Reminiscências da tia Elsa Autor: Santo Só O recebimento da promoção para assumir uma diretoria em São Paulo fez Mateus ser cumprimentado por todos os seus conhecidos. Todavia, o seu temperamento era avesso a mudança se ele próprio não estava suficientemente convencido de quanto deveria se alegrar. Apreciava frequentar os mesmos ambientes e conviver com seus velhos amigos. Em São Paulo precisaria fazer novas relações, possivelmente satisfatórias, porém, isso lhe significaria um esforço exaustivo. Acabou aceitando o novo posto, antes motivado pela perspectiva de aprendizado do que pelo prestígio que representava. Entretanto, perseguia-o uma debilidade para a qual não encontrava fundamento e incompatível com a sua necessidade de enfrentar o novo desafio. Tendo recebido o benefício adicional de alguns dias de folga, decidiu rever sua pequena cidade natal. Há tempo não a visitava e a perspectiva de um afastamento mais prolongado o incitou, compulsivamente, a retornar. Depois de aprontar os seus pertences para a transferência, dirigiu-se de carro para lá. Apesar da resistência à mudança, Mateus sabia não ser covarde. Era conservador nos hábitos, porém, o mesmo não se aplicava à sua visão de mundo. Contestava as adesões automáticas a posições ditas politicamente corretas. Embora se colocasse ostensivamente contra o que considerava ofensas públicas gratuitas, tais como pichações, vírus de computador e depredações em geral, aceitava as anomalias de quem com seus atos não prejudicasse definitivamente a outros. Julgava que prejudicara mais sua irmã o reproche posterior do que o fato em si do qual fora passiva. Costumava afirmar que a adesão irrefletida a lugares comuns repetidos pela mídia impedia a análise judiciosas dos fatos. A seu ver, a história do mundo mostrava que muitos valores tidos como indiscutíveis eram, apenas, preconceitos. Embora bem considerado, era desprovido de maiores vaidades. Experiências amargas, capazes de minimizar quaisquer sucessos, o haviam convencido da inconsistência do apego às coisas. Tivera um casamento feliz, porém, logo enviuvara e o seu único filho falecera pouco depois. Dizia que ninguém deve contestar o direito à procura da felicidade. Entretanto, se essa é a razão única da vida, perguntava-se: Qual é o papel que cabe aos desafortunados, talvez, maioria? * Chegando à pequena cidade da sua infância, Mateus percorreu a pé algumas ruas, agradecido por ver que, em sua parte central, pouco havia mudado. Cansado, sentou em um banco da praça e apreciou o casario ao redor. A praça estava remodelada, mas, para o seu desgosto, as frondosas árvores da sua lembrança haviam sido eliminadas. Com o olhar voltado para a antiga igreja, deixou seu pensamento divagar. Aquele era o chão em que vivera brincadeiras de escondeesconde, futebol com bola de meia, bolinhas de gude e outras mais. Especial dedicação lhe fora exigida para a confecção do carrinho de lomba. Veio-lhe ao pensamento que a tecnologia moderna proporciona avanços indiscutíveis, porém, as suas respostas imediatas a cliques excluem aprendizado de paciência para os resultados. As pessoas, distanciando-se da construção dos objetos de uso diário, ficam mais inseguras quanto às suas competências e desestimuladas para iniciativas de cooperação produtiva. Mateus lembrou com ternura as pessoas com quem convivera, tais como: os amigos, os colegas de aula, as vizinhas estudantes do colégio feminino e, até, o juiz de menores que surgia de repente para recolher, quando conseguia, objetos usados em jogos de rua julgados ilegais. Entre suas reminiscências sobressaíam as da tia Elsa com seu casarão, onde ele próprio morara. * Lembrou que, por algum tempo, não se conformava inteiramente em residir com a tia na cidade, ao invés de estar com os pais, sua irmã e o irmão mais moço na casa da colônia situada em zona rural. Ia para lá, apenas, em alguns feriados e em época de férias escolares. Aos poucos, conheceu a história da família e isso o ajudou compreender. O seu bisavô, como os primeiros ocupantes do lugar, era um imigrante de profissão ferreiro com outras mais habilidades. Sofreu um acidente com fratura exposta na perna. Não existindo médico no local, foi levado em lombo de burro até a Santa Casa na capital do Estado. Foi necessário amputar e ele passou a viver com uma perna de pau. O avô de Mateus construiu o casarão da família contando em frente com uma loja de artigos gerais. Faleceu cedo, deixando a viúva com filhas menores. A mais velha, com nome Elsa, ajudou a cuidar da mãe e irmãs. Com o casamento das irmãs e, mais tarde, a morte da mãe, permaneceu solteira, morando com uma auxiliar no casarão da família. Quando menino, Mateus fora deixado para morar com ela. Fazialhe companhia e podia estudar no colégio particular da cidade, considerado superior à escola que existia próxima à casa da colônia. Reconhecia que sua tia Elsa tivera um importante papel em sua educação, oferecendo-lhe carinho e orientação. Era capaz de impor limites, mas, mesmo quando punia suas culpas, o fazia com compreensão. O pensamento foi interrompido pela aproximação de um pedinte. Mateus lhe deu algumas moedas. Não lembrava que houvessem mendigos no tempo da sua infância. Apenas, o aleijado que tradicionalmente sentava com um chapéu ao lado na escadaria da igreja ao fim da missa de domingo. Os infortunados da sorte eram atendidos, primeiro pelos vizinhos, depois, por damas dedicadas à caridade com recursos da caixa da igreja para os pobres. O hospital mantinha uma ala para os indigentes. A ocorrência de crimes era muito rara. Entretanto, houve um do qual Mateus tinha muito para se lembrar, pois, fora incluído no episódio. * Agora, tudo parecia ter ocorrido de forma suave em seu tempo de criança. Contudo, sabia ter havido momentos doloridos. Um dos mais marcantes foi a transferência da família para a capital do Estado. Teve como origem um acontecimento melancólico que determinou, pouco tempo depois, a opção do pai em se mudar. O descontentamento provocado pelo aumento de impostos levou um grupo de agricultores, dos quais o pai de Mateus era um dos líderes, a fazer um protesto no centro da cidade em frente à igreja. Alguns portavam espingardas e atiraram para o ar visando chamar atenção da população pouco comovida. O delegado, pouco experiente, colocou policiais nas esquinas ao redor e mandou que se retirassem. Não sendo atendido, iniciou um tiroteio. Resultaram vários colonos feridos, um morto e, naturalmente, a dispersão. No dia seguinte, o inconformismo era grande. Toda a população da cidade, antes indiferente, colocava-se contra o delegado. A crise foi contornada com a intervenção do bispo da diocese junto ao governador e a remoção do delegado. O novo delegado, mais afável e político, contornou a situação. Na ocasião, a tia de Mateus mantivera a loja e a casa fechadas, distanciando-o de imagens inconvenientes. Procurando preservá-lo de ansiedades, evitou comentar detalhes do tumulto que comovera a todos. Assim, na ocasião, ele não chegou a perceber o agravo que o acontecimento representou para a cidade. O pai de Mateus, porém, era mais dado a explicações. Contou os fatos e acrescentou: -Nunca devemos nos considerar perseguidos por nossa própria natureza. A origem dos acontecimentos está colocada em sucessos distantes, muitos dos quais nem chegamos conhecer. Podemos mostrar desconformidade com o erro, mas, precisamos saber aceitar o inexorável. Entretanto, o pai de Mateus ficou sem alento para desenvolver seu trabalho na agricultura e desejou mudar. Tendo recebido o convite de um conhecido para trabalhar na capital do Estado, depois de algum tempo para lá se transferiu com a família. Com a tia Elsa foi uma morar prima de Mateus. O desgosto dele pela mudança foi maior pela dificuldade de adaptação ao novo ambiente do que por deixar a escola e trabalhar. Sentia-se orgulhoso em ajudar a família. A mágoa era por ter abandonado seus jogos e amizades, passando a viver em um mundo estranho. Como compensação, dedicou-se à leitura e, estimulado pela mãe, tornouse um autodidata. Gostava de ouvir o que pessoas mais velhas tinham para dizer, principalmente, quando eram aptos a contar algo diferente do comum. Apreciava discordâncias que o faziam raciocinar. Transformou-se em um profissional competente. Em busca de sua vocação trocou de emprego algumas vezes até assumir na companhia em que ainda trabalhava, adquirindo bom conceito na empresa e granjeado elevada estima dos amigos. * Apesar de, no início, a mudança ter sido dolorosa, Mateus não se tornara pessimista. Há algum tempo, um amigo que viajara para o exterior expressou: -Vendo o que acontece lá fora, o nosso país é desanimador. Nunca vamos chegar perto daquilo que eles alcançaram. Ao que, Mateus se manifestou contrariamente: -A história humana mostra uma sucessão de impérios que se formaram e caíram. Os ciclos estão na origem natural da vida. Quando estão na vanguarda, as sociedades têm dificuldade para realizar as mudanças necessárias. A inquietação é o motor do progresso. Desde que chegue à fórmula adequada, uma sociedade insatisfeita pode avançar rapidamente. -Você é um filósofo, mas, pouco prático. Como acha que se poderia chegar à fórmula adequada? -Em primeiro lugar, com o convencimento de que soluções existem, mas, dependem de lideranças judiciosas e acompanhantes confiantes. O difícil é só descobri-las e aceitá-las. Para Mateus, conquanto seu pai pouco discorresse sobre o que pensava, tinha opiniões relevantes. Afrontado por isso, dizia querer dialogar, porém, não encontrava com quem. Todos apreciavam falar, mas, ninguém se interessava em ouvir. Embora fosse otimista, Mateus se sentia ameaçado. Em São Paulo precisaria formar uma nova equipe. Recebera muitas advertências sobre a embaraço que teria para encontrar pessoas confiáveis. Essas ideias mais a perda do seu ambiente de apoio o deixavam acabrunhado. Contrariamente, quando criança, percebia-se destemido e disposto a enfrentar com galhardia o que quer que lhe fosse imposto pelo destino. Nem mesmo se atemorizara ao ser sequestrado por um assassino. Presentemente, apesar de mais bem equipado, sentia faltar-lhe a mesma firmeza. * Sem disposição para abandonar o banco de praça em que estava, Mateus reconheceu que os seus pensamentos se sucediam em sequência desordenada. Por que lhe vinham à memória, agora, essas ponderações? Aprendera que, em uma conversação, a fuga de ideias é sintoma de distúrbio mental. Porém, no momento, não estava conversando com ninguém. Considerou que, nesse caso, a sua associação livre de ideias buscava entender as mensagens do subconsciente, colocando em ordem os pensamentos. Gostaria de encontrar, mais uma vez, a mesma fortaleza de ânimo que o sustentara ao enfrentar, quando criança, o desafio representado pelaa transferência de cidade com os pais. Nem tudo no passado havia sido ameno. Mateus voltou a lembrar o caso trágico em cujo desfecho teve participação. Foi um episódio acontecido algum tempo antes daquele que originou em seu pai o desejo de se transferir com a família para a capital. * A cidade havia sido abalada pela ocorrência de um inusitado assassinato. Alguém, apelidado Jonjão, tido como pouco amistoso e violento, baleou seu desafeto e fugiu em direção à mata. A patrulha enviada para caçá-lo nada conseguiu. Naqueles dias, o menino Mateus estava visitando a casa dos pais. Gostava de percorrer as redondezas da colônia em busca de frutos silvestres. Estando empenhado nessa procura, nada percebeu quando, subitamente, surgiu à sua frente um indivíduo mal vestido e com barba desfeita. Apontou-lhe um revolver e mandou que o seguisse. Assustado, embora sem entrar em pânico, considerou melhor não desobedecer. Caminharam por longo tempo até chegarem à uma gruta cuja entrada permanecia escondida pela vegetação. Seguiram por um corredor escuro até alcançar um espaço alargado com estreita abertura para o teto que permitia entrar alguma claridade. No chão, havia algumas roupas e apetrechos de cozinha. O sequestrador, por fim, rompeu o silêncio: -Se você se comportar direito, não precisa ter medo. Não vou lhe fazer nenhum mal. -Você é aquele que estão procurando porque matou um homem? -É verdade, mas, não aconteceu como estão dizendo. Em seguida, Jonjão tirou de um saco pão, salame, uma garrafa de água e outra de vinho. Pôs-se a comer e bebeu um pouco de vinho. Ofereceu a Mateus que aceitou um pedaço de pão e água. Enquanto comia, Jonjão se mostrou disposto a conversar: -Meu pai casou e ficou morando por aqui. Não sei por que a minha mãe decidiu viajar. Não deu notícias e nunca ficamos sabendo o que aconteceu com ela. Quando meu pai morreu, eu já estava empregado como entregador no mesmo armazém. Tive alguns atritos, principalmente com o Cardoso. Nada de mais importante. Eu me acertei com a Clotilde e ela foi morar comigo. Tivemos algumas divergências e ela voltou para a casa da mãe. Eu aceitei sem reclamar porque já estava cansado das exigências dela. -Se não gostava mais dela, por que se importou? -Ela começou a sair com o Cardoso e ele se vangloriava de ter tirado ela de mim. Fui falar com a Clotilde e ela me disse que, como estava sozinha e o Cardoso insistisse, aceitava sair com ele como amigo. Não concordava com o que ele dizia e, se deixasse de procurá-la, seria um favor. -Não bastava ela dizer que não queria mais vê-lo? -Ele era insistente e ela estava abalada. Eu fui falar com o Cardoso. Disse que Clotilde havia morado comigo e me devia obrigação. Não me importava que ela ficasse com alguém, desde que não fosse com ele. O Cardoso não aceitou e quis me enxotar. Mostrei o revólver, apenas para assustar. Ele riu e disse que eu não tinha coragem. Fiquei louco de raiva e atirei duas vezes. -Dizem que ele era um bom trabalhador. -Depois de mortos, todos são bons. Você vai ao colégio, recebe boa educação, não sabe como essas coisas acontecem. Se eu frequentasse mais a igreja, talvez, tivesse aprendido a evitar. Agora, está feito. Fiquei roxo de raiva e não me controlei. -Eu não vou denunciá-lo. Pode me deixar ir para casa. -Vou precisar de você. Quero trocá-lo por um cavalo para fugir. Escurecia e Jonjão prendeu Mateus por uma perna com uma corrente. Exigiu que escrevesse um bilhete dizendo que estava bem e era bem tratado. Deu-lhe um cobertor velho, um saco com palhas, e saiu. Depois de algum tempo, Mateus adormeceu. Acordou bem mais tarde com a volta de Jonjão. Ele chegou ofegante, comeu um pedaço de pão e bebeu todo vinho que restava na garrafa. Ao ver que Mateus acordara, falou em tom bem mais agressivo do que havia apresentado anteriormente: -Está feito. Uma carta foi colocada debaixo da porta da casa do padre pedindo que me deixem um cavalo e provisões no lugar indicado. Se atenderem, eu o deixo próximo ao lugar onde estava quando o encontrei. Depois, sigo rápido com o cavalo para outro lado. Já estudei o caminho. Eles nunca irão me encontrar. -O que vai fazer, se não aceitarem? –Mateus arriscou perguntar. -Espero que não sejam cabeçudos. Com certeza, eu não vou me entregar. Quem acertou um pode acertar outros mais. Reze para que aceitem. Parecendo exausto, Jonjão deitou ao lado e adormeceu. Mateus sentiu que as palavras dele eram uma ameaça e ficou alarmado. Viu ao lado o revólver e pensou que a sua chance para fugir poderia ser somente a daquele momento. Havia visto cenas semelhantes no cinema. Considerando a diferença de forças, teria que tomar o revolver e atirar contra o bandido enquanto estivesse dormindo. Descendo pelo rio próximo, iria chegar a alguma casa e estaria salvo. Não teria cometido pecado porque estaria agindo em defesa da sua própria vida. Lembrou-se, então, do bilhete que fora obrigado a escrever dizendo estar sendo bem tratado. A polícia poderia não acreditar que havia corrido perigo de morte. Seria colocado na prisão, não sabia por quanto tempo. Esse medo o fez recuar. Felizmente para Mateus, a situação se decidiu a favor do pleito de Jonjão. Aceitaram mais prontamente do que o próprio imaginava. Não esperava que aceitassem facilmente livrá-lo em troca do penhor de segurança para um menino. A seguir, apesar de perseguido, Jonjão não foi encontrado. Anos mais tarde, correu o boato de que teria sido preso por outro crime, longe daí. * Ao visitar a cidade natal, Mateus havia ido em busca de alento em seu próprio passado. Na ocasião em que enfrentou o desafio de se adaptar à capital, valeu uma fortaleza de ânimo forjada por um espírito bem estruturado. Atribuía sua condição à educação provida pelos pais e, muito, pela tia Elsa com quem convivera em uma quadra basilar da vida. Ao pisar o chão de tantas aventuras infantis, era a lembrança dela que se distinguia em primeiro lugar. Certa vez, ouvira uma amiga perguntar por que não casava. Ela respondeu, com tranquilidade: -Quando eu era mais moça, tinha o compromisso de arrimo da família. O tempo passou e eu me acostumei a viver sozinha. Existiram pretendentes, mas, casar me causaria muitos problemas. Casamento pode ser bom, mas, não é obrigatório. Muitas mulheres preferem viver sozinhas ou em conventos. Eu estou bem assim. A tia Elsa sempre tratara Mateus carinhosamente. Ele aprendera com ela mais pelo comportamento do que por lições. Quando fora surpreendido brincando escondido com uma vizinha da sua idade, a tia o chamou e falou: -Esse tipo de brincadeira não é correto. Se os pais dela souberem, não vão gostar e haverá problemas. Não quero que faça mais isso. Para não esquecer, como castigo, vai ficar sem sair de casa amanhã. -Por que não quer que eu brinque com ela? -É muito cedo para você entender. Quando crescer mais, vai saber. Por enquanto, tem que obedecer o que eu lhe digo. Ela impunha os limites que julgava adequados, mas, mesmo quando precisava punir suas culpas, o fazia com compreensão. Mateus a obedecia sem objeções porque sabia que ela gostava dele e sempre lhe desejara o melhor. * Aborrecia Mateus encontrar pessoas que viviam a se lamentar por seus desgostos. Ele tinha suas próprias queixas, porém, exceto em circunstâncias especiais, constrangia-o reclamar para quem não os podia remediar. A tia Elsa lhe servira de exemplo. Nunca a vira reclamar do trabalho que tinha em casa ou na loja. Ademais, cumpria com naturalidade afazeres que considerava obrigação, tais como ir à missa aos domingos, rezar à noite, ajudar os necessitados, visitar os doentes e outros mais. Naqueles dias, nem tudo deve ter transcorrido sem embaraços, também, para a tia. Contudo, ela enfrentava seus contratempos com coragem e sem alarmes. Aos olhos do sobrinho, estava sempre alegre. Encontrando suas amigas, ele as via tratarem de assuntos leves e rir descontraidamente. Em festas a tia Elsa era sempre uma das patronesses, agindo com vigor e desembraço. Mateus lembrava que, nessas ocasiões, ele era autorizado, sob controle, a provar um pouco de álcool. Aprendeu a dosar o seu efeito e nunca teve curiosidade de experimentar drogas. Dava-se conta de quanto o seu modo de ver agora tinha alicerce em seu passado. Em seu julgamento, leis excessivamente draconianas perturbam pessoas responsáveis e provocam resistências, deixando de causar o resultado pretendido. Depois de ir morar na capital, Mateus continuou a visitar a tia seguidamente, acompanhando-a até o fim da vida. Sempre a encontrava segura de si, com certeza em que do “outro lado” a esperava um mundo melhor. Ilusão? Quem, então, possui a verdade? A tranquilidade e bonança da tia com relação aos acontecimentos do dia e ao que poderia vir a acontecer era o que mais Mateus admirava. Gostaria de possuir a mesma serenidade. Concluída a visita, ao regressar para a capital, Mateus se dava conta de que a fortaleza que, às vezes, encontrava ao reviver o seu passado era inspirada, principalmente, por sua tia Elsa e a confiança que dela despontava em quaisquer situações.