivas e assistiam a espetáculos artísticos. Um dos pais mais entusiastas do NR foi Paulo Pascowitch, que patrocinava famosos churrascos para todo o acampamento. Em cinco anos de existência, o NR acolhia de 40 a 60 acampantes. Em 15 anos , chegou a 100 jovens por temporada. Já havia uma experiência razoável de acampamento quando começaram os pedidos para formar um grupo feminino. A idéia inicial foi organizar turmas distintas. Assim que acabou a temporada tradicional masculina, começou a feminina, também com limite de idade de 15 anos. Mas essas primeiras turmas femininas foram junto com os meninos menores, até 9 anos. Tia Jacy, Terezinha Brusarosco e Ilse Kohl de Oliveira comandavam as temporadas dos menores, ajudadas pelos monitores Zezinho e Miltinho de Barros Freire. SÃO ROQUE – 1969 a 1971 O sítio do Ingá, na Serra de São Roque, foi a primeira extensão do NR. Em 1969, os acampantes mirins deixaram Ferraz e ganharam um local próprio, totalmente adequado a atividades voltadas a crianças menores. Tia Jacy lembra de uma das primeiras temporadas em São Roque que entrou para a história. Eram 64 crianças chegando e o acampamento de repente fica sem água. “Fiquei desesperada. Como íamos fazer, 72 duas semanas para cozinhar, lavar roupa? Não tive dúvidas. Fui para a cidade falar com o prefeito. Em poucas horas recebemos um caminhão pipa, que deu pelo menos para cuidar da alimentação”, conta ela. A criançada nem notou o problema. Até saiu ganhando: “Inventamos um passeio diário ao clube local. Todo mundo caía na piscina e já voltava para o acampamento de banho tomado”, recorda Jacy. Roberto Kasinsky Criador de peixes em Miami, EUA “Para descrever de forma suscinta o que representou o NR na minha vida, primeiro preciso lembrar como nasceu a idéia de fazer o acampamento. Aí entra a minha querida mãe, que foi talvez a pessoa com quem o professor Affonso e a Jacy trocaram idéias no sítio Santa Mônica, na represa Billings, onde passávamos quase todos os finais de semana juntos com a Lula e o Carlos Reichenbach. Foi lá que minha mãe fez várias referências aos campings americanos, e o quanto seria formidável os filhos poderem aprender os esportes e conviver em harmonia e respeito. Sei que a família Vívolo continua com o NR no mais alto padrão, passando para os seus filhos a vontade de formar, quem sabe, os meus netos — que precisam escutar de mim todas as experiências vividas no Nosso Recanto.” No palco, Roberto Kasinsky. Abaixo, a primeira turma mista de Ferraz, em fevereiro de 1967 Por causa da cabeça aberta e do fácil contato que o professor Affonso tinha e tem com os jovens, foi que ocorreu a ele e a Jacy oferecer o sítio de Ferraz de Vasconcelos para que fosse realizada a primeira temporada de férias. Não me lembro como passei o mês, mas é viva a lembrança da despedida e a alegria da chegada dos pais para a festa de encerramento. Tive o prazer de fazer amigos que cruzam comigo até hoje e que não consigo esquecer, de tão importante que foram para minha formação. Devo enfatizar o espírito de equipe que foi sempre ensinado lá e a necessidade de cuidar das próprias coisas e respeitar as dos outros. Freqüentei 17 temporadas e cheguei a monitor. Não creio que meus pais poderiam encontrar uma alternativa melhor para as minhas férias. Por isso incentivei meus filhos a irem para o NR e creio que foi bom para a formação deles. 73 AGUDOS – 1971 a 1987 proposta de acampamento, juntamente com alguns seminaristas, entre eles Luiz Antônio Bochio, deram o impulso às atividades daquele verão, iniciando uma nova era no acampamento. m janeiro de 1971 começou a funcionar mais uma unidade do NR, na cidade de Agudos. A novidade era o grande número de acampantes adolescentes de ambos os sexos. A essa altura, em Ferraz, as férias de inverno continuaram a ser só masculinas (até 1978), quando o local foi reservado para atender apenas grupos de escolas e igrejas. E A mudança para Agudos representou um salto de qualidade e profissionalização para o NR. Mais espaço, infraestrutura completa, o local tinha piscina semi-olímpica e teatro para 400 pessoas. Isso só foi possível por interferência do Frei Agostinho, renomado educador, que entendeu a vocação do seminário como local de férias, proposta por seu amigo, professor Affonso. A geração de monitores e assistentes de Ferraz, convocada a colaborar para desenvolver a nova 74 Como a tia Jacy permanecia dirigindo a turma dos pequenos, várias figuras femininas colaboraram nesse início. Mas quem passou a progressivamente liderar o grupo, inclusive por ter uma atuação importante na parte esportiva, foi a Márcia Regina Martins, hoje gerente responsável pelo NR2. Torneios de várias modalidades esportivas, competições de natação, inclusive noturnas, cerimônia de abertura dos campeonatos, entraram para a história. Grandes festas após a aprovação dos aspirantes e apresentações de teatro e dança foram marcas registradas das temporadas de Agudos. Todo final de semana havia um espetáculo de teatro e, no encerramento da temporada, fazia-se uma apresentação especial, que era ensaiada desde o primeiro dia. Foi a fase de acampantes e monitores que mais tarde se destacaram profissionalmente na área artística, sob a direção de Fernando Benini e Roberto Lage, entre outros. O teatro de Agudos era praticamente profissional. Os espetáculos, superproduções que envolviam todo o acampamento, contavam com participações dos grupos de dança, de música, do coral. Nos bastidores, as turmas do artesanato e da marcenaria se desdobravam para adaptar o palco e criar cenários — veteranos mais entusiastas traziam textos e materiais de Nova York, especialmente para as peças do NR. Monitores e acampantes chegavam a fazer ensaios durante a madrugada, no bom estilo dos atores da Broadway. Chegou-se a ter, em uma temporada de 400 acampantes, 200 envolvidos na peça, entre bailarinos, atores, contra-regras e pessoal da música e iluminação. Ficaram na memória de Agudos montagens de clássicos como Gimba, Dom Quixote. Mais tarde, com o mesmo espírito de grandes performances, foram montadas, na Fazenda, O Fantasma da Ópera; A Bela e Fera; Simbá, o Marujo; Cats; Aí Vem o Dilúvio; Violinista no Telhado; Grease; e Sociedade dos Poetas Mortos, entre outros. Ricardo Vívolo pela marcenaria. Eu e a garotada da vizinhança lavamos carros para levantar dinheiro e comprar uma serra tico-tico. Com ela fizemos cúpulas de abajur. A brincadeira virou negócio, logo recebemos encomenda de 200 peças. Minha mãe me incentivou a aperfeiçoar a técnica com dona Uta, para levar a atividade ao NR. Assim, criei a marcenaria, em São Roque. época, os primeiros colocados nos quesitos ordem e disciplina ganhavam a noite da pizza. Quem ficava em segundo lugar ia explorar os arredores na caçamba de uma F 75, dirigida por mim. Eu me divertia mais do que a molecada. Empresário e consultor do NR “Sempre fui muito agitado, mesmo antes de estrear no acampamento, na primeira temporada mista em Ferraz. Tive passagens marcantes. Quase fui expulso por ter involuntariamente provocado um ataque de abelhas africanas e fui reprovado em um processo de promoção a aspirante, em Agudos. Mandado de volta para Ferraz, eu fazia o que gostava. Me tornei responsável pelo aeromodelismo e pelo departamento de esportes. Confesso que nunca tive talento para educador, afinidade com o teatro, nem tinha jeito com crianças. Mas gostava da parte organizacional do acampamento. Aos 