ISSN 1517-4115 ISSN eletrônico 2317-1529 Disponível Online em: http://www.anpur.org.br/revista/rbeur/index.php/rbeur REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Publicação semestral da Anpur Volume 15, número 1, maio de 2013 EDITOR RESPONSÁVEL Carlos Antônio Brandão (IPPUR-UFRJ) EDITOR ASSISTENTE Fernanda Sánchez (PPGAU-UFF) COMISSÃO EDITORIAL Jorge Ramón Montenegro Gómez (PPGEO-UFPR), Marcio Moraes Valença (PPGEUR-UFRN), Maria Lúcia Refinetti Martins (PPGAU - USP), Saint-Clair Trindade Júnior (NAEA - UFPA), Tânia Fischer (CIAGS – UFBA) CONSELHO EDITORIAL Ana Cristina Fernandes (UFPE), Ana Fani Alessandri Carlos (USP), Ananya Roy (University of California, Berkeley), Benny Schvarsberg (UNB), Bernardo Campolina Diniz (UFMG), Bernardo Mançano Fernandes (UNESP-PP), Carlos de Mattos (PUC- Chile), Clara Irazabal (Columbia University, Nova York), Denise Elias (UECE), Edna Ramos de Castro (UFPA), Emilio Pradilla Cobos (Universidad Autonoma Metropolitana, Unidad Xochimilco, México), Geraldo Magela Costa (UFMG), Henri Acselrad (UFRJ), Ivo Marcos Theis (FURB), José Aldemir Martins (UFAM), Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBA), Mariana Fix (UNICAMP), Martim Smolka (Lincoln Institute of Land Policy), Norma Lacerda Gonçalves (Universidade Federal de Pernambuco), Paul Claval (Université Paris-IV, Sorbonne), Roberto Luiz do Carmo (UNICAMP), Tamara Benakouche (UFSC), Victor Ramiro Fernández (Universidad Nacional del Litoral, Argentina) COLABORADORES Adriana Soares de Schueler (UFRRJ); Ana Cristina Fernandes (UFPE); Ana Fani Alessandri Carlos (USP); Ananya Roy (University of California, Berkeley); Andrea Frank (University of Cardiff); Benny Schvarsberg (UnB); Bernardo Mançano Fernandes (UNESP); Cláudio Egler (UFRJ); Eloisa Araújo (UFF); Denise Elias (UECE); Fernanda Sánchez (UFF); Edna Castro (UFPA); Ester Limonad (UFF); Geraldo Magela Costa (UFMG); Heloisa Soares de Moura Costa (UFMG); Ivo Marcos Theis (FURB); João Cléps Júnior (UFU); ); José Aldemir de Oliveira (UFAM); José Júlio Ferreira Lima (UFPA); Maria Laura Silveira (CONICET); Jorge Luiz Barbosa (UFF); Jorge Ramón Montenegro Gómez (UFPR); Márcio Moraes Valença (UFRN); Maria Lucia Gitahy (USP); Mariana Fix (Unicamp); Maria Lucia Refinetti Martins (USP); Maria do Livramento Clementino (UFRN); Olga Lúcia Freitas Firkowski (UFPR); Pedro de Novais Lima Júnior (UFRJ); Roberto Luís Monte-Mór (UFMG) Roberto Luiz do Carmo (Unicamp); Marcos Aurelio Saquet (Unioeste); Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (UFPA); Simaia do Socorro Sales das Mercês (UFPA); Simone Aparecida Polli (UTFPR). SECRETARIA Pedro Paulo Pinto Maia Filho, Marcos Barcellos de Souza, Deborah Werner e Giselle Tanaka PROJETO GRÁFICO João Baptista da Costa Aguiar LAYOUT DA CAPA Ana Basaglia COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO Rian Narcizo Mariano Impressão e distribuição Letra Capital Editora (www.letracapital.com.br) Indexada na Library of Congress (EUA), Latindex e Portal de Periódicos da CAPES Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais – v.15, n.1, 2013. – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editor responsável Carlos Antônio Brandão: A Associação, 2013. v. Semestral. ISSN 1517-4115 O nº 1 foi publicado em maio de 1999. 1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Brandão, Carlos Antônio. 711.4(05) CDU (2.Ed.) 711.405 CDD (21.Ed.) UFRJ BC-2001-098 O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL 11 Em busca de uma agenda para o Planejamento Urbano e Regional – Uma homenagem a Ana Clara Torres Ribeiro – Rainer Randolph 33 Urbanismo versus Planejamento Urbano? – João Farias Rovati 59 Tendências e desafios no fomento à pesquisa na área de Planejamento Urbano e Regional – Uma análise a partir do CNPq (2000-2012) – Ana Fernandes 77 O campo do Planejamento Urbano e Regional: da multidisciplinaridade à transdisciplinaridade – Norma Lacerda 95 O Papel dos mestrados profissionais na área de Planejamento Urbano e Regional – Rosélia Piquet e Rodrigo Machado Vilani 107 O tema do desenvolvimento no contexto da Anpur: Uma reflexão crítica preliminar – Roberto Luís de Melo Monte-Mór 125 Em busca do paraíso: Algumas considerações sobre o desenvolvimento – Ester Limonad ARTIGOS 141 “Europeanisation” of Planning Education?: an exploration of the concept, potential merit and issues – Andrea Frank 155 Experiential learning in African Planning Schools: reflections on the Association of African Planning Schools (AAPS) case study project – Nancy Odendaal 167 Construção social e tecnologias civis (1964 -1986): contribuição para um debate sobre política habitacional no Brasil – Ana Paula Koury 183 A dinâmica urbana de cidades médias do interior paulista sob o Estatuto da Cidade – Jefferson O. Goulart, Eliana T. Terci e Estevam V. Otero 201 O financiamento da manutenção e operação do sistema de drenagem urbana de águas pluviais no Brasil: taxa de drenagem – Cristina Lengler e Carlos André Bulhões Mendes RESENHAS 221 A Urbe amazônida, de Bertha Becker – por Cláudio Egler 223 As paisagens crepusculares da ficção científica: a elegia das utopias urbanas do modernismo, de Jorge Luiz Barbosa – por Pedro Paulo Pinto Maia Filho R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 3 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ANPUR Gestão 2012-2013 presidente Ester Limonad (POSGEO/UFF) secretário executivo Benny Schvasberg (PPGAU/FAU-UnB) secretário adjunto Orlando Alves dos Santos Júnior (IPPUR/UFRJ) diretores Lilian Fessler Vaz (PROURB/UFRJ) Maria Ângela de Almeida Souza (PPDU-UFPE) María Mónica Arroyo (PPGGE-USP) Paola Berenstein Jacques (PPGAU/FAU-UFBA) conselho fiscal (titulares) Cibele Saliba Rizek (PPGAU/IAU-USP) Elson Manoel Pereira (PPGG/UFSC) Paulo Pereira de Gusmão (PPGG/UFRJ) conselho fiscal (suplentes) Ângelo Serpa (PPGG/UFBA) Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (NAEA/UFPA) Apoio Editorial O presente número dá prosseguimento às comemorações dos trinta anos da ANPUR e dos quatorze anos da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Traz, assim, uma série de artigos que procuram realizar um balanço, sob diversos ângulos de abordagem, do campo do planejamento urbano e regional. Os sete primeiros artigos apresentam importantes discussões sobre a agenda, as especificidades e interrelações entre os campos do planejamento urbano e do urbanismo; o fomento à pesquisa na área de planejamento urbano e regional, o histórico e a situação dos mestrados profissionais da área de planejamento urbano e regional na Capes, os desafios da trans, multi e interdisciplinaridade além de uma discussão e um balanço sobre a temática do desenvolvimento na área do planejamento urbano e regional. Abre esta edição da revista um artigo de Rainer Randolph, coordenador da Área na Capes, que inicialmente realiza um retrospecto e avaliação sobre as principais características da área do planejamento urbano e regional para sugerir uma agenda de reflexão e trabalho para a área sob a inspiração das propostas de Ana Clara Torres Ribeiro. E, o faz com base na confrontação de dois artigos-balanço da área que apresentaram propostas de agenda, há mais de dez anos, no volume 4 de nossa revista de 2002. Balanços elaborados por dois colegas que nos deixaram, Ana Clara Torres Ribeiro (presidente da ANPUR de março a dezembro de 2011) e Philip Gunn (secretário- executivo da ANPUR de 1989 a 1991). Em seguida, João Farias Rovati analisa, em seu artigo, o que identifica como uma ambiguidade entre o urbanismo e o planejamento urbano, avaliando como esta se expressa na pós-graduação brasileira, o que contribuiria para obscurecer a existência de campos epistêmicos distintos, gerar divergências e dificultar a cooperação entre conhecimento, saberes e profissões que de fato não se opõem, mas apresentam marcantes complementaridades. Ana Fernandes, como representante da área no CNPq de 2009 a 2012, faz um balanço referente ao período de 2000/2012, das tendências e desafios ao fomento à pesquisa na área de Planejamento Urbano e Regional. Neste sentido busca estabelecer alguns parâmetros para a compreensão da conjuntura e do processo de financiamento à pesquisa da área. Assim, adota, primeiro, como recorte a grande área de Ciências Sociais Aplicadas e Educação do CNPq, de modo a construir uma referência para a análise do fomento à pesquisa na área de PUR. A seguir ela avalia as informações do comitê assessor de Sociais Aplicadas, o CA-SA, que contém a área de Planejamento Urbano e Regional, Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Demografia e Turismo, procurando apontar algumas linhas de ação para o futuro, uma vez que a articulação ao território do processo de formação acadêmica e de criação em ciência e tecnologia é um dos grandes desafios colocados ao Brasil hoje. Norma Lacerda procura distinguir as abordagens multi ou inter e/ou transdisciplinares, no campo do PUR, alertando para o fato de que é comum em textos e debates acadêmicos nessa área enfatizar que nosso objeto exige tais abordagens, sem que sejam explicitados os respectivos significados desses termos. O ensaio procura demonstrar o caráter multidimensional dessa área adotando a noção de campo do conhecimento; relembrando a ascensão e o declínio do cientificismo com o questionamento de seus postulados, defendendo a necessidade de novos paradigmas analíticos. Finalmente, discute as principais características de cada um desses três tipos de abordagem, enfatizando a importância de um processo de atualização dos saberes e práticas. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 5 Rosélia Piquet e Rodrigo Machado Vilani discutem o papel dos Mestrados Profissionais na Área de PUR, ressaltando os desafios e as contribuições da consolidação desses mestrados para a formação profissional no Brasil no contexto de nosso sistema da pós-graduação. O artigo analisa as normas da CAPES relacionadas ao reconhecimento dos mestrados profissionais e dos dados de sua evolução a partir de 2000. Apresentam as potencialidades e constrangimentos dos mestrados formando profissionais qualificados para realizar uma leitura adequada e propor intervenções em políticas públicas consistentes e comprometidas com a transformação social. Roberto Luís Monte-Mór realiza um interessante painel da temática do desenvolvimento no contexto dos debates realizados na Anpur e publicados nos anais de seus primeiros quatorze encontros nacionais. Avalia a produção científica dos mais de cinquenta centros de pós-graduação e pesquisa filiados e associados à Anpur publicada e difundida nos últimos trinta anos, relacionada ao tema. A natureza do tratamento, as abordagens privilegiadas e as temáticas que ganharam maior evidência e importância no atual milênio são tratadas com maior ênfase. Destaca suas principais adjetivações e adaptações aos temas contemporâneos, até sua importância crescente nos aspectos socioespaciais e ambientais, além dos questionamentos em torno ao próprio conceito. Ester Limonad, em seu texto base do discurso de abertura do XV Encontro Nacional da ANPUR, que teve por tema “Desenvolvimento, Planejamento e Governança” discorre sobre o tema do desenvolvimento associado ao planejamento com o objetivo de criticar as noções pré-estabelecidas relativas à ideia do desenvolvimento e a sua retomada no discurso acadêmico contemporâneo, realizando uma reflexão crítica, considerando a existência de mais de meio século de teorizações. Procura resgatar alguns elementos da origem, das mudanças e variações da ideia de desenvolvimento, bem como introduzir alguns pontos para fomentar o debate e a reflexão acadêmica. Colocando ênfase nas análises de longa duração, aponta a necessidade da superação dos interesses localizados, através da mobilização social, forjando consciências e construindo arranjos e compromissos sociais. Na seção Artigos, temos cinco importantes contribuições sobre as experiências europeias e africanas, a habitação, o papel do Estatuto das Cidades nos espaços urbanos de médio porte e a questão da busca de novas fontes de financiamento para o saneamento. Andrea Frank analisa o que denomina de europeização do planejamento, procurando demonstrar os diferentes perfis da profissão de planejamento nos países europeus, resultantes de variados modelos de ensino e curricula de planejamento, que tendem a refletir e atender a necessidades nacionais. A reestruturação, para adequar os programas com os ciclos de ensino superior de Bolonha, gera oportunidades de mobilidade integrada e a oferta conjunta de diplomas de mestrado por instituições, em colaboração, de diferentes países europeus. Ao final destaca como a experiência de planejamento espacial europeu, suas políticas de coesão e práticas de planejamento local, regional e nacional tem contribuído para uma “europeização” do ensino de planejamento. Nancy Odendaal descreve os processos de aprendizagem experimental em Escolas Africanas de Planejamento no âmbito da Associação Africana de Escolas de Planejamento (AAPS). Desde 2009 essa associação vem promovendo o planejamento que se distancie do controle , buscando reinventá-lo como uma prática que apoie as populações marginalizadas nos espaços urbanos africanas. Reflete sobre a dimensão pedagógica, resultados e implicações desse projeto para o ensino na pós-graduação. Ana Paula Koury discute o papel da construção social e das tecnologias civis na origem da política habitacional no Brasil (1964 -1986). Destaca as propostas inovadoras apresenta6 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 das no Seminário de Habitação e Reforma Urbana (1963). Aponta como o Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964, passa a adotar uma política conservadora que não atende as demandas das classes de menor renda, assim como, contribui para a expansão urbana periférica de baixa densidade, sem os equipamentos necessários ao desenvolvimento de novos setores residenciais. E, assinala, que a partir da Constituição de 1988 novas diretrizes da política habitacional foram adotadas na produção das unidades habitacionais, utilizando tecnologias civis, que constituem um conjunto de experiências que não tiveram êxito naquela época e que podem adquirir outro significado no atual cenário de desenvolvimento. Jefferson O. Goulart, Eliana T. Terci e Estevam V. Otero discutem a dinâmica urbana de cidades médias do interior paulista, procurando examinar o alcance do Estatuto da Cidade como novo marco regulatório da política urbana brasileira a partir de estudo comparativo de processos contemporâneos em três cidades médias do interior paulista (Piracicaba, Bauru e Rio Claro), analisando as dimensões econômica, urbanística e político-institucional. Trata-se de análise preliminar de investigação que os autores vêm desenvolvendo sobre a temática, razão pela qual os resultados aqui apresentados são ainda provisórios. Enfatizam o lugar das cidades médias no desenvolvimento urbano contemporâneo e os constrangimentos e obstáculos das políticas urbanas dos Planos Diretores, de modo a evidenciar o potencial normativo dos enunciados do Estatuto da Cidade em contraponto com seus obstáculos da realidade, sobretudo o “poder dos grupos privados sobre a produção e a apropriação da cidade”. Cristina Lengler e Carlos André Bulhões Mendes discutem as possibilidades da taxa de drenagem se constituir em um importante suporte ao financiamento da manutenção e operação do sistema de drenagem urbana de águas pluviais no Brasil, evitando as inundações nas cidades o que exige um fluxo de receitas para financiar esse sistema, à luz das peculiaridades do sistema tributário brasileiro. Tratam da aplicação, em uma área específica, de algumas metodologias de cobrança para taxa de pagamento de serviços de drenagem de águas pluviais, apresentando o embasamento legal e três metodologias propostas, que constituem contribuições técnicas interessantes. Em seguida, são apresentadas as resenhas de dois livros recentemente publicados. O primeiro, “A Urbe Amazônida: a floresta e a cidade”, de Bertha K. Becker, essa grande mulher e intelectual que nos deixou e nos brindou esse livro como uma síntese final de sua profícua contribuição para qualquer reflexão de conjunto acerca da Amazônia. O livro representa o culminar de um conjunto de pesquisas realizadas pela autora sobre as cidades amazônicas e de seu papel na formulação e difusão de um modelo de desenvolvimento autóctone e sustentável, as possibilidades atuais que oferecem o conhecimento da biodiversidade e os avanços da biotecnologia para o manejo sustentável das águas e florestas da Amazônia, com a defesa intransigente da floresta e daqueles que aí vivem e trabalham. Tal abordagem é propositiva de alternativas para cidades que logrem construir, tanto a cidadania de seus moradores, como cadeias produtivas fundadas na biodiversidade regional. O segundo livro “As paisagens crepusculares da ficção científica: a elegia das utopias urbanas do modernismo” de Jorge Luiz Barbosa cujo tema é a metrópole, interpretada por meio de suas projeções futuras concebidas pelos filmes de ficção científica, realiza um primoroso diálogo entre a geografia e a arte, a fim de buscar compreender a questão urbana na contemporaneidade, realizando uma análise crítica dos modelos urbanos dominantes. Caberia destacar ainda, que a revista conseguiu aumentar de forma exponencial sua visibilidade e difusão e no momento apresenta uma média de submissões de 60 a 70 artigos por semestre, o que pode ensejar agora a realização de análises ainda mais rigorosas e criteriosas e desempenhar o papel de arena privilegiada da área PUR para a divulgação e o debate de ideias. Por fim, gostaria de agradecer o apoio incondicional recebido durante a gestão de Ester Limonad, que agora deixa a presidência da associação, inclusive pelo seu apoio pessoal a uma R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 7 das principais frentes de luta da revista, que é sua ampla e adequada indexação. Com sua ajuda, a revista passou por diversas mudanças. Destacam-se nesse sentido: a renovação do Conselho Editorial da RBEUR entre janeiro e março de 2013; a disponibilização online de todo o acervo de publicações da ANPUR no formato OJS e a obtenção de indexações e registros. Para a renovação dos membros do Conselho Editorial buscou-se contemplar os seguintes critérios: excelência acadêmica, apenas um representante por programa membro ou filiado, refletir a diversidade de campos de conhecimento e de tipos de membros que integram a associação, bem como se buscou alcançar uma distribuição regional que contemplasse membros das diversas regiões do país. Foram obtidos os registros e indexações junto ao site dos Periódicos da CAPES, junto ao Latindex (catalogo e diretório), junto ao Cross-Ref relativo a todas as publicações online da ANPUR, estando em tramitação o registro junto ao DOAJ e a submissão para indexação e registro junto a Redalyc e ao Scielo. Estes registros e indexações contribuíram para aumentar significativamente a visibilidade da ANPUR e da RBEUR, que se manifesta em um expressivo crescimento das submissões online (uma média de 70 artigos semestralmente, para escolher 12) e das consultas aos artigos no site em formato OJS (Open Journal System) da RBEUR, com um aumento da demanda do apoio do Conselho Editorial, através do sistema online. Carlos Brandão Editor responsável 8 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 O Campo do Planejamento Urbano e Regional EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL Uma homenagem a Ana Clara Torres Ribeiro Rainer Randolph Resumo No âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES constatamos uma nova realidade da pós-graduação brasileira na Área de Planejamento Urbano e Regional que se constitui, nos últimos dez anos, através do credenciamento, de programas que (i) se encontram, em sua maioria, fora dos principais centros urbanos do país e (ii) estão voltados para a temática do desenvolvimento regional e da gestão territorial. O presente trabalho procura contribuir para uma reflexão acerca de uma agenda para a formação pós-graduada comprometida social e territorialmente em vista dos desafios que significam as condições atuais que se distinguem, significativamente, daquelas que alimentavam reflexões semelhantes no início do novo milênio as quais serão recuperadas em nossa argumentação, com a proposta de retomada de uma agenda formulada por Ana Clara Torres Ribeiro em 2002. Introdução Uma das importantes características das transformações políticas, econômicas e sociais da sociedade brasileira nos últimos anos foi, sem dúvida, a ampliação do acesso à formação universitária em locais distantes dos principais centros do país. Esta progressiva “interiorização” da formação acadêmica atingiu, também, sobremaneira a formação ao nível da pós-graduação. Coloca-se, assim, de forma premente o problema de atender a demandas de formação profissional em lugares distantes e com especificidades próprias. Cabe neste sentido tomar cuidado em (...) reconhecer e tratar as diferenças sem gerar perdas teóricas; aderir a modelos desconectados dos contextos investigados; aceitar modismos e cair em casuísmos. Mas, este desafio inclui, também, a superação de generalizações que, por estimularem falsas homogeneidades, pouco avançam no conhecimento da diversidade que caracteriza o país. Sem dúvida, cada vez mais, a sociedade brasileira requer ser mais bem conhecida, o que dependerá da promoção de debates, entre especialistas e atores políticos, centrados na construção de um futuro socialmente mais justo e territorialmente menos desigual (Piquet; Ribeiro 2008, p. 58). Para a área acadêmica de Planejamento Urbano e Regional/Demografia, como uma das quarenta e oito áreas criadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, fundação vinculada ao Ministério da Educação, esse desafio está muito claro. Isto é fato em especial para a subárea de Planejamento Urbano e Regional, marcada nos últimos anos pela tarefa de credenciar, acompanhar e avaliar R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 11 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO programas de pós-graduação situados em locais distantes dos principais centros metropolitanos, ou mesmo em áreas de fronteira. Assim, neste universo de programas, desde 2006 até os dias de hoje, foram credenciados cursos e programas em Boa Vista (RR), Macapá (AP) e Palmas (TO) na região Norte, em Canoinhas (SC), Chapecó (SC), Pato Branco (PR) e Taquara (RS) na região Sul, em Campina Grande (PB), Natal (RN) e São Luiz (MA) na região Nordeste e em Divinópolis (MG) na região Sudeste, além da área já contar anteriormente com programas em Santa Cruz do Sul (RS), Blumenau (SC) e Toledo (PR) na região Sul; Taubaté e São José dos Campos (SP), Campos dos Goitacazes (RJ) na região Sudeste e dois em Goiânia (GO) e dois em Salvador (BA). Ou seja a maioria dos trinta e dois programas atualmente credenciados dessa subárea de conhecimento se encontra fora dos principais centros urbanos do país. Como foi colocado por Piquet e Ribeiro (2008), é um enorme desafio para esse conjunto de programas lidar com as diversidades e limitações da situação na qual se encontram e, simultaneamente, contribuir para um debate acerca de um “futuro socialmente mais justo e territorialmente menos desigual”. De uma forma geral, os próprios mecanismos de que a CAPES dispõe, podem ajudar, sem, no entanto, serem suficientes para vencer esse desafio. Sem querer subestimar as valiosas contribuições específicas das diversas áreas de conhecimento da CAPES, fornecidas nos momentos de credenciamento, acompanhamento e avaliação dos programas, há a necessidade de um debate mais amplo que transcenda as delimitações acadêmicas e disciplinares dessas áreas na CAPES. Debate que pode (e deve) se tornar possível no âmbito das associações nacionais de pós-graduação que, em princípio, cada uma dessas áreas possui. Isto vale também para o caso do universo em pauta dos programas da subárea acadêmica de Planejamento Urbano e Regional da CAPES cujo fórum de debate não deve ser limitado ao seu conjunto de programas. Por isto a importância de se fazer parte de uma associação mais abrangente que é a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR. Essa associação, criada em 1983, por cinco programas de pós-graduação, que hoje conta com sessenta programas, é formada por programas de pós-graduação de diferentes áreas do conhecimento, que estão envolvidos no debate acerca do desenvolvimento, do planejamento e de projetos urbanos e regionais; preocupados com a redução das enormes desigualdades dentro das nossas cidades e entre as regiões brasileiras; e, em última instância, estão em busca de proposições para uma sociedade mais justa. A intenção do presente trabalho, por conseguinte, é desenvolver uma argumentação capaz de fornecer elementos e argumentos para a discussão acerca de uma agenda para a formação pós-graduada comprometida social e territorialmente. É importante ter em mente que essa rápida referência aos programas credenciados na área de Planejamento Urbano e Regional/Demografia da CAPES serve apenas como o ponto de partida para o presente ensaio. O universo mesmo da reflexão aqui desenvolvida abrange, tendencialmente, todos os programas de pós-graduação, membros da ANPUR, ou determinados subconjuntos destes como será explicitado no decorrer da argumentação. Inicialmente, para pensar essa agenda, será recuperado um debate a respeito do ensino e pesquisa em planejamento urbano e regional, ocorrido no inicio do novo século no âmbito da ANPUR. Naquele momento foi formulada uma proposta de uma agenda para a área, que será o fio condutor para a argumentação do presente texto. 12 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH A partir de um certo confronto entre dois posicionamentos expressos por dois autores que se manifestaram, então, a respeito das características e dos destinos da área de planejamento urbano e regional da ANPUR, chega-se à conclusão que o ponto central para a formulação dessa agenda é a questão da interdisciplinaridade ou da investigação interdisciplinar da área. Após um breve excurso a respeito de diferentes perspectivas acerca dessa temática, será apresentado, na última parte do presente ensaio, um balanço a respeito da interdisciplinaridade como esta se expressa, de facto, especialmente na produção científica dos docentes dos programas que integram a área na CAPES. Na conclusão será rapidamente retomada a questão da formulação de uma agenda a partir de uma volta às propostas de Ana Clara Torres Ribeiro formuladas em 2002. Uma Agenda Comprometida com a “Coerência Analítica” da Área de Planejamento Urbano e Regional Acreditamos ser oportuno, num momento em que se procura identificar os contornos de uma área em permanente mutação – como é o caso das atividades de ensino e pesquisa em planejamento urbano e regional -, olhar para trás para enxergar as origens desse constante incremento da complexidade. E, talvez, encontrar alguma inspiração naquele momento, em que se imaginava, ainda, que havia a potencialidade de criar ou mesmo consolidar alguma coerência que iria emprestar certa unidade a essa área, apesar de toda sua diversidade. Encontramos elementos para retomar essa reflexão em dois ensaios publicados na revista da associação (Ribeiro, 2002 e Gunn, 2002) que foram formulados a partir de debates ocorridos no primeiro Seminário de Ensino e Pesquisa da ANPUR, realizado em 2001. Ambos procuraram mapear, de forma diversa, as diferenças e semelhanças de um “campo de conhecimento” formado pelas atividades de ensino e pesquisa dos programas filiados à ANPUR. No primeiro destes trabalhos, Ribeiro (2002) se preocupa em apresentar propostas para o ensino que “buscam refletir o contexto, mais amplo, em que hoje são desenvolvidas práticas didáticas na área do planejamento urbano e regional” com a intenção de contribuir para, o que designa de, uma “coerência analítica” da área. Reconhece, no entanto, que quaisquer propostas de solução dependerão (...) das trajetórias individuais reunidas nas instituições e dos diferentes caminhos percorridos por cada programa de pós-graduação, nos processos de construção do planejamento urbano e regional como área exigente de formação acadêmica e investimentos científicos. Sem dúvida, essa área, relativamente jovem, encontra-se configurada como um campo de estudos em permanente transformação seja pela agregação de novas disciplinas e temáticas seja por ajustes teórico-conceituais e metodológicos trazidos pela expansão de suas fronteiras, o que desafia fortemente o ensino (Ribeiro, 2002, pp. 63). Naquele momento histórico, início do século XXI, a autora identifica como o grande exemplo das pressões que a área sofre e às quais deva dar respostas, as R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 13 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO (...) mudanças na administração pública e em papéis assumidos pelo Estado. Para a área, esta última frente de processos possui especial relevância, na medida em que a ação do Estado encontra-se na sua origem, constituindo, portanto, um tema irrecusável de reflexão (Ribeiro 2002, p. 64). É nesse contexto de aceleração das transformações tanto sociais como técnicas que a autora aponta como forte desafio o de “preservar a coerência analítica da área, o que torna especialmente relevantes, e também estratégicas, as decisões relativas aos conteúdos obrigatórios da formação de novas gerações de especialistas” (Ribeiro, 2002, p. 64). Esse desafio desdobra-se em uma multiplicidade de expressões a respeito da sua atualização, da pedagogia, da interdisciplinaridade, da formação e dos fundamentos da área, além de desafios que tem sua origem em tendências à fragmentação institucional. Ao concluir seu ensaio, a autora formula um conjunto de propostas à ANPUR que entende como possibilidades no enfrentamento dos desafios a serem vencidos e cuja implementação, assim, contribuiriam para reforçar aquela “coerência analítica” que foi a meta de todo o esforço de sua reflexão. Sem poder nomear todas essas propostas aqui (vide Ribeiro, 2002, pp. 70-71), serão mencionados apenas os dois grandes grupos de medidas propostas pela autora: por um lado, têm-se as medidas cuja implementação caberia à direção da ANPUR; por outro, têm-se aquelas cuja realização e implementação recairia sobre os membros (filiados) da ANPUR que deveriam contar com o apoio de sua diretoria. Se algumas dessas propostas foram realizadas, ainda que de uma forma mais pontual nestes últimos doze anos, ao nosso ver não houve, ou não se fez perceber, um avanço em sua implementação sistemática e, consequentemente, não ocorreu nenhum avanço em relação à preocupação principal da autora: o fortalecimento de uma “coerência analítica” da área de planejamento urbano e regional na ANPUR. Ao contrário, usando a crescente diferenciação temática dos programas credenciados pela CAPES na área de planejamento urbano e regional como indicador, a ANPUR encontra-se mais longe do que nunca da referida coerência, o que de alguma forma não a fortalece. O catálogo de propostas de Ribeiro (2002) segue, portanto, tão atual como há doze anos atrás. Arquitetura, Urbanismo e Planejamento: Diferenças ou Oposições? O segundo trabalho que nos serviu de base foi publicado por Philip Gunn (2002), após a realização do mesmo seminário da ANPUR, em 2001. Seu ensaio teve por intenção apresentar um retrato sintético das prioridades de pesquisa em arquitetura, urbanismo e planejamento de um determinado grupo de programas de pós-graduação que pertenciam a duas áreas acadêmicas da CAPES: Arquitetura, Urbanismo e Design, por um lado, e Planejamento Urbano e Regional/Demografia, por outro. Se Ribeiro (2002) se refere em sua análise ao conjunto de filiados e associados à ANPUR sem nomeá-lo, Gunn (2002), por sua vez, usa para sua reflexão como referência um número delimitado de programas que formam um conjunto que chama de “Área ANPUR”, a qual não abrange completamente nem todos os programas credenciados nas duas referidas áreas pela CAPES naquela época, nem todos os programas de pós14 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH graduação filiados ou associados à ANPUR em 2001. E, em seu recorte particular, sequer contempla programas de pós-graduação das áreas de Geografia, Administração ou Economia e mesmo de outras áreas, então já filiados à ANPUR. Para situar sua análise das linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação que formaram o seu universo de trabalho, Gunn (2002) inicia seu ensaio com uma breve recuperação histórica da área de arquitetura, urbanismo e planejamento no século XX que, conforme salienta, surge na Inglaterra em 1909 com a criação de um curso de Civic Design na Universidade de Liverpool. Ao acompanhar essa elaboração de Gunn, fica claro que a história, à qual se refere, como ele mesmo diz, é fundamentalmente a do urbanismo que durante um primeiro período até o final da segunda guerra mundial seria caracterizada por uma “dualidade” da arquitetura/urbanismo. Em seu entender no Brasil haveria uma certa especificidade à medida que o urbanismo “emergiu como uma especialidade de desenho arquitetônico da Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro e como uma especialização em Engenharia Urbana na Escola Politécnica em São Paulo em 1917” (Gunn, 2002, p. 46) a qual denomina de “dualidade” urbanismo/planejamento. Para o autor, mesmo no período pós-guerra até os anos 70 do século XX não teria havido uma substantiva mudança desse quadro, apesar de uma série de modificações institucionais que se expressaram na Universidade de São Paulo (USP) através da cisão com a Escola Politécnica e a fundação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP). Em relação à FAUUSP, essa segunda fase é caracterizada pelas dualidades da arquitetura/urbanismo e do urbanismo/planejamento. Na década de 1970 foram criados os primeiros cursos de pós-graduação junto às faculdades de arquitetura e urbanismo das Universidades Federais de Pernambuco, Brasília e Rio Grande do Sul e da Universidade de São Paulo, respectivamente, em Recife, Brasília, Porto Alegre e São Paulo. A única exceção foi o Rio de Janeiro, onde o mestrado em planejamento urbano e regional nasceu como subprograma da área de engenharia de produção junto à Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O autor vê no Rio de Janeiro o início de uma referência que rompe com a “hegemonia dos arquitetos” na área por ele observada, à medida que o planejamento passa a ser compreendido dentro de uma abordagem interdisciplinar “com a presença de arquitetos, mas também de geógrafos, economistas, sociólogos, além de engenheiros, estatísticos, advogados e outros profissionais nos campos de estudos urbanos e regionais” (Gunn, 2002, p. 47). Em nota de rodapé neste lugar do seu texto, Gunn fala de uma reação à abordagem interdisciplinar nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo, como aconteceu de forma típica na FAUUSP, com a criação de uma “espécie de enclave disciplinar de docentes ´não arquitetos´ para tratar o assunto ´fundamentos’ no curso de graduação” (Gunn, 2002, p. 47; destaque nosso) onde a hegemonia dos arquitetos sobre sociólogos, historiadores, demógrafos é assegurada. Contudo, é apenas na década de 1980 que a perspectiva interdisciplinar do planejamento consegue se consolidar, no Brasil, através do mestrado em planejamento urbano e regional e da criação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR – no Centro de Ciências Econômicas e Jurídicas da UFRJ. Tomando por um lado a FAUUSP e por outro lado o IPPUR-UFRJ, o autor afirma que esses “casos institucionais em São Paulo e no Rio de Janeiro demonstram trajetórias historicamente não somente diferentes mas opostas” (Gunn, 2002, p. 47). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 15 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO Essa “oposição” atravessa, então, aquela área que o autor denomina de “Área ANPUR” com os programas de pós-graduação listados no Quadro I, a seguir. Em termos das áreas acadêmicas da CAPES, os filiados pertencem às duas áreas já mencionadas antes: um número maior, dez no total que incluía também a FAUUSP, pertence a área de Arquitetura, Urbanismo e Design, sendo apenas um programa da subárea do design. Já em relação à área de Planejamento Urbano e Regional/Demografia havia um grupo de quatro programas na subárea de planejamento urbano e regional que inclui o programa do IPPUR-UFRJ, e três que são da subárea de demografia. Quadro I: “Área ANPUR” Programa de Pós-Graduação 1. Arquitetura e Urbanismo 2. Arquitetura e Urbanismo 3. Arquitetura e Urbanismo 4. Arquitetura 5. Arquitetura 6. Urbanismo 7. Design 8. Arquitetura e Urbanismo 9. Arquitetura 10. Arquitetura e Urbanismo IES / Local UFRN: Natal UFBA: Salvador UnB: Brasília UFMG: Belo Horizonte UFRGS: Porto Alegre PROURB - UFRJ: Rio de Janeiro PUC-Rio de Janeiro UPM: São Paulo USP/SC: São Carlos USP (FAU): São Paulo Área CAPES AU/Design AU/Design AU/Design AU/Design AU/Design AU/Design AU/Design AU/Design AU/Design AU/Design 1. Desenvolvimento Urbano MDU - UFPE: Recife PUR/Demog. PUR 2. Análise Regional 3. Planejamento Urbano e Regional 4. Planejamento Urbano e Regional UNIFACS Salvador IPPUR - UFRJ: Rio de Janeiro PROPUR - UFRGS: Porto Alegre PUR/Demog. PUR PUR/Demog. PUR PUR/Demog. PUR 1. Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais ENCE: Rio de Janeiro 2. Demografia 3. Demografia Fonte: Elaboração Própria PUR/Demo Demo Unicamp: Campinas PUR/Demo Demo CEDEPLAR UFMG: Belo Horizonte PUR/Demo Demo Os programas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), criados e credenciados na área de planejamento urbano e regional, são programas ligados aos respectivos departamentos de arquitetura e/ou urbanismo. Assim, fora do âmbito desses departamentos havia apenas o programa da UFRJ e o da UNIFACS – hoje Universidade do Salvador. A posição destacada do IPPUR-UFRJ em termos da sua excelência acadêmica lhe reservou um destaque especial também no âmbito da própria associação. Já naquele momento se anunciava, com o programa de Desenvolvimento Regional e Urbano da UNIFACS – e a existência de um mestrado em desenvolvimento regional na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC ) no Rio Grande do Sul, que obteve seu credenciamento pela CAPES apenas na primeira década dos anos 2000 -, uma tendência que iria ganhar corpo e se fortalecer nos anos seguintes dessa mesma década: a do crescimento vertiginoso de cursos voltados para a temática do desenvolvimento regional que se tornaram majoritários na área já ao final da primeira década do século XXI, totalizando vinte programas em 2012, de um total de trinta e dois programas na área de planejamento urbano e regional a que se somam quatro de demografia. Ao selecionar apenas aqueles programas acima relacionados, Gunn (2002) consegue fortalecer seu argumento de que haveria uma certa oposição entre um grupo de 16 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH programas de pós-graduação vinculados a área de Arquitetura, Urbanismo e Design na CAPES que estaria, nas palavras dele naquele momento, sob a “hegemonia dos arquitetos”, contra um outro grupo caracterizado pelo perfil interdisciplinar de uma outra área da CAPES – no caso a de Planejamento Urbano e Regional em que se podia observar certas formas híbridas daqueles programas que continuavam vinculados a departamentos de arquitetura e urbanismo. A identificação por Gunn (2002) de uma oposição entre diferentes abordagens e perspectivas relativas ao planejamento urbano e regional está em desacordo com a visão de Ribeiro (2002), como visto no item anterior, que defendia a existência de alguma coerência, de caráter analítico, entre os membros da ANPUR que precisava ser fortalecida. Vamos dedicar o item seguinte a um breve confronto entre essas duas opiniões. Coerência vs. Oposição? O que não deixa de ser surpreendente é um certo “paradoxo” em relação às propostas apresentadas por Ribeiro em 2002: por um lado, se as observamos hoje, retrospectivamente, elas parecem tão atuais como há mais de dez anos atrás quando foram formuladas. Mas, por outro lado, como observamos, aparentemente, não houve nenhum avanço significativo em direção a uma “coerência analítica” da área apesar de certos esforços que possam ter sido realizados nessa última década. Houve, recentemente, uma chance de retomar essas ideias pela própria autora, com sua eleição como presidente da ANPUR para a gestão de 2011 a 2013. Lamentavelmente, em razão de seu precoce e trágico falecimento, pouco após haver assumido o cargo, nunca saberemos se ela teria tido maior sucesso na implementação daquela agenda em relação às gestões que a antecederam. Por causa dessas circunstâncias, que levaram à necessidade de passagem para uma nova gestão, houve dentro da associação um breve período de indefinição que, apesar de ser superada rapidamente, gerou uma série de obstáculos e dificuldades para uma atuação dentro dos moldes preconizados por Ribeiro (2002), por aqueles que assumiram a responsabilidade pela associação nessa situação. A pergunta que cabe ser feita, seria, então, se a dificuldade de implementar a agenda vislumbrada por Ribeiro (2002) já não estava implícita na própria diversidade – ou mesmo oposição, nas palavras de Gunn (2002) – dos membros da associação com seus interesses diversos. E, se fosse assim, se Ribeiro (2002) estaria equivocada, relativamente, com sua análise. Ou seja, ao invés de se poder pressupor uma “coerência analítica” da área naquele momento, seria mais provável que houvessem “coerências” parcelares que conviviam e convivem, mais ou menos harmonicamente, sob o “guarda-chuva” geral da ANPUR. Sem querer e pretender chegar aqui a nenhuma conclusão definitiva – provavelmente, a realidade é muito mais complexa do que simples polos entre “oposição” e “coerência” -, há argumentos para se concordar mais com a tese de Gunn (2002) do que com a de Ribeiro (2002). Sob essa suposição – da existência de uma oposição que permaneceu mesmo nos anos que se seguiram às análises dos dois autores - seria possível atribuir a ineficácia das propostas de Ribeiro (2002) não à sua própria formulação, mas compreendê-la como um sinal de que não havia nenhum interesse maior em adotar uma agenda R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 17 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO que só iria tornar explícito exatamente aquilo que permitia algum acordo tácito entre aqueles programas “em oposição”. Haveria uma certa plausibilidade para a afirmação que, mesmo não havendo nenhuma “coerência analítica” na ANPUR, essas oposições nunca se tornaram suficientemente profundas para inibir arranjos temporários entre os expoentes das diferentes posições. Assim, seria compreensível entender como foi possível manter uma certa “unidade” da associação à medida que não se instalaram incompatibilidades e contradições entre as frações que souberam se arranjar naquela época e nos anos seguintes por meio de uma alternância nas posições de presidência e de diretoria. Essas são apenas hipóteses, cuja discussão mais aprofundada foge do escopo do atual trabalho; mas que, talvez, merecessem alguma atenção. O ano de 2001 foi especialmente interessante, porque havia a previsão que a presidência iria passar para o IPPUR que havia sido o responsável pela organização do Encontro Nacional no Rio de Janeiro. No entanto, nenhum docente do instituto se prontificou naquele momento a assumir esse cargo máximo e a FAUUSP assumiu a presidência. Planejamento e Desenvolvimento: o Contexto Histórico das Mudanças de um Campo de Conhecimento Gunn (2002) limitou sua análise da “Área ANPUR” a uma oposição entre programas com forte enraizamento em arquitetura e urbanismo e programas de planejamento urbano e regional com abordagens interdisciplinares. Negligenciou, com isto outros programas filiados à ANPUR, já em 2001. Isto porque – hipótese nossa - julgava que para seu argumento essa limitação seria suficiente. Pois, em seu entender, não havia necessidade de contemplar os programas de outras áreas disciplinares como a Geografia, Administração e Economia com uma atuação que, em sua visão, iria além de suas limitações disciplinares. A diferença e a oposição que encontrou, portanto, foram determinados por esse procedere. Para explicitar melhor essas diferenças (ou oposição) entre a trajetória histórica da formação e consolidação do campo do urbanismo – apontado acima brevemente por Gunn (2002) – e a do campo do planejamento urbano e regional é interessante incorporar à nossa discussão uma análise que foi, anos mais tarde, realizada por Piquet e Ribeiro (2008). As autoras partem da constatação de um momento de debate bastante diferente daquele em que se deram as discussões acima apresentadas. No dualismo urbanismo/ planejamento – apontado por Gunn (2002) – o planejamento volta à atenção com o ressurgimento de uma temática durante os primeiros anos da primeira década do novo século: a do desenvolvimento como também já mencionado brevemente. Voltam à cena as análises sobre os motivos que induziram o nosso desenvolvimento a apresentar um caráter espacial e socialmente tão desigual. Retomam-se, enfim, as questões de longo prazo, buscando as razões que, nas palavras de Celso Furtado, levaram à construção interrompida do país” (Piquet/Ribeiro, 2008, p. 49). A história do planejamento e da formação de planejadores se inicia nos países ocidentais após a grande crise econômica de 1929/30 e a política do New Deal nos 18 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH EUA onde o “Estado é percebido como o agente político e econômico apto a conduzir projetos de desenvolvimento que resultariam não apenas na expansão do produto e do emprego, mas também, na superação das desigualdades espaciais” (Piquet/Ribeiro 2008, p. 50). A mesma aceitação do papel do Estado e do planejamento vai se consolidando após a segunda guerra mundial em relação a diferentes países do mundo e, inclusive, em relação à América Latina para a qual os órgão multilaterais elaboram agendas dentro de uma perspectiva de “desenvolvimento” para seus países. Fala-se, no cenário latino-americano, de uma fase de “planejamento para mudança” quando são lançados, nos anos 1950 e 1960 os primeiros cursos sobre planejamento pela Organização dos Estados Americanos (OEA), pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e pelo Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social (Ilpes.) No Brasil, a partir da década de 1940, várias foram as tentativas de coordenar, controlar e planejar a economia; mas, até 1956, essas tentativas limitaram-se à formulação de diagnósticos, propostas, medidas setoriais ou de racionalização do processo orçamentário. Até então, o planejamento regional havia se restringido a esforços voltados ao desenvolvimento de bacias hidrográficas e, no plano urbano, a experiências de cidades planejadas segundo princípios do urbanismo funcional-racionalista. É com o Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek (1956 -1961) que tem início, de modo mais consistente, o planejamento governamental (Piquet; Ribeiro, 2008, p. 51). Com o golpe militar de 1964 houve um reforço a um determinado tipo de planejamento por meio da elaboração de uma série de Planos entre os quais se destaca o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), no qual a dimensão urbana do desenvolvimento ganha maior destaque ao lado de questões voltadas para cidades médias, desconcentração industrial e outros assuntos. Já antes mesmo desse plano foram criados os programas de pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional para a formação de quadros em diferentes órgãos públicos de desenvolvimento como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), Banco Nacional de Habitação (BNH) e outros órgãos do governo federal. Prevalece, nesse período, uma abordagem racional, tecnicista do planejamento em consonância com os processos de decisão cada vez mais centralizados e autoritários. A redemocratização do país na década de 1980 foi acompanhada por um forte movimento de mobilizações e movimentos sociais voltados contra o Estado e seus aparelhos autoritários que permitiram, já naquele momento, o desmonte de uma série de agências e instrumentos de planejamento. Cabe destacar que não se criou, durante toda aquela década, nenhum curso de pós-graduação na área de planejamento urbano e regional. Na década de 1990, com o aprofundamento da redução da influência do Estado na economia e na sociedade no bojo de um projeto neoliberal, mesmo os programas então existentes, na área de planejamento urbano e regional, se viram levados a deslocar suas preocupações para análises críticas de abordagens de planejamento como o planejamento estratégico e para investigações e estudos de problemas urbanos e, especialmente, intraurbanos. Foram deixadas, assim, em um segundo plano preocupações com a escala regional das transformações econômicas e sociais, que mereceram pouca atenção neste período. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 19 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO Uma nova reversão das perspectivas aconteceu no inicio do novo século com uma gradual recuperação da força de intervenção do Estado. Em particular, o planejamento urbano viveu uma retomada a partir da aprovação do Estatuto da Cidade (2001) e de sua regulamentação. O que deu origem a uma verdadeira “indústria” de consultoria para elaborar Planos Diretores urbanos. Mas, também o desenvolvimento regional voltou à pauta das discussões. Cabe notar que, nestes últimos anos, o tema do desenvolvimento tornou-se relevante nos debates sobre o destino do país; e com isto o embate entre diferentes projetos políticos e concepções teóricas acerca da sua relação com o território (Brandão, 2007). Em geral, como dizem Piquet e Ribeiro (2008; p. 57) (...) as concepções de desenvolvimento passam a ser mais uma vez tema relevante nos debates sobre os destinos do país. O enfrentamento teórico e político dessa questão requer avançar nas análises territoriais com pesquisas que busquem identificar a lógica de funcionamento dos vários circuitos de valorização do capital, em seus vínculos com as condições de vida da população. . Desafio ainda maior depois da crise do capitalismo dos anos 2008 a 2010, cuja solução (provisória?) apenas foi possível através de maciças intervenções por parte dos Estados (governos) nos países industrializados. Comparada essa história do planejamento à brevissimamente apresentada trajetória da arquitetura e urbanismo pode se reconhecer uma diferença significativa não apenas das práticas, mas também e principalmente das matrizes conceituais e metodológicas das investigações e das respectivas formas de envolvimento com as realidades de diferentes segmentos da sociedade e com órgãos de governo. Mais ainda do que era visível por ocasião da discussão anterior a respeito da dualidade urbanismo/planejamento, a atual explicitação mais aprofundada e detalhada dos diferentes períodos do planejamento urbano e regional esclarece como o planejamento (urbano e regional) se encontra cada vez mais distante de abordagens com referencias a Arquitetura e Urbanismo. Não é que deixasse de contemplar as determinações físicas da vida; mas, se incorporam os conceitos de espaço e de território nas suas concepções e análises etc. como elemento fundante de uma visão totalizante de um planejamento comprometido com a transformação social (Randolph, 2008). Diante dessas constatações parece cada vez menos provável que a “aposta” de Ribeiro (2002) a respeito da “coerência analítica” possa servir como bandeira para gerar a mobilização necessária entre os membros da associação para realizar as propostas que formulou para a ANPUR. Mesmo assim, a validade das propostas de Ribeiro (2002) não desaparece, porém elas necessitam ser colocadas dialeticamente em um outro contexto que não seja o da “coerência”, mas de um determinado tipo de “diversidade”, que permite a convivência de formas diferenciadas de unidades: ou seja a explicitação e mútuo reconhecimento de formas definidas de investigações interdisciplinares voltadas para compreensão e transformação da sociedade brasileira em suas múltiplas articulações escalares. 20 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH Interdisciplinaridade, Pragmatismo e Reflexão sobre Visões do Mundo Pois, é a própria autora (Ribeiro 2002, pp. 64ss) que aponta nessa mesma direção quando discute os diferentes desafios que a associação e seus membros enfrentam. Isto fica especialmente patente quando fala do desafio à formação de profissionais. Para ela, é o próprio reconhecimento da natureza dos desafios do trabalho inter- e transdisciplinar que significa “um estímulo para que os cursos, reunidos pela área, busquem a mais ampla interlocução com outros departamentos e instituições, tais como aqueles dedicados à filosofia, às artes, ao direito e ao conhecimento geohistórico” (Ribeiro 2002, p. 68). Neste contexto, referindo-se à pedagogia, alerta que “a carência de uma reflexão consistente do ensino é portadora de riscos da sua rápida redução a formas, mais ou menos sofisticadas, de treinamento, especialmente em áreas inter- e transdisciplinares, como é o caso do planejamento urbano e regional” (Ribeiro 2002, p. 65). Essa “reflexão consistente”, para enfrentar esse risco, não se pode realizar apenas por meio de pautas temáticas para cujo tratamento se “mobiliza” diferentes disciplinas. Ou nas palavras da autora: “A organização apenas temática da produção de conhecimento restringe o intercâmbio acadêmico e cria a imagem de que a formação acontece pelo acompanhamento arguto de mudanças superficiais” de todo tipo de mudanças sociais, econômicas, políticas ou culturais em determinada sociedade. E chega, então, a concluir – em nossa opinião - que a (...) difusão dessa imagem dificulta a correta transmissão da ideia nuclear de que o conhecimento em áreas inter- e transdisciplinares é exigente de uma reflexão que envolva o trato cuidadoso de visões de mundo e, ainda, a observação de mudanças culturais que reposicionam a ciência nas expectativas da sociedade (Ribeiro 2002, p. 67). É nesse sentido de uma reflexão sobre perspectivas do mundo que a própria discussão sobre a interdisciplinaridade deve e cabe ser realizada; pois, é ela mesma inserida em controvérsias que se fundamentam em diferentes visões do mundo. Inicialmente precisa ser constatado que não existe nenhuma unanimidade em relação à compreensão da interdisciplinaridade ou, como alguns autores preferem, daquilo que caracteriza a investigação interdisciplinar. Em termos gerais, há aqueles autores que distinguem dois posicionamentos diversos cujo ponto nuclear se constitui na divergência em relação a possibilidade ou necessidade de uma “integração” entre diferentes conhecimentos, por um lado, e há outros autores que diferenciam a partir do reconhecimento das “imbricações” e influências de interesses, práticas e poderes ao trabalho interdisciplinar, por outro. Talvez a perspectiva mais difundida a respeito da interdisciplinaridade seja aquela que Repko (2011, p. 4) chama de “generalist interdisciplinarian”. Esse visão “generalista” entende a interdisciplinaridade como qualquer forma de diálogo ou interação entre duas ou mais disciplinas. O diálogo, nesse caso, não pressupõe nenhuma forma de integração entre os diferentes saberes envolvidos na investigação interdisciplinar. É essa compreensão que se encontra também na maioria dos dicionários no verbete a respeito do termo “interdisciplinaridade” ou “interdisciplinar” com adjetivo. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 21 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO Uma vertente dessa compreensão generalista da interdisciplinaridade se encontra em Floriani (2004), quando a define como um diálogo entre disciplinas científicas, no intuito de ampliar a explicação dos objetos de conhecimento disciplinares, como no caso da bioinformática, que reúne diversas disciplinas afins. Entretanto, o que esse autor depois chama de uma segunda visão não parece romper com essa visão “generalista”, mas introduzir nela uma “acréscimo pragmático” como pode-se dizer a partir daquilo que Ribeiro (2002) mencionou como risco a respeito da apropriação da interdisciplinaridade como mera técnica. Como nota Floriani (2004), essa perspectiva restringe-se mais ao campo da pesquisa temática, opondo-se tanto à visão das assimilações progressivas entre disciplinas, como da justaposição de umas sobre outras. Essa visão reconhece a especificidade disciplinar, mas adota uma espécie de colaboração deliberada entre os saberes disciplinares, sobre temas previamente definidos (Floriani, 2004, p. 144). O próprio autor adota essa segunda versão para compreender a interdisciplinaridade em pesquisas socioambientais. No Brasil, os autores “clássicos” como Japiassú e Fazenda – como também muitos outros autores que se manifestaram a respeito dessa temática - apresentam seu raciocínio a respeito da interdisciplinaridade a partir de uma perspectiva idealista, vinculada à filosofia do sujeito. Japiassú foi responsável por introduzir, no Brasil, a partir de 1976, as concepções decorrentes do Congresso de Nice, na França em 1969, próximas à compreensão generalista do termo. Ele e Ivani Fazenda são considerados responsáveis pela veiculação do tema no Brasil, sendo o fulcro temático de Japiassú epistemológico, e o de Fazenda, pedagógico; entretanto, os dois autores têm como base de suas teses a filosofia do sujeito (Alves, Brasileiro e Brito 2004). Uma segunda perspectiva, chamada por Repko (2011, p. 4) de integrationist interdisciplinarian, está voltada à “integração” entre diferentes disciplinas na investigação interdisciplinar. Repko defende que essa visão se distingue da generalista porque, nesse caso, a própria integração é o objetivo do trabalho interdisciplinar na medida em que essa integração consegue desafiar a complexidade com a qual está-se lidando. Para Jantsch e Bianchetto (1997) e Diaz (2012) o diferencial entre diferentes perspectivas não se dá em torno da integração entre diferentes disciplinas, como define Repko , mas como imbricação e explicitação das condições sociais e materiais de uma determinada época, em particular do modo de produção vigente, na produção do conhecimento interdisciplinar. A interdisciplinaridade como produto histórico precisa ser compreendida dentro exatamente do contexto e das determinações históricas. Para esses autores as outras concepções são a-históricas e, por causa dessa condições, torna-se impossível encontrar nelas aquilo que os autores chamam de “substratos para a interdisciplinaridade”. “A construção histórica de um objeto implica a constituição do objeto e a tensão entre o sujeito pensante e as condições objetivas (materialidade) para o pensamento” (p.11-12). O que está em pauta, na discussão sobre a interdisciplinaridade não é meramente o método e a possibilidade de superar através dela a fragmentação e a especialização da Ciência. É necessário problematizar a relação entre objeto e sujeito e abandonar o “racionalismo cartesiano que afirma um sujeito (pensante) que se põe a si mesmo” (p.12). Apenas uma concepção histórica do pensamento e de seu “movimento” será capaz de dar conta da relação entre objeto e sujeito, “posto que nem objeto e nem sujeito são autônomos” (Jantsch; Bianchetto, 1997). A mesma perspectiva adota Diaz (2012) quando demonstrou a imbricação entre saber e poder, em uma abordagem histórica, através da própria trajetória do pensamento 22 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH científico e de suas contribuições para determinadas visões de mundo que estiveram, intimamente, articuladas a processos de dominação política e social nas respectivas sociedades. Durante séculos a epistemologia aristotélica se manteve dominante e forneceu o suporte (legitimidade) para os regimes absolutistas dos correspondentes períodos históricos com seus fundamentos geocêntrico e antropocêntrico. É com a ciência moderna e sua razão moderna (racional) que este paradigma se rompe; concomitantemente com a ascensão da burguesia que se torna, aos poucos, força dominante nas sociedades que iniciam a industrialização. Essa razão moderna se impõe tanto ao conhecimento como à moral e leva a processos de exclusão de determinados saberes enquanto conhecimento “válido” como debatido por diferentes autores. Portanto, os reclamos pela inter- e transdisciplinaridade precisam ser compreendidos dentro de uma trajetória histórica da ciência articulada às condições materiais e sociais das condições da produção de conhecimento. Assim, para Diaz (2012), esses reclamos apontam para um novo período de conhecimento – e de exercício do poder – que pode ser chamado de pós-ciência. Constituição de uma Área Interdisciplinar Aquele desafio da interdisciplinaridade não ser apropriada como técnica, mas situá-la num contexto de uma reflexão sobre diferentes visões do mundo levou a um posicionamento da atual argumentação a favor daquela perspectiva materialista-histórico-dialética. Essa visão não permite simplesmente “imputar” qualquer “interdisciplinaridade” – como mero diálogo entre disciplinas, como instrumentos analíticos provindos de diferentes disciplinas ou mesmo como conhecimentos integrados e articulados no âmbito da ciência – a uma área como aquela que é objeto da presente discussão. A “interdisciplinaridade” precisa ser identificada analiticamente e trabalhada reflexivamente a partir de uma investigação da própria constituição dessa área. Para essa análise pode-se recorrer a aquela parte anterior do atual texto que apresentou exatamente os condicionantes “externos” da trajetória deste campo de conhecimento que começa a ser formado, se altera e modifica e vem a se consolidar, ainda de uma forma provisória e diferenciada, em tempos mais recentes. Se o conhecimento presente nos primórdios dessa área, na década de 1970 e 1980, ainda sobreviveu, seu significado passou por várias reformulações durante sua trajetória e precisa ser submetido a novas reinterpretações, superações ou incorporações a outros conhecimentos com o andar das próprias transformações das suas condições de produção e apropriação. Essa foi uma das principais preocupações que Ribeiro (2002) também expressou em seu texto. Ao articular os contextos históricos acima indicados com uma trajetória da área através da criação de novos programas deveria ser possível, então, reconhecer uma certa “lógica” entre essas duas trajetórias que influenciam as formas de interdisciplinaridade que caracterizam a área em diferentes momentos. Esperar-se-ia que as referências históricas em sua materialidade e concretude de transformações sociais, econômicas, políticas etc. mostrem de forma bastante clara e inequívoca uma relação entre os “objetos” (e objetivos) das propostas (de novos cursos) com os “sujeitos” proponentes, sem expressar tão somente uma necessidade (um tanto abstrata) de avançar no diáR . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 23 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO logo entre disciplinas ou de gerar formas de integração entre elas. E, neste sentido, a interdisciplinaridade não apareceria como resultado de uma reflexão explícita da área de planejamento urbano e regional, mas sim da prática daqueles que a formulam, até mais implicitamente, ao propor programas e cursos de pós-graduação na área. Assim, a própria constituição da “interdisciplinaridade em planejamento e demografia” sugeriria que esta seja melhor compreendida por uma visão histórica/dialética do que por uma visão generalista ou da filosofia do sujeito. Não é a tarefa de explicitar essa visão histórica/dialética na sua profundidade que será possível realizar neste lugar; a análise aqui se limitará a um certo “proxy” dessa visão a partir da contemplação das denominações dos cursos. Assim, para permitir a realização dessa articulação ainda superficialmente, no Quadro II abaixo pode-se observar quais programas da subárea de Planejamento Urbano e Regional na CAPES foram credenciados em quais anos. A observação dos nomes desses programas e cursos permite uma primeira aproximação à compreensão das mudanças qualitativas pelas quais passou essa área em termos dos seus campos de atuação, temáticas, naturezas e sua localização. Seria um aprofundamento da identificação dessas transformações que julgamos relevantes para construir a interdisciplinaridade dessa área. Já foi mencionado antes, que os primeiros programas de pós-graduação em planejamento urbano e regional foram criados no início da década de 1970 em Recife, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre com a finalidade de formar quadros qualificados tanto para a formulação como para a implementação de políticas urbanas e regionais que o então regime militar vigente idealizava. Durante a década de 1980 não se abriu nenhum novo curso de mestrado e doutorado na subárea de planejamento urbano e regional, que naquele período ainda se encontrava junto com os cursos de arquitetura e urbanismo na CAPES. Então, apenas foi credenciado um curso em demografia. No mesmo período foi encerrado o curso da Universidade de Brasília e o de São Paulo permaneceu vinculado à área de arquitetura, urbanismo e design após a separação das duas áreas na CAPES. Um aumento pouco significativo para cinco programas (com seis cursos) em Planejamento Urbano e Regional ocorreu durante a década de 1990; em que se inclui o credenciamento de dois cursos de doutorado (IPPUR-UFRJ, MDU/UFPE), (ver Quadro II, ao lado). Na primeira década do século XX, houve uma excepcional aceleração do crescimento da área especialmente na sua subárea de planejamento urbano e regional. Mesmo de 2010 até 2012 foram credenciados mais oito programas, entre os quais três mestrados profissionais; a subárea conta agora com oito mestrados profissionais. Em fins de 2012, a área contava com trinta e dois programas na subárea de planejamento urbano e regional e com quatro programas de demografia. Como já foi observado logo no início deste trabalho, durante as primeiras décadas, os programas e cursos das duas subáreas de Planejamento Urbano e Regional e de Demografia localizaram-se nas regiões mais dinâmicas do país ou mesmo em metrópoles regionais mais distantes. Estiveram voltados à demografia e ao planejamento urbano-metropolitano na sua grande maioria. E foram esses os cursos que definiram, de alguma maneira, a identidade da área. Apenas na virada do século, esse padrão vai mudar com certa velocidade e profundidade com a abertura de cursos fora das áreas metropolitanas ou em localidades mais distantes dos principais centros do país. Esses cursos de pós-graduação trazem de 24 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH Quadro II: Programas da Área PUR na Capes Programa Desenvolvimento e Planejamento Territorial Desenvolvimento Regional (MProf) Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano IES PUC-GO ALFA Data da UF Região recomendação M/D GO CO 2005 GO CO 2006 UNAMA PA N 2006 Desenvolvimento Regional UFT TO N 2006 Gestão de Políticas Públicas (MProf) UFT TO N 2012 UFRR RR N 2011 UNIFAP AP N 2005 Desenvolvimento Regional da Amazônia Mestrado Integrado em Desenvolvimento Regional Desenvolvimento Regional Desenvolvimento Regional e Urbano (M/D) Desenvolvimento Socioespacial e Regional UEPB PB NE 2008 UNIFACS BA NE 1999/2005 UEMA MA NE 2010 Desenvolvimento Urbano (M/D) UFPE PE NE 1975/1999 Estudos Urbanos e Regionais UFRN RN NE 2010 Planejamento Ambiental (MProf) UCSAL BA NE 2006 Planej. Territorial e Desenvolvimento Social (M/D) UCSAL BA NE 2005/2012 Desenvolvimento Regional (MProf) INESP MG SE 2011 Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas UFRRJ RJ SE 2011 UNITAU SP SE 2009 Planejamento e Gestão do Território (M/D) UFABC SP SE 2010/2012 Planej. Regional e Gestão da Cidade (MProf) UCAM RJ SE 2002 1972/1993 Planejamento e Desenvolvimento Regional Planejamento Urbano e Regional (M/D) UFRJ RJ SE Planejamento Urbano e Regional UNIVAP SP SE 2000 Desenvolvimento Regional (M/D) UNISC RS S 1995/2005 Desenvolvimento Regional Desenvolvimento Regional (M/D) Desenvolvimento Regional Desenvolvimento Regional e Agronegócio (M/D) FACCAT RS S 2012 FURB SC S 2004/2011 UNC SC S 2006 UNIOESTE PR S 2002/2009 Planejamento e Governança Pública (MProf) UTFPR PR S 2010 Desenvolvimento Regional UTFPR PR S 2009 Planej. Territ. e Desenv. Socioambiental (MProf) UDESC SC S 2006 Planejamento Urbano e Regional (M/D) UFRGS RS S 1970/2003 Gestão Urbana (M/D) PUC/PR PR S 2002/2008 UNOCHAPECÓ SC S 2009 Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais (MProf) Fonte: CAPES (http://www.capes.gov.br) volta uma temática que havia sido relegada a um segundo plano durante as décadas de 1980 e 90: o desenvolvimento regional em suas diferentes facetas. São esses cursos os principais responsáveis pela ampliação da área de PUR nos anos mais recentes, que propiciam à área uma penetração em regiões fora das tradicionalmente servidas por cursos de pós-graduação, como é o caso do interior dos três estados da região Sul, no Centro-Oeste, do interior do Nordeste e da região Norte. Como foi exposto há pouco, o desafio que emana da nova composição da área com programas voltados para o planejamento urbano (e metropolitano), para o desenvolvimento (e gestão) regional e à demografia não se restringe à reflexão acerca da diversificação de temáticas e de problemáticas articuladas. Neste sentido não é suficiente R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 25 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO contemplar as articulações entre diferentes disciplinas que aparecem nas práticas de ensino e pesquisa desses cursos em planejamento urbano e regional, onde se observa na prática três formas mais típicas de interlocução entre o planejamento urbano e regional e áreas mais próximas. São articulações com, tendencialmente, (i) arquitetura, urbanismo, sociologia, história, ciência política e outras disciplinas das humanidades nos cursos mais voltados às realidades metropolitanas; (ii) com economia, administração empresarial, geografia e mesmo ciências agrárias, da saúde e outras nos cursos com uma orientação mais regional; ou (iii) nas questões de gestão e análise ambiental, onde a colaboração com as geociências é importante e deve ser destacada. Apesar da falta de uma consolidação de “perspectivas interdisciplinares” que surgem das práticas, a observação das apontadas “interlocuções” indica, ainda que superficialmente, a possível existência de uma compreensão comum de uma “interdisciplinaridade própria” do conjunto de programas da área de Planejamento Urbano e Regional. Pode-se, talvez, defender a hipótese que essa compreensão da interdisciplinaridade estaria, implicitamente, próxima à perspectiva dialética/histórica à medida que não entende a variedade de abordagens metodológicas “interdisciplinares” como procura explícita de ultrapassar e superar métodos disciplinares a partir de determinado objeto; mas essa interdisciplinaridade poderia vir a ser um resultado de um processo mútuo e interativo entre a procura pela própria identidade dos programas (sujeitos), por um lado, e a identificação de objetos, sua articulação com métodos e técnicas na prática e sua apropriação em ensino e pesquisa (objetos), por outro. A nosso ver, apesar das limitações que essas práticas revelam – resultado de condicionamentos históricos e das condições materiais dos cursos -, a maneira como essas limitações são enfrentadas vem mostrando certo potencial para dar conta da produção de conhecimento a respeito das questões que movem um curso de pós-graduação. Mas, como apontado várias vezes, a construção histórica da interdisciplinaridade não pode prescindir de seu “par dialético” que é uma permanente vigilância contra apropriações “naturais” ou técnicas da superação de diferentes formas e articulações disciplinares. Em outras palavras, o processo histórico/concreto com todas as suas determinações e limitações que impõe precisa ser constantemente refletido ao nível epistemológico. Nota-se em quase todos os cursos e programas uma articulação em torno de determinadas temáticas e problemáticas, de campos complexos inclusive de intervenção na realidade, de objetos e de sujeitos produtores de determinados “espaços sociais”. Se essa “focalização” pode ser entendida, por um lado, como reflexo saudável a um desafio para os programas em criar um perfil próprio e distinto de outros programas; por outro lado, precisa ser acompanhado por um movimento oposto de uma “certificação epistemológica” da sua interdisciplinaridade que deve ser empreendida através de um crítica às próprias práticas que são sua base. Apenas assim será possível que uma abordagem que se diz interdisciplinar não degenere em uma mera técnica, conforme discutido antes. 26 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH Interdisciplinaridade como Elemento Principal de Caracterização do Planejamento Urbano e Regional Assim, não se deve cometer o equívoco de chegar à conclusão que a área de Planejamento Urbano e Regional/Demografia seria “por natureza” interdisciplinar. Ou considerar como “natural” uma capacidade significativa da área a se ampliar no futuro por cursos que compartilhassem não apenas determinadas temáticas e problemas, mas que construíssem essa interdisciplinaridade através de um esforço permanente de suas práticas. Uma agenda para o planejamento urbano e regional precisa evitar esses equívocos e contemplar os desafios de refletir sobre a própria interdisciplinaridade como condição básica para o avanço e a consolidação da área. Pois, pela argumentação aqui apresentada, a investigação interdisciplinar, compreendida como historicamente formada a partir da prática de um conjunto de docentes/pesquisadores que se reúnem num coletivo comprometido com uma determinada visão do mundo e de sua inserção nele, não se determina “arbitrariamente” através de decisões intrínsecas a um conjunto de disciplinas que serão apropriadas – sejam no sentido “generalista” ou “integrativo” – conforme as necessidades de compreender certas temáticas ou solucionar certos problemas. A interdisciplinaridade ou a realização plena de uma investigação interdisciplinar, conforme aqui introduzida – inspirada naquilo que foi colocado por Ribeiro em 2002 – é muito mais um processo em direção a uma meta distante, um horizonte a ser alcançado, em sucessivas aproximações. A interdisciplinaridade ou a realização de uma investigação interdisciplinar precisa levar em consideração muito mais do que um conjunto de disciplinas que será apropriado para dar conta da complexidade – cada vez maior – dos objetos de suas atividades. A interdisciplinaridade exige uma reflexão inicial sobre a relação entre a prática da investigação e a práxis da atuação do investigador, a necessidade de identificar as potencialidades e limitações que derivam da relação entre sujeito e objeto de investigação e das suas possíveis consequências que os resultados podem trazer para essa relação. Interdisciplinar, nesse sentido, se confunde com transdisciplinar como definido por alguns autores quando as articulações ultrapassam o mero âmbito científico de uma investigação e contemplam também elementos extra-científicos na determinação de investigações. Como apresentado acima, no atual trabalho essa diferenciação não faz sentido porque o “trans” já faz sempre parte do “inter”. A reflexão sobre esse desafio epistemológico que a investigação interdisciplinar coloca, não elimina a necessidade de se determinar e trabalhar temáticas, problemáticas, questões, determinados universos de objetos e sujeitos etc. Mas a reflexão sobre a perspectiva do mundo expressa na compreensão interdisciplinar, como diz Ribeiro (2002), está no nível mais alto numa hierarquia epistemológica e anterior a quaisquer determinações metodológicas, metódicas e operacionais de um estudo interdisciplinar. Como já mencionado, as próprias limitações impostas pelas condições de trabalho na produção do conhecimento (interdisciplinar) terão como resultado respectivas delimitações explícitas do campo de atuação de programas ao considerar certas problemáticas e temáticas, questionamentos, objetos de análise e intervenção, no caso algo como escalas e compreensões do espaço etc.. Assim se estabelecem características para R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 27 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO os programas que fornecem uma certa identidade e permitem a interlocução entre esses programas. Essa identidade não se coloca em nenhum momento como empecilho à interdisciplinaridade. No atual caso, temáticas relevantes para a área estão relacionadas a seu nome: os cursos voltados para formas de políticas, planejamentos, intervenções e ações de agentes públicos – sejam governamentais ou não - em determinadas escalas espaciais, sejam locais, regionais, subnacionais ou nacionais e mesmo supranacionais. Novas agendas e atores foram surgindo nos últimos anos como movimentos que “planejam” e intervém, a sociedade civil (ou “organizada”), novas agendas e articulações que começam a aparecer em lugares onde antes não havia a expressão de planejamento e gestão em torno de temáticas do desenvolvimento o que se expressa na proposta de programas que abraçam essas ideias e querem contribuir com a qualificação de pesquisadores, profissionais etc. Foi assim que do “planejamento” houve um deslocamento para o “desenvolvimento” em determinadas escalas. E, mais recentemente ainda, observa-se a proposta de cursos que tomam como seu campo de atuação a questão da política e da gestão pública que devem ser revalorizadas na medida em que o Estado (re) assumiu um papel protagonista na solução das crises recentes do capitalismo. Se hoje a área de PUR possui aproximadamente dezoito programas voltados para o desenvolvimento regional e territorial, há, por outro lado, um programa que articula desenvolvimento e política com dinâmicas sociais e um grupo de cerca quatro outros programas com foco em política e gestão pública num abordagem distinta daqueles cursos da área de administração e de ciência política, talvez uma das maiores promessas de uma futura ampliação da área. Em síntese, como já mencionado antes, a área de Planejamento Urbano e Regional experimentou um aumento nos últimos dez anos como nunca houve antes. Acompanhou essa ampliação tanto uma dispersão geográfica para regiões distantes das principais metrópoles do país, como uma rica diferenciação de temáticas, questões e problemas do seu ensino e pesquisa. Com isto, mesmo nesse conjunto restrito de programas de pós-graduação, a possibilidade de qualquer coerência – seja analítica ou de conteúdo – entre esses programas parece mais afastada como nunca. Essa diversidade está sendo trazida para a ANPUR, na medida em que uma boa parte desses programas já se encontra filiada à associação. Se duvidamos da existência de uma coerência analítica no inicio do século XXI entre os membros da ANPUR, hoje se pode ver com certa facilidade, que a conquista de uma coerência da área tanto na CAPES como na ANPUR dependerá de um esforço de todos os programas tomarem consciência de seus problemas e explicitarem suas perspectivas em relação às suas ações e investigações interdisciplinares. Como bem alertou Ribeiro (2002, p. 67) ao só se definir essa interdisciplinaridade a partir das temáticas de cada curso, em primeiro lugar, corre-se o perigo em degradar a interdisciplinaridade para o status de uma mera ferramenta ou técnica. 28 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH Propostas à ANPUR para Discussão da Interdisciplinaridade Se na discussão sobre o conjunto de cursos integrantes da área de planejamento regional urbano e regional/demografia da CAPES já se observou o incremento vertiginoso da diversidade nas atividades de ensino e pesquisa desses programas, em relação aos programas filiados e associados à ANPUR essa diversidade só tende a aumentar. Apesar de nem todos os programas credenciados pela CAPES já serem membros da ANPUR, a tendência “natural” é que estes procurem a ANPUR exatamente por causa da necessidade de terem um fórum mais amplo para discutir questões relativas ao seu posicionamento epistemológico que, em princípio, compartilham com programas credenciados pela CAPES em outras áreas. Não há lugar aqui, no momento, para refletir sobre as potencialidades desse diálogo com a geografia, a economia, a sociologia, a ciência política e cada vez mais também com abordagens da administração pública. Mas, cabe retomar, brevemente aquela “oposição” que foi mencionada no início da argumentação desse trabalho entre a abordagem disciplinar de arquitetura e urbanismo e a interdisciplinar presente no planejamento urbano e regional, conforme Gunn (2002) identificou há mais de dez anos. Como no atual trabalho não foi possível sequer acompanhar as mudanças mais superficiais dos programas de pós-graduação em relação às abordagens adotadas em ensino e pesquisas na área de Arquitetura, Urbanismo e Design, que certamente ocorreram no período em pauta, não temos como apreciar se aquela situação de uma suposta oposição permanece ou se alterou. Retomar esse diálogo entre vertentes de pensamento sobre o planejamento urbano e abordagens adotadas pelos cursos de arquitetura e urbanismo no qual Gunn apenas tocou muito superficialmente, seria, sem dúvida, um dos pontos de maior importância para imaginar que forma de coerência seria possível na ANPUR que englobasse essas duas áreas. A posição dos programas em Arquitetura e Urbanismo encontra-se hoje em uma situação bastante diferente em relação a época da análise de Gunn (2002). A própria apreciação deste autor a respeito daquela oposição mostra uma ANPUR onde havia uma certa polarização entre arquitetura e urbanismo e planejamento urbano e regional – ou, em termos institucionais, entre FAUUSP e IPPUR. Houve mudanças na área do Planejamento Urbano e Regional, como vimos, que afetaram a importância da proposta do IPPUR dentro da CAPES e certamente dentro da ANPUR. Não parece muito difícil imaginar que mudanças semelhantes ocorreram na Área de Arquitetura e Urbanismo. Tanto pelos objetos e temáticas de pesquisa, quanto pelos problemas e preocupações de reflexão trabalhados no Planejamento Urbano e Regional e em Arquitetura e Urbanismo, essas duas áreas ocupam uma certa “centralidade” dentro da ANPUR – ao lado de outras como a Geografia, por exemplo - à medida que se preocupam com a construção do espaço social (nas suas diferentes escalas) e das suas representações. Portanto, um diálogo a respeito das suas abordagens interdisciplinares poderia caminhar para uma consolidação da associação em direção a uma forma de coerência que não deve ser analítica, mas sim epistemológica. A qual não determina temáticas ou objetos, mas indica abordagens e caminhos para ensino e pesquisa interdisciplinares onde cada um deve e pode encontrar seu lugar particular dentro de alguma comunalidade “universal”. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 29 EM BUSCA DE UMA AGENDA PARA O PL ANEJAMENTO URBANO Indo mais além de como as propostas foram originalmente formuladas por Ribeiro (2002, p. 70), aproveitando parte de suas propostas, parece-nos necessário buscar uma “unidade na diversidade” no mais alto – e ao mesmo tempo básico – nível epistemológico da interdisciplinaridade. E, é com essas propostas – e em homenagem a uma grande colega e amiga de muitos anos – que finalizamos esse ensaio. Já foi mencionado antes que Ribeiro (2002) distinguiu entre propostas a serem implementadas pela direção da ANPUR e aquelas que devem ser implementadas por instituições filiadas e associadas, com apoio da diretoria da ANPUR. Seguiremos aqui seu exemplo e propomos algumas atividades que poderiam contribuir para o aperfeiçoamento da reflexão sobre interdisciplinaridade em toda a área. Como a atenção está mais voltada à caraterística interdisciplinar da área, as sugestões apenas estão voltadas para questões mais epistemológicas e metodológicas que devem ser enfrentadas por uma das duas vias mencionadas: 1. Propostas a serem implementadas pela Diretoria da ANPUR (Ribeiro 2002, p. 70 e 71) – diálogo sobre interdisciplinaridade entre os membros da ANPUR em relação ao seu posicionamento epistemológico; – realização de evento, com outras associações científicas, dedicado ao debate dos desafios do ensino em áreas inter- e transdisciplinares; – mapeamento, junto com as instituições filiadas, do processo de renovação/ superação de matrizes teóricas – organização de seminário sobre a crise paradigmática nas ciências sociais, em seus vínculos com a área do planejamento urbano e regional; – discussão sobre as mais recentes transformações na subárea de Planejamento Urbano e Regional em relação a campos de ação, ensino e pesquisa dos programas pós-doutoral. Rainer Randolph é Doutor rer. pol. em Ciências Sociais e Econômicas; professor titular do IPPUR/UFRJ; Coordenador da Área PUR/Demografia na Capes; Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e Pesquisador do Nosso Estado - Faperj. E-mail: rainer. [email protected] Artigo recebido em janeiro de 2013 e aprovado para publicação em abril de 2013. 2. Propostas a serem implantadas por instituições, com o apoio da diretoria da ANPUR (Ribeiro 2002, p. 71) – organização de evento voltado à reflexão do perfil do profissional formado pela área; – realização de oficina dedicada ao exame dos efetivos frutos da pesquisa para as práticas didáticas; – organização de publicação que explore exigências de formação associadas à transnacionalização do território e à nova mobilidade espacial da população; – realização de estudo, com base nos Anais dos Encontros da Anpur, dedicado à identificação das principais referências teóricas da área. Da mesma forma como essas propostas, os desafios também seguem atuais, mas são reformulados e se deslocam para uma maior explicitação da interdisciplinaridade e das práticas de investigações (interdisciplinares) correspondentes. As propostas aqui elencadas mostram um longo caminho a trilhar e muito trabalho pela frente. 30 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R A INER RANDOLPH REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, R. F.; BRASILEIRO, M.C. E.; BRITO, S. M. O. Interdisciplinaridade: um conceito em construção. Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 139-148, jul./dez, 2002. BRANDÃO, C. A. Território & Desenvolvimento – as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas: Editora Unicamp, 2007. DIAZ, E. Fundamentos da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade no ensino, pesquisa e extensão (Painel 1). 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This paper seeks to contribute to a reflection on an agenda for graduate curses committed socially and territorially in view of the challenges originated by the current conditions which differ significantly from similar reflections at the beginning of the new millennium which will be reviewd within the argument of our essay, in order to get back a brief resumption of an agenda formulated by Ana Clara Torres Ribeiro in 2002. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 31 Urbanismo versus planejamento urbano? João F. Rovati R e s u m o O uso dos termos urbanismo e planejamento urbano é frequentemente ambíguo. O artigo examina como se expressa essa ambiguidade na pós-graduação brasileira. A hipótese é que o problema obscurece a existência de campos epistêmicos distintos, gera divergências incongruentes e dificulta a cooperação entre conhecimento, saberes e profissões que de fato não se opõem, mas são complementares. Pal avras-chave Urbanismo, planejamento urbano, campos epistêmicos, conhecimentos, profissões. INTRODUÇÃO No Brasil, o emprego das palavras urbanismo e planejamento urbano quase sempre demanda algum esclarecimento.1 Para uns, esses termos contemplam profissões e conhecimentos distintos; para outros, remetem aos mesmos saberes. Mas essa ambiguidade terminológica-conceitual não é “brasileira”. Com maior ou menor ênfase, aparece também em países com os quais mantemos estreitas relações de intercâmbio.2 Assim, às nossas dificuldades nesse terreno somam-se àquelas relacionadas ao debate conceitual existente fora do país. O problema não é retórico. Por exemplo, visões conceituais divergentes podem confundir o escopo de políticas públicas ou de programas de ensino. Trata-se de um processo de natureza circular: a incerteza terminológicaconceitual reflete-se no trabalho dos urbanistas/planejadores; e as múltiplas atividades que desenvolvem dificultam o enquadramento teórico-conceitual dos termos. Este artigo3 examina como essa incerteza se expressa na pós-graduação brasileira, lugar onde os conceitos são objeto permanente de investigação. Os programas de pósgraduação, ao reunirem pesquisadores experientes e urbanistas/planejadores em busca de aperfeiçoamento, representam uma face importante do exercício do urbanismo/ planejamento no país. Uma hipótese orientou nosso estudo: as incertezas que envolvem a utilização dos termos urbanismo e planejamento urbano obscurecem a existência de campos epistêmicos distintos.4 Um desses campos tem clara vocação disciplinar e contempla essencialmente a tomada de decisões relativas à concepção arquitetural; reivindica-se aí uma “competência para o projeto”. O outro integra conhecimentos disciplinares diversos (economia, geografia e sociologia, entre outros) e contempla essencialmente a tomada de decisões relativas à elaboração (ou encomenda) e gestão de planos, programas e projetos – inclusive, mas não necessariamente, de natureza arquitetônica; reivindica-se aí uma “competência para o planejamento e a gestão”. De uma parte, o objeto da ação/ reflexão é, antes de tudo, um artefato ou uma edificação, cuja construção ou reforma demanda a mediação de plantas, elevações, cortes e outros desenhos prospectivos precisos. De outra, o objeto da ação/reflexão é, antes de tudo, um processo social em R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 33 1 As regras gramaticais determinam o uso de letras maiúsculas quanto há referência a ramos do conhecimento. No presente texto, não aplicaremos essa regra aos termos urbanismo e planejamento urbano, nem a outros ramos do conhecimento. Esse critério evidentemente não será aplicado aos textos citados, que serão reproduzidos tal qual aparecem escritos em suas fontes. O leitor notará que somente alguns programas obedecem (e às vezes ocasionalmente) a referida regra. 2 Em 2004, o governo francês encomendou um estudo sobre as características da profissão na Alemanha, Espanha, Itália, Holanda e Inglaterra; parte importante desse estudo trata da questão terminológica; ver Robert Laugier (2005). Em artigo publicando recentemente, Jean -Louis Cohen (2012) referese à dificuldade de discernir as peculiaridades nacionais e linguísticas que envolvem o emprego de termos aparentemente idênticos, porém distintos, como “urbanismo”. Criado em 2012 por um grupo de jovens urbanistas, o blogue jesuisurbaniste.fr (<http://jesuisurbaniste.fr/>) critica a atribuição do Grande Premio de Urbanismo, instituído pelo governo francês em 1989, a arquitetos. 3 A pesquisa cujos resultados são apresentados adiante integra o Plano de Trabalho do Estágio Sênior realizado pelo autor na Universidade Nacional de General Sarmiento (Buenos Aires, Argentina), graças ao apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no período agosto-2012/julho-2013. 4 Esta hipótese não tem a pretensão de originalidade. Outros pesquisadores, dentro e fora do Brasil, têm explorado este ponto de vista; ver, por exemplo: Marcelo Lopes de Souza (2002), Alicia Novick (2007), Ana Maria Rigoti (2005) e Afonso Raposo (2006). U R B A N I S M O 5 O conceito tem sido objeto de diferentes usos e interpretações e, da maneira como foi proposto por Bourdieu, integra um sistema conceitual complexo, exposto, complementado e modificado em diversas obras do autor. No presente artigo, utilizase esse conceito de maneira bastante aberta e simplificada. Ressalte-se que o conceito tem sido empregado em inúmeros trabalhos (artigos, dissertações, teses) relacionados ao urbanismo/planejamento; ver, por exemplo, Jeová Dias Martins (2006). 6 Tradução livre do autor (JFR). 7 É importante ressaltar que as denominações das áreas não são criações “da CAPES” ou de seus dirigentes, mas das instituições e pesquisadores que a integram e constituem. 8 As ações e argumentos que acompanharam a criação dessas duas áreas constituem uma excelente fonte de pesquisa e, por si só, mereceriam ser estudados. Registre-se que, até 1993, ano em que foi criada a área “Arquitetura e Urbanismo”, diversos programas que hoje pertencem a essa área integravam a área “Planejamento Urbano e Regional”. 