13 anos, descobri o gosto Foi onde conheci minha mulher Vera. Eu tinha 11 anos e já dizia que me casaria com aquela garota com quem convivi durante muitas temporadas. Começamos a namorar quando eu estava na faculdade. Há 5 anos participo das competições de Rally pela Mitsubishi, com meu filho como navegador oficial. O interesse por esse esporte vem de Agudos. Na Sempre tive incentivo de meus pais, por quem tenho enorme admiração. Meu pai foi à luta para estudar e se tornou um grande educador. Poderia ter levado uma vida tranqüila se fizesse carreira nas empresas por onde passou, mas preferiu se dedicar ao acampamento. Minha mãe nos mostrou o valor dos estudos, explicando que essa herança ninguém conseguiria nos tirar. E sabiamente completava: ‘façam o que vocês quiserem, mas façam bem-feito e sejam os melhores’”. José Inácio, o Zezinho Gerente do NR 1 “Quando fiquei sabendo que o sítio do meu pai e do meu tio, lugar onde eu passava as férias escolares, ia se transformar em um acampamento eu nem acreditei! Tinha 13 anos e logo me alistei ao pelotão de ‘reformas’: ajudei a pintar árvores, fazer cercas, consertar janelas… Mas só fiz a primeira temporada como acampante dois anos depois da inauguração do NR. No ano seguinte, já passei a monitor – posição em que também fiz de tudo um pouco. Ia de charrete comprar alimentos, atuava como enfermeiro. Fui o primeiro premiado com o troféu de ‘Melhor Amigo’. Mais tarde, esse prêmio se tornou o de ‘Melhor Acampante’ e fui eu quem o entregou ao meu primo, Marco Antônio Vívolo. 76 O NR foi e é a minha vida. Hoje cuido do NR1 e moro lá com minha mãe. Recentemente, voltei a Ferraz de Vasconcelos com ela, para uma visita ao local que foi a primeira sede do acampamento. O lugar foi transformado no Parque Municipal Nosso Recanto. Foi uma emoção indescritível ver que, além do nome, muitas coisas permanecem como no tempo em que a gente brincava por lá. O ‘mato’, como chamávamos o bosque, continua igual; o coqueiro ainda tem a marca do sino do acampamento; os alojamentos, intactos, estão sendo usados como salas de aulas. Fiquei feliz. O local continua sendo um espaço destinado à formação e ao lazer da comunidade”. Márcia Regina Martins Gerente do NR2 “Conheci o Afonso Celso Vívolo, o Afonsinho, no vestibular para o curso de Educação Física. Graças a ele, minha vida mudou. Fiz minha primeira temporada como monitora no NR em Agudos, em janeiro de 79. Nessa época, já existiam os torneios, os campeonatos, o pessoal também ganhava medalhas. Mas eu sentia falta de uma cerimônia para valorizar a temporada de jogos, como um grande início de torneios, com apresentações das equipes, juramentos dos atletas, num clima verdadeiramente esportivo. Foi então que propus criar as aberturas dos jogos. Na primeira abertura que fizemos em Agudos, o Toninho nos ajudou a montar a fanfarra, que ia puxando as equipes. As meninas da dança também foram responsáveis pelo sucesso da apresentação. Aos poucos, foi-se criando uma mentalidade esportiva. O pessoal aprendeu a não jogar de chinelos, por exemplo. O grupo foi incorporando esses detalhes e a gente conseguiu colocar novos esportes na programação. Lançamos o handebol feminino (antes só existia o masculino) e arrumamos a quadrinha para que as meninas tivessem uma opção à queimada. Como eu fazia atletismo, introduzimos essa modalidade, mas não era muito simples porque o lugar era rústico. Em janeiro de 88, a inauguração da Fazenda deu início a uma nova fase. Ter uma sede própria facilitava a montagem e a decoração das apresentações, havia uma melhor infra-estrutura para as atividades esportivas. O acampamento foi responsável pela grande definição não só da minha vida profissional, mas também da minha história pessoal. Foi lá que conheci meu marido Paulo Forlin. É na Fazenda que moramos, trabalhamos e pretendemos criar nossos gêmeos, que vão chegar justamente nesse ano de tantas comemorações para a família NR.” Marina Brusarosco Cunha, coordenadora pedagógica, José Luiz Cunha (Zeca), administrador de empresas, Daniel e Luciano “Além da grandiosidade do trabalho e de tudo que vocês construíram, o que fica para nós e para os nossos filhos é o exemplo, a lição de como a determinação, o amor e a dedicação podem conseguir coisas incríveis. Obrigado por tudo que vocês nos proporcionaram e parabéns pelos 50 anos do Nosso Recanto.” “A letra do hino do acampamento foi composta por mim. Numa tarde bucólica, debaixo da ameixeira.” Professor Affonso 77 SAPUCAÍ MIRIM – 1972 s atrações se multiplicaram e, com elas, o público. Uma nova mudança se fez necessária para manter a proposta educativa do NR. Em 1972, decidiu-se transferir os acampantes menores para uma nova unidade em Sapucaí Mirim, uma colhedora cidade do sul de Minas Gerais. O prédio, um antigo seminário da ordem Sion, começou modesto e hoje acomoda com conforto 200 pessoas. E a área de uma natureza e clima privilegiados, aos poucos foi se transformando pelas mãos do casal Affonso e Jacy e posteriormente pelo entusiasmo do Afonsinho que deu impulso a uma nova era de crescimento das instalações, até chegar ao seu diversificado espaço da atual estrutura que abriga 2 campos de futebol, ginásio poliesportivo, salão de jogos, 10 pistas de minigolfe, touro mecânico, 2 piscinas com toboágua de 14 metros, lago para pedalinhos e para pesca, área para tirolesa, casa de bonecas, parede de alpinismo, teatro para 300 lugares, barzinho e discoteca. A Em janeiro de 1988 foi inaugurado o NR2, também em Sapucaí. Surgiu a “Fazenda”, em 78 área de mais de 70 alqueires contornados pela mata da Serra da Mantiqueira, por onde hoje distribuem-se ginásios, quadras, lagos, piscinas, teatro, oficinas de artes, e estruturas de hospedagem que vão do chalé Pioneiro ao sofisticado complexo “Village”. A Fazenda veio com a difícil incumbência de suceder Agudos, não apenas na sua estrutura grandiosa, mas, também nas temporadas de sucesso. Não decepcionou. É claro que todos se lembram da temporada inaugural com muita chuva e muito barro, após um ano de muita luta liderada pelo Afonsinho. Mas o tempo foi passando, as melhorias acontecendo, até superar os números anteriores, pois hoje o NR2 hospeda, confortavelmente 450 pessoas. Sua estrutura aliada à beleza natural faz dessa unidade do NR um lugar extremamente prazeroso. O NR, entre outras coisas, é muito conhecido pela excelente cozinha. Pela história da culinária do acampamento, que hoje tem uma padaria profissional instalada na Fazenda, passaram figuras inesquecíveis, a começar pela cozinheira mineira da primeira temporada. Impossível esquecer de Sebastião, o gordo pernambucano; Aristeu, que também era pára-quedista e bailarino; e Mário, um italiano cineasta, refugiado da guerra, que preparava pratos suculentos da cozinha de sua terra e, nas horas vagas, ensinava trechos de ópera ao grupo. As irmãs, cozinheiras-chefe de Agudos e início da Fazenda, dona Cida e tia Conceição Ferreira, começaram há 35 anos, como ajudantes. Hoje, Carlão, Vanildo e Osvaldo, no NR2, Alessandro, Maria e Janda, no NR1, são os responsáveis pela continuidade do sucesso. Celso Zlochevsky Cardiologista infantil “No encontro de veteranos comemorativo dos 50 anos do NR, senti como se não houvesse passado trinta anos, desde o meu último acampamento. Durante 12 anos freqüentei a ‘colônia`, férias após férias, com o mesmo entusiasmo. Primeiro como acampante, depois como monitor e assistente. Foram anos de convívio com um pessoal sempre determinado a nos orientar, educar, treinar e divertir. O último reencontro com os veteranos foi acima de tudo emocionante, além de propiciar um fim de semana inesquecível.” Iose Pasqualini Empresária “Sou veteraníssima do NR. Estudei no Friburgo, quando o professor Affonso e a tia Jacy eram os donos. Depois fui convidada a ir para o NR. Para mim, tudo surpresa e expectativa... A partir daí, muitas temporadas se passaram. Pena que a vida nos obriga a crescer e trabalhar no que escolhemos como profissão. Agradeço a Deus por tê-los colocado no meu caminho e ter me dado a chance de conhecer os ideais do NR. Ideais iguais aos pensamentos dos meus pais, que sempre tiveram o maior prazer em que eu freqüentasse o acampamento. O principal de tudo que aprendi é que devemos respeitar o próximo, independentemente de sexo, raça, religião ou posição social. Essa lição hoje me orienta no dia-a-dia, no trabalho, enfim, em tudo o que faço.” No alto, paisagem do NR 1, em 1972 No centro, construção do NR 2, em 1987 Embaixo, a equipe da administração central do NR 79 “O Marco Antônio foi o número 1 do acampamento. O Toninho, o número 2. Ricardo, o 3. Afonsinho, o 4. Quando a Juju começou a freqüentar o acampamento, na primeira turma feminina, criamos uma nova modalidade de numeração. E ela passou a ser a 1-F” Samuel Feldberg Prof. de Relações Internacionais da USP “É difícil expor em poucas linhas o que representou participar das ‘bodas de ouro’do Nosso Recanto. Sim, ainda que a maioria de nós não tenha convivido tanto tempo com o acampamento, para nós foi um casamento à moda antiga. E apesar de toda a evolução dos locais, Agudos e NR2, é vendo as fotos de Ferraz de Vasconcelos que dá aquele nó na garganta. Lá começamos a nos formar, recebemos os primeiros conceitos de educação e responsabilidade, ainda que agora nos seja dito que a pizzada e o cinema como recompensa pela melhor arrumação tenham sido equivocados. Com que orgulho nos arrumávamos para ir à cidade! E com que alegria usávamos o ‘conjunto aquático’, aquele lago que horrorizaria os acampantes de hoje e onde nos jogávamos felizes depois do futebol. Quadra coberta? Nem pensar; aquele piso mais parecia abrasivo e somente para os dias sem chuva. Com que saudade e carinho 80 recordo dos primeiros aeromodelos e das disputas na pista de autorama. Não havia videogame, computador, nem fax, escrevíamos cartas e aguardávamos ansiosos o correio. Lá aprendemos que a água pode ser esquentada em serpentina de fogão a lenha e que, portanto, estávamos imunes a crises de energia. Aprendemos a servir a mesa, a cuidar do banco e testávamos nossa habilidade administrativa na lojinha de doces. Sim, fomos felizes; e a maior prova disto é a vontade com que aguardamos as comemorações para voltar a ver velhos amigos e reviver aquelas experiências para sempre guardadas no fundo de nossa alma. No NR sempre seremos crianças.” Dimas Aparecido Silva Administrador do NR1 “Comecei no NR quando tinha 14 anos. Estou com 42, me casei e tenho um filho, Gabriel, que adora o acampamento. Eu ajudava na padaria, mas também fazia trabalhos de pedreiro e de manutenção. Hoje cuido para que tudo esteja em ordem, a cada temporada. Quando as crianças saem, verifico o que precisa ser providenciado para que os próximos encontrem o acampamento em perfeitas condições. Me considero parte da família NR. Tanto que o meu casamento foi comemorado com uma grande festa na Fazenda.” Samy Liberman Empresário “Quem participou de umas 25 temporadas no NR, como eu, tem dezenas de histórias para contar. Mas a de julho de 1993, comemorativa dos 40 anos do acampamento, foi especial. Tínhamos acabado de almoçar. Era o dia da foto geral e, em seguida, seriam feitas as fotos das equipes. Foi quando percebemos que não havia sobrado ninguém para limpar o refeitório. Tirada a foto geral, pedi para o fotógrafo ir ao nosso chalé, o Itapeva, para complementar o trabalho. Lá, como coordenador, expliquei o problema aos acampantes. Resolvemos então descer ‘marchando’ para enfrentar a limpeza. Fizemos toda a arrumação em menos de 5 minutos, sem quebrar nenhum copo e todos adoraram! Naquele momento percebi o quanto tinha conseguido unir aquele grupo e o quanto eles tinham absorvido os ideais do acampamento. O especial nessa historia é que a experiência de comandar o grupo foi adquirida ao longo dos anos no NR. Quando eu era um acampante de 13 anos, não me destacava nos esportes e tinha problemas dentro da equipe. O tempo foi passando e as dificuldades ajudaram a criar ferramentas para avaliar melhor as situações e as pessoas. A passagem para aspirante foi um exemplo. Eu estava com 15 anos e era o responsável pelo xadrez, em Agudos. Meu relacionamento com os outros acampantes tinha melhorado, mas ainda não o suficiente para começar a carreira de monitor. Como teríamos um jantar comemorativo, o grupo resolveu alterar a disposição das mesas do refeitório. O problema é que existiam mais de 35, cada uma pesava cerca de 50 quilos. Além disso, o carrinho que servia a refeição precisava de espaço para circular. Tive, então, a idéia de montar uma maquete do local e tentar as várias disposições possíveis. Um sucesso!!! Acabei chegando a aspirante. Depois, como monitor, o acampamento me ensinou a conhecer as pessoas e a achar o caminho para a solução de muitos problemas.” anos. E, acredite, nossos conhecidos dizem que é difícil achar pais mais caretas que eu e Solly para ‘programas fora de casa’ das meninas até os 15 anos. Porém, desde cedo, tivemos muita segurança no NR graças à vivência que eu, meus irmãos, primos e muitos amigos tivemos ao longo dos anos. Hoje, quase aos 40 anos, admito que o NR foi uma das bênçãos que pude ter dos meus pais, pois além de se alinhar com a educação que recebia em casa, o NR praticamente ‘esculpia’ nossa disciplina, liderança, força de vontade, sociabilidade, petitividade e solidariedade.” Ligia Zaborowsky Peress Corretora de imóveis “Acho que eu só não morri de saudade até agora pois transferi para minhas filhas o ‘compartimento do coração chamado: Carinho + Safo + Cia.’. Toda vez que levo minhas meninas (hoje uma é monitora e a outra, acampante) à saída para o NR, tudo me parece tão nostálgico... elas freqüentam o acampamento desde os sete Ruth Halpern, empresária e Sharon Halpern “O NR foi construído dia após dia, ano após ano, com dedicação, amor e união. Vocês souberam transformar os obstáculos do caminho em pedras preciosas e por isso são um exemplo de esforço solidário, dignidade, esperança e coragem. Um exemplo de vida! Parabéns!” 81 Um jeito gostoso de aprender m lugar agradável, com várias opções de lazer e longe da rotina diária. O cenário ideal para passar férias. Mas também pode ser o ambiente mais propício para estudar. Há alguns anos, as escolas de nível fundamental e médio descobriram que podem motivar e potencializar o aprendizado dos alunos por meio de um recurso pedagógico que fica fora das salas de aula: o acampamento. U Dois ou três dias em contato com a natureza, envolvido com atividades dirigidas durante 24 82 horas para um objetivo comum, convivendo com os colegas de classe como amigos em uma viagem, tendo a oportunidade de ver de perto os temas descritos nos livros e aproveitando todas as folgas para se divertir... não há situação mais favorável para despertar a atenção de um estudante e ajudá-lo a reter os conceitos que parecem tão distantes nas páginas dos livros. O NR foi um dos pioneiros nessa tendência. Há mais de 35 anos, quando o professor Affonso era também diretor do Colégio Friburgo, as primeiras turmas escolares se reuniram no acampamento. Hoje, diversas escolas recorrem à competência acumulada e à diversificada infra-estrutura do NR para aliar a teoria à prática de ensino ou simplesmente para propiciar momentos de descontração e aproximação para seus alunos e professores. Em 2002, passaram pelo NR mais de 250 escolas, num total de 17 mil alunos e 1.800 professores. Para receber esses grupos, o NR dispõe de um setor de atendimento a escolas, que prepara monitores especializados. O acampamento contabiliza mais de 300 horas de treinamento de pessoal operacional e administrativo. Os monitores que acompanham as escolas estão, portanto, preparados para atender às especificidades de cada instituição e atualizados em relação aos novos paradigmas da educação. Equipado com os mais avançados recursos audiovisuais, workstations com acesso à Internet em banda larga e amplas salas para reuniões, o NR oferece ainda o benefício de gratuidade para estada de um professor a cada dez acampantes. Contato direto com a ciência mpenhado em promover a conscientização educacional sobre a preservação do ambiente, o NR tem várias possibilidades para realização de estudos do meio. E A oito quilômetros do acampamento, fica o Trutário do NR, onde se dá a maior produção de trutas do Brasil. Na visita ao trutário, o acampante conhece todo o processo de criação, incluindo a alevinagem, os tanques de crescimento, o processo de abate e as técnicas de industrialização. O acampante pode ainda realizar trilhas ecológicas pela Mata Atlântica, na Serra da Mantiqueira. Nessas caminhadas, terá oportunidade de conhecer a biodiversidade local e de participar de divertidas atividades, como o plantio de mudas, colaborando para o reflorestamento daquele habitat. Próximo ao NR fica também o Viveiro de Mudas, no município de São Bento do Sapucaí. Ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, o Núcleo de Produção de Mudas recebe as turmas escolares para que estudem as diferentes espécies da região. 84 That´s really cool! Magali Felipe Orientadora educacional “Sempre acreditei no acampar como uma atividade extraclasse rica, que atende à necessidade lúdica, sendo, portanto, fonte de alegria e descontração. Sempre verifico que nossas idas ao acampamento aliviam tensões em sala de aula, unem o grupo de maneira ao mesmo tempo séria e aprazível. Esse alegre e gratificante convívio permite e favorece que os objetivos do cognitivo, do afetivo e do psicomotor sejam atingidos de maneira plena e harmoniosa. Posso expressar também o que sinto como mãe de exacampante. Aprendizagens aconteceram fora da sala de aula, sob o azul do céu aberto, em liberdade. Nada sofisticado, mas tudo dinamizado por consciência pedagógica e imaginação, em um ambiente alegre, respeitoso, colorido e desafiador. Parabéns à família Vívolo por nos proporcionar um espaço de convivência, de encontros, de iniciativas e de vida, despertando em nós educadores um interesse peculiar. Tenham a certeza de que sempre terão nosso apoio incondicional pela seriedade de seu trabalho.” Fábio Luiz Marinho Aidar Vice-diretor do Colégio Santa Cruz “Desde 1988, todos os anos fazemos uma atividade de integração no NR. Cerca de 200 alunos e professores das terceiras séries do ensino médio passam três dias no acampamento, desfrutando da excelente estrutura do local. Não se trata apenas de uma confraternização. Mas de um momento com forte caráter pedagógico, na medida em que estreita os laços, aproxima a comunidade escolar — o que facilita o desenvolvimento do aprendizado. A programação, que inclui muita prática esportiva, é feita em conjunto entre os coordenadores da escola e os monitores do NR.” Outra importante iniciativa educacional promovida pelo NR é o Acampamento English & Action. Durante os dias em que os estudantes se reúnem, nessa temporada especial, o acampamento se transforma em um verdadeiro camping internacional. Todas as atividades estimulam a prática da língua inglesa, em diferentes níveis — até as brincadeiras e os desafios esportivos. Todas as situações cotidianas — das refeições temáticas à discoteca — exigem que o aluno se comunique nessa língua estrangeira. Uma forma atraente e eficaz de ampliar o conhecimento do idioma, na fala e na compreensão. A escola especializada Red Baloon é uma das adeptas dessa proposta lúdica e interativa. Já levou ao English & Action alunos de cinco a quatorze anos. “Nosso intuito é fazer as crianças raciocinarem em inglês, mesmo que usem pequenas palavras, no início. O desenvolvimento vem naturalmente, à medida em que esse ambiente rico propicia a comunicação”, diz Regina Jelen Eisig, diretora da Red Baloon. Para ela, além da infra-estrutura rica em opções, o NR tem a grande vantagem de dispor de uma equipe de monitores que dominam a língua e as técnicas didáticas. “Nossos professores vão apenas para acompanhar as crianças”, conta ela, que é mãe de Vívian, de dezoito anos, uma das coordenadoras do English & Action e freqüentadora do NR desde os cinco anos. 85 Para fazer a festa! juventude e a alegria andam de mãos dadas. Ainda mais quando a moçada tem uma grande conquista para comemorar… A formatura da 8ª série, por exemplo, é um momento especial na história de vida dos jovens. E, como fazer festa é com eles mesmos, não faltam opções para aproveitar ao máximo a companhia dos colegas de tantos anos. A Um baile de formatura, uma cerimônia religiosa, uma viagem... e por que não tudo isso junto? Há 15 anos, o NR tem sido escolhido por muitos estudantes para ser o lugar “mágico” onde todas as emoções vividas nos tempos da escola se 86 transformam em amizades duradouras. No palco do teatro do NR, os jovens formandos viram uma página de suas vidas rumo ao futuro. Nas quadras e nos jardins do acampamento, selam promessas e fazem planos. A tradição já se consolidou. Muitas escolas fazem as formaturas das 8as séries no NR há vários anos. A festa dura de três a cinco dias, com direito a tudo o que o acampamento oferece: esportes, piscina, trilhas, cavalos, brincadeiras, discoteca, luaus. E mais o grande baile que vai ficar na memória e nos corações da turma para sempre. A festa de formatura pode ser ainda mais “quente” se os alunos optarem pela confraternização com outros colégios. Ou seja, formandos de duas, três escolas diferentes festejando juntos, na mesma temporada. Nessas ocasiões, o NR chega a receber mais de 400 formandos de uma só vez — cada turma acompanhada por coordenadores pedagógicos, professores ou pais da comissão de formatura. Gilberto Bisca Assistente de direção do Colégio São José, de São Bernardo do Campo (SP) “Todo começo de ano, os pais do alunos da 8ª série são convocados para a primeira reunião onde divulgamos a programação de formatura: missa, jantar, baile e a tradicional e tão esperada viagem ao NR. Fizemos essa comemoração no acampamento pela primeira vez são o cuidado no planejamento das atividades e a preocupação em oferecer sempre novidades aos jovens. Em outubro, mais de 150 alunos, acompanhados do coordenador e professores, fazem essa viagem de sonho. No acampamento, nossos jovens logo se integram com os de outras escolas e fazem muitas amizades. E gostam tanto que, no primeiro dia da volta às aulas, depois do acampamento, substituem a camiseta do uniforme pela do NR. Contagiada por essa animação, em 2002 a direção da escola convidou especialistas da empresa Fuji para dar um curso básico de fotografia à turma que encerrava o ensino fundamental. Com o conhecimento adquirido, o pessoal saiu fotografando e registrando os momentos marcantes do acampamento.” Irmã Maria Lucília Gomes Fernandes Relva Ex-coordenadora das 8as séries do Instituto Madre Mazzarello, de São Paulo (SP) em 1988, por sugestão de uma ex-aluna: Márcia Regina Martins, atual gerente do NR 2, que na época já trabalhava no acampamento. Desde então, há14 anos mantemos a tradição. Não apenas porque o lugar é muito agradável, mas também porque a filosofia de educação do NR é semelhante à nossa. A proposta do acampamento de trabalhar a aceitação do outro, a convivência em sociedade, vem ao encontro de nossa prática de ensino. Outros pontos positivos 88 “Meu primeiro contato com o NR foi em 1987, por meio de um folheto que chegou ao Instituto São José, escola salesiana de São José dos Campos. A convite do acampamento, um grupo de professores foi conhecer o local. Eu estava entre eles e voltei encantada com a infra-estrutura. Era o que a gente procurava para comemorar o encerramento do ciclo fundamental. A partir dali, incorporamos o programa anualmente. Ao vir para São Paulo, apresentei a sugestão ao Instituto Madre Mazzarello e, desde 1994, essa tem sido a viagem de formatura das turmas da 8ª série. Durante esses anos, venho testemunhando o espírito de crescimento do NR: constróemse novas instalações, criam-se novas opções de atividades. Também se destaca a qualidade da coordenação dos monitores, que procuram integrar os jovens e incentivar a participação nos diversos programas. A viagem acontece em outubro. Mas na volta das férias de julho já percebemos os grupinhos se preparando para o passeio. Uma está preocupada com a roupa do baile, outro com a máscara da festa à fantasia... Há quatro anos compartilhamos a alegria da estadia com alunos de outras instituições. Nas primeiras vezes a integração aconteceu apenas com escolas salesianas. No ano passado, estivemos com escolas que adotam linhas diferentes e o resultado foi muito bom. O entrosamento entre os alunos e professores do próprio colégio também melhora. Com mais tempo para ficar juntos, eles acabam se conhecendo melhor, descobrindo valores. Com isso, as classes se tornam mais unidas”. Rosa Maria Silva Amaral Coordenadora da 5ª à 8ª série do Colégio Objetivo, de Alphaville, Santana do Parnaíba (SP) “Em 2002, o colégio repetiu pelo sétimo ano a viagem de formatura com o pessoal da 8ª série. Tudo começou quando a gente quis organizar esse passeio com uma turma muito boa que estava concluindo o ensino fundamental. Como o colégio ainda não adotava esse tipo de atividade, foi preciso primeiro convencer a diretora, que impôs uma única condição: o lugar deveria ser seguro. Relacionei os locais que seriam visitados e, por indicação de uma mãe de aluno, acrescentei o NR entre eles. Tirei um final de semana para a pesquisa e fui a campo com meu marido. Quando cheguei ao acampamento, foi amor à primeira vista. Além da natureza maravilhosa que rodeava as instalações, o espaço oferecia toda a infra-estrutura que eu precisava. E quando o Zezinho abriu a porta a empatia foi imediata. Sugestão aprovada pelos jovens, suas famílias e direção, pegamos a estrada rumo a uma temporada deliciosa. De lá para cá, sempre em outubro, durante quatro dias cerca de 80 a 100 alunos e dez professores se instalam no NR 1 num clima de amizade e total entrosamento. A cada ano a expectativa aumenta. Os que já passaram pela experiência contam sua história. E os que estão ingressando na série esperam com ansiedade o momento da grande festa de confraternização. A meu ver, essa atividade se torna muito agradável em razão do envolvimento emocional. Há afinidades entre a linha adotada pela escola e o NR, que preza a amizade, o respeito ao próximo e a saudável convivência social.” 89 Uma temporada especial dia começa com alvorada, as equipes se preparam para os jogos e para as brincadeiras. Almoço, mais atividades, banho no final da tarde, discoteca à noite... enfim, o NR é igualzinho, nessa temporada especial. A única diferença é que os acampantes, entre 9 e 16 anos, são portadores de diabetes – assim como alguns monitores. E todos aprendem, nos sete dias que passam juntos, que são capazes de desfrutar as delícias da vida, como qualquer pessoa. O Para isso, cerca de 50 profissionais, entre médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, dentistas, professores de educação física — todos 90 voluntários —, coordenados pela endocrinologista Sandra Ferreira Vívolo, convivem com o grupo, em tempo integral. Dispensando o uniforme branco, eles brincam, comem e dormem junto com a turma no alojamento. “É uma oportunidade também para mudar a maneira de pensar dos profissionais dessa área de atuação, à medida em que eles deixam de ver a criança como paciente esporádico e passam a enxergá-la como alguém que revela suas dificuldades e tem vontade de superá-las”, diz o também endocrinologista Marco Antônio Vívolo, responsável pelo acampamento para portadores de diabetes. Além de proporcionar diversão, essa temporada especializada se propõe a levar os jovens a adquirir autonomia em relação a suas condições especiais. Os acampantes aprendem, por exemplo, a fazer o controle da glicemia várias vezes ao dia e Empresas que apóiam o evento Abbot, Aventis, Bayer, Becton Dickinson (BD), Biobrás, Eli Lilly, Jonhson LifeScan, Novo Nordisk, Roche Diagnostics e Scil. Ferramenta para a educação em diabetes Acampantes, monitores e profissionais do 23º Acampamento Unifesp - ADJ. preparar a insulina de acordo com sua variação — cuidados importantes para adequar a intensidade da atividade física e orientar a alimentação apropriada. O jovem recebe todas essas informações no dia a dia, de forma natural, em meio ao convívio com amigos que têm a mesma situação. Durante a temporada se faz ainda um trabalho com a família dos acampantes. Os pais discutem temas sobre diabetes, trocam experiências e vêem imagens dos filhos brincando, se relacionando, controlando a glicemia e aplicando insulina. “Nossa intenção é preparar os pais para que as crianças possam continuar a desenvolver e aperfeiçoar, em casa, aquilo que aprenderam no acampamento”, explica Marco Antônio. Desde o início deste programa, em 1980, os organizadores não buscavam uma atividade com fins lucrativos. A idéia foi usar o acampamento como ferramenta para a educação em diabetes. Por isso a orientação médica do acampamento para portadores de diabetes está sob a responsabilidade do Centro de Diabetes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com auxílio de professores das disciplinas de Endocrinologia e Medicina Preventiva da universidade. As inscrições são feitas pela Associação de Diabetes Juvenil (ADJ), que seleciona os candidatos: cerca de 90 pessoas participam do acampamento, que reserva 50 vagas para quem vai pela primeira vez e 15 para monitores portadores de diabetes. Por intermédio da ADJ, aqueles que não têm condições de arcar com as despesas do acampamento podem obter bolsas de custeio. O NR cede o local, a infra-estrutura e os monitores. Outro importante parceiro nesse projeto é a indústria farmacêutica, que oferece aos acampantes materiais diversos como insulina, fitas e tiras reagentes, monitores de glicemia, seringas, agulhas, “canetas” e alimentos dietéticos. Felipe Zago (primeiro à esquerda) Monitor e professor de música “Eu freqüentava as palestras da Associação de Diabetes Juvenil (ADJ) quando me inscrevi para participar do NR. Minha primeira temporada foi em 1995. Uma experiência inesquecível: sair de casa aos 12 anos e ganhar liberdade por dez dias. Liberdade entre aspas, porque lá no acampamento era preciso obedecer aos horários da alvorada, do café, das atividades e das sessões para aprender a controlar a glicemia e preparar a insulina. Levei esse aprendizado pra casa, como fazem os jovens que participam da temporada dos portadores de diabetes. Até 1999, fui acampante. Conheci muitas pessoas, fiz grandes amizades, descobri a convivência em grupo, enfim, cresci. Nas temporadas aprendi a fazer o auto-controle do diabetes e mudei meu relacionamento com os médicos, pois a gente tem acesso direto a eles para esclarecer todo tipo de dúvida, não é aquele contato formal entre paciente e doutor. Para minha alegria, fui escolhido aspirante no ano de 2000. Hoje sou monitor das temporadas especiais para portadores de diabetes, e me sinto muito satisfeito em ajudar os outros a ter os benefícios que tive.” 91 Aventuras na maturidade medida em que a civilização avançou, juventude e velhice se tornaram dois conceitos muito relativos. Os idosos de antigamente não se parecem nem um pouco com os idosos de hoje. Basta olhar em volta para ver quanta gente de cabeça branca ainda está superativa, trabalhando, estudando e aproveitando ao máximo todas as opções de cultura e lazer a seu alcance. Por isso o NR idealizou um acampamento voltado para a maturidade. Para os “jovens idosos” que cuidam de seus corpos, cultivam suas mentes e vivem seus prazeres. À Desde a primeira turma, no ano 2000, em Sapucaí Mirim (MG), o Acampamento da Maturidade foi um sucesso. Tudo começou em conjunto com a professora Silene Sumire Okuma, da Faculdade de Educação Física da USP, especializada no trabalho com pessoas acima de 60 anos. O desafio era enorme: 92 pesquisar as atividades mais indicadas para esse público e adequar a estrutura do NR para atender tanto as pessoas com bom condicionamento físico quanto as mais sedentárias. “Também queríamos mostrar aos acampantes que eles eram capazes de se organizar e fazer seus programas com autonomia”, acrescenta Marco Antônio Vívolo, responsável pela supervisão da programação no NR. A experiência surpreendeu. Todos se mostraram dispostos a participar pra valer. Até o alojamento conjunto, que poderia não ser tão atrativo àquele público mais exigente, foi encarado com espírito esportivo. Para vencer a distância entre os locais das atividades na extensa área do NR, uma solução divertida: o trenzinho. E até a alimentação foi cuidadosamente planejada para oferecer dietas específicas a quem tivesse colesterol alto, diabetes ou hipertensão. Não demorou muito para a novidade chegar à Associação das Universidades Abertas da Terceira Idade. Os participantes dos cursos dessa associação, em diversas cidades do interior paulista como Piracicaba, Santa Bárbara, São João da Boa Vista e Campinas, além do pessoal de São Paulo e Rio de Janeiro, já são freqüentadores do acampamento desde 2002. “Alguns acreditam que envelhecer é um processo restritivo. Mas na maioria das vezes essa idéia não é real”, alerta Silene, que fala com conhecimento de causa, baseada no bom desempenho dos acampantes idosos. A caminhada, por exemplo, é uma das mais procuradas. Existe um roteiro curto e mais plano, para os mais sedentários ou para quem tem limitações. Na caminhada de média distância, há um pouco de aclive e declive, para os que estão em melhores condições físicas. Mas há também a caminhada mais longa, em um morro. Orientação de profissionais Durante o Acampamento da Maturidade, onde predominam as mulheres, as equipes recebem orientação de profissionais das áreas de educação física, recreação e saúde — todos especializados no trabalho com adultos. E há diversão para todos os gostos e todas as potencialidades: cama elástica, traking (caminhada orientada, com trilha em um percurso estabelecido e tempo determinado para cada trecho), body combat (ginástica aeróbica com exercícios que simulam uma luta), artesanato e jardinagem, teatro, danças e festas temáticas, passeios e excursões. A primeira turma em 2000 e atividades durante o Acampamento da Maturidade. 93 Acampamento Emunah Fábio Spuch Economista “Queridos professor Affonso e tia Jacy, Sempre gostei de dividir as minhas alegrias com vocês. E me lembro que no dia do meu casamento, poucas horas antes da cerimônia, senti necessidade de falar com vocês pelo telefone. Vocês não podem imaginar como foram importantes para o meu crescimento e a influência que exerceram na formação do meu caráter. Não conseguem imaginar também a quantidade de exemplos, atitudes e boas ações que transmitem aos outros que, mesmo jovens, captam estas inúmeras qualidades. Que Deus continue abençoando os Vívolo e lhes dê muita saúde para que prossigam fazendo com muitos jovens o que fizeram no decorrer de todos esses anos.” 94 parceria entre os acampamentos NR e Gan Israel nasceu para atender judeus tradicionais que queriam oferecer a seus filhos uma programação que aliasse os costumes religiosos às atividades de esportes, arte e lazer. O rabino David Weitman conta que já existia uma colônia de férias dirigida a esse público, mas um número significativo de jovens da comunidade freqüentava com entusiasmo o NR. “No entanto, havia outros jovens que gostariam de ir ao acampamento, mas sentiam falta de elementos judaicos, como a alimentação kasher e a cerimônia do shabat”, esclarece Weitman. A Versátil e aberto a novas propostas, o NR logo se adaptou para receber o novo público. Sob a liderança religiosa do rabino Weitman e a reconhecida linha educativa do NR, concretizou-se a primeira temporada do Acampamento Emunah, em julho de 2002, em Sapucaí Mirim. Dois jovens representantes do NR, Felipe Dorf e André Czitron, ficaram encarregados dos contatos para a temporada. E tiveram sucesso. A programação agradou não apenas os cerca de 70 garotos, com idade entre 8 e 12 anos, que participaram das atividades. Mas seus pais também acharam a experiência muito rica. “A criança que passa pelo acampamento e vive a filosofia do NR desenvolve segurança, disciplina, espírito de camaradagem, independência e liderança. Ainda aprende a conviver e a se relacionar com os outros, aprendizado que é um grande trampolim para a vida”, esclarece o rabino. Amigos para sempre verso final da valsa de despedida, cantada desde a fundação pelos acampantes do NR, era premonitório. No passado, a separação seria apenas de alguns meses, até a próxima temporada. Agora, com as obrigações naturais da vida adulta, os reencontros demoram um pouco mais para acontecer. No entanto, a vivência do acampamento deixou raízes tão O vigorosas e resistentes que fazem desabrochar os frutos da amizade e as flores das boas lembranças, mesmo a cada longínqua estação. “Triste e saudoso eu partirei De volta ao meu lar Mas sei que ansioso esperarei Um dia aqui voltar” O Acampamento de Veteranos comemorativo dos 50 anos do NR, em fevereiro de 2003, foi uma prova disso. Já na entrada para receber o crachá, os “acampantes”, pais e mães de família que chegaram com seus 95 estes 50 anos, muitas pessoas tiveram papéis importantes na existência do NR. N Algumas de uma forma mais direta e outras, não menos importantes, apoiando nos momentos mais difícies, nas horas de tomadas de decisão. Dessa forma, deixar registrada sua passagem pelo acampamento é também uma maneira de homenagear todos os apoiadores que, muitas vezes anonimamente, tornaram os momentos mais alegres, foram companheiros e portanto são parte da nossa turma. Nomes como Terezinha, Cecília, Lígia e Marina Brusarosco; Teresa Maria Costa, Marisa Bochio, Ilze Born, Julieta de Souza Freitas, Lígia Vívolo, Ida Zoellner e Irene Viesti fazem parte da história do NR. Jacy Brusarosco Vívolo Fran Papaterra, Toninho Vívolo e Ricardo Corte Real em apresentação no Acampamento de Veteranos comemorativo dos 50 anos. esposos e filhos, recuperaram a euforia juvenil. Como se o tempo pudesse voltar, conferiram ansiosos a relação dos participantes e negociaram o remanejamento de quartos para ficar mais próximos dos amigos. “Moro em Fortaleza e vim porque era um momento muito importante”, disse Marcus Vinícius Strozberg, o Quinhas. “No dia a dia, praticamente não vejo o pessoal dessa época, mas quando a gente se encontra nessas temporadas o tempo parece não ter passado, o vínculo renasce”, contou Teresa Suplicy de Barros Barreto. O Acampamento de Veteranos, uma tradição do NR, é resultado do desejo principalmente de exacampantes cujos filhos também freqüentam o acampamento. Muitos participaram das comemorações de 25, 30, 40 e 45 anos. Mas o aniversário dos 50, em 2003, superou as expectativas. Mais de 240 pessoas voltaram à Fazenda para prestigiar tia Jacy e o professor Affonso, que em janeiro também completaram 50 anos de casamento. A mesma rotina Como acontece em todos os acampamentos de veteranos, a rotina foi preservada. Os veteranos despertaram ao som de música e, pelo alto-falante, um monitor chamou a turma para o café da manhã. Houve também o momento dos famosos avisos do Safo no teatro — momento que ninguém quis perder. “Naquela época, ele deixava uma mensagem subliminar. Hoje eu entendo por que ele falou tantas coisas, o que havia por trás de cada observação”, disse Michel Brull. artístico — alguns artistas que hoje estão na TV e no teatro foram acampantes e com certeza os dias vividos no NR contribuíram para aumentar sua autoconfiança. Foram temporadas memoráveis no teatro de Agudos. Outros, mais próximos, estavam na festa para fazer a primeira parte do show, apresentado por Ricardo Corte Real. E o espetáculo emociona e diverte, como nos velhos tempos: Quinhas faz cover de Frank Sinatra, Fernando Benini conta piadas, Toninho Vívolo, Francisco Papaterra e Corte Real acompanham no violão a afinadíssima Virgínia Rietmann. Depois é a vez de outro Papaterra, Mário, declamar uma poesia do pai. A mesma que recitou no dia em que conheceu o Safo: um pedido a São Benedito para que ajude o Brasil a ganhar da Suécia, no jogo final da Copa de 58. A programação do dia incluiu todas as atividades esportivas: futebol, tênis, basquete, vôlei, caminhada e piscina. E, enquanto os pais reviviam os bons tempos, as crianças se divertiam com os monitores. À noite, na festa dos 50 anos, Safo relembrou que o NR já colaborou com o mundo 97 Marco Antônio Sabino Engenheiro civil “Não perco essas reuniões de veteranos. Estive na comemoração dos 40, dos 45 e agora dos 50 anos. E vou continuar a fazer isso sempre que tiver oportunidade. Como acontecia em Ferraz, Agudos e outras unidades, o ambiente aqui em Sapucaí também é acolhedor. O jeito de dormir, a comida, é tudo igual ao que era oferecido antigamente, só adaptado aos tempos modernos. A forma de condução do encontro, a agenda de atividades é praticamente a mesma. A segunda parte da comemoração foi dedicada a homenagear aqueles que nesses 50 anos contribuíram para o crescimento do NR e, nas palavras do professor Affonso, “levaram para a vida o que viveram durante as férias”. Houve entrega de medalhas e de diplomas. No final, uma comissão de ex-acampantes presenteou os fundadores do acampamento com uma placa comemorativa que trazia os dizeres: “À tia Jacy e ao professor Affonso, que souberam criar para milhares de jovens um mundo onde o respeito, o amor e a convivência sadia tornaram-se um verdadeiro lema de suas vidas! A gratidão de seus acampantes e a nossa homenagem na passagem dos 50 anos do NR.” No encerramento, não faltaram o hino do acampamento e a valsa de despedida. Mas o memorável encontro ainda reservava uma surpresa, ou melhor, uma “reivindicação”. No momento do aviso de domingo, Safo recebeu um abaixo-assinado pedindo que o Acampamento de Veteranos se tornasse anual. Todos queriam aproveitar mais as amizades, o carinho e a felicidade que o NR semeou em suas vidas. 98 Em 1968 comecei a freqüentar o NR em São Roque e só parei em 1979. Quando pequeno, você está mais aberto à experiência. O relacionamento é mais fácil. Várias amizades daquela época se mantiveram com o passar do tempo. Fui aspirante, monitor e assistente. Havia integração entre o grupo. Todos tinham oportunidade de se expressar, falar o que achavam da temporada, colocar um problema para se chegar a uma conclusão. Todo esse estímulo de relacionamento resultava em liderança. Mas eu só vim a entender o processo alguns anos depois, quando consegui aplicar essa experiência na vida profissional, social e familiar. Muito do que o professor Affonso falava era verdadeiro temporada, em janeiro. ensinamento, que moldava a relação do dia a dia: tanto nos alertas para os hábitos higiênicos quanto no relacionamento com as pessoas. Tudo era colocado sutilmente nos avisos. O professor sabia se antecipar aos problemas que podiam existir ou não. Com a maturidade, comecei a ver que havia um diferencial entre mim e os que não tiveram a oportunidade de ter vivido o que eu vivi. Penso isso a todo momento. Hoje participo de atividade social no Rotary de Santo André, ao lado de 105 profissionais liberais. E os ensinamentos que aprendi no NR me ajudam a conduzir as reuniões de uma maneira mais fácil. Quanto mais você vai tomando decisões, mais você pode se basear na relação humana, naquela vivência do período do acampamento.” Marcus Vinícius Strozberg (Quinhas) Médico especializado em Medicina do Esporte “No tempo do Colégio Renascença, tive muitos amigos que passaram pelo NR. Eu só fui ter essa chance mais tarde, quando já estava no terceiro ano de Medicina. Estudava na PUC de Sorocaba e, para me manter, trabalhava como locutor na rádio da cidade e integrava um grupo de animação de festas. Na faculdade, estudava com Cláudio Tafla, que fazia a temporada no NR 1 e, numa das festas que animei, conheci Afonsinho. A realidade de Sapucaí era outra: o calçamento ainda não estava pronto, choveu mais de 20 dias, e era preciso se adaptar ao novo modelo. Como já existia a discoteca sob o comando do Ivan, sugeri uma atividade que caiu no gosto da garotada e permanece até hoje, o alfa: os casais formam uma roda e dançam lado a lado. De repente, trocam-se pares. Assim, aquele cara mais tímido tem a chance de dançar com a menina que queria sem o risco de ouvir um ‘não’. Aproveitando a minha experiência, contribuí para a rádio NR. No teatro, a primeira peça que fiz foi o musical Aldeia dos Ventos, de Oswaldo Montenegro. A Juju ajudou na coreografia. Há pouco tempo, Marcelo Klabin, um dos acampantes que participou do grupo e hoje é ator profissional, me confessou que descobriu sua vocação ali no palco, a meu lado. Foi gratificante. Tudo isso acontecia enquanto eu exercia minhas atividades Acabei indo para a temporada de julho de 1987 sem saber que seria a última em Agudos. Tive uma recepção calorosa, mas não nego que tive dificuldade para integrar o grupo. Os times já estavam montados. Só na última semana, consegui uma vaga. Foi parecido com a banda: entrei porque o vocalista ficou rouco. Voltei do acampamento no carro do Safo e ele me perguntou como tinha sido. Expliquei onde achava que podia melhorar. Ele me ouviu e me convidou para a primeira reunião para a próxima 99 médicas. Aprendi muito com o Marco Antônio. Ele me ensinou a reconhecer um problema de saúde pelos sintomas de carência ou de dificuldades de adaptação. A partir de 1990, já formado, passei a ficar um período no escritório do NR para organizar a temporada. Também assumi a coordenação da equipe dos monitores e fiz o acampamento de escolas. Durante dez anos, vivi o NR. Pude vivenciar formas diferentes de relacionamento. Tenho no Safo a figura do meu pai. Mas, em julho de 1996 fiz a última temporada. Estava de casamento marcado e depois mudaria para Fortaleza. Hoje tenho um filho de três anos e meio que já está inscrito para a temporada de 2005.” Tommy, Martin e Tomas reencontram, muitos anos depois, o velho banco onde tinham gravado seus nomes durante uma das temporadas, quando eram adolescentes 100 Teresa Suplicy de Barros Barreto Administradora de empresas “Dos 9 aos 16 anos, passei por várias sedes do NR. Fiz Ferraz, São Roque, Agudos e Sapucaí. Devo ter ido na primeira temporada feminina e me lembro de ajudar a colocar as cortinas nas janelas antes de começarem as férias. Eu ia sempre com os meus primos, que estudavam no Colégio Friburgo. Algumas vezes éramos 15. A gente adorava ir para lá. Aprendi a praticar esportes no acampamento, onde tinha aulas de basquete, vôlei e diversas modalidades. Tudo aquilo que eu esperava, acabava encontrando. O NR se caracterizou como um lugar que valoriza as pessoas. Sempre se fazia um trabalho para reforçar as características positivas de cada um. Apesar do acampamento ser uma coisa coletiva, a proposta era de reforçar o ego, ajudar a ter autoconfiança. E você tirava lições individuais. Tinha o cara que era bom no esporte, outro no teatro, tinha também o bom amigo. Outra grande lição era saber aceitar as diferenças. Nunca vi, por exemplo, um tratamento diferente entre judeus e católicos. Aprendi, e até hoje sei cantar, a música ‘O meu chapéu tem 3 pontas’ em iídiche. Nunca houve menções às diferenças. O que existia era uma troca de experiências. Claro que naquela idade a gente não tinha noção do que era isso. Só com o amadurecimento é que se percebe o quanto o ensinamento foi importante porque você o carrega para a vida. Você percebe que cada um oferecia o que tinha de melhor. Lá não existia ninguém infeliz. Tudo era feito para que todos se sentissem bem. Ainda guardo de Agudos a lembrança daqueles quartos imensos com 100 pessoas, distribuídas em 4 fileiras de 25 camas. E da premiação à equipe mais aplicada na organização: além da noite da pizza, uma visita à fábrica da Brahma, que era o máximo! Hoje tudo é um pouco diferente. Mas a integração permanece igual. Vejo pelos meus filhos que vêm ao acampamento. Eles quiseram conhecer, adoraram e se tornaram monitores. Atualmente, trabalho na Fundação Casa do Pequeno Trabalhador, que atende adolescentes carentes. E lá costumo aplicar muito o que ouvi e aprendi com professor Affonso. Abordo a questão da convivência, do respeito humano, das diferenças, do coleguismo. A cada semana, nas reuniões com os meus jovens, eu utilizo o que ele falava para nós.” Ruth Halpern, empresária e Sharon Halpern “O NR foi construído dia após dia, ano após ano, com dedicação, amor e união. Vocês souberam transformar os obstáculos do caminho em pedras preciosas e por isso são um exemplo de esforço solidário, dignidade, esperança e coragem. Um exemplo de vida! Parabéns!” Os “superveteranos” comemoram os 45 anos do NR 101 Nosso Recanto Acampamentos 5 0 A N O S Diretoria Jacy Brusarosco Vívolo • Affonso Maurício Vívolo • Marco Antônio Vívolo • Afonso Celso Vívolo NR1 Airton José Moreira • Alessandro Jarbas Moliterno • Amauri Alves • Antonia A. P. Ribeiro • Aparecida Donizete Rosa • Beatriz Aparecida Gonçalves • Célia Pereira G. Dias • Danilo Flávio da Silva • Dimas Aparecido da Silva • Geila Márcia Siqueira • Isabel Moreira Silva • Ivanilda Lúcia da Silva • Jacira Pereira Dias • Jandira Augusta da Silva • José Benedito B. Rodrigues • José Cláudio Santos • José do Carmo Lima Souza • Roni César Almeida Souza • José Inácio • Jovana Aparecida Dias • Luiz Antônio Ribeiro • Maria das Dores Silva • Mauro Aparecido Carvalho • Neusa Aparecida Silva • Nilton Rodrigues Simões • Reginaldo Monteiro Carvalho • Rita Lourdes A. Souza • Rosângela Aparecida Dias NR2 Acelma Oliveira Silva • Ademilson Alves • Agnaldo A. Silva • Alessandro Oliveira Souza • Analdo Jorge Martins • Reginaldo Inácio Martins • Antônio Donizete Nogueira • Antônio Dutra da Silva • Antônio Izalino Santos • Aparecida Maria S. Marcelo • Benedita A. S. Martins • Benedito Dias Alvarenga • Benício Martins dos Santos • Bernadete Aparecida Silva • Carlos Cristiano Martins • César Augusto A. Martins • Dalva Oliveira Souza • Edson Quintanilha • Eliel dos Santos • Expedito D. Pereira • Fábio Defourny Martins • Francisco Luiz Souza • Gilberto Antônio Santos • Herculano Alves Magalhães • Ivo Donizete Melo • José Antônio Sales • José Beraldo da Silva • José Luiz da Costa • Leandro Pompeo Vilas Boas • Luiz Carlos Alves • Luiz Fernando Martins • Manoel Luiz Cadete Neto • Márcia Regina Martins Forlin • Márcio Ailton Ribeiro • Marcio José Alves • Maria Auxiliadora • Maria Helena Sales Cadete • Moisés Magno Vieira • Oswaldo Gomes da Silva • Paulo Monteiro Reno • Paulo R. Pereira • Paulo Sérgio Forlin • Paulo Sérgio Martins • Paulo Sérgio S. Izidoro • Ricardo Oliveira Santos • Sebastião Ivo • Selma de Fátima F. Santos • Sílvio Inácio Martins • Solange S. S. Martins • Valdir Alves • Valdir Ferreira Martins • Vanildo Alves • Daniel Lopes Castro • Vinício Carlos dos Santos Escritório São Paulo Adilson Barichello • Adriano Alves Crocco • Affonso Matricardi Filho • Akemi Agari • Andrea Isler Afonso • Aparecida Fátima R. Brito • Bruna Nogueira Dompieri • Dolores Ferreira Mota • Francisco Aparecido dos Santos • Gabriel Santoro Santos • Inês Maria de Jesus • Ivanilde Almeida Queiros • Ivy Moro • José Lázaro Araújo Resende • José Luiz das Chagas • Karina Gouveia Pichel • Liduina Inácio Alves • Lílian Aparecida Andreuccetti • Luiz Rodrigues da Silva • Magda Barbosa Frigo Valente • Marco Antônio Vívolo Filho • Marcos Castilhos Garcia • Norma Sueli de Menezes Bispo • Osvaldo Joaquim da Silva • Patrícia de Assis Guedes • Rafael Zoellner Vivolo • Ricardo Cipollari Filho • Rufino Teixeira Canedo • Tamyres Luiz Machado Neto • Tatiana Fantin Furlan • Thaís Montoanelli da Silva • Valéria Marcolino Rebello Corrêa • Vinícius Zambonato Moraes Coordenação Editorial Áurea Lopes Edição e Textos Dirce Helena Salles Projeto Gráfico Luciano Pessoa Estúdio Fotografia Luiz França • Mujano • Arquivo NR Pesquisa e Digitalização de Imagens Francisco Aparecido dos Santos • Rafael Zoellner Vívolo Impressão GraphboxCaran Impresso em papel Suzano DuoDesign 250 g (capa) e papel Couché Brilhante Suzano 150 g (miolo)