9 Cadernos disponíveis em: <http://conteudoweb.capes. gov.br/conteudoweb/CadernoAvaliacaoServlet?acao=filtraArquivo&ano=2009&codigo_ies=&area=30> Acessado em 12/05/2013 V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? desenvolvimento, cuja gestão no presente demanda a mediação de hipóteses sobre o seu futuro. De um lado, encontra-se um processo social relativo à constituição edilícia da cidade, de outro, um processo relacionado ao funcionamento e à transformação da organização social urbana. Os agentes e instituições do urbanismo/planejamento transitariam por esses campos, os quais, embora próximos e complementares, seriam presididos por epistemologias de natureza diversa. O espaço de interação entre os campos sumariamente descritos acima parece constitutivo da experiência do urbanismo/planejamento. E deve ser investigado justamente porque, nas ciências sociais, os conceitos não são propriedade das coisas, mas esquemas de inteligibilidade relacionados às singularidades dos contextos sociais e históricos nos quais são concebidos. A palavra campo, nesse caso, relaciona-se ao conceito proposto por Pierre Bourdieu5, evocando a existência de “espaços” (geográficos e sociais) relativamente autônomos, constituídos segundo certas regras e instâncias de legitimação, “de tal maneira que, quanto mais próximos estiverem os agentes, grupos ou instituições ali situados, mais propriedades terão em comum; e, quanto mais afastados, menos propriedades terão em comum”6 (Bourdieu, 1987, p. 151). Aplicando-se essa ideia ao problema que nos interessa, estariam mais próximos entre si, no plano conceitual, os urbanistas/planejadores que trabalham em organismos municipais, ou como docentes em cursos de arquitetura e urbanismo, ou que associam suas práticas a uma abordagem interdisciplinar, ou a uma determinada causa, etc. Esses grupos, mais ou menos homogêneos, colaborando ou concorrendo, articulariam relações de poder dinâmicas; ao longo do tempo, ao ganharem novos contornos, essas relações poderiam redefinir ou até dissolver os campos constituídos. CORPUS O problema que nos ocupa aparece desde logo nas próprias denominações das áreas de conhecimento do “sistema CAPES”.7 Encontram-se programas cujo trabalho está relacionado ao urbanismo/planejamento em diferentes áreas. Por exemplo: questões relativas ao saneamento urbano, como inexistência ou precariedade de redes de esgotos, estão na origem da experiência do urbanismo/planejamento no Brasil e, até hoje, têm grande relevância na problemática urbana brasileira. Porém, os programas de pós-graduação (de saneamento, engenharia urbana, engenharia ambiental, etc.) que tratam diretamente desse tema integram a área denominada “Engenharia I”. Nosso estudo limitou-se à análise de programas de áreas que, desde suas denominações, reivindicam uma relação de pertencimento ao urbanismo/planejamento: “Arquitetura e Urbanismo” e “Planejamento Urbano e Regional/Demografia”.8 Um dos cadernos de indicadores apresentados em 2009 pelos programas integrantes dessas áreas a seus respectivos Comitês de Avaliação, a “Proposta do Programa”, é a unidade constitutiva do corpus da pesquisa. Foram excluídos desse corpus os cadernos de onze programas de pós-graduação em Design e Desenho Industrial integrantes da área Arquitetura e Urbanismo e de três programas em Demografia e Estudos Populacionais integrantes da área Planejamento Urbano e Regional/Demografia. Assim, de fato foram analisadas as propostas de dezenove programas vinculados à área Arquitetura e Urbanismo9, universo de agora em diante identificado pela sigla AU, e de vinte pro- 34 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI gramas vinculados à área Planejamento Urbano e Regional/Demografia,10 universo de agora em diante identificado pela sigla PUR. As referências a esses cadernos de indicadores serão feitas segundo a relação de siglas informada nos Quadros 1 e 2. Quadro 1 - AU – Universo de Análise PROGRAMAS INSTITUIÇÃO DE ENSINO CRIAÇÃO PUC-Campinas/PPGU – URBANISMO Pontifícia Universidade Católica de Campinas 1997 UFAL/PPGAU-DEHA – ARQUITETURA E URBANISMO – DINÂMICA DO ESPAÇO HABITADO Universidade Federal de Alagoas 2003 UFBA/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade Federal da Bahia 1983 UFES/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade Federal do Espírito Santo 2007 Universidade Federal Fluminense 2002 Universidade Federal de Minas Gerais 1995 UFPB/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade Federal da Paraíba 2008 UFPel/PROGRAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade Federal de Pelotas 2008 UFRGS/PROPAR – ARQUITETURA Universidade Federal do Rio Grande do Sul 1990 UFRJ/PROARQ – ARQUITETURA Universidade Federal do Rio De Janeiro 1985 UFRJ/PROURB – URBANISMO Universidade Federal do Rio de Janeiro 1994 Universidade Federal do Rio Grande do Norte 1999 UFSC/PósARQ – ARQUITETURA E URBANISMO – PROJETO E TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO Universidade Federal de Santa Catarina 2001 UFSC/PGAU – URBANISMO, HISTÓRIA E ARQUITETURA DA CIDADE Universidade Federal de Santa Catarina 2005 UnB/PPG-FAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade de Brasília 1995 UPM/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade Presbiteriana Mackenzie 2000 USJT/PGAUR – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade São Judas Tadeu 2005 USP-SP/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade de São Paulo/ São Paulo 1972 USP-SC/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO Universidade de São Paulo/ São Carlos 1971 UFF/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO UFMG/NPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO UFRN/PPGAU – ARQUITETURA E URBANISMO FONTE: CAPES; Área Arquitetura e Urbanismo; Cadernos de Indicadores (Ano-base 2009). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 35 10 Cadernos disponíveis em: <http://conteudoweb.capes. gov.br/conteudoweb/CadernoAvaliacaoServlet?acao=filtraArquivo&ano=2009&codigo_ies=&area=29> Acessado em 12/05/2013 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? Quadro 2 - PUR – Universo de Análise PROGRAMAS INSTITUIÇÃO DE ENSINO CRIAÇÃO ALFA/PPGDR – DESENVOLVIMENTO REGIONAL Faculdade Alves Faria 2007 FURB/PPGDER – DESENVOLVIMENTO REGIONAL Universidade Regional de Blumenau 2000 PUC-GO/MDPT – DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO TERRITORIAL Pontifícia Universidade Católica de Goiás 2006 PUC-PR/PPGTU – GESTÃO URBANA Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2003 UCAM/PLANEJAMENTO REGIONAL E GESTÃO DA CIDADE Universidade Cândido Mendes 2001 UCSAL/MPA – MESTRADO EM PLANEJAMENTO AMBIENTAL Universidade Católica do Salvador 2007 UCSAL/PLANEJAMENTO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO SOCIAL Universidade Católica do Salvador 2005 UDESC/PLANEJAMENTO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO SOCIO-AMBIENTAL Universidade do Estado de Santa Catarina 2007 UEPB/MDR – MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL Universidade Estadual da Paraiba 2009 UFPE/MDU – DESENVOLVIMENTO URBANO Universidade Federal de Pernambuco 1975 UFRGS/PROPUR – PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL Universidade Federal do Rio Grande do Sul 1970 UFRJ/IPPUR – PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL Universidade Federal do Rio de Janeiro 1972 UFT/DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO Universidade Federal do Tocantins 2007 UNAMA/DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE URBANO Universidade da Amazônia 2007 UNC/DESENVOLVIMENTO REGIONAL Universidade do Contestado 2006 UNIFACS/PPGDRU – DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO Universidade Salvador 1999 UFAP/MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL Universidade Federal do Amapá 2006 UNIOESTE/DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO Universidade Estadual do Oeste do Paraná 2003 Universidade de Santa Cruz do Sul 1994 Universidade do Vale do Paraíba 1993 UNISC/PPGDR – DESENVOLVIMENTO REGIONAL UNIVAP/PUR – PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL FONTE: CAPES; Área Planejamento Urbano e Regional / Demografia; Cadernos de Indicadores (Ano-base 2009). 36 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI Do ponto de vista da denominação e da filiação institucional, os programas do universo AU constituem um espaço bastante homogêneo. Quatorze dos dezenove programas denominam-se de “Arquitetura e Urbanismo”. Somente dois dos dezenove programas não incluem a palavra “urbanismo” em suas denominações. Dezesseis dos dezenove programas integram universidades públicas. Dez programas (mais da metade) localizam-se na Região Sudeste. No universo PUR, apenas três dos vinte programas denominam-se de “Planejamento Urbano e Regional”. O termo “planejamento” aparece nas denominações de sete programas e a denominação do seu objeto inclui noções diversas como “ambiental”, “urbano e regional”, “regional” e “territorial”. O termo “desenvolvimento” aparece nas denominações de quatorze dos vinte programas da área e a denominação do seu objeto contempla noções diversas como “urbano”, “regional”, “regional e urbano”, “social” e “socioambiental”. Menos da metade dos programas integram universidades públicas. Apenas três programas se localizam na Região Sudeste: dois no Estado do Rio de Janeiro, um em São Paulo. TERMOS-CHAVE A pesquisa empregou, essencialmente, métodos de análise de natureza qualitativa. Contudo, preliminarmente, como base para essa análise, fez-se um sumário estudo sobre a frequência11 do emprego de alguns termos-chave nos cadernos de indicadores “Proposta do Programa”. Tratou-se de mera contagem de palavras, sem qualquer pretensão estatística, feita com o único objetivo de caracterizar, por contraste, o contexto terminológico do universo examinado. Para tanto, foi contado o número de menções feitas aos seguintes termos: ambiente e derivações do termo, como ambiental; arquitetura e derivações do termo, como arquitetural, arquitetônico(a); cidade; espaço e derivações do termo, como espacial, espacialidade; gestão; planejamento; política(o); região e derivações do termo, como regional; tecnologia e derivações do termo, como tecnológico(a); território e derivações do termo, como territorial, territorialidade; urbanismo e derivações do termo, como urbanista, urbanístico(a); urbano(a). Dez desses termos-chave foram escolhidos simplesmente porque estão presentes na denominação das áreas de conhecimento e de alguns programas que as integram. As exceções ficaram por conta dos termos política e tecnologia, propostos com base na suposição de que poderiam discriminar ênfases em aspectos técnicos ou políticos do urbanismo/planejamento. Antes de apresentar e comentar os resultados da pesquisa relativa aos termos-chave é importante sublinhar que os indicadores apresentados não podem e, sobretudo, não devem ser tomados como expressão do maior ou menor envolvimento dos programas com um determinado tema. Os indicadores emolduram um contexto terminológico aberto e servem apenas para situar cada área e cada programa nesse contexto. A Tabela 1 apresenta o somatório do número de vezes que os termos-chave aparecem nos cadernos de indicadores consultados, descriminado por área. Assim, por exemplo, o termo arquitetura (e suas derivações) foi encontrado 2.313 vezes nos cadernos do universo AU e 320 vezes nos cadernos do universo PUR, totalizando 2.633 ocorrências. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 37 11 Obtida através do quociente entre o número total de palavras existente em cada caderno de indicadores examinado e o número de vezes em que o termo-chave foi ali mencionado. U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? A Tabela 1 está organizada segundo a participação relativa de cada termo, por área, frente ao número total de menções feitas ao mesmo. Por exemplo, o número de menções ao termo arquitetura (e suas derivações) encontrado nos cadernos de indicadores dos programas do universo AU corresponde a 88% do total de citações; o mesmo número, no universo PUR, corresponde a 12% do total de citações. A distribuição relativa das citações aos doze termos entre os universos AU e PUR está representada no Gráfico 1. O contexto terminológico identificado foi subdivido em três partes ou terços, cada uma contendo quatro termos. A parte localizada à esquerda na Tabela 1 reúne os termos (e suas derivações) arquitetura [1], urbanismo [2], cidade [3] e tecnologia [4]. Mais de 60% das citações desses termos encontram-se nos cadernos do universo AU. Em outras palavras, tratase de um terço claramente dominado pelo universo AU. A parte localizada à direita na Tabela 1 reúne os termos (e suas derivações) política [9], território [10], planejamento [11] e região [12]. Mais de 60% das citações desses termos encontram-se nos cadernos do universo PUR. Trata-se de um terço claramente dominado pelo universo PUR. A parte localizada no centro da Tabela 1 reúne os termos (e suas derivações) espaço [5], urbano [6], ambiente [7] e gestão [8]. A diferença na distribuição relativa desses termos entre os universos AU e PUR é menos marcada: 59% das citações do termo espaço encontram-se nos cadernos da área AU e 41% na área PUR; 57% das citações do termo gestão encontram-se nos cadernos da área PUR e 43% na área AU; já os termos urbano (54% AU; 46% PUR) e ambiente (53% AU; 47% PUR) apresentam distribuição semelhante nos dois universos. Trata-se de um terço onde não se evidencia um claro domínio de nenhuma das áreas. Tabela 1 - Termos-chave somatório das citações por área TERMOS-CHAVE(*) ÁREAS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 ∑ AU 2313 1529 754 368 602 1033 703 272 238 145 222 315 ∑ PUR 320 267 335 211 414 892 614 359 452 372 669 1286 ∑ AU+PUR 2633 1796 1089 579 1016 1925 1317 631 690 517 891 1601 % AU 88 85 69 64 59 54 53 43 34 28 25 20 % PUR 12 15 31 36 41 46 47 57 66 72 75 80 (*) [1] ARQUITETURA; [2] URBANISMO; [3] CIDADE; [4] TECNOLOGIA; [5] ESPAÇO; [6] URBANO; [7] AMBIENTE; [8] GESTÃO; [9] POLÍTICA; [10] TERRITÓRIO; [11] PLANEJAMENTO; [12] REGIÃO 38 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI Gráfico 1 - Distribuição (%) das Palavras-Chave por Área Os Quadros 3 e 4 indicam à “faixa” de frequência do emprego dos termoschave por área e por programa de pós-graduação. A faixa classificada “alta” (cinza escuro) corresponde a uma menção (ou mais) ao termo a cada 600 palavras. A faixa classificada “baixa” (cinza claro) correspondendo a uma citação (ou menos) a cada 6.000 palavras.12 Essas linhas de corte foram definidas de maneira arbitrária com a única finalidade de estabelecer algum contraste. Os casos em que não foi encontrada nenhuma menção aos termos-chave aparecem indicados pela palavra “zero” e, para efeito de discussão, foram agregados aos casos de frequência baixa. Os termos empregados com frequência “alta” pelos programas do universo AU concentram-se claramente nos dois primeiros terços da tabela – 96% dos casos. Seis termos reúnem 88% dos casos de frequência “alta”: arquitetura, urbanismo, cidade, espaço, urbano e ambiente. Os termos tecnologia, gestão, política, território, planejamento e região têm importância relativamente menor no contexto terminológico do universo AU. Os termos empregados com frequência “alta” por programas do universo PUR, concentrados nos dois últimos terços da tabela (83% dos casos), têm alguma expressão também no primeiro terço (17% dos casos), dominado pelo universo AU. Para somar 91% dos casos de frequência “alta” o universo PUR precisa agregar nove dos doze termos analisados: cidade, espaço, urbano, ambiente, gestão, política, território, planejamento e região. Os termos arquitetura, urbanismo e tecnologia têm importância relativa menor no contexto terminológico desse universo. Em resumo, no que se refere aos termos-chave com frequência “alta”, verifica-se maior dispersão na área PUR e maior concentração na área AU. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 39 12 Uma página de tamanho A4 comporta, aproximadamente, 600 palavras escritas em corpo 11; desse ponto de vista, os limites de nossas faixas correspondem grosso modo a uma citação do termo (ou mais de uma) por página, frequência considerada “alta”, e a uma citação do termo (ou menos de uma) a cada dez páginas, frequência considerada “baixa”. U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? Quadro 3 - Termos-chave / frequência das citações por programa da área AU Programas Termos-chave (*) 1 2 3 PUC-Campinas/ PPGU Alta Alta Alta UFAL/ PPGAU-DEHA Alta Alta UFBA/PPGAU Alta Alta Alta UFES/PPGAU Alta Alta Alta UFF/PPGAU Alta Alta Alta UFMG/NPGAU Alta Alta UFPB/PPGAU Alta Alta UFPEL/ PROGRAU Alta Alta UFRGS/ PROPAR Alta Alta UFRJ/PROARQ Alta UFRJ/PROURB Alta Alta Alta Alta Alta UFRN/PPGAU Alta Alta Alta Alta Alta Alta UFSC/PósARQ Alta Alta Alta Alta Alta UFSC/PGAU Alta Alta Alta Alta Alta UnB/PPG-FAU Alta Alta UPM/PPGAU Alta Alta Alta USJT/PGAUR Alta Alta Alta Baixa USP-SP/PPGAU Alta Alta Alta Alta USP-SC/PPGAU Alta Alta Alta Alta Alta 4 5 6 7 Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta 8 Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta 12 Zero Alta Alta Alta Alta Alta Baixa Baixa Baixa Zero Alta Alta 11 Baixa Alta Alta 10 Alta Alta Alta 9 Alta Alta Alta Baixa Baixa Baixa Alta Alta Alta Baixa Alta Baixa Zero Alta Alta Alta Alta Alta Alta Baixa Zero Baixa Nº DE CASOS ALTA 19 18 12 5 12 16 12 3 0 1 0 3 Nº DE CASOS BAIXA+0 0 0 0 1 0 0 1 4 4 3 2 1 TOTAL / TERÇO ALTA TOTAL / TERÇO BAIXA+0 54 (53%) 43 (43%) 4 (4%) 1 (7%) 5 (31%) 10 (62%) (*) [1] ARQUITETURA; [2] URBANISMO; [3] CIDADE; [4] TECNOLOGIA; [5] ESPAÇO; [6] URBANO; [7] AMBIENTE; [8] GESTÃO; [9] POLÍTICA; [10] TERRITÓRIO; [11] PLANEJAMENTO; [12] REGIÃO 40 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI Quadro 4 - Termos-chave / frequência das citações por programa da área PUR Programas ALFA/PPGDR Termos-Chave (*) 1 2 Zero Zero 3 4 5 6 7 8 FURB/PPGDER PUC-GO/MDPT PUC-PR/PPGTU Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta UCAM Zero UCSAL/MPA Baixa UCSAL Baixa UDESC Baixa Baixa UEPB/MDR Zero Zero Zero UFPE/MDU Alta Alta Alta Alta Alta UFRGS/PROPUR Alta Alta Alta Alta Alta UFRJ/IPPUR Alta Alta Alta Alta UFT Baixa Alta Zero UNAMA UNC Baixa UNIFACS/ PPGDRU Zero 10 11 Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Baixa Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Baixa UNISC/PPGDR Alta Zero Zero Baixa Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Zero Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta UNIVAP/PUR Alta Alta Alta Zero Alta Zero Alta Alta Alta UNIOESTE 12 Alta Alta Zero Baixa Alta UFAP 9 Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Nº DE CASOS ALTA 4 4 7 2 5 13 12 5 11 6 13 18 Nº DE CASOS BAIXA+0 9 9 4 0 1 0 0 0 0 1 1 0 TOTAL / TERÇO ALTA 17 (17%) 35 (35%) 48 (48%) TOTAL / TERÇO BAIXA+0 22 (92%) 0 2 (8%) (*) [1] ARQUITETURA; [2] URBANISMO; [3] CIDADE; [4] TECNOLOGIA; [5] ESPAÇO; [6] URBANO; [7] AMBIENTE; [8] GESTÃO; [9] POLÍTICA; [10] TERRITÓRIO; [11] PLANEJAMENTO; [12] REGIÃO PROGRAMAS DE REFERÊNCIA A partir do contexto terminológico descrito acima, abordou-se com maior profundidade os cadernos “Proposta do Programa” de certo número de instituições. Foram escolhidos os programas que, ou pelas notas que obtiveram na Avaliação Trienal 2007-2009, ou por sua maior experiência, podem ser definidos como “programas de referência” das duas áreas. No caso do universo AU, foram examinados os cadernos de indicadores dos sete programas que obtiveram as melhores avaliações: UFRJ/PROURB e USP-SP/PPGAU (nota seis), UFBA/PPGAU, UFMG/NPGAU, UFRGS/PROPAR, UFRJ/PROARQ e USP-SC/PPGAU (nota cinco). No universo PUR, foram examinados os cadernos de indicadores dos três programas R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 41 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? que obtiveram as melhores avaliações: UFRJ/IPPUR (nota seis), UFPE/MDU e UFRGS/PROPUR (nota cinco). A eles foram somados, por critério de antiguidade, três dos sete programas que obtiveram nota quatro: UNISC/PPGDR, PUC-PR/ PPGTU e UNIFACS/PPGDRU. A análise procurou compreender o posicionamento de cada programa com relação à sua própria área de conhecimento e, de modo especial, com relação à questão disciplinar – mas sem entrar no debate sobre o significado dos diversos conceitos associados à questão, como inter, multi, pluri, transdisciplinar. Aprofundamos também o exame do posicionamento de cada programa especificamente com relação ao emprego dos termos urbanismo, cidade e planejamento. Sobre esses três termos, inicialmente, é interessante observarmos o Quadro 5, relativo aos cadernos de indicadores dos treze programas de referência analisados. Quadro 5 - Citações por termos-chavee programas selecionados / Universos AU e PUR UNIVERSO AU Termos-chave UNIVERSO PUR UFRJ USP-SP UFBA UFMG UFRGS UFRJ USP-SC UFRJ UFPE UFRGS PUC-PR UNIFACS UNISC PROURB PPGAU PPGAU NPGAU PROPAR PROARQ PPGAU IPPUR MDU PROPUR PPGTU PPGDRU PPGDR Urbanismo Alta Alta Alta Cidade Alta Alta Alta Planejamento Alta Alta Baixa Alta Alta Alta Alta Zero Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Alta Baixa Alta Alta Segundo sugere o contexto terminológico do universo AU, os programas UFRJ/ PROURB, USP-SP/PPGAU, UFBA/PPGAU e USP-SC/PPGAU aparentemente tem maior proximidade com os temas da cidade e do urbanismo no que os programas UFMG/NPGAU, UFRGS/PROPAR e UFRJ/PROARQ. Note-se que os programas UFRGS/PROPAR e UFRJ/PROARQ denominam-se “de Arquitetura” e que, originalmente, o Programa UFMG/NPGAU também se denominava simplesmente “de Arquitetura”. Note-se ainda que, segundo a linha de corte definida, nenhum dos sete programas utiliza com frequência “alta” o termo “planejamento”. No universo PUR, a terminologia empregada pelos programas UFRJ/IPPUR, UFRGS/PROPUR (em “Planejamento Urbano e Regional”) e UFPE/MDU (em “Desenvolvimento Urbano”) sugere maior afinidade com os temas da cidade, do urbanismo e do planejamento do que àquela relativa aos programas UNISC/PPGDR (em “Desenvolvimento Regional”) e UNIFACS/PPGDRU (em “Desenvolvimento Regional e Urbano”). O Programa PUC-PR/PPGTU (em “Gestão Urbana”) ocupa uma posição intermediária nesse contexto terminológico. UNIVERSO AU a) Proposta UFRJ/PROURB A Proposta insere o Programa no “campo do urbanismo” (p. 5), entendido como “campo do conhecimento” e como “campo disciplinar específico” (p. 3). O Programa “dedica-se a formar profissionais altamente qualificados, promover a reflexão crítica, teórica e metodológica sobre o Urbanismo” (p. 3). Mais especifica42 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI mente, sua atuação visa “responder à necessidade de pesquisa neste campo do conhecimento e atender à demanda de formação e capacitação docente e de profissionais habilitados a atuar nos processos de intervenção e configuração do espaço da cidade” (p. 3). Ou, ainda, busca “promover a reflexão crítica e avançar teórica e metodologicamente em nosso campo disciplinar específico” (p. 3). Mas a Proposta contempla ainda outra definição: “No campo temático em que atuamos, consideramos fundamental a interação com o nível de formação profissional em Arquitetura, que é a graduação. Tal inserção fortalece ambos os níveis de ensino e, sobretudo, permite ampliar as bases de uma reflexão sobre o campo disciplinar, bem como sobre o ensino e a pesquisa” (p. 6). Que “campo disciplinar” seria esse? Seria o urbanismo um “campo temático” no interior do “campo disciplinar” da “arquitetura” ou da “arquitetura e urbanismo”? O Programa dispõe de um Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas em Paisagismo (p. 12). Mas a Proposta jamais caracteriza o trabalho desenvolvido pelo Programa como sendo de natureza inter, multi, pluri ou transdisciplinar. As dissertações e teses desenvolvidas pelos alunos, entretanto, podem ter “caráter interdisciplinar”, situação em que se admite a co-orientação por “docente externo” ao Programa (p. 18). A “cidade” aparece como categoria central na Proposta e, mais de uma vez, é explicitamente definida como principal objeto de estudo do Programa: “No campo disciplinar do Urbanismo, [o Programa] tem como objeto de estudo a cidade e trata de sua organização físico-espacial e da intervenção sobre o espaço urbano. Neste sentido, aborda os processos de construção e produção do espaço, seja ele projetado ou construído socialmente. Privilegia a análise da organização espacial e das teorias sobre a cidade a partir da perspectiva histórica. Trabalha o projeto urbano como prática projetual e processo dinâmico de intervenção sobre o espaço construído, considerando a interação entre os diversos agentes e visando a melhoria da qualidade de vida nas cidades” (p. 3). Como se pode constatar, a Proposta aborda a cidade ao mesmo tempo como artefato e processo social, enfatizando a importância de uma “prática projetual” que envolve a interação entre “diversos agentes”. O termo “planejamento” ocupa lugar secundário na Proposta. Mas o Programa reconhece as demandas de órgãos públicos “vinculados ao planejamento e ao projeto da cidade e às questões urbanas em geral” (p. 5) e valoriza a cooperação com instituições de planejamento. Como já foi observado, o termo “urbanismo” ocupa lugar central na Proposta UFRJ/PROURB, um Programa criado justamente para atender “à grande demanda existente na área do Urbanismo” (p. 3). b) Proposta USP-SP/PPGAU O Programa compreende em “seu escopo diferentes campos disciplinares na área de Arquitetura, Urbanismo e Design” (p. 3). Essa diversidade proporcionaria “ao aluno o contato com os vários campos de atuação da área de arquitetura, urbanismo e design e a possibilidade de construir interfaces entre elas” (p. 3). O Programa “mantém, desde sua criação, o compromisso com a formação multidisciplinar do arquiteto e urbanista, com abordagem abrangente, mas que possibilita a especialização em áreas de concentração” (p. 3). Ao apresentar seus núcleos de pesquisa, a Proposta refere-se à existência de “espaço interdisciplinar institucional de pesquisa, que congrega professores e pesquisadores no estudo da produção e apropriação do ambiente construído” (p. 6). Refere-se ainda a um “núcleo de pesquisa interdisciplinar voltado à pesquisa sobre as estruturas espa- R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 43 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? ciais regionais e urbanas, abordando aspectos socioeconômicos, institucionais, tecnológicos e de organização” e também a um grupo cujo objetivo seria “promover estudos e pesquisas interdisciplinares, enfocando as culturas urbanas contemporâneas através das suas formas materiais de manifestação” (p. 6). A “cidade”, categoria importante na Proposta, parece concorre ali com as noções de “assentamento humano” e “ambiente construído”. Por exemplo, a área de concentração “História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo” tem como objetivo “promover o conhecimento científico dos processos de permanência e mudança do ambiente construído, oferecendo elementos para elaboração e crítica de projetos e intervenções arquitetônicas e urbanísticas” (p. 5). Na Proposta, são empregadas ainda, frequentemente, as noções de espaço urbano e espaço construído. O termo “planejamento” é importante no contexto terminológico da Proposta. A área de concentração “Planejamento Urbano e Regional” tem como objetivo “o estudo das bases teóricas e das práticas de intervenção na organização espacial de atividades sob a ação simultânea da regulação do mercado e do Estado”, a análise dos “processos econômicos que incidem sobre a organização do espaço do âmbito local ao nacional, as políticas e práticas de intervenção no âmbito urbano e regional” e o estudo da “relação entre processo de urbanização e a formação do urbanismo e planejamento urbano no Brasil” (p. 6). O texto sugere, portanto, a existência de ações distintas, relacionada ao urbanismo e ao planejamento. Já o termo “urbanismo” ocupa lugar relativamente secundário na Proposta; o texto manifesta clara preferência pelo uso da expressão “arquitetura e urbanismo”. c) Proposta UFBA/PPGAU A Proposta situa o Programa no “campo da Arquitetura e Urbanismo” (p. 3), mas também o relaciona aos campos do “espaço construído” (p. 2) e “da arquitetura, do urbanismo e das artes” (p. 20). A Proposta inscreve as duas áreas de concentração do Programa, “Urbanismo” e “Conservação e Restauro”, no “campo crítico e propositivo do espaço construído” (p. 2). Um dos objetivos do Programa é “a formação de doutores qualificados que possam atuar” em “Pesquisa e Ensino no campo da Arquitetura e Urbanismo” (p. 3). A Proposta valoriza a atuação do Programa “no campo da Conservação e Restauro” (p. 3) e a “formação de doutores qualificados para o desenvolvimento de trabalhos de natureza integrada nas áreas de Urbanismo, Projeto Urbano, Planejamento Urbano e Engenharia Urbana e Ambiental, que possa atuar em Pesquisa e Ensino nestes campos disciplinares nos quais as fronteiras são cada vez mais difusas” (p. 10). Nesse contexto terminológico, portanto, urbanismo, projeto urbano, planejamento urbano e engenharia urbana e ambiental são tratados como “campos disciplinares” distintos e relativamente autônomos. O Programa integra-se ao esforço de “salvaguarda das criações do movimento moderno no campo da Arquitetura e Urbanismo” (p. 14); refere-se ainda ao “debate em estética urbana” existente “entre o campo das artes e do urbanismo” (p. 15). O Programa mostra interesse pelas “práticas e discursos produzidos em diferentes campos do conhecimento e, em particular, nas artes visuais, dança, arquitetura e urbanismo” (p. 15) e pelo “estudo das relações entre cidade e cultura, entre territórios culturais e políticas urbanas, da interdisciplinaridade entre os campos da arquitetura, do urbanismo e das artes” (p. 20). A Proposta valoriza um “projeto multidisciplinar” (p. 3) desenvolvido pelo Programa, integrado à rede nacional de 44 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI pesquisa, e aponta para a formulação de “novos projetos de cooperação nacional em áreas inovadoras ou interdisciplinares” (p. 6). Um dos laboratórios do Programa tem, entre seus objetivos, o de “ampliar as perspectivas de abordagens multidisciplinares e transversais” (p. 8) dos seus estudos. A “cidade” é categoria importante no texto da Proposta. Uma das linhas de pesquisa do Programa trata da “história da cidade e do urbanismo” e um de seus objetivos é “formar docentes e pesquisadores capacitados teórica, metodológica, crítica e tecnicamente na análise de processos de organização do espaço construído e do território” (p. 2). Na Proposta, são empregadas ainda, com frequência, as noções de ambiente urbano e ambiente construído. O termo “planejamento” ocupa lugar secundário na Proposta, aparecendo com algum destaque na descrição dos conteúdos de disciplinas. O termo “urbanismo”, como vimos, ocupa lugar importante na Proposta, denominando inclusive uma das áreas de concentração do Programa. d) Proposta UFMG/NPGAU A Proposta não aborda diretamente a questão da área de conhecimento à qual se vincula o Programa. Quando da descrição de uma de suas linhas de pesquisa, denominada “Teoria e história da arquitetura e do urbanismo e suas relações com outras artes e ciências”, a Proposta refere-se ao “campo de saber” no qual inscreve os “problemas teóricos, históricos, analíticos e críticos da Arquitetura e do Urbanismo” (p. 3). A linha “aborda os problemas teóricos, históricos, analíticos e críticos da Arquitetura e do Urbanismo, numa perspectiva multidisciplinar, com ênfase em suas conexões com outros campos de saberes, notadamente as ciências sociais, as ciências humanas e as artes” (p. 3). O texto refere-se sistematicamente aos problemas “da” arquitetura e “do” urbanismo, e não à “arquitetura e urbanismo”, o que pode indicar uma intenção de diferenciar os dois termos no plano propriamente conceitual. A palavra “cidade” é pouco empregada na Proposta. Uma das linhas de pesquisa do Programa, denominada “Planejamento e dinâmicas sócio-territoriais”, “aborda a problemática da produção do espaço urbano e metropolitano, a atuação dos diversos agentes produtores desse espaço e suas interfaces, bem como as estruturas sócio-espaciais resultantes” (p. 3). Outra linha trata dos “problemas teóricos e práticos da produção do espaço construído, incluindo os processos de projeto, construção e interação espaço-usuários, com ênfase na aplicação de tecnologias digitais nesses processos” (p. 3). Na Proposta, são empregadas ainda, com alguma frequência, as noções de espaço arquitetônico e espaço habitacional. O termo “planejamento” ocupa lugar importante na Proposta, embora mencionado com pouca frequência. O Programa oferece disciplinas denominadas “Aspectos Contemporâneos do Planejamento Urbano e Metropolitano” e “Teorias do Espaço e do Planejamento Urbano”. O termo “urbanismo” é secundário nesse contexto terminológico. e) Proposta UFRGS/PROPAR Segundo a Proposta, o Programa teria sido um “dos primeiros centros de pesquisa brasileiros a desenvolver uma abordagem crítica da arquitetura fundada numa reflexão sobre a teoria e a prática do próprio fazer disciplinar” (p. 3). A afirmação da arquitetura como “saber” específico aparece como um dos objetivos da própria existência do PrograR . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 45 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? ma: a “proposta do programa tem, desde a sua origem, o compromisso com a definição e o aprofundamento de um campo próprio de investigação para a arquitetura, que embora integrando conhecimentos de campos afins (engenharias, informática, ciências sociais, ciências humanas, etc.), deles se diferencia como saber. O seu objetivo central é a construção de um corpo de conhecimentos, necessariamente aberto e perfectível, instalado em torno ao projeto arquitetônico como procedimento complexo” (p. 3). As linhas de pesquisa e projetos do Programa buscam contribuir “para reafirmar o escopo central da proposta do programa, que é a reflexão sobre a teoria e a prática do fazer disciplinar” (p. 10). Noções como inter, multi, pluri ou transdisciplinar não são mencionadas na Proposta. O termo “cidade” não ocupa lugar relevante na Proposta – o objeto de estudo do Programa é “a arquitetura”. O termo “planejamento” é mencionado uma única vez em todo texto – trata-se de referência à “Secretaria de Planejamento” da municipalidade de Porto Alegre. Os termos “planejamento urbano” e “planejamento urbano e regional” são ignorados. O termo “urbanismo” não tem qualquer relevância conceitual na Proposta. f) Proposta UFRJ/PROARQ A Proposta situa o Programa no “campo da Arquitetura” (p. 2), reivindicando uma “visão integradora e transdisciplinar” (p. 3) do seu objeto. O Programa “tem por objetivos principais a produção e a difusão de conhecimento científico e profissional, e a formação de recursos humanos para a pesquisa e docência em Arquitetura” (p. 2). Para alcançar esses objetivos, privilegia “a atualização e a renovação constantes dos fundamentos teóricos e da prática desse campo, considerando-o ao mesmo tempo tecnológico e cultural” (p. 2). O universo que interessa ao Programa vai “do objeto arquitetônico ao urbano e paisagístico, por entender-se a integralidade e inter-relação entre essas identidades” (p.4). Tendo em conta as “rápidas mudanças de paradigmas nas ciências”, associadas “à velocidade midiática da informação e às transformações do mundo atual”, o “campo da Arquitetura agrega as contribuições de estudiosos e pesquisadores de áreas afins” e trata da “compreensão do fenômeno arquitetônico mediante enfoques inter e transdisciplinares” (p. 2). A linha de pesquisas “Cultura, Paisagem e Ambiente Construído”, por exemplo, “engloba campos de conhecimento integrados e metodologias de análise complementares incluindo a discussão da teoria, tecnologias e práticas de projeto, a etnografia e a antropologia, a fenomenologia; a avaliação pós-ocupação e a análise morfológica e ambiental” (p.4). A ampliação “dos projetos interdisciplinares em trabalhos integrados” (p. 9) é apontada como um dos fundamentos da excelência acadêmica do Programa. Há referências ao desenvolvimento de “pesquisas interdisciplinares” por diversos Grupos de Pesquisa. Um dos objetivos do Grupo Espaço Saúde é “elaborar, testar e validar a metodologia de análise de espaços, a análise etnotopográfica, por meio da criação de ferramentas que têm base no leque interdisciplinar das ciências humanas (adaptadas à linguagem e à sensibilidade próprias a pesquisadores da área de arquitetura e urbanismo)” (p. 10). O Grupo Ambiente-Educação define-se como “de pesquisa interdisciplinar” (p. 10). A “missão” do Grupo Qualidade do Lugar e Paisagem é “contribuir para a construção e a disseminação do conhecimento da teoria e do projeto de arquitetura e suas diversas interfaces interdisciplinares relacionadas com a concepção, a produção e a qualidade do ambiente construído” (p. 13). O Laboratório de Habitação define-se como grupo de pesquisa “com 46 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI interações multidisciplinares” (p. 13). O Grupo Projeto, Arquitetura e Sustentabilidade caracteriza-se “pela formação multidisciplinar, o que contribui para uma visão sistêmica de assuntos relacionados com a aplicação da Sustentabilidade na Arquitetura” (p. 14). Como já foi observado, o principal objetivo do Programa é “a compreensão do fenômeno arquitetônico” (p. 2). A noção de “cidade”, nesse contexto, ocupa lugar secundário. Relacionados ao estudo daquele fenômeno, entretanto, evocam-se termos como “ambiente”, “ambiente construído”, “paisagem”, “lugar”, “assentamentos humanos”, “espaço urbano” e “espaço arquitetônico”. O termo “planejamento” não tem qualquer relevância conceitual na Proposta. Os termos “planejamento urbano” e “planejamento urbano e regional” são ignorados. O termo “urbanismo” igualmente não tem relevância conceitual na Proposta. g) Proposta USP-SC/PPGAU A Proposta emprega com frequência os termos “urbanismo” e “arquitetura e urbanismo” e os associa às noções de “disciplina”, “campo disciplinar” e “campo profissional”. Uma das linhas de pesquisa do Programa – “O Urbanismo como Disciplina: Cultura Técnica e Profissional” – busca justamente “estabelecer bases conceituais para a compreensão do urbanismo como campo disciplinar específico, enfocado a partir de suas teorias, práticas e realizações, bem como de sua cultura técnica e profissional” (p.4). O Programa faz referência às pesquisas realizadas pela área de concentração “Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo” sobre “as trajetórias profissionais de engenheiros, arquitetos e urbanistas, envolvendo sua inserção na vida cultural do país, suas relações com movimentos internacionais e sua inserção na estruturação de um campo profissional” (p. 8), que não é nomeado. A Proposta não emprega uma única vez os termos inter, multi, pluri ou transdisciplinar, mas um dos grupos de pesquisa do Programa tem, entre seus objetivos, promover “troca e interlocução entre distintos campos do saber” (p. 22). Outro grupo, que “desenvolve pesquisas no campo da história das cidades e do urbanismo”, realiza estudos sobre “trajetórias profissionais no campo da engenharia urbana e do urbanismo” (p. 23). A partir das noções de “Arquitetura, Urbanismo e Planning”, uma das pesquisas desenvolvidas no Programa estuda justamente essas “instituições e configurações disciplinares” (p. 15). Há ainda referência ao fato do Programa reunir “um conjunto significativo de trabalhos vinculados ao campo das Políticas Públicas” (p. 6). Por outro lado, a “concentração de profissionais qualificados nas capitais e grandes centros” seria uma “questão historicamente apontada como problema no campo da arquitetura e do urbanismo”; por isso, o Programa valoriza seu desempenho “na formação de quadros qualificados para atuação na escala regional” (p. 30). A “cidade”, abordada como arquitetura e processo social, é categoria central na Proposta. A linha de pesquisa “Cidades no Brasil: Problematização, Representações, Intervenções e Políticas” busca “estabelecer bases teóricas e conceituais para compreensão da questão urbana no Brasil, a partir de sua história e de fatores sociais, econômicos, tecnológicos e culturais, enfatizando enfoques relacionados às representações, às intervenções e às políticas públicas” (p. 4). Na Proposta, são empregadas com frequência as noções de espaço urbano e espaço contemporâneo. O termo “planejamento” não é evocado com frequência ao longo da Proposta, mas pesquisadores do Programa se interessam pela “história do planejamento e história das instituições urbanísticas no Brasil”, pela “reavaliação das políticas públicas em R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 47 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? Habitação Social no País” (p. 20). O texto refere-se ainda ao interesse do Programa em aprofundar pesquisas “na área do Urbanismo e do Planejamento Urbano” (p. 21). O termo “urbanismo” ocupa lugar central na Proposta e aparece na denominação de duas áreas de concentração – “Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia”; “Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo” – e de duas linhas de pesquisa – “Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo no Brasil e na América Latina”; “O Urbanismo como Disciplina: Cultura Técnica e Profissional”. Como já observado, o estabelecimento de “bases conceituais para a compreensão do urbanismo como campo disciplinar específico” é um dos principais objetivos do Programa (p. 4). UNIVERSO PUR a) Proposta UFRJ/IPPUR O objetivo do Programa é “o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão, em nível de pós-graduação, no campo do Planejamento Urbano e Regional, através de uma abordagem com forte conteúdo interdisciplinar e com ênfase na formação básica” (p. 2), ou, ainda, “o estudo e a análise de questões urbano-regionais” com base em “abordagem interdisciplinar” (p. 13). A Proposta refere-se também ao “caráter interdisciplinar da área de Planejamento Urbano e Regional” (p. 13). Segundo o texto, “é amplamente reconhecido que o estudo e a análise de questões urbano-regionais não podem prescindir de uma abordagem interdisciplinar, combinando conhecimentos de Sociologia, Economia, Geografia, Urbanismo, Ciência Política e Direito” (p. 13). Disso decorre que “o desenvolvimento de estudos e pesquisas na área deve ser pautado, necessariamente, por forte conteúdo de natureza interdisciplinar” (p. 13). A organização curricular das atividades de ensino do Programa procura “enfrentar o desafio da interdisciplinaridade”, incluindo “disciplinas obrigatórias de formação teórica e analítica” em distintos “campos disciplinares”, especialmente, sociologia, economia e política, “em suas conexões com a dimensão territorial dos processos sociais” (p. 13). Entre as ações que realizou no triênio 2007-2009 o Programa ressalta seu papel no processo de criação de um novo curso de graduação, em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social, definido como “um projeto inovador seja pela temática, seja pela forte interdisciplinaridade presente na grade curricular” (p. 6). O tema da interdisciplinaridade reaparece quando a Proposta justifica o fato do Programa “manter uma única área de concentração, em Planejamento Urbano e Regional”, como forma “de garantir tanto a interdisciplinaridade quanto a interação entre estudos de corte mais analítico e investigações com enfoques mais voltados para a intervenção” (p. 13). A noção de pluridisciplinaridade é evocada uma única vez, quando o Programa informa que demandou a disponibilização de novas vagas para concursos docentes “com perspectivas de aprofundamento da pluridisciplinaridade” (p. 14). A “cidade” é uma categoria importante na Proposta e aparece na denominação de diversas disciplinas. A “formação acadêmica em PUR” oferecida pelo Programa articula “duas abordagens complementares: por um lado, o estudo dos processos de conformação e de estruturação sócio-espacial de cidades e regiões, e, por outro lado, o estudo sobre os processos de planejamento ou de formulação e implementação de políticas em sua dimensão sócio-territorial” (p. 13). A palavra “território” é empregada frequentemente, aparecendo em certa medida como alternativa ao uso do termo “espaço”. 48 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI As atividades de ensino do Programa, “nos diferentes níveis”, estão voltada para a formação de “[i] pesquisadores e docentes de alto nível, em condições de implementar programas acadêmicos de ensino e pesquisa na área do Planejamento e Desenvolvimento Urbano e Regional e, de modo mais geral, na área dos Estudos Urbanos e Regionais” e “[ii] profissionais de alto nível, capazes de atuar de maneira crítica e criativa, tanto em agências governamentais de planejamento, nos três níveis da Federação, quanto em organizações não governamentais envolvidas com os processos de Planejamento e Desenvolvimento Regional, Urbano e Comunitário” (p. 14). Nota-se aí a relevância conceitual assumida pelo termo “desenvolvimento” na Proposta UFRJ/IPPUR. O termo “planejamento” é central na Proposta e está presente na denominação de sua única área de concentração, “Planejamento Urbano e Regional”, e de suas quatro linhas de pesquisa: “Planejamento, História e Cultura”; “Planejamento, Meio Ambiente e Tecnologia”; “Planejamento, Território e Desenvolvimento Regional”; “Planejamento e Estruturação Urbana e Metropolitana”. É frequente o emprego da expressão “planejamento urbano e regional”; também são empregadas expressões como “planejamento democrático”, “planejamento e desenvolvimento local”, “planejamento e uso do solo urbano”, “planejamento e política urbana”. O termo “urbanismo” não tem relevância conceitual no contexto da Proposta. b) Proposta UFPE/MDU A Proposta posiciona o Programa como lugar onde se relacionam, “de modo interdisciplinar, dois campos disciplinares, arquitetura e urbanismo e planejamento e gestão” (p. 2). Esta seria a “principal característica” do Programa (p. 2). Porém, a Proposta refere-se a outros “campos”, como o “da Conservação Integrada, campo disciplinar que se faz cada vez mais importante na gestão dos bens patrimoniais das cidades” (p. 3), ou ainda ao “campo da morfologia da arquitetura e sintaxe espacial”, ao “campo da conservação da arquitetura moderna” (p. 4), ao “campo” da história da cidade, a “campos disciplinares como geografia, antropologia e sociologia” e ao “campo temático do planejamento urbano” (p. 13) – portanto, reaparece aqui a expressão “campo temático”, nesse caso concorrendo com a definição do planejamento urbano como “campo disciplinar”. Segundo a Proposta UFPE/MDU, “a interdisciplinaridade constitui-se num ponto forte” (p. 2) do Programa. Nesse sentido, o Programa oferece a seus alunos um ambiente acadêmico “dinâmico e interdisciplinar” (p. 4). A Proposta valoriza o esforço desenvolvido no sentido da “interação vertical entre os níveis do Programa, o que possibilita o diálogo entre mestrandos e doutorandos, com ganhos expressivos para todos os alunos” (p. 10). Essa “interação vertical” teria como um de seus propósitos justamente “o aprofundamento da inter e da transdisciplinaridade” (p. 10). A “cidade” é categoria central e frequentemente empregada na Proposta. O termo quase sempre aparece associado a outras noções relacionadas à espacialidade urbana. Por exemplo, a linha de pesquisa “Projeto da Arquitetura e da Cidade”, que “tem como objeto de estudo a morfologia da cidade e das edificações, abordando as estruturas físicas e sociais”, “incorpora estudos relativos aos aspectos formadores do espaço urbano, tendo interesse particular nos estudos morfológicos, na sintaxe espacial, na avaliação do espaço e do desenho urbano e em estudos sobre sua influência no grupo dos usuários e indivíduos” (p. 10). Essa mesma linha volta-se também “para o estudo histórico e teórico das experiências arquitetônicas e urbanas, em particular das exR . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 49 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? pressões modernas” (p. 10). Outra linha de pesquisa, “Dinâmica e Gestão Urbana”, trata das “questões referentes à dinâmica urbana e ao planejamento e à gestão urbana, segundo os seguintes enfoques: i) abordagens sobre os processos de globalização e reestruturação produtiva e financeira da economia mundial: cidades em redes e cidades globais; ii) pobreza, desigualdade e segregação sócio-espacial; iii) novos instrumentos de descentralização político-administrativa, no planejamento e na gestão das cidades; iv) avaliação dos limites e possibilidades dos modelos de planejamento, gestão e governança urbana; v) infraestruturas urbanas, das redes sócio-técnicas e da mobilidade e acessibilidade nos transportes urbanos” (p. 10). Termos como “ambiente construído” e “ambiente urbano” também são frequentemente empregados. O termo “planejamento” ocupa lugar central na Proposta. As expressões “planejamento e gestão das cidades” e “planejamento e gestão urbana” são frequentemente empregados. Há referências ainda a “modelos de planejamento, gestão e governança urbana”, a “Planejamento e Política dos Transportes Urbanos” e ao “planejamento urbano e territorial contemporâneo”. O termo “urbanismo” igualmente ocupa lugar central na Proposta, de modo especial porque, como vimos, o Programa articula “dois campos disciplinares, arquitetura e urbanismo e planejamento e gestão”. c) Proposta UFRGS/PROPUR O Programa contempla “o estudo da realidade sócio-espacial brasileira e das práticas de planejamento urbano e regional, reconhecendo nesse campo uma complexidade propícia ao tratamento interdisciplinar” (p. 3). E apresenta-se como lugar onde convivem visões “distintas, mas complementares” da “realidade sócio espacial”, uma tributária de “abordagem arquitetônico-urbanística”, outra da “tradição interdisciplinar da área [do planejamento urbano e regional] e das ciências sociais aplicadas de um modo geral” (p. 2). Portanto, a Proposta admite a convivência de um tratamento disciplinar (arquitetura-urbanismo) e outro interdisciplinar (planejamento urbano e regional) dos objetos de estudo do Programa. A “cidade” é uma categoria importante na Proposta, mas é frequente também o emprego de termos como “território”, “espaço urbano e regional”, “espaço construído” e “ambiente construído”. Segundo a Proposta, a “dimensão espacial” é o que “demarca, explícita ou implicitamente, os temas do planejamento urbano e regional de outras manifestações do planejamento” (p. 3). Com base nessa assertiva, o Programa inclui entre seus objetivos, “o estudo do planejamento urbano e regional e do urbanismo como campos de práticas e conhecimentos; o estudo do planejamento urbano e regional relacionado às inovações geradas pela demanda de maior participação da sociedade na gestão pública; a abordagem da questão metropolitana e da gestão da metrópole; as territorialidades urbanas e regionais e as dinâmicas de apropriação social e econômica do espaço; a produção e apropriação históricas da cidade como resultado de expressões culturais” (p. 3). Sublinhe-se, portanto, que o texto aborda o planejamento urbano e regional e o urbanismo como “campos de práticas e conhecimentos” distintos. O termo “planejamento” ocupa lugar central na Proposta. O principal objetivo do Programa é a “formação de recursos humanos qualificados para a prática profissional do urbanismo e do planejamento” (p. 2). O “planejamento urbano e regional” é compreendido “como parte de um processo social maior, no âmbito do qual as práticas coletivas são atravessadas por componentes socioeconômicos, políticos e culturais, característicos da sociedade brasileira e de sua inserção no mundo globalizado” e “é 50 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI visto como um requisito da ação político-administrativa em sociedades complexas” (p. 3). O texto refere-se ainda ao “Planejamento Urbano e Ambiental” e às relações entre planejamento e “desenho urbano”. O termo “urbanismo” ocupa lugar importante na Proposta, especialmente porque é conceitualmente diferenciado do termo “planejamento urbano”. d) Proposta PUC-PR/PPGTU Um dos principais objetivos do Programa é “formar docentes qualificados para desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão na área de Gestão Urbana” (p.2). O Programa define-se como “de caráter efetivamente multi e interdisciplinar” (p. 5). Suas disciplinas e pesquisas “buscam analisar os aspectos tecnológicos, ambientais, sociais, econômicos, políticos, administrativos e culturais do desenvolvimento e da gestão das cidades” e seu “corpo docente tem formação das mais variadas: administração, arquitetura e urbanismo, engenharia, planejamento urbano e regional, saneamento ambiental, economia, informática, comunicações, sociologia, direito e ciência política” (p. 5). Ao tratar da “transdisciplinaridade do conteúdo” de suas disciplinas, a Proposta enfatiza “que as dimensões da gestão e políticas públicas, do desenvolvimento e da sustentabilidade urbana” estão “presentes em todas as fases do curso, desde a disciplina de integração, das disciplinas complementares, das disciplinas de bases e das disciplinas avançadas, até à própria dissertação” (p. 8). Além disso, a participação de mais de um docente em cada disciplina visa “garantir uma prática interdisciplinar em sala de aula” (p. 8). O termo “cidade” é uma categoria importante na Proposta; seu emprego, entretanto, poucas vezes é associado especificamente à dimensão espacial do objeto. Entre os objetivos gerais do Programa encontra-se a formação qualificada e a produção e disseminação de conhecimento “na área de Gestão Urbana”; a formação de “gestores públicos capazes de implementar políticas públicas e de gerenciar atividades e projetos setoriais nas cidades, a partir de uma visão integrada e sistêmica do meio urbano e do processo político-administrativo nos municípios”; e a produção de “subsídios para a melhoria da gestão das cidades” (p.2). Embora o termo “planejamento” não apareça com relevância na definição dos objetivos e do objeto do Programa, ele é frequentemente evocado na Proposta. Uma das linhas de pesquisa do Programa denomina-se “Planejamento e projeto em espaços urbanos e regionais”. O termo aparece ainda na denominação de mais de uma disciplina: “Planejamento e desenvolvimento urbano regional”, “Planejamento municipal e sistemas de informação”, “Pesquisas contemporâneas em planejamento e gestão urbana”, “Planejamento e políticas ambientais para a sustentabilidade”. Já o termo “urbanismo” ocupa lugar secundário na Proposta, sendo evocado com alguma frequência em situações muito precisas, quando há referência a alguma instituição. e) Proposta da UNIFACS/PPGDRU A Proposta não aborda diretamente a questão da área de conhecimento à qual se vincula o programa e não faz qualquer referência às noções inter, multi, pluri e transdisciplinar. No entanto, insere o Programa em uma “Universidade criada por professores que possuem uma longa tradição de trabalhos na área do desenvolvimento regional e urbano e que são continuamente requisitados pela administração pública municipal, estadual e federal a prestar serviços de consultoria, estudos e pesquisa” (p. 4). O corpo docente do Programa seria constituído por professores “com formação R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 51 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? nas diversas áreas das ciências sociais aplicadas: geografia, economia, arquitetura e urbanismo, administração, direito, e sociologia” (p. 4). A categoria “cidade” tem importância secundária na Proposta, embora o Programa se interesse pelo estudo dos “processos urbanos e regionais do desenvolvimento” (p. 4). O termo aparece na denominação de uma das linhas de pesquisa, “Desenvolvimento, políticas urbanas e rede de cidades”. Os objetivos da linha não são especificados. As questões relacionadas à espacialidade urbano-regional são praticamente ignoradas. O termo “planejamento” é frequentemente evocado, mas não ocupa um lugar central na Proposta – lugar ocupado pelo termo “desenvolvimento”. A principal preocupação do Programa é “construir um embasamento teórico para a reconstrução crítica do processo histórico do desenvolvimento regional, apresentando novas propostas para a solução dos problemas que limitam o crescimento econômico na região, mediante a realização de pesquisas e a definição de novas formas de viabilização econômica de programas e projetos, nas áreas de sua concentração de estudos” (p. 2). Além de mestrado e doutorado, o Programa oferece cursos de especialização em “Planejamento Urbano e Gestão de Cidades” e em “Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental”. Contudo, na Proposta, o termo “planejamento urbano” não tem relevância conceitual e é empregado apenas quando o texto faz referência a alguma instituição da área; o mesmo acontece no que se refere ao uso do termo “urbanismo”. f) Proposta UNISC/PPGDR A Proposta define o “desenvolvimento regional” como um “campo interdisciplinar” (p. 3). O Programa tem como um de seus principais objetivos, “fomentar e consolidar pesquisas, de caráter interdisciplinar, sobre temas relativos aos processos de desenvolvimento de uma região” (p. 2). A própria origem do Programa estaria na busca, por parte da Universidade, de “um espaço de reflexão e pesquisa interdisciplinar sobre o desenvolvimento regional” (p. 4). A Proposta valoriza os “enfoques epistemológicos, princípios metodológicos e técnicas de abordagem próprios das disciplinas que confluem para a construção do campo interdisciplinar do desenvolvimento regional” (p. 3). A categoria “cidade” não ocupa lugar importante na Proposta. O Programa se interessa por “temas relativos aos processos de desenvolvimento de uma região”, considerando primordial o estudo do “movimento das instituições econômicas” e “das organizações políticas da esfera estatal e da sociedade civil”, das “mudanças tecnológicas e ambientais” e das “alterações próprias às esferas jurídicas e simbólicas (costumes, religião, etc.) que normatizam e orientam o universo das representações dos membros de uma comunidade regional” (p. 2). Empregam-se com alguma frequência os termos “espaço”, “território” e “espaço urbano e regional”. O termo “planejamento regional” é frequentemente evocado, mas a Proposta raramente menciona o termo “planejamento urbano”, utilizado apenas quando há alguma referência institucional. A Proposta refere-se ao Núcleo de Planejamento Urbano e Gestão Territorial, existente na Universidade, com o qual o Programa mantém relações de colaboração, e que “visa assessorar os municípios em temas relevantes relacionados ao planejamento de suas ações” (p. 10). Segundo a Proposta, com base nessa colaboração o Programa envolveu-se com atividades de “planejamento do espaço urbano dos pequenos municípios da região” (p. 10). Uma das linhas de pesquisa do Programa é denominada “Desenvolvimento, Ordenamento Territorial e Meio Ambiente”. Uma das áreas de interesse do Programa 52 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI é o estudo “das relações dos homens entre si e com a natureza expressas na organização do espaço e no ordenamento do território, com ênfase na regionalização em sua diversidade de escalas e modalidades de abordagens teórico-metodológicas” (p. 3). Um dos projetos desenvolvidos pelo Programa trata de “metodologia de Planejamento Estratégico Regional”, proposta que “utiliza algumas ferramentas consagradas na gestão territorial”, evolvendo “elaboração de diagnóstico, análise situacional, aplicação da matriz FOFA, definição de referenciais estratégicos e estabelecimento de macroobjetivos, estruturados em programas, projetos e ações” (p. 10). O termo “urbanismo” não é empregado na Proposta. TERMOS PRÓXIMOS, MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS O exame das propostas dos programas de referência relativiza a força de observações feitas exclusivamente com base no contraste das frequências terminológicas. Por exemplo, as propostas UFMG/NPGAU e USP-SP/PPGAU não empregam com frequência “alta” o termo “planejamento”, porém, como se constatou, nos dois casos o planejamento urbano ocupa um lugar conceitualmente relevante. Algo semelhante acontece como a Proposta USP-SC/PPGAU. A proposta UFRGS/PROPAR, ao contrário, emprega com frequência relativamente “alta” a palavra “urbanismo”, mas suas referências ao termo são protocolares. No exame das propostas dos programas de referência, verificou-se o emprego recorrente das noções de área, campo e disciplina (inter, multi, pluri, trans), termos que não foram objeto de cálculo de frequência. O Quadro 6 reúne as expressões que contemplam tais noções, da maneira como foram citadas ao longo deste artigo. A noção de “campo interdisciplinar” encontra clara ressonância no escopo de cinco das seis propostas do universo PUR analisadas. Esta ênfase terminológica sem dúvida envolve interpretações incongruentes, aspecto cuja análise escapa aos objetivos desse artigo. O que se quer destacar é a firme perspectiva interdisciplinar revelada pelo universo PUR, por impreciso que seja o entendimento de seus integrantes com relação ao significado do termo. Nesse universo, há referências também aos termos multi, pluri e transdisciplinar. Esse quadro revela-se mais diverso no universo AU. Três das sete propostas examinadas têm clara ênfase terminológica disciplinar. São programas que definem suas áreas de atuação como “disciplinas” ou “campos disciplinares” e, ao mesmo tempo, as contemplam desde uma perspectiva disciplinar: da arquitetura, no caso UFRGS/PROPAR, do urbanismo, no caso UFRJ/PROPURB, do urbanismo e/ou da arquitetura e urbanismo no caso USP-SC/PPGAU. Registre-se que esses três programas declaram-se abertos à integração de conhecimentos originados em “outras disciplinas”. A Proposta UFRJ/PROARQ confere lugar importante às abordagens inter, multi e transdisciplinares. Comparadas às propostas acima citadas, as propostas UFBA/PPGAU, UFMG/ NPGAU e USP-SP/PPGAU não nos oferecem elementos para situá-las de maneira categórica com relação ao tema. A Proposta UFMG/NPGAU somente toma partido pela “perspectiva multidisciplinar” quando se refere a uma de suas linhas de pesquisa. A Proposta UFBA/PPGAU diferencia urbanismo e planejamento como campos disciplinares, mas evoca a existência de “fronteiras cada vez mais difusas” entre esses campos e valoriza abordagens de corte “transversal”. A Proposta USP-SP/PPGAU, R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 53 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? embora manifeste o compromisso do Programa com a “formação multidisciplinar do arquiteto e urbanista”, somente é assertiva com relação ao tema quando descreve o escopo “interdisciplinar” de alguns de seus núcleos de pesquisa. As palavras área e campo aparecem muitas vezes como termos intercambiáveis, delimitando articulações e fronteiras relativas a ações, conhecimento e temas genericamente associados ao urbanismo/planejamento. Assim, por exemplo, encontram-se referências à área ou campo da arquitetura e urbanismo; à área ou campo do urbanismo, à área ou campo do planejamento urbano e regional; à área ou campo interdisciplinar; à área da engenharia urbana e ambiental e ao campo da engenharia urbana e do urbanismo. (ver Quadro 6). Especificamente com relação à noção de campo, encontraram-se referências ao campo da arquitetura, ao campo das artes e do urbanismo; ao campo da conservação, remetendo ao restauro ou à conservação da arquitetura moderna; ao campo da morfologia e da sintaxe espacial; ao campo da história, remetendo à história da cidade ou à história das cidades e do urbanismo; ao campo das políticas públicas; ao campo do espaço construído. Encontraram-se também empregos mais abstratos, como: campo de estudos, campo de investigação, campo de práticas e conhecimentos, campo de saber, campo disciplinar ou interdisciplinar, campo de conhecimento, campo tecnológico e cultural, campo temático, campo de atuação. Além de listar as noções que incluem os termos área, campo e disciplina, o Quadro 6 as relaciona a suas fontes, isto é, aos universos AU e PUR. Desse ponto de vista, observa-se que, entre as sessenta e seis noções listadas, apenas uma foi empregada precisamente com o mesmo sentido e acepção nos dois universos: trata-se da referência ao urbanismo como disciplina. De fato, embora encontradas nos universos AU e PUR, os conteúdos precisos das noções de área, campo, campo da história, campo de/do conhecimento, campo disciplinar e campo temático não se referem ao mesmo objeto. As noções genéricas de campo de investigação, campo de saber e campo de atuação aparecem relacionadas ao universo AU. As noções de campo de estudos, campo de práticas e campo interdisciplinar aparecem relacionadas ao universo PUR. Um viés do autor certamente pode ter interferido nessas observações. No entanto, não nos parece um exagero concluir que os múltiplos conteúdos e sentidos atribuídos ao termo campo, envolvendo objetos e âmbitos distintos (arquitetura, arquitetura e urbanismo, arte, conhecimento, dança, desenvolvimento regional, disciplina, economia, geografia, história, planejamento, planejamento urbano, planejamento urbano e regional, políticas públicas, práticas, saber, urbanismo, etc.), podem ser entendidos como “marcas” das visões particulares de cada programa em relação ao contorno do(s) espaço(s) no qual se inserem e às articulações que priorizam no interior daquele(s) espaço(s). Por exemplo: um programa se situa no “campo da arquitetura” e adota uma abordagem disciplinar; outro, posicionado no mesmo “campo”, enfatiza uma abordagem interdisciplinar. Outro exemplo: um programa diferencia urbanismo e planejamento urbano como campos disciplinares; outro desconhece o termo urbanismo e enfatiza questões relativas ao desenvolvimento urbano. Enfim, os diversos âmbitos, objetos e sentidos atribuídos ao termo campo em alguma medida correspondem às diferentes posições ocupadas pelos programas nos universos AU e PUR – onde os programas ora ocupam um determinado espaço, ora outro; ora estabelecem relações de cooperação, ora de competição. 54 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI Quadro 6 - Empregos das noções de área, campo e disciplina Noções área da engenharia urbana e ambiental AU PUR NOÇÕES campo disciplinar - arq. e urb. área de arquitetura e urbanismo campo disciplinar - conserv. integrada área de gestão urbana campo disciplinar - energia urbanismo e ambiental campo disciplinar - geografia área do desenvolvimento regional e urbano campo disciplinar - planejamento e gestão área do plan. e desenv. urbano e regional campo disciplinar - planejamento urbano área do planejamento urbano campo disciplinar - projeto urbano área do planejamento urbano e regional campo disciplinar e profissional arquitetura e urbanismo área do projeto urbano campo disciplinar e profissional urbanismo área do urbanismo área do urb. e do planejamento urbano área dos estudos urbanos e regionais área interdisciplinar campo da arquitetura campo da arquitetura e urbanismo campo disciplinar - urbanismo campo do conhecimento - urbanismo campo do espaço construído campo do planejamento urbano e regional campo do urbanismo campo interdisciplinar - desenvolvimento regional campo da arq., do urbanismo e das artes campo interdisciplinar - planejamento urb. e regional campo da conserv. da arq. moderna campo tecnológico e cultural arquitetura campo da conservação e do restauro campo temático - planejamento urbano campo da engenharia urb. e do urbanismo campo temático - urbanismo campo da história da cidade campos afins - engenharias, informática, ciências sociais campo da hist. das cidades e do urbanismo campos de atuação área arquitetura, urburnismo, design campo da morfologia da arquitetura e sintaxe espacial campo das artes e do urbanismo campo das políticas públicas campo de estudo (realidade sócio-espacial e planejamento) campo de investigação (arquitetura) campo de práticas e conhecimentos (planejamento urbano e regional) campo de práticas e conhecimentos (urbanismo) campo de saber (arquitetura e urbanismo) campo de saber (artes) PUR campo disciplinar - antropologia área das ciências sociais aplicadas área de arquitetura, urbanismo e design AU campos de conhecimento integrados campos disciplinares de fronteiras difusas disciplina - administração disciplina - arquitetura e urbanismo disciplina - arquitetura disciplina - ciência política disciplina - direito disciplina - economia disciplina - geografia campo de saber (ciências humanas) disciplina - sociologia campo de saber (ciências sociais) disciplina - urbanismo R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 55 U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? Com relação ao emprego das noções de urbanismo e planejamento urbano, os programas do universo AU sem dúvida constituem um espaço mais homogêneo. Isso provavelmente se deve, entre outras razões, ao fato desse universo ter estreitos vínculos com cursos de graduação em arquitetura e urbanismo e, portanto, com a formação profissional de um contingente importante de operadores do urbanismo/planejamento urbano. Ressalte-se que esses cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, de modo geral, organizam-se em torno de uma “competência para o projeto” um tanto alheia à “competência para o planejamento e gestão”. Entre os programas de referência analisados, a Proposta UFRGS/PROPAR é a que melhor representa um espaço no qual os termos urbanismo e planejamento urbano têm pouca relevância conceitual. Ao que parece, em torno dessa abordagem articula-se uma posição importante na área AU, da qual se aproxima, por exemplo, a Proposta UFRJ/PROARQ. Porém, também nesse caso aparecem diferenças significativas. As propostas UFRGS/PROPAR e UFRJ/PROARQ contemplam um mesmo objeto de conhecimento, a arquitetura, ou o fenômeno arquitetônico. Contudo, diferente da Proposta UFRGS/PROPAR, a competência para o projeto reivindicada pela Proposta UFRJ/PROARQ apoia-se decisivamente em abordagem inter/transdisciplinar, posicionamento que, desse ponto de vista, a aproxima de temas característicos da “competência para o planejamento e gestão”. Outra posição ou espaço articulado pelo universo AU está bem representado pela Proposta UFRJ/PROURB. O urbanismo, ali, é um “campo disciplinar” estreitamente vinculado à “competência para o projeto”, mas que se interroga sobre a possibilidade da “arquitetura” (campo temático ou disciplina autônoma) dar conta da cidade como objeto de estudo e de intervenção. Desse ponto de vista, configura-se um espaço aberto ao diálogo com a “competência para o planejamento e gestão”. Entre esses dois posicionamentos articula-se outro, de fronteiras imprecisas, quase sempre referido à “arquitetura e urbanismo”, representado nas propostas UFBA/PPGAU, UFMG/NPGAU e USP-SC/PPGAU. Trata-se de um espaço que de alguma maneira “integra” as duas perspectivas antes caracterizadas. A Proposta USP-SP/PPGAU situa-se próxima desse espaço, mas, ao abrigar diversas áreas de concentração, inclusive em planejamento urbano e regional, parece querer transbordá-lo. Aliás, as propostas desses quatro programas nos remetem a tema que não foi tratado neste artigo, relativo à questão da filiação institucional. Talvez porque não encontrem “concorrência” no interior de suas instituições, esses programas contemplam um amplo leque de competências. Ao contrário do que acontece nos casos UFRJ/PROARQ e UFRJ/PROURB, programas que em alguma medida concorrem entre si e com UFRJ/IPPUR; e UFRGS/PROPAR, programa que em alguma medida concorre com UFRGS/PROPUR. A proposta UFPE/MDU, um outro exemplo, igualmente contempla ampla gama de temas e competências, relacionadas à arquitetura, ao urbanismo, ao planejamento, à gestão e ao desenvolvimento urbano. No universo PUR, apenas as propostas UFPE/MDU e UFRGS/PROPUR estabelecem uma clara distinção entre “urbanismo” e “planejamento urbano”. Os dois programas têm estreitos vínculos com cursos de graduação em arquitetura e urbanismo. Define-se aí um espaço do universo PUR no qual os termos urbanismo e planejamento identificam campos “disciplinares” (UFPE/MDU) ou “de práticas e conhecimentos” (UFRGS/PROPUR) relativamente autônomos. Trata-se de posição onde coabitam 56 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 JOÃO F. ROVATI reivindicações de competência para o projeto e para o planejamento e gestão, próxima da posição ocupada no universo AU pela Proposta UFRJ/PROURB. Outro espaço está bem representado pela Proposta UFRJ/IPPUR. Entre os programas de referência examinados, trata-se da única Proposta claramente presidida pela “competência para o planejamento e gestão”. Desenha-se aí um espaço direcionado ao planejamento (sem adjetivos), ao planejamento urbano e regional, ao “desenvolvimento” e às questões urbanas e regionais. Trata-se de abordagem que, embora reconheça a importância dos vínculos entre planejamento e urbanismo, somente circunstancialmente se interessa pela “competência para o projeto”. A Proposta PUC-PR/PPGTU representaria um terceiro espaço, delimitado a partir da noção de “gestão urbana”, para o qual o planejamento também ocupa lugar importante. O escopo conceitual desse Programa o configura como uma espécie de variante “especializada” dos espaços mais abrangentes acima caracterizados. O mesmo se poderia dizer sobre as propostas UNISC/PPGDR e UNIFACS/PPDRU, que configuram um espaço claramente direcionado para os “estudos regionais” ou “urbanos e regionais”, onde a presença do planejamento parece circunstancial. Do ponto de vista do universo AU, e no contexto analisado, o termo “urbanismo” identifica uma disciplina autônoma e, outras vezes, um campo temático da “arquitetura e urbanismo”. Em termos prospectivos, descortina-se nesse universo uma possibilidade de divergência entre os que subordinam o destino dessa disciplina (ou desse campo temático) à competência para o projeto e os que buscam maior abertura em direção aos processos de planejamento e gestão. Por outro lado, o universo AU tende a ignorar o termo “planejamento urbano” e revela pouco ou nenhum interesse por esse campo como domínio “complementar” ao urbanismo. Já no universo PUR, a julgar pelas propostas examinadas, o termo “urbanismo” pode se tornar irrelevante: em 2009, cinco dos vinte programas desse universo não o empregaram uma única vez. A valorização conceitual desse termo ficou por conta de um pequeno número de programas, historicamente vinculados às questões do planejamento urbano ou a cursos de graduação em arquitetura e urbanismo. Contudo, segundo o estudo realizado, aparentemente o maior desafio do universo PUR é sua tendência a ignorar a própria noção de “planejamento urbano”. Em 2009, poucos programas deram relevo conceitual ao termo. Não por acaso a palavra “desenvolvimento” está presente na denominação de 70% dos programas desse universo, preferência que encontra correspondência em propostas direcionadas ao estudo de processos de transformação social e/ou territorial para as quais as questões relativas ao planejamento têm presença circunstancial. No início deste artigo supôs-se que o trânsito entre campos epistêmicos distintos era constitutivo da experiência do urbanismo/planejamento no Brasil. O obscurecimento das diferenças existentes entre competências para o projeto e para o planejamento e gestão de fato parece alimentar concepções e competições incongruentes também no âmbito da pós-graduação. Diante desse quadro, o esclarecimento e a afirmação das diferenças indicam os melhores caminhos para a aproximação de experiências cognitivas complementares. Ao mirar uma “nova posição”, talvez se descortine um percurso onde quase todos possam se mover ganhando. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 57 João Farias Rovati é arquiteto e urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (1990) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Diploma de Estudos Aprofundados (DEA) em Arquitetura e Urbanismo (1994) Universidade de Paris-8. Doutor em Arquitetura e Urbanismo (2001) - Universidade de Paris-8. Professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] Artigo recebido em janeiro de 2013 e aprovado para publicação em março de 2013. U R B A N I S M O V E R S U S P L A N E J A M E N TO U R B A N O ? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, P. Espace social et pouvoir symbolique (1986). In: BOURDIEU, P. Choses dites. Paris: Éditions de Minuit, 1987. p. 147-166. COHEN, J. L. Objetos singulares y ciudades singulares. En torno al “Gran París”. In: BELIL, M., BORJA, J.; CORTI, M. (ed.). Ciudades, una ecuación impossible. Buenos Aires: Café de las Ciudades, 2012. p. 169-180. LAUGIER, R. Les formations d’urbaniste dans cinq pays européens: Allemagne, Espagne, Italie, Pays-Bas et Royaume-Uni. 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This article discusses the expression of this ambiguity in the Brazilian post-graduation setting. The hypothesis is that the problem conceals the existence of different epistemic fields, generating inconsistent divergences that hinder the cooperation among fields of knowledge and professions that are not opposed, but in fact, complementary. Keywords 58 epistemic fields, knowledge, professions. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 Tendências e desafios no fomento à pesquisa na área de Planejamento Urbano e Regional Uma análise a partir do Cnpq (2000-2012)1 Ana Fernandes R e s u m o Esta é uma abordagem inicial, de trabalho, que busca estabelecer alguns parâmetros para a compreensão da conjuntura e do processo de financiamento à pesquisa da área de Planejamento Urbano e Regional no Brasil, através da análise da ação do CNPq, no período recente. Adotamos, primeiro, como recorte a grande área de Ciências Sociais Aplicadas e Educação do CNPq, para construirmos uma referência para a análise do fomento à pesquisa na área de Planejamento Urbano e Regional, tanto pelo fato dessa área congregar majoritariamente as áreas de conhecimento com proximidade ao planejamento, quanto pela forma de agregação de dados adotada pelo CNPq para disponibilização de suas informações. Na segunda parte do texto, avaliamos especificamente os dados do comitê assessor de Sociais Aplicadas, o CA-SA, que contém a área de Planejamento Urbano e Regional, Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Demografia e Turismo. Ao final, fazemos um breve balanço e apontamos algumas linhas de ação para o futuro, uma vez que a articulação ao território do processo de formação acadêmica e de criação em ciência e tecnologia é um dos grandes desafios colocados ao Brasil hoje. Pal avras-chave 1 Uma primeira versão do presente artigo foi apresentada ao V Seminário de Avaliação do Ensino e da Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais da ANPUR, realizado pela ANPUR em 2010, em Florianópolis. Na presente versão, atualizamos os dados para 2012, incluímos as modificações feitas pelo próprio CNPq em seus dados e acrescentamos alguns dados de conjuntura. Também aqui, o caráter do texto é de trabalho, buscando estabelecer alguns parâmetros para a compreensão da conjuntura e do processo de financiamento à pesquisa da área de Planejamento Urbano e Regional no Brasil, no período recente. CNPq, Pesquisa, Planejamento Urbano e Regional Breve contextualização O território brasileiro volta a ser fortemente problematizado nos anos 90 do século XX, tensionado e disputado por diferentes projetos econômicos, sociais, políticos e culturais. Pensar e propor alternativas para sua reconfiguração adquire importância e complexidade em diferentes instâncias, escalas e dimensões. A área de Planejamento Urbano e Regional ganha nova expressão jurídica a partir da Constituição Federal (CF) de 1988, quando os planos diretores se tornam obrigatórios para cidades com mais de vinte mil habitantes e são indicados como o instrumento através do qual se determina como a função social da propriedade pode ser exercida nas cidades2. A construção da institucionalidade dessa determinação constitucional aconteceu, no entanto, num primeiro momento, nos anos 1990, no bojo da reforma do Estado, cuja perspectiva neoliberal tendeu a expulsar do âmbito público as tarefas de concepção e desenvolvimento dos planos diretores, criando um amplo mercado de consultorias para a elaboração dos mesmos. Esse modo de fazer os R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 59 2 Artigo 182 da Constituição Federal de 1988, disponível em <http://www.senado. gov.br/legislacao/const/ con1988>, acesso em 05 jan. 2010. TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO 3 Disponível em <http:// www25.ceara.gov.br/noticias/noticias_detalhes. asp?nCodigoNoticia=8063>, acesso em 05 jan. 2011 e Trigo, 2008. 4 Disponível em <http:// www.cidades.gov.br>, acesso em 05 jan. 2011. 5 Em vários de seus artigos. Disponível em: <http://www. senado.gov.br/legislacao/ const/con1988/CON1988>, acesso em 05 jan. 2011. 6 Artigo 21 da Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.senado. gov.br/legislacao/const/ con1988/CON1988>, acesso em 05 jan. 2011. 7 Profundamente discutida e analisada nos seminários e subsequente publicação, ambos promovidos pela ANPUR, sendo o livro organizado por Gonçalves, Brandão e Galvão (2003). 8 Decreto nº 6.047/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Disponível em <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2007-2010/2007/Decreto/D6047.htm>, acesso em 05 jan. 2011. 9 Evidentemente, foge ao escopo deste texto aprofundar essa polêmica e instigante discussão. planos diretores, através de licitações, pode ser exemplarmente localizado na ação de financiamento do Banco Mundial concentrada em dois estados do Nordeste: Ceará (1995-2002), com 44 municípios envolvidos; e Bahia (1997-2004), com 97 municípios envolvidos3. Ancorados nos princípios do planejamento estratégico, essas iniciativas, entre outras, anteciparam a campanha nacional de elaboração de planos diretores que, felizmente com outras características, se sucederia nos anos 2000. A aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, e a criação do Ministério das Cidades, em 2003, renovam a ênfase na questão do planejamento urbano via planos diretores, agora problematizado sob o ângulo da função social da cidade e do direito a ela, além da participação e do controle social sobre seus destinos. Institucionalmente, buscou-se agregar o processo de elaboração dos planos ao setor público municipal, evitando-se o divórcio entre quem produz o plano e quem o executa, característica marcante em diversas experiências do período anterior. O fato de, ao final de 2006, cerca de 1.500 municípios brasileiros terem se envolvido com atividades de elaboração de planos diretores4, mostra o alcance que conheceu tal iniciativa, mesmo se marcada por críticas aguerridas e diversos problemas – inclusive com repetições de situações do momento anterior. Em termos do planejamento regional, processo similar pode ser observado: a Constituição de 1988 estabelece como um de seus objetivos a redução das desigualdades regionais5, e como competência da União a elaboração e a execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social6. Essa determinação foi enfrentada, na segunda metade dos anos 1990, com a elaboração da chamada política dos eixos (Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento), numa conjuntura de guerra fiscal ainda bastante acentuada e com fortes componentes globalizantes, estratégicos e basicamente logísticos7. Nos anos 2000, a questão da integração será trabalhada de forma mais complexa, no âmbito da elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (2003-2007), transformada em instrumento legal em 20078, e nos trâmites para a elaboração de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial (2003 em diante), inconclusa ainda atualmente. Mesmo com todas as reduções e simplificações que um rápido apanhado como este significa, pode-se dizer que a questão do planejamento urbano e regional foi recolocada pela Constituição de 1988 e fortemente retomada a partir de 1997, ancorada em modelos políticos e sociais muito distintos. Já a partir de 2008, a retomada dos investimentos e do crescimento econômico no país – com a sucessão de Programas de Aceleração do Crescimento (PACs), todos de grande impacto territorial – e as características dessa conjuntura da acumulação reequacionam novamente a esfera do planejamento, agora curto-circuitada pela exuberância (e violência) de megaprojetos auto-planejados. Oriundos, em grande parte, de corporações privadas e públicas, esses projetos, em geral, apresentam pouca capacidade de articulação, seja entre esferas e níveis de governo, seja entre escalas, setores e segmentos sociais concernidos9. Para o ensino, a pesquisa e a proposição na área, os desafios colocados são enormes. 60 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES A ANPUR e a área acadêmica de Planejamento Urbano e Regional Fundada por cinco programas de pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional em 08/06/198310, a ANPUR nasce, entre outros, com o objetivo de se defrontar com a necessidade de articulação interinstitucional para “a criação de políticas comuns de atuação diante das necessidades de conhecimento e desenvolvimento dos assentamentos humanos no Brasil” (Grinover, 1999). Desde então, a Associação tem se dedicado a manter um vivo fórum de debates sobre as principais questões estruturais, conjunturais e emergentes relativas ao território e ao planejamento urbano e regional em suas diferentes escalas e temporalidades. Tradução desse processo pode ser vista tanto pela ampliada ação institucional da Associação, quanto pelo vigor dos seus encontros bianuais, que congregam crescente número de pesquisadores e profissionais, ou ainda pelo também crescente número de membros que a ela aderem. A ANPUR chega assim ao início de 2013 com 59 programas de pós-graduação e centros de pesquisa filiados ou associados, um crescimento de mais de 1.000% entre o momento de sua fundação e atualmente. Articulada a todo o processo de crescimento da pósgraduação no Brasil, a Associação está hoje presente em quatorze estados e no Distrito Federal (Quadro 01)11, além de congregar diferentes áreas do conhecimento, o que acentua o seu caráter multidisciplinar, como, aliás, esperado nesse complexo campo de conhecimento e de proposição (Quadro 02). Cerca de 70% de seus membros são públicos em termos de sua natureza jurídica (Quadro 03). A ANPUR tem colocado, como uma de suas principais diretrizes de atuação, a busca por fontes de financiamento que possam auxiliar na implementação da pesquisa na área. Assim, além de iniciativas e de participação continuada junto aos órgãos de fomento propriamente ditos, ações junto a órgãos federais têm sido tomadas, no sentido de dar maior relevo às questões territoriais, urbanas e urbanísticas na sua agenda de trabalho. Quadro 01: Membros filiados e associados da ANPUR, por unidade da federação, 2013 ESTADO Nº ABSOLUTO % REGIÃO Amazonas 01 1,8 NORTE Pará 01 1,8 NORTE Alagoas 01 1,8 NORDESTE Bahia 06 10,3 NORDESTE Pernambuco 01 1,8 NORDESTE Rio Grande do Norte 02 1,8 NORDESTE Distrito Federal 03 5,2 CENTRO-OESTE Goiás 01 1,8 CENTRO-OESTE Espírito Santo 01 1,8 SUDESTE Minas Gerais 05 8,7 SUDESTE Rio de Janeiro 10 17,0 SUDESTE São Paulo 14 23,8 SUDESTE Paraná 03 5,2 SUL Rio Grande do Sul 04 6,9 SUL Santa Catarina 06 10,3 SUL TOTAL 59 100,0 % 3,6 15,7 7,0 51,3 22,4 100,0 Fonte: <http://www.anpur.org.br>, acesso em 29 abril 2013. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 61 10 Sediados na USP, UFRGS, UFPE, UFRJ e FUB (GRINOVER, 1999). 11 Embora mais da metade de seus membros esteja ainda concentrada na região Sudeste. TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO Quadro 02: Membros filiados e associados da ANPUR, por áreas de conhecimento, 2013 ÁREAS Planejamento Urbano e Regional/ Desenvolvimento Urbano/ Estudos Urbanos Arquitetura e Urbanismo Geografia Sociologia Administração/ Gestão Pública Economia Urbana e Regional Engenharia Urbana Demografia História Direito TOTAL Nº ABSOLUTO % 20 33,9 13 10 05 04 03 01 01 01 01 59 22,0 16,9 8,5 6,8 5,1 1,7 1,7 1,7 1,7 100,0 Fonte: <http://www.anpur.org.br>, acesso em 29 abril 2013. Quadro 03: Membros filiados e associados da ANPUR, por natureza jurídica 2013 NATUREZA Direito Público Direito Privado Confessionais Privadas ONG’s TOTAL Nº ABSOLUTO 41 18 07 10 01 59 % 69,5 30,5 11,9 16,9 1,7 100,0 Fonte: <http://www.anpur.org.br>, acesso em 29 abril 2013. 12 Ministério da Saúde, 2006. Ver também, entre outros, Guimarães, Serruya e Diaféria (2008). 13 Existem atualmente 17 fundos setoriais: Audiovisual, CT-Aero, CT-Agro, CT-Amazônia, CT-Aquaviário, CT-Biotec, CT-Energ, CT-Espacial, CT-Hidro, CT-Info, CT-Infra, CT-Mineral, CT-Petro, CT-Saúde, CT-Transporte, Funttel, Verde-amarelo, além de ações transversais que buscam articulação entre vários deles. Disponível em <http.//www.finep.gov.br/ fundos_setoriais>, acesso em 05 jan. 2011. Exemplar nesse sentido foi a articulação entre o Ministério das Cidades – em seu primeiro formato (2003-2005) – e a ANPUR, para discussão de uma Política Nacional de Pesquisa para o Desenvolvimento Urbano. Concebida a partir de uma articulação entre as duas instituições e de uma proposição inicial elaborada pelo próprio Ministério em 2005 – que se ressentia da ausência de conhecimento empírico sobre diversos de seus campos de atuação – ela foi amplamente discutida entre os membros da ANPUR, com boas perspectivas para sua implementação. No entanto, as mudanças que se sucederam no Ministério, a partir de então, deixaram de lado essa possibilidade de uma política de pesquisa para se concentrarem em ações pontuais de extensão. Só mais recentemente alguns acenos para a pesquisa vêm sendo dados pelo Ministério das Cidades. Vale ressaltar que alguns Ministérios desenvolvem uma política sistemática de pesquisa em seu próprio âmbito, além das articulações com outros Ministérios, como o da Ciência e Tecnologia ou o da Educação. O Ministério da Saúde, por exemplo, em apenas um ano, multiplicou em dez vezes o seu financiamento para projetos de pesquisa, passando de R$ 6,7 milhões – destinados a 151 projetos, em 2003 – para R$ 60,2 milhões, destinados a 844 projetos, em 200412. Mais recentemente, algumas iniciativas vêm sendo articuladas pela ANPUR no sentido de se construir um Programa de Ciência e Tecnologia para as Cidades – um CTCidades –, a exemplo de diversos outros fundos setoriais existentes no âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia para o financiamento à pesquisa no Brasil13. A “conjuntura territorial” das políticas e programas governamentais, anteriormente mencionada, justificaria mais que plenamente a construção dessa linha de financiamento. No entanto, surpreendentemente, o financiamento à área de planejamento urbano e regional no Brasil, embora cresça em termos absolutos, tem diminuído em termos relativos ao longo dos anos 2000, se tomamos como referência os recursos alocados à 62 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES área pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal agência federal de fomento à pesquisa científica e tecnológica no Brasil. O CNPq e o financiamento à pesquisa na grande área de Ciências Sociais Aplicadas O CNPq vem conhecendo um período de expansão bastante fértil no período recente, tendo visto seus investimentos em bolsas e no fomento à pesquisa mais que triplicarem entre 2000 e 201214. Em termos de sua atuação, o CNPq se estrutura em três grandes ramos do conhecimento15 – Humanidades, que congregam Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, além de Linguística, Letras e Artes; Ciências da Vida, que agregam Ciências Agrárias, Ciências Biológicas e Ciências da Saúde; e Ciências da Natureza, que correspondem às Ciências Exatas e da Terra e Engenharias –, cada uma delas estruturada em diversas coordenações e comitês assessores. A menor delas é a de Humanidades, que congrega duas coordenações e dez comitês assessores, compostos por um total de 57 membros titulares16. A área de Planejamento Urbano e Regional integra a grande área de Ciências Sociais Aplicadas e Educação, ao lado das áreas de Arquitetura e Urbanismo, Administração, Economia, Demografia, Direito e Geografia, todas com programas de pós-graduação e centros de pesquisa filiados ou associados à ANPUR. Ainda como membros associados ou filiados, na grande área de Ciências Humanas, estão as áreas de História e Sociologia e, nas Engenharias, dois de seus programas de pós-graduação são membros da ANPUR. As áreas compreendidas na grande área de Ciências Sociais Aplicadas e Educação congregam cerca de 70% dos membros da ANPUR, indicando, como já mencionado, que a área de Planejamento Urbano e Regional é constitutivamente multidisciplinar (quadro 04). Quadro 04: Membros da ANPUR, em relação aos Comitês de Assessoramento do CNPq, 2013 ÁREAS Nº ABSOLUTO % Planejamento Urbano e Regional/ Desenvolvimento Urbano/ Estudos Urbanos 20 33,9 13 10 22,0 16,9 Arquitetura e Urbanismo Geografia Administração/ Gestão Pública Economia Urbana e Regional Demografia Direito Sociologia História 04 6,8 03 01 01 05 01 5,1 1,7 1,7 8,5 1,7 Engenharia Urbana 01 1,7 TOTAL 53 100,0 MEMBROS DA ANPUR EM RELAÇÃO AOS COMITÊS DO CNPq 69,8% dos membros da ANPUR estão inseridos na grande área de Ciências Sociais Aplicadas (SOC) 26,4% estão inseridos na grande área de Ciências Humanas (HUM) 3,8% estão inseridos na grande área das Engenharias (ENG) Fonte: <http://www.anpur.org.br > e <http://www.cnpq.br/cas/cas.htm>, acesso em 26 abril 2013 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 63 14 Esses investimentos passam de R$ 494 milhões para R$ 1 bilhão e 800 mil, entre 2000 e 2012, um crescimento de 3,6 vezes no período. 15 Adotamos aqui a classificação em ramos do conhecimento do CNPq, classificação que também é utilizada para a organização da série de estatísticas disponibilizadas pela agência. 16 A área de Ciências da Vida congrega seis coordenações e vinte e três comitês assessores compostos por um total de 98 membros titulares, e a área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias congrega também seis coordenações e quinze comitês assessores compostos por um total de 83 membros titulares. Disponível em <http:// www.cnpq.br/cas/cas.htm>, acesso em 05 jan. 2011. TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO Utilizaremos, inicialmente, esse recorte – o da grande área de Ciências Sociais Aplicadas e Educação – para construirmos uma referência para a análise do fomento à pesquisa na área de Planejamento Urbano e Regional, tanto pelo fato dessa área congregar majoritariamente as áreas de conhecimento com proximidade ao planejamento, quanto pela forma de agregação de dados adotada pelo CNPq para disponibilização de suas informações. Em termos gerais, a grande área de Ciências Sociais Aplicadas acompanhou, sem dúvida, a expansão do financiamento à pesquisa conhecida pelo CNPq entre 2000 e 2012, passando de R$ 28,5 milhões para cerca de R$ 97 milhões ao longo do período. Ou seja, a área conheceu um ritmo de crescimento bastante próximo ao financiamento da agência à pesquisa como um todo. A área de Humanidades, em relação às outras grandes áreas – Ciências da Vida e Ciências da Natureza –, se situa num patamar de menos de 20 por cento do total dos financiamentos, apresentando uma certa estabilidade depois de uma queda em 2007. Além disso, no período considerado, a área de Ciências Sociais Aplicadas (SOC) é a segunda menor área de conhecimento em termos de investimentos, com curva acima apenas da área de Linguística, Letras e Artes (LLA). Como um todo, o ramo de Humanidades, entre 2000 e 2012, embora conheça expansão significativa dos investimentos (205%), cresce bem abaixo dos outros dois ramos do conhecimento. Ciências da natureza cresce 260% e ciências da vida, 304%. A grande área de sociais aplicadas apresenta um reforço no crescimento de seus investimentos frente às outras áreas entre 2009 e 2012, além de ter sido aquela que mais cresceu no período entre as grandes áreas que compõem o ramo das humanidades (ver gráficos 01 e 02 e quadros 05 e 06). Gráfico 01: Distribuição Percentual dos Investimentos do CNPq em Bolsas e em Fomento à Pesquisa, segundo os Grandes Ramos da Ciência 2001-2011 Fonte: <http://www.cnpq.br/web/guest/series-historicas>, acesso em 26 abril 2013 64 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES Gráfico 02: Distribuição dos Investimentos do CNPq em Bolsas e em Fomento à Pesquisa, segundo as Grandes Áreas de Conhecimento, 2001- 2011, em R$ milhões Fonte: <http://www.cnpq.br/web/guest/series-historicas>, acesso em 26 abril 2013 Quadro 05: Distribuição dos Investimentos do CNPq em Bolsas e Fomento à Pesquisa, segundo Grandes Áreas e Áreas do Conhecimento, 2000-2012 INVESTIMENTOS (em R$ mil correntes) GRANDE ÁREA 2000 2003 2006 2009 2012 CIÊNCIAS DA NATUREZA 176.583 212.749 315.507 431.277 CIÊNCIAS DA VIDA 172.281 225.690 359.634 570.107 695.772 HUMANIDADES 92.796 116.051 163.825 204.730 282.845 Ciências Humanas HUM 50.042 66.818 92.791 117.389 146.064 Soc. Aplicadas SOC* 28.494 32.052 45.687 55.630 96.874 Ling, Letras e Artes LLA 14.260 17.181 25.347 31.710 39.907 MULTID./OUTRA/NÃO INF. 636.007 - 31.579 50.171 94.720 SI SOMA 441.660 586.069 889.136 1.300.834 - OUTROS INVESTIMENTOS 52.374 65.121 14.279 5.493 SI CONJUNTO DE ÁREAS 494.034 651.190 903.415 1.306.328 1.614.624 *conforme nota 19, o SOC se divide em 04 comitês de trabalho: o CA-AE, que congrega as áreas de Administração, Contabilidade, e Economia; o CA-CS, que reúne Antropologia, Arqueologia, Ciência Política, Direito, Relações Internacionais e Sociologia; o CA-ED, voltado à Educação e, por fim, as áreas de Planejamento Urbano e Regional, Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Demografia e Turismo são abarcadas pelo CA-SA. Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 65 TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO Quadro 06: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Bolsas e Fomento à Pesquisa, segundo Grandes Áreas e Áreas do Conhecimento, 2000-2012 CRESCIMENTO (em %) GRANDE ÁREA 2003-06 2006-09 2009-12 2000-12 CIÊNCIAS DA NATUREZA 20 48 37 48 260 CIÊNCIAS DA VIDA 31 59 59 22 304 HUMANIDADES 2000-03 25 41 25 38 205 Ciências Humanas HUM 34 39 27 24 192 Soc. Aplicadas SOC 12 43 22 74 240 Ling, Letras e Artes LLA 20 48 25 26 180 - 59 89 - SI MULTID./OUTRA/NÃO INF. SOMA 33 52 46 24 - OUTROS INVESTIMENTOS 24 -78 -62 - SI CONJUNTO DE ÁREAS 32 39 45 24 239 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http:// fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Quadro 07: Participação nos Investimentos do CNPq em Bolsas e Fomento à Pesquisa das Grandes Áreas e Áreas do Conhecimento, 2000-2012 PARTICIPAÇÃO (em %) GRANDE ÁREA 2000 2006 2009 2012 CIÊNCIAS DA NATUREZA 40 36 35 33 39 CIÊNCIAS DA VIDA 39 39 40 44 43 HUMANIDADES 21 20 18 16 18 Ciências Humanas HUM 11 11 10 9 9 Soc. Aplicadas SOC 6 5 5 4 6 Ling, Letras e Artes LLA 3 3 3 3 3 MULTID./OUTRA/NÃO INF. CONJUNTO DE ÁREAS 17 O programa Ciência sem Fronteiras, criado em julho de 2011, segundo seus formuladores, “é um programa que busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional”. Tem como objetivo oferecer 101 mil bolsas de estudo em universidades do exterior para áreas consideradas estratégicas. O programa não contempla as humanidades. Ver <http://www.cienciasemfronteiras.gov.br>, acesso em 26 abril 2013 2003 - 5 6 7 SI 100 100 100 100 100 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Ou seja, cai em cerca de 15% a participação da grande área de Humanidades na matriz de distribuição de financiamentos do CNPq, entre 2000 e 2012, passando de 21% para 18%. Já a participação da subárea de Ciências Sociais Aplicadas (SOC), após ter diminuído 33% entre 2000 e 2009, quando passa de 6% para 4%, volta ao mesmo patamar anterior dos 6% em 2012 (quadro 07). Com relação à distribuição desses investimentos, duas são as grandes formas de concessão de apoio: as bolsas, no país e no exterior, e o apoio à pesquisa. O crescimento da grande área de Ciências Sociais Aplicadas em termos de investimentos em bolsas no país e em fomento à pesquisa é superior à média do conjunto de áreas. Já em termos de bolsas no exterior, tanto ela quanto o ramo das Humanidades ficam muito abaixo do crescimento médio do conjunto de áreas, sem dúvida devido às opções do Programa Ciência Sem Fronteiras17. A participação relativa do ramo de Humanidades no total dos investimentos do CNPq cai significativamente em termos de bolsas no exterior, reduzindo-se à metade, proporção que, no caso das Sociais Aplicadas, reduz- 66 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES se a um quarto. Em termos de fomento à pesquisa, o ramo de Humanidades aumenta ligeiramente sua participação na matriz de investimentos, mantendo-se praticamente estável, no período, a grande área de Ciências Sociais Aplicadas (quadros 08 e 09). Quadro 08: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Bolsas e Fomento à Pesquisa na Grande Área de Humanidades e na Área de Ciências Sociais Aplicadas, 2000-2012 GRANDE ÁREA DE CRESCIMENTO (em %) HUMANIDADES E 2000-2012 ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Bolsas Fomento no exterior à pesquisa 182 267 323 215 472 271 185 658 263 Bolsas no País HUMANIDADES Ciências Sociais Aplicadas SOC CONJUNTO DE ÁREAS Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Quadro 09: Participação nos Investimentos do CNPq em Bolsas e Fomento à Pesquisa da Grande Área de Humanidades e da Área de Ciências Sociais Aplicadas, 2000 e 2012 PARTICIPAÇÃO (em %) GRANDE ÁREA DE HUMANIDADES E ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS HUMANIDADES Ciências Sociais Aplicadas SOC CONJUNTO DE ÁREAS Bolsas no país Bolsas no exterior Fomento à pesquisa 2000 2012 2000 2012 2000 2012 21,5 21,2 20,3 9,8 10,3 12,1 6,3 6,9 7,4 5,6 3,8 3,9 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Em termos de fomento à pesquisa, as grandes áreas com menor índice de crescimento para o período entre 2001 e 2012 são as de Engenharias/Computação e a de Ciências Sociais Aplicadas. Assim, embora a rubrica auxílio à pesquisa tenha crescido em média 146% para o conjunto de áreas no período, a expansão da grande área de Ciências Sociais Aplicadas cresceu a um ritmo menor (130%) que essa matriz geral de investimentos em fomento ou, ainda, 3,5 vezes menos se comparada à grande área de Ciências da Saúde. Observa-se, no entanto, que, após uma taxa negativa de crescimento entre 2006-2009, o investimento em fomento na grande área de Sociais Aplicadas entre 2009-2012 cresceu em proporção significativamente superior ao conjunto das áreas: 67% contra -2%. As rubricas de auxílio à pesquisa e de apoio às publicações científicas são as que conhecem crescimento mais significativo – 108% e 53%, respectivamente – em termos de fomento à pesquisa, entre 2001 e 2011, na grande área de Ciências Sociais Aplicadas (quadros 10 e 11). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 67 TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO Quadro 10: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Fomento à Pesquisa nas Grandes Áreas do CNPq, 2001-2012 GRANDES ÁREAS Ciências Agrárias Ciências da Saúde Ciências Biológicas Ciências Exatas e da Terra Ciências Humanas Lingüística, Letras e Artes Ciências Sociais Aplicadas SOC Engenharias/Computação Multidisciplinar CONJUNTO DE ÁREAS 2001-03 34 26 -7 -28 41 -29 -45 -47 948 6 CRESCIMENTO (em %) 2003-06 2006-09 2009-12 29 229 -29 254 18 7 84 60 21 91 76 19 22 21 57 75 23 120 154 -1 67 34 63 61 38 SI SI 28 84 -2 2001-2012 306 464 221 189 225 236 130 87 SI 146 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Quadro 11: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Fomento à Pesquisa, por tipo, na Grande Área de Ciências Sociais Aplicadas do CNPq, 2001-2011 CRESCIMENTO (em %) 2001-03 2003-06 2006-09* 2009-11 2001-2011 Ciências Sociais Aplicadas SOC -45 154 11 -8 42 Auxílio Pesquisa -25 247 7 -26 108 Promoção de Eventos Científicos -59 81 7 74 39 Apoio a Publicações Científicas -79 -33 255 203 53 Partic. em Eventos Científicos -80 197 9 29 -15 Apoio ao Des. Cient. e Tecnol. Auxílio Especialista Visitante -96 -66 6 280 -63 Auxílio Pesquisador Visitante -100 68 10 -14 Auxílio Estágio/Esp. no Exterior -45 197 -3 -15 38 Auxílio Estágio/Esp. no País -76 -91 33 163 -92 Apoio a Núcleos de Excelência -12 -100 Auxílio Projeto Cj de Pesquisa -37 -100 * parece haver problemas na consolidação dos dados 2009. Dados 2012 não disponíveis TIPO / GRANDE ÁREA Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e 26 abril 2013 O CNPq e o financiamento à pesquisa no Comitê de Ciências Sociais Aplicadas CA-SA e na área de Planejamento Urbano e Regional stricto sensu 18 Ver considerações sobre a estrutura do CNPq na nota 16. A grande área de Ciências Sociais Aplicadas, como vimos, ocupa a segunda menor faixa de investimentos entre as grandes áreas no período entre 2000-2012. Dentre seus quatro comitês18, o Comitê de Ciências Sociais Aplicadas, ou CA-SA, que reúne as áreas de Planejamento Urbano e Regional, Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Demografia e Turismo, representa em torno de 30% do conjunto de investimentos da grande área, em curva decrescente a partir de 2006 (34,3% em 2006, 32,3% em 2009 e 30,6% em 2012). Com áreas bastante diferentes, maiores ou menores, mais 68 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES recentes ou mais consolidadas, esse comitê vem apresentando flutuações evidentes em sua evolução. De toda forma, é nítido o crescimento de todas as áreas no período 2000-2012, onde sobressaem as áreas de Turismo, com 878%, e a de Arquitetura e Urbanismo, com 426% de crescimento. Ainda em processo de consolidação, a área de Turismo, apesar desse enorme crescimento, congrega apenas 2% dos recursos do comitê de Ciências Sociais Aplicadas em 2012. Já a área de Arquitetura e Urbanismo, além de vir apresentando tendência de crescimento, também se configura como a única área do comitê a estar integrada ao Programa Ciência sem Fronteiras. Embora com taxas de crescimento menores, também as áreas de Geografia e Planejamento Urbano e Regional apresentaram expansão de investimentos acima da grande área de Ciências Sociais Aplicadas e do ramo de Humanidades, bem como acima da média do conjunto de áreas. Ainda com relação à área de Planejamento Urbano e Regional stricto sensu uma indagação se coloca visto que, no período entre 2006 e 2009, existe uma retração de cerca de 15% no conjunto de investimentos ali realizados19 (quadro 12). Quadro 12: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Bolsas e Fomento à Pesquisa nas Áreas do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas CA-SA, 2000-2012 CRESCIMENTO (em %) ÁREAS DO COMITÊ DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CA-SA 2000-03 2003-06 2006-09 2009-12 2001-2012 Geografia 15 71 36 58 326 Arquitetura e Urbanismo 17 74 18 119 426 Planejamento Urbano e Regional 40 156 -15 27 289 Demografia 12 53 13 41 174 Turismo 666 -51 149 1 878 Comitê de CA-SA 26 83 15 65 336 Grande Área de CS Aplicadas 12 43 18 74 240 HUMANIDADES 25 41 25 38 105 CONJUNTO DE ÁREAS 32 39 45 24 227 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Especificando essa dinâmica de crescimento, verificamos que, pelas razões já comentadas, a área de Turismo apresenta no período um crescimento em bolsas no país e em fomento à pesquisa bastante superior à média do conjunto das áreas, com um aumento de recursos aplicados, respectivamente, de 3,0 e 9,0 vezes maiores que a média. Já Arquitetura e Urbanismo se destaca pelo aumento, no período, de 11.346%, dos recursos aplicados em bolsas no exterior, com 2.067% no período entre 2009 e 2012. A ressaltar que todas as áreas do comitê, à exceção de Turismo, crescem nessa modalidade de apoio. Também a ser observado o fato de que o fomento à pesquisa para a área de Planejamento Urbano e Regional stricto sensu vem apresentando decréscimo desde 2006, mesmo se o ritmo de queda tenha sido atenuado entre 2009 e 2012 e mesmo que o aumento do investimento nessa modalidade no período 2001-2012 seja positivo em 283% (quadros 13, 14 e 15). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 69 19 Ele passa de R$4,9 milhões em 2006 para R$4,3 milhões em 2009. Em 2012, a área atinge R$5,4 milhões de investimento, superando o patamar de 2006. TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO Quadro 13: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Bolsas no País nas Áreas do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas CA-SA, 2001-2012 ÁREAS DO COMITÊ DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CA-SA Geografia Arquitetura e Urbanismo Planejamento Urbano e Regional Demografia Turismo Comitê de CA-SA CRESCIMENTO (em %) 2001-03 2003-06 2006-09 2009-12 2001-12 17 16 32 50 686 29 62 75 89 44 -51 63 36 15 10 18 89 21 37 11 38 27 2 28 254 161 247 224 640 224 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Quadro 14: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Bolsas no Exterior nas Áreas do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas CA-SA, 2001-2012 ÁREAS DO COMITÊ DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CA-SA Geografia Arquitetura e Urbanismo Planejamento Urbano e Regional Demografia Turismo Comitê de CA-SA CRESCIMENTO (em %) 2001-03 2003-06 2006-09 2009-12 2001-12 99 224 196 1117 131 -39 48 -91 21 45 11 817 -95 81 91 2067 91 675 739 234 11.346 343 417 1728 -36 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Quadro 15: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Fomento à Pesquisa nas Áreas do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas CA-SA, 2001-2012 ÁREAS DO COMITÊ DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CA-SA Geografia Arquitetura e Urbanismo Planejamento Urbano e Regional Demografia Turismo Comitê de CA-SA CRESCIMENTO (em %) 2001-03 2003-06 2006-09 2009-12 2001-12 7 -27 -21 -43 -20 -23 316 152 880 38 825 381 33 39 -44 38 346 -8 172 61 -11 101 33 69 1511 307 283 119 4280 476 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 No âmbito do próprio comitê, a variação da participação das diferentes áreas no montante geral de recursos atribuídos fica por conta da diminuição percentual das áreas de Demografia e Planejamento Urbano e da expansão da área de Arquitetura e Urbanismo (quadro 16). 70 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES Quadro 16: Crescimento dos Investimentos do CNPq em Fomento à Pesquisa nas Áreas do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas CA-SA, 2000-2012 ÁREAS DO COMITÊ DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CA-SA Geografia Arquitetura e Urbanismo Planejamento Urbano e Regional Demografia Turismo Comitê de CA-SA PARTICIPAÇÃO (em %) 2000 2003 2006 2009 2012 36 31 20 12 1 100 34 28 23 10 5 100 31 27 32 9 1 100 37 28 24 8 3 100 36 37 18 7 2 100 Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Em termos de bolsas de produtividade em pesquisa, o CA-SA detém 2,1% do total de bolsas de produtividade do CNPq, sendo as áreas de Arquitetura e Urbanismo e Geografia as que concentram o maior percentual, com cerca de 30% cada uma delas. Por outro lado, observa-se ainda uma extrema concentração no Sudeste do país, com 63,5% do total das bolsas do comitê. Embora também bastante concentradas, as áreas de Planejamento Urbano e Turismo são as que apresentam maior representatividade das outras regiões do país. Cerca de um terço das bolsas de produtividade são de nível 1, com proporções que variam bastante entre as áreas: enquanto Planejamento Urbano e Demografia têm quase a metade de suas bolsas nessa categoria, Arquitetura e Urbanismo tem cerca de um quarto e Turismo alcança apenas o percentual de 15% (quadros 17 e 18). Com um volume de financiamento em bolsas e fomento à pesquisa da ordem de 30 milhões de reais em 2012, esse comitê, com cinco áreas de conhecimento, ocupa ainda uma posição bastante tímida na estrutura de financiamento do CNPq. Por exemplo, o CA-SA recebe apenas terço do montante dos recursos destinados, também em 2012, apenas à área de Agronomia, ou dois quintos dos recursos destinados apenas à área de Química, também em 201220. O montante pequeno dos recursos investidos nas áreas do comitê de ciências sociais aplicadas as coloca em posição hierárquica bastante desprivilegiada no ranking dos investimentos do CNPq. Assim, de um total de 80 áreas, as posições das áreas do CA-SA ocupam o terço inferior do conjunto de áreas do CNPq, tanto em 2008 quanto em 2011 (quadro 19). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 71 20 Oito áreas se revezam nos cinco primeiros lugares de recursos investidos pelo CNPq em fomento à pesquisa e bolsas no país e no exterior, em 2011: agronomia, química, física, medicina, medicina veterinária, ciências da computação, engenharia elétrica e zootecnia. Em 2012, a ordem de grandeza dos investimentos foi de R$94 milhões para a área de Agronomia, contra R$5,4 milhões para a área de Planejamento Urbano e Regional. No mesmo sentido, enquanto o CA-SA, em sua totalidade, detém 2,1% das bolsas de produtividade vigentes em 2013, Agronomia, sozinha, detém 5,3% do total. TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO Quadro 17: Bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CA-SA, 2013 ÁREA REGIÃO Nº ABSOLUTO % % CO 3 - 3,2 NE 18 - 19,2 Arquitetura e N - - - Urbanismo SE 57 - 60,6 S 16 - 17,0 Subtotal 94 30,1 100,0 CO 5 - 5,5 NE 9 - 9,9 N 3 - 3,3 SE 62 - 68,1 S 12 - 13,2 Subtotal 91 29,2 100,0 CO 3 - 3,8 NE 15 - 18,8 Planejamento N 1 - 1,2 Urbano e Regional SE 43 - 53,7 S 18 - 22,5 Subtotal 80 25,6 100,0 CO - - - NE 2 - 6,0 N 1 - 2,9 SE 29 - 85,3 S 2 - 5,8 Subtotal 34 10,9 100,0 CO 1 - 7,7 NE 2 - 15,4 N - - - SE 7 - 53,8 S 3 - 23,1 Subtotal 13 4,2 100,0 312 100,00 2,1% total bolsas produtividade CNPQ Geografia Demografia Turismo TOTAL BOLSAS COMITÊ DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CA-SA Fonte: <http;//efomento.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 72 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES Quadro 18: Bolsistas de Produtividade em Pesquisa 1 do CA-SA, 2013 ÁREA Nº ABSOLUTO % Arquitetura e Urbanismo 26 27 Geografia 35 44 Planejamento Urbano e Regional 37 38 Demografia 15 46 Turismo 2 15 105 100 TOTAL CA-SA Fonte: <http://efomento.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Quadro 19: Ranking dos investimentos em bolsas e fomento à pesquisa do CNPq, nas Áreas do Comitê de Ciências Sociais Aplicadas (SA), por modalidade de apoio, 2008 e 2011 ÁREAS DO COMITÊ DE LUGAR NO RANKING DOS IN- LUGAR NO RANKING DOS VESTIMENTOS, 2008 INVESTIMENTOS, 2011 Fomento à Bolsas no Bolsas no Fomento à Bolsas no Bolsas pesquisa exterior país pesquisa exterior no país 51 54 63 61 55 62 54 53 48 50 54 48 57 50 58 64 63 61 Demografia 71 73 69 72 - 69 Turismo 73 69 74 74 70 78 SA Planejamento Urbano e Regional Geografia Arquitetura e Urbanismo Fonte: <http://www.cnpq.br/estatisticas/index.htm>, acesso em 05 out. 2010 e, para 2012, <http://fomentonacional.cnpq.br>, acesso em 26 abril 2013 Outros elementos para compreender o apoio à área: movimentos, possibilidades e perspectivas Aprofundar a compreensão do que vem acontecendo com a grande área de Ciências Sociais Aplicadas e com a área de Planejamento Urbano e Regional se faz importante, tendo em vista a necessidade de se ampliar políticas de financiamento para as áreas de conhecimento intrinsecamente ligadas ao território. Isso se faz ainda mais imperativo quando, num contexto de processos altamente velozes e vorazes de espaço, território e ambiente, as questões colocadas à área são urgentes. Se, por um lado, assistimos efetivamente a uma expansão do financiamento nos últimos 10 anos, é constrangedor, verificar que, nessa conjuntura de emergências, a área de Planejamento Urbano e Regional, se comparada à área de Agronomia, receba somente cerca de 5% R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 73 TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO 21 Disponível em <http://www. cnpq.br/web/guest/serieshistoricas>, acesso em 26 abril 2013. 22 Utilizo aqui, para ilustração, os dados relativos à situação específica da área de Planejamento Urbano e Regional, referentes a dois editais do segundo semestre de 2010. 23 Ou seja, aquela avaliada como meritória pelos pareceristas e comitê assessor. Importante remarcar que a demanda da área de Planejamento Urbano e Regional é altamente qualificada, da ordem de mais de 70% nos editais aqui analisados. 24 Esse percentual sobe para 35% se considerarmos também as renovações, cuja demanda, na grande maioria dos casos, é absolutamente pertinente. 25 A título de exemplo, o CT-Transporte é financiado por “10% da receita arrecadada pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER – em contratos firmados com operadoras de telefonia, empresas de comunicações e similares, que utilizem a infra-estrutura de serviços de transporte terrestre da União.” Já o CT-Agro é financiado por “17,5% da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, cuja arrecadação advém da incidência de alíquota de 10% sobre a remessa de recursos ao exterior para pagamento de assistência técnica, royalties, serviços técnicos especializados ou profissionais”. Disponível em <http://www.finep.gov.br/ fundos_setoriais>, acesso em 14 jan. 2011. dos recursos destinados àquela área, e que o Comitê de Ciências Sociais Aplicadas como um todo receba, como já mencionado, apenas cerca de 30% do montante alocado à mesma área, ambos em 201221. Mas também algumas reflexões adicionais são necessárias para qualificar a compreensão da dinâmica da pesquisa da área no quadro do CNPq. Por um lado, importa ressaltar que o sistema de atribuição de recursos no CNPq, no que tange às decisões de seus comitês assessores, tem funcionado em termos de definições percentuais sobre a demanda colocada. Isso é verdade particularmente para os editais de fomento à pesquisa, como o Edital Universal ou o de Humanas. Dito de forma muito simples, nesses casos, os financiamentos efetivamente concedidos seguem um percentual da demanda colocada. Ou seja, quanto maior a demanda, maior será a quantidade de recursos que poderá ser alocada à área, visto que é sobre esse universo que o percentual de financiamento será aplicado. Uma vez que não existem esses dados sistematizados, se utilizamos como indicador a experiência recente no comitê assessor da área de Planejamento Urbano e Regional do CNPq, ela mostra percentuais ainda pequenos de atendimento à demanda22. Assim, tomando dois editais abertos em 2010, o Universal de Apoio à Pesquisa e o de Bolsas de Produtividade, verificamos que o percentual de recursos disponibilizados pelo CNPq ainda atende insuficientemente à área. No Edital Universal 2010, apenas 17% da demanda inicial foi atendida, percentual que sobe para 34% se considerarmos a demanda qualificada23. No que se refere às Bolsas de Produtividade, apenas 6,3% da demanda nova pode ser atendida pelas novas bolsas colocadas no sistema, ou 10% da demanda nova qualificada24. Aparentemente, esse patamar de atendimento tem acontecido de forma generalizada em todas as áreas, mas é importante relembrar que sobre universos quantitativos muito distintos. De toda forma, estimular a demanda por solicitações de recursos na área específica do Planejamento Urbano e Regional é fundamental, na medida em que, como vimos, no próprio Comitê de Ciências Sociais Aplicadas, essa área vem perdendo representatividade, passando de 32% dos recursos alocados ao fomento à pesquisa no âmbito do próprio comitê em 2006 a 18% em 2012, uma redução da ordem de 40% (conforme quadro 16). Uma enorme assimetria entre a urgência da questão, por um lado e, de outro, a demanda por recursos e os investimentos dedicados a equacioná-la. Por outro lado, uma avaliação do financiamento à pesquisa deve também estar articulada à dinâmica dos programas de ensino da área de planejamento urbano e regional. Entender como se processa a sua expansão é uma tarefa que se impõe, por ser condicionante do funcionamento e da elaboração de políticas de financiamento para a área. Por fim, compreender as outras formas de financiamento atualmente existentes e buscar novas formas de financiamento: a construção do Programa de Ciência e Tecnologia para as Cidades – o CT-Cidades – é imperativa, discussão que vem sendo proposta desde 2005, mas ainda sem resultados concretos. Para isso, será fundamental construir uma agenda de pesquisa, compreender toda a trama de impostos a partir da qual pode ser construída essa nova fonte de financiamento25, bem como desenvolver uma articulação com os Ministérios diretamente afeitos, seja à questão territorial, a exemplo dos Ministérios das Cidades, da Integração Nacional, do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente, seja ao ensino e pesquisa, onde convergem Ministério da Educação e Ministério da Ciência e Tecnologia. Uma ação articulada entre as várias associações de pesquisa e pós-graduação que congregam áreas temáticas afins poderá constituir a base desse processo de construção, bem como a participação ativa, levantando essa pauta, nas diversas conferências nacionais atinentes ao campo territorial e acadêmico-científico. 74 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A FERNANDES Também em termos de perspectivas, a continuidade da ação junto ao comitê gestor do Programa Ciência sem Fronteiras é fundamental, no sentido de defender, uma vez mais, a inclusão da questão espacial, territorial e urbana na definição dos campos estratégicos de construção do conhecimento no Brasil. Atualmente, tudo se passa como se a questão científica e tecnológica acontecesse no éter, de forma completamente a-espacial, com seus desdobramentos relegados a uma esfera quase selvagem de transformação de nossas cidades e regiões. Articular ao território o processo de formação acadêmica e de criação em ciência e tecnologia é um dos grandes desafios colocados ao Brasil hoje: também disso depende o seu pleno desenvolvimento urbano e regional, sustentado por qualidade urbanística, paisagística, tecnológica e ambiental, num caminho revigorado por democracia e justiça social. A ANPUR pode liderar esse processo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GONÇALVES, M. F.; BRANDÃO, C. A.; GALVÃO, A. C. (Org.). Regiões e Cidades, Cidades nas Regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: Ed. UNESP; ANPUR, 2003. GRINOVER, L. A Criação da ANPUR: Gestão do Conselho Diretor Provisório, 1983-1984. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 1, n. 1, p. 7-8, mai. 1999. GUIMARÃES, R.; SERRUYA, S. J.; DIAFÉRIA, A. O Ministério da Saúde e a Pesquisa em Saúde no Brasil. Gazeta Médica da Bahia, n. 142, p. 12-21, 2008. Suplemento 1. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Da política à ação institucional: prioridades de pesquisa no Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública, v. 40, n. 3, p. 548-552, jun. 2006. TRIGO, A. J.. O PRODUR – Programa de administração municipal e desenvolvimento de infra-estrutura urbana no estado da Bahia – e o desenvolvimento urbano preconizado pelo Banco Mundial. 2008. 281 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2008. Sites Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional <http://www.anpur.org.br> Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica - CNPq <http://www.cnpq.br> Financiadora de Estudos e Projetos <http://www.finep.gov.br> Abstract This is a first approach that aims to establish some parameters to understand the situation and the process of research funding on the Urban and Regional Planning Area within Brazil Research Council (CNPq), in the recent period. Initially we analyze the large area of Social Applied Sciences and Education of the CNPq, to build a reference framework to support the funding research analyses in the field of urban and regional planning, in so far as this area embraces most of the knowledge fields with some proximity to the planning area, as well as the way CNPq provides its data information. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 75 Ana Fernandes é professora Associada da Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected] Artigo recebido em março de 2013 e aprovado para publicação em maio de 2013. TENDÊNCIAS E DESAFIOS NO FOMENTO À PESQUISA NA ÁREA DE PLANEJAMENTO Afterwards, we evaluated specifically the data of the Social Applied Sciences Advisory Committee (CA-SA), which comprises the area of Urban and Regional Planning, Architecture and Urbanism, Geography, Demography and Tourism. To conclude, we make a short appraisal pointing out some lines of action for the future, since linking the territory in the process of academic formation and of creation in science and technology is one of the big challenges to Brazil overcome nowadays. Keywords 76 CNPq, Research, Urban and Regional Planning. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 O campo do planejamento urbano e regional da multidisciplinaridade à transdisciplinaridade Norma Lacerda R e s u m o É comum em textos e debates acadêmicos sobre o planejamento urbano e regional realçar-se que ele exige abordagens multi ou inter e/ou transdisciplinar, sem que sejam esclarecidos os respectivos significados desses termos. Diante dessa lacuna, o presente ensaio tem a pretensão de mostrar o caráter multidimensional dessa área do conhecimento, sob a perspectiva desses três tipos de análise. Para tanto, (i) explicita-se que esse caráter recomenda adotar-se a noção de campo do conhecimento; (ii) relembra-se a ascensão e o declínio do cientificismo – aqui entendido como a presunção da existência de um paradigma único, na construção da ciência –, percorrendo alguns eventos científicos, que questionaram os seus postulados e evidenciaram a necessidade de novos paradigmas analíticos; e (iii) detalham-se as características de cada um desses três tipos de abordagem, enfatizando a importância de um processo de atualização dos saberes e práticas, inerentes a esse campo do conhecimento, pari passu às mudanças responsáveis por um mundo cada vez socialmente mais complexo. Pal avras-chave multidisciplinaridade, transdisciplinaridade, planejamento urbano e regional. interdisciplinaridade, Palavras introdutórias Muito embora vários autores, entre eles Ribeiro (2004), registrem que o planejamento urbano, enquanto ciência social aplicada, se caracterize por sua natureza inter e transdisciplinar, paira no ar certo silêncio – pelo menos nesse campo do conhecimento – sobre a compreensão dos termos multidisciplinaridade (ou pluridisciplinaridade),1 interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. De fato, trata-se de termos, não raro utilizados como sinônimos, conquanto guardem significados bem distintos. Provavelmente, isso acontece porque se referem à interação de disciplinas ou áreas do saber. Tal interação, porém, ocorre em níveis diferentes de complexidade. Daí a necessidade de distinguir-se cada um deles. Este ensaio resulta de um esforço intelectual, visando a compreender o caráter multidimensional do campo do planejamento urbano e regional sob a perspectiva dos paradigmas multi, inter e transdisciplinar. É oportuno esclarecer que já existem várias tentativas de conceituação e classificação desses termos, particularmente no domínio da educação e saúde. Com efeito, não há uma ideia única a propósito de cada um deles, ou, por outra, não existe um consenso, que estabeleça as fronteiras precisas entre os mencionados termos. Como, porém, o R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 77 1 Alguns autores, dentre os quais Hilton Japiassu (1975), distinguem a multidisciplinaridade da pluridisciplinaridade. A autora do presente texto, como muitos outros, considera a multi, a pluri e a polidisciplinaridade como sinônimos de um mesmo paradigma. O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL 2 Basarab Nicolescu integra o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), Laboratoire de Physique Nucléaire et de Hautes Énergies, Université Pierre et Marie Curie, Paris. físico teórico romeno Basarab Nicolescu2 tem sido uma das principais referências, quando se trata de caracterizar esses paradigmas, adotou-se, aqui, a sua conceituação e classificação. Significa isso que a leitura empreendida compartilha a interpretação de um grupo de autores, embora reconheça a existência de uma diversidade de interpretações e desdobramentos, que não serão abordados neste ensaio. Para compreendê-los, começa-se por uma explanação sobre o planejamento urbano e regional, enquanto campo do conhecimento – e não como disciplina, evidentemente. Prossegue-se com relembrar a ascensão e o declínio do cientificismo, convidando o leitor a percorrer, ainda que brevemente, eventos científicos – no âmbito da mecânica quântica e, em seguida, da física quântica – que puseram em causa os seus postulados e, ao mesmo tempo, levaram ao reconhecimento da imperiosa necessidade do desenvolvimento de marcos conceituais e de abordagens que permitam a apreensão do mundo real. Por fim, aborda-se, sequencialmente, a multi, a inter e a transdisciplinaridade, refletindo-se sobre o planejamento urbano e regional, a partir desses paradigmas. Planejamento urbano e regional: um campo do conhecimento A velocidade dos avanços da ciência e da tecnologia, nos últimos trinta anos, sem precedentes na história da humanidade, demanda desse campo do conhecimento um contínuo processo de construção, por meio de novas conquistas conceituais e metodológicas, e, portanto, de atualização do saber, pari passu às mudanças, responsáveis por um mundo cada vez socialmente mais complexo. Todavia, nesse campo, a grande pressão recai no Estado, onde a ação tem origem. Mas, segundo bem pontua a socióloga Ana Clara Torres Ribeiro (2002), as mudanças na ação de planejar ultrapassam o Estado, abrangendo debates em torno do tecido social, como, por exemplo, sobre a valorização do cotidiano e do lugar, as articulações entre as escalas, na realização da economia, o conceito de espaço e os sentidos da política e da democracia. Assim, a complexidade do campo do planejamento urbano e regional permeia suas práticas e seus discursos disciplinares (isto é, das disciplinas que o compõem), na medida em que origina um conjunto de mediações de natureza não apenas teórica, mas também política, social e cultural. Afinal, esse campo deve considerar os agentes que intervêm, tanto nas práticas, quanto na produção de saberes disciplinares. Daí o imperativo de ter de lidar com duas lógicas, que devem ser claramente diferenciadas, por sua natureza teórica e prática: (i) a lógica interpretativa e valorativa da produção do conhecimento e (ii) a lógica operativa e programática da intervenção no espaço urbano e regional. É exatamente essa complexidade que induz a adotar-se, como ferramenta conceitual de análise, a noção de campo de Bourdieu (1989, p.27). Segundo ele, essa noção é, em certo sentido, uma estenografia conceitual de um modo de construção do objeto, que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas de uma pesquisa. “Ela funciona como um sinal que lembra o que se há de fazer, a saber, verificar que o objeto em questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas propriedades.” Sendo assim, pensar o planejamento urbano e 78 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA regional, como espaço social de relações objetivas, obriga a ultrapassar-se a análise, em termos unicamente de “campo intelectual.” A filósofa Madel Luz (2009) – ao estudar a saúde coletiva, enquanto campo – esclarece que essa categoria, tal como formulada por Bourdieu, permite ver como – no caso de um domínio específico do saber e da prática – se distribuem hierarquicamente os discursos e os atores/agentes que os emitem, em um conjunto semiestruturado, em um processo contínuo, caracterizado pela disputa3 por espaços discursivos, geradores de conflito, ao buscarem poderes reais e simbólicos. Mais ainda, ela defende a ideia de que essa ferramenta conceitual auxilia na compreensão da questão relativa à coexistência da multi, inter e transdisciplinaridade, no campo da saúde coletiva. À semelhança de saúde coletiva, o planejamento urbano e regional configura-se como um campo4, relativamente jovem, encontrando-se, consoante já evidenciado, em permanente transformação, seja pela agregação de novas disciplinas e temáticas, seja por ajustes teóricos e conceituais, bem como metodológicos, trazidos pela expansão de suas fronteiras. Tudo isso desafia o ensino e a pesquisa (Ribeiro, 2002). Olhando para trás, verifica-se, grosso modo, que esse campo se transformou de um modelo sanitarista, polidisciplinar, em uma estrutura discursiva semiaberta a diferentes disciplinas científicas, além de seu permanente processo de complexificação de práticas e formas de intervenção. Quanto ao planejamento urbano e regional, tal processo – como defende Madel Luz (2009), para o caso da saúde coletiva – implica a irreversibilidade e a irredutibilidade a um paradigma monodisciplinar, seja ele proveniente do urbanismo, da geografia, da economia, da sociologia, da história, da tecnologia ou de outras quaisquer disciplinas. Em outros termos, semelhante situação remete às relações entre as disciplinas, que conformam esse campo do conhecimento, e exige que os profissionais nele envolvidos acessem ou adotem outros paradigmas, além do monodisciplinar. É oportuno enfatizar que a disciplinaridade5 – defendida e fortemente impulsionada pela ciência moderna, com seus rígidos postulados – vem sendo, desde a primeira metade do século passado, amplamente questionada, à conta de descobertas científicas na área da física. Estas, conforme anunciadas na introdução deste ensaio, conduziram ao reconhecimento do imperativo da adoção de novos paradigmas, a partir dos quais se torne possível maior aproximação do conhecimento com a realidade investigada. Maior aproximação, porque é impossível conhecer-se, na sua totalidade, qualquer objeto ou fenômeno estudado, questão a ser aprofundada no decorrer do presente trabalho. Ascensão e declínio do cientificismo Recorde-se que a ciência moderna compreende disciplinas, que se distinguem por possuírem objetos de estudo próprios e métodos correspondentes a esses objetos. Ela se fundamenta, segundo Nicolescu (1999a), na ideia absurda, embora revolucionária para a época, da separação entre o indivíduo conhecedor e a realidade, considerada inteiramente independente de tal indivíduo, além de estabelecer três postulados básicos: a) existência de leis universais, de caráter matemático; b) descoberta dessas leis pela experiência científica; e c) reprodutibilidade perfeita dos dados experimentais. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 79 3 Notórias são as disputas referentes à produção científica e às concepções relativas às formas de pensar e propor, no âmbito do planejamento urbano e regional. Em suas linhas centrais, este ensaio apresenta uma visão e um recorte particular. 4 É oportuno esclarecer que o termo campo é, muitas vezes, acompanhado do adjetivo disciplinar, referindo-se a uma disciplina, de modo que essa expressão compreende um determinado campo do conhecimento. Barros esclarece que, qualquer que seja o campo disciplinar, ele é “definido por determinados objetos de interesse, certas singularidades, uma confluência específica de teorias, métodos e modelos discursivos, relações interdisciplinares, subdivisões transdisciplinares, entre outros aspectos” (Barros, 2011, p. 252). Essa definição tem o mérito de mostrar que, mesmo no domínio disciplinar, o termo campo, tal como proposto por Bourdieu, também se aplica. É também cabível aclarar que campo disciplinar não se confunde com campo de ideias, que remete a pensamentos, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientando as suas ações sociais e, principalmente, políticas. 5 O termo disciplinaridade concerne a uma disciplina que, por sua vez, “se define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um corpus de proposições consideradas verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos: tudo isso constitui uma espécie de sistema anônimo à disposição de quem quer ou pode servir-se dele” (Foucalt, 1996, p.30). O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL 6 A mecânica ou física quântica descreve os objetos microscópicos, como átomos, e sua interação com a radiação (luz etc.). Comprovou-se que toda radiação é absorvida em quantidades discretas de energia ou massa, chamadas “quanta”, e que todas as partículas ou quanta podem exibir propriedades ondulatórias. 7 Como a física clássica respondia plenamente aos postulados da continuidade, causalidade local e determinismo, ela foi alçada como a mãe de todas as disciplinas, passando a ser o modelo da ciência empírica racional. 8 O físico irlandês John Stewart Bell (1928-1990) tornou-se conhecido como o criador do Teorema de Bell, apontado pela comunidade da física quântica como um dos teoremas mais importantes do Século XX. Esses postulados foram confirmados pela física clássica, o que contribuiu para a instauração do paradigma da simplicidade. A ideia de objetividade permeava esses três postulados e, como desdobramento, a de que havia apenas uma realidade, a realidade objetiva, regida por leis objetivas. A investigação dessa realidade guiava-se pelo entendimento de que o conhecimento das partes ou elementos constituintes de um objeto ou fenômeno levaria ao conhecimento do sistema, como um todo, o que impulsionou os saberes especializados (as ciências), detonando o que o aludido autor (Nicolescu,1999a) intitulou de o big-bang das disciplinas. No começo do Século XX, porém, uma revolução na física – conhecida como revolução quântica, protagonizada pelo alemão Max Planck (1858-1947) e que deu origem à mecânica quântica6 – questionou, cientificamente, o conceito de continuidade, um dos pilares da física clássica. Esta postulava que, de acordo com os órgãos dos sentidos, era impossível deslocar-se “de um ponto a outro do espaço e do tempo sem passar por pontos intermediários” (Nicolescu,1999a, p.18). Acontece que, no mundo quântico, existe descontinuidade. Planck descobriu que a energia tem uma estrutura descontínua, movendo-se por saltos. Significa isso que, entre dois pontos, não há absolutamente nada: nem moléculas, nem átomos, nem partículas. Mesmo diante desse vazio, as entidades quânticas continuam a interagir, qualquer que seja o seu afastamento. Começava-se, a partir de então, a colocar em causa dois outros pilares da física clássica: (i) a causalidade local, segundo a qual, qualquer fenômeno físico era explicado pelo encadeamento de causas e efeitos, sendo que cada causa gera um efeito próximo e cada efeito advém de uma causa próxima, e (ii) o determinismo, proclamando que o conhecimento do estado físico, em determinado momento, permitia prever-se exatamente o estado físico, em qualquer outro momento. “Se soubermos as posições e velocidades dos objetos físicos num dado instante, podemos prever suas posições e velocidades, em qualquer outro momento” (Nicolescu,1999a, p. 6).7 O xeque-mate ocorreu décadas após a descoberta de Plank. Um novo conceito adentrou definitivamente na física: o da não separatibilidade – o teorema de Bell8 – desmontando definitivamente aqueles dois pilares. Para Nicolescu (Nicolescu,1999a, p. 7), a (...) não separatibilidade quântica nos diz que há neste mundo, pelo menos numa certa escala, uma coerência, uma unidade das leis que assegura a evolução do conjunto dos sistemas naturais. Isso permitiu aferir que, além da causalidade local, existe uma causalidade global que concerne ao sistema de todas as entidades físicas, em seu conjunto, responsável por um misterioso fator de interação entre todas essas entidades. E isso expande o campo da verdade e da realidade. Um dos pais da física quântica, o alemão Werner Heinsenberg (1991-1976), mostrou, segundo Sommerman (2005, p. 6) que “as entidades quânticas encontradas por Plank (os quantas ou pacotes de energia, que se movem por saltos) não podem ser localizados num ponto preciso do espaço e num ponto preciso do tempo. (...) Essas entidades não podem ter sua trajetória prevista.” Então, como é impossível traçar uma trajetória bem determinada de uma partícula quântica, ou inferir qual é o átomo que se desintegra num momento preciso, “o indeterminismo reinante na escala quântica é um determinismo constitutivo, fundamental, irredutível, que de maneira nenhuma significa acaso ou imprecisão” (Nicolescu, 1999a, p. 8). 80 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA Mas, o maior impacto dessas novas descobertas foi o questionamento da existência de um único nível de realidade. As entidades quânticas, submetidas às leis quânticas, estão radicalmente separadas das leis do mundo macrofísico, razão por que existem, pelo menos, dois diferentes níveis de realidade, fazendo coexistir dois mundos distintos. “A prova disso é a nossa própria existência. Nossos corpos têm ao mesmo tempo uma estrutura macrofísica e uma estrutura quântica” (Nicolescu, 1999a, p. 9). O surgimento de dois níveis de realidade diferentes no estudo dos sistemas naturais é um acontecimento capital na história do conhecimento. Ele pode nos levar a repensar nossa vida individual e social, fazer uma nova leitura dos conhecimentos antigos (os antigos inventaram a noção de metafísica, mitologia e metafórica do cosmo), a explorar de outro modo o conhecimento de nós mesmos, aqui e agora. (Nicolescu, 1999a, p. 10). Acrescente-se que um passo inestimável para a compreensão da realidade já havia sido dado pelo filósofo e matemático Edmund Husserl (1859-1938)9 que, num esforço de questionar os fundamentos da ciência moderna, descobriu que existem diferentes níveis de percepção da realidade pelo sujeito observador. Isso leva a considerar que a abstração, além de ser uma ferramenta para descrever a realidade, é uma das partes constituintes dessa própria realidade, desmontando completamente a ideia absurda da separação entre o indivíduo conhecedor e a realidade conhecida. Embora se reconheçam as enormes consequências positivas do big-bang disciplinar, as novas descobertas mostravam o imperativo da adoção, pela ciência, de novas abordagens – notadamente a inter e a transdisciplinaridade – para a solução de problemas complexos, sobretudo nos campos da interação entre o homem e os sistemas naturais, envolvendo, inclusive, os campos de grande desenvolvimento tecnológico e as grandes áreas de competição econômica. No que se refere ao campo do planejamento urbano e regional, o paradigma da mutidisciplinaridade encontra-se muito mais presente na programação, do que na pesquisa e, até mesmo, no ensino. Para melhor ressaltar o fundamento dessa afirmação, analisa-se, a seguir, o significado desse paradigma, nas práticas acadêmicas e na ação planejadora. Multidisciplinaridade no planejamento urbano e regional As novas estruturas de tratamento de temas inerentes ao planejamento urbano e regional – gestão, governança, transporte, uso e ocupação do solo, qualidade de vida etc. – obrigam a uma interação das disciplinas, para que ações no território sejam bem sucedidas. A pluridisciplinaridade situa-se no primeiro nível de interação das disciplinas, quando comparada com a inter e a transdisciplinaridade. Diz respeito ao estudo de um objeto, de uma mesma ou única disciplina, por várias disciplinas, ao mesmo tempo. Por exemplo: um determinado assentamento precário pode ser estudado pela ótica da geografia, em conjunto com a história, a demografia e a sociologia. Significa isso que o conhecimento do objeto estudado é aprofundado por meio de uma fecunda contribuição de várias disciplinas. Segundo Nicolescu (1999a, p. 21), “a pesquisa R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 81 9 Husserl é considerado um dos fundadores da fenomenologia. O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL pluridisciplinar traz algo mais à disciplina em questão” (no aludido exemplo, à geografia). A abordagem pluridisciplinar, portanto, ultrapassa essa disciplina, mas “sua finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar.” As experiências multidisciplinares, elencadas por Domingues (2005, apud Bicalho e Oliveira, 2011), assumem as seguintes características: a) aproximação de diferentes disciplinas para a solução de problemas específicos; b) diversidade de metodologias, na medida em que cada disciplina mantém a sua; e c) preservação das fronteiras dos vários campos disciplinares que, embora cooperem, ficam imunes ao contato. Como o planejamento urbano e regional não é uma disciplina, mas um campo, o conhecimento do seu objeto de intervenção – o espaço urbano e regional – depende de uma soma de saberes e métodos, aportados por profissionais de diferentes disciplinas e/ou práticas. O resultado, em geral, é a reunião de indivíduos, com diferentes formações profissionais. É o caso dos processos de elaboração de Planos Diretores Municipais ou planos regionais de desenvolvimento. Figura 1 – Planejamento urbano e regional – o paradigma da multidisciplinaridade Figura inspirada na elaborada por Madel Luz para o caso da Saúde Coletiva (2009, p. 304). Quando se trata, porém, da pesquisa científica, na área do planejamento urbano e regional – considerando-se, inclusive, as desenvolvidas por meio de redes (nacionais e internacionais) – a grande maioria, provavelmente, não se configura pela presença de profissionais oriundos de diversas áreas disciplinares. Seria, aliás, oportuno um estudo, que se dedicasse a acompanhar a composição das equipes de pesquisa, a partir do perfil profissional dos seus integrantes. O fato de elas serem de natureza disciplinar ou multidisciplinar não impede que seus pesquisadores adotem uma postura interdisciplinar, nos termos comentados mais adiante. Convém relembrar, mais uma vez, o ensinamento de Ana Clara Torres Ribeiro (2002, p. 67) [na] história acadêmica da área [planejamento urbano e regional] existem acúmulos reflexivos decorrentes do diálogo entre disciplinas. (...) Estes acúmulos não podem ser avaliados de forma satisfatória através de pautas temáticas, como tantas vezes ensaia-se realizar em eventos científicos ou no intercâmbio institucional. (...) A organização apenas temática de produção do conhecimento restringe o intercâmbio acadêmico. (...) A difusão 82 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA dessa imagem dificulta a correta transmissão da ideia nuclear de que o conhecimento em áreas inter e transdisciplinares é exigente de uma reflexão que envolva o trato cuidadoso de visões de mundo e, ainda, a observação de mudanças culturais que reposiciona a ciência na perspectiva da sociedade. Se os acúmulos de conhecimento não podem – e não devem – ser ajuizados por meio de pautas temáticas, que restringem o intercâmbio acadêmico, urge avançar, como alerta a referida socióloga, em direção a novas abordagens – inter e transdisciplinaridade – capazes de envolver “o trato cuidadoso de visões de mundo.” Ainda de acordo com ela, tal envolvimento, em suas linhas centrais, deve, deslocar a ciência, na perspectiva da sociedade. Abordagens necessárias ao planejamento urbano e regional Os comentários até aqui feitos evidenciam os limites da abordagem do planejamento urbano, à luz do paradigma da multidisciplinaridade. Afinal, esse campo do conhecimento demanda maior grau de interação das disciplinas, com o objetivo de melhor apreender ou pensar seu objeto de investigação – o espaço urbano e regional – e, como desdobramento, possibilitar interlocuções inovadoras no aludido campo. Esse maior grau de interação vai depender dos níveis de inter e transdisciplinaridade. Interdisciplinaridade no planejamento urbano e regional A interdisciplinaridade evoca um espaço comum, e exige uma real cooperação. Busca solucionar problemas, que estão além do escopo de qualquer disciplina, considerada isoladamente. Assim, ela ocorre, quando, para o equacionamento de um problema, é requerido o concurso de vários saberes. É, pois, o momento do efetivo intercâmbio deles, convergindo para a solução do problema comum. Para o pedagogo suíço Jean Piaget (1972, p. 167), o termo interdisciplinaridade deve ser reservado para designar “o nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações reais, a certa reciprocidade nas trocas, levando a um enriquecimento mútuo.” Nesse caso, tratase muito mais de integração, do que de interação. De fato, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, interação refere-se à “ação recíproca de dois ou mais corpos”, enquanto integração corresponde ao “ato ou efeito de incorporação de um elemento num conjunto.” O próprio prefixo latino inter significa entre dois. Não sem razão, Nicolescu (1999a) é mais preciso, ao afirmar que a interdisciplinaridade diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. Na acepção do Houaiss, refere-se à incorporação de métodos, com os ajustes necessários, de uma disciplina para outra. Ele distingue três níveis: a) o primeiro relaciona-se ao grau de aplicação: no âmbito das ciências humanas, por exemplo, os métodos da sociologia transferidos para o urbanismo, conduzem a uma nova forma de intervenção no espaço urbano; b) o segundo nível refere-se ao grau epistemológico: assim, a transferência dos métodos da psicanálise produz análises inovadoras na epistemologia da arquitetura; R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 83 O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL c) o terceiro nível concerne ao grau de geração de novas disciplinas ou subdisciplinas (assim como de campos ou subcampos), a exemplo da transferência dos métodos do urbanismo, da história, da sociologia e das ciências políticas, que gerou um novo subcampo, no âmbito do planejamento urbano: o da conservação urbana, cuja integração das disciplinas componentes pode ser visualizada na Figura 2. Figura 2 – Paradigma da interdisciplinaridade aplicado à Conservação Urbana Figura inspirada na elaborada por Madel Luz para o caso da saúde coletiva (2009, p. 308). Isso, porém, não quer dizer que – seja qual for o grau alcançado, em termos de interdisciplinaridade, no âmbito do planejamento urbano e regional – a interação ou transferência tenha decorrido da presença, nos debates, de profissionais oriundos de várias áreas do conhecimento. O que se assiste, em geral, resulta do esforço de alguns pesquisadores visando a trazer conceitos e métodos de outras áreas do conhecimento, na perspectiva de avanços epistemológicos e metodológicos. É que muitos pesquisadores – por iniciativa própria, e impulsionados por inquietações e questionamentos teóricos e metodológicos, em relação às suas respectivas áreas disciplinares – têm-se lançado corajosamente em direção a outras áreas do conhecimento. Dessa maneira, voltam às suas origens, trazendo aportes, que proporcionam avanços científicos, nas suas disciplinas. Na verdade, uma pesquisa, de natureza interdisciplinar, exige o intercâmbio de conceituações, teorias e métodos entre as disciplinas, de modo a alcançar um elevado nível cooperativo, que induza à alteração das próprias gramáticas das disciplinas envolvidas e/ou à criação de um novo campo disciplinar ou subdisciplinar, com princípios, conceitos e métodos próprios. Todavia, segundo Nicolescu (1999a, p.22), “sua finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar” ou subdisciplinar. Se, para Nicolescu, a questão da interdisciplinaridade remete, essencialmente, ao método de investigação, para o pedagogo Gaudêncio Frigotto (2008) a questão – sobretudo no âmbito das ciências humanas – vai mais além, ao impor-se, enquanto necessidade e, ao mesmo tempo, enquanto problema, notadamente no plano históricocultural e no plano epistemológico. A interdisciplinaridade constitui necessidade à conta do caráter dialético da realidade social (una e diversa) e da natureza intersubjetiva de sua apreensão, o que impõe “distinguir os limites reais dos sujeitos que investigam dos limites dos objetos investigados.” (Frigotto, 2008, p. 44.) Delimitar o objeto não é fragmentá-lo ou limitá-lo arbitrariamente, mas compreendê-lo, nas suas múltiplas determinações e 84 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA mediações históricas. Demanda isso não perder de vista “o tecido da totalidade de que faz parte indissociável. Sendo assim, o trabalho interdisciplinar exige, em primeiro lugar, “transcender a fragmentação e o plano fenomênico, herança forte do empirismo e do positivismo.” (Frigotto, 2008, p. 44) Para transcendê-la, é necessário que a totalidade se vá concretizando no plano da produção da vida social, o que implica compreendê-la no plano ético-político, econômico, cultural e epistemológico. Em segundo lugar, importa não se fechar na camisa de força das categorias analíticas, que terminam por amordaçar o tecido complexo da realidade social. (Frigotto, 2008, p. 44) A interdisciplinaridade configura também um problema, na medida em que revela (i) os mais diferentes limites do sujeito que investiga certa realidade social e, ao mesmo tempo, (ii) a complexidade da realidade e seu caráter histórico. Esses limites, ainda de acordo com Frigotto (2008), apresentam-se no plano da formação, ou seja, na convivência de diferentes concepções teóricas e ideológicas. A eles se somam os desafios no plano da realidade, sobretudo quando o objeto do conhecimento é a própria práxis humana, o que implica estar o sujeito, que busca conhecer a realidade, fortemente implicado nela. Afinal, a cisão – que se produz e se desenvolve, no plano das relações de produção do homem social, enquanto realidade concreta – explicita-se, necessariamente, no plano da consciência, das representações e concepções da realidade. Frigotto (2008) considera que o enfrentamento da interdisciplinaridade – enquanto problema – tem significado, frequentemente, uma busca de novas palavras, como transdisciplinaridade. Para ele, a mudança do prefixo inter para trans não elide o caráter opaco e alienador da realidade analisada, perspectiva que se dissemina, quando se trata do desenvolvimento científico. Embora se esteja de acordo com semelhante posicionamento, defende-se aqui a ideia de que a emergência da transdisciplinaridade, conforme se verá a seguir, não apenas deixa mais claros os ensinamentos de Frigotto (2008), como oferece um novo tipo de abordagem, que permite apreender melhor a realidade observada. De qualquer forma, não se deve olvidar que – mesmo diante da disseminação do “caráter opaco e alienador da realidade investigada” – a interdisciplinaridade vem cumprindo uma importante função para o progresso disciplinar, no âmbito das ciências sociais, quando critica o modo de produção social da existência, da organização política e de concepções e teorias sobre a realidade. Como a crítica só tem efeito histórico, quando se transforma em práxis, ela deve permear não apenas os diversos campos disciplinares das ciências, mas, em particular os das ciências sociais e, mais ainda, o campo do planejamento urbano e regional, caracterizado por seu caráter híbrido, nos termos inicialmente referidos no presente texto. Segundo Frigotto (2008, p. 45), nas ciências sociais, “a crítica se mostra mais crucial, já que o alcance de maior objetividade (sempre relativa, por que histórica) só se atinge pelo intercâmbio crítico intersubjetivo dos sujeitos que investigam um determinado objeto ou problemática”. Transdisciplinaridade no planejamento urbano e regional Foi em 1970 que o psicólogo Jean Piaget divulgou, pela primeira, vez o termo transdisciplinaridade, no 1o Seminário Internacional sobre Pluri e Interdisciplinaridade, patrocinado pelo Ministério da Educação, na França, e pela Organização para R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 85 O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ele anunciou que a interdisciplinaridade deveria ser sucedida pela transdisciplinaridade. Para ele, esse termo envolve “não só as interações e reciprocidades especializadas entre projetos de pesquisa, mas a colocação dessas relações dentro de um sistema total, sem quaisquer limites rígidos entre as disciplinas.” (Piaget, 1972, p. 170). Em 1994, foi realizado, em Arrábia, Portugal, o 1o Congresso sobre Transdisciplinaridade com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Resultou desse Congresso a Carta da Transdisciplinaridade, redigida pelo físico teórico romeno Basarab Nicolescu, pelo filósofo francês Edgar Morin e pelo artista plástico e escritor português Lima de Freitas. Tratava-se de uma resposta à “crise do conhecimento científico” – que tem seu momento específico no campo das ciências humanas, na década de 1980 – o que significou um profundo questionamento do paradigma moderno determinista, nos termos anteriormente colocados. Como desdobramentos, emergiram novas formas de interpretação dos fenômenos, fundamentados em novos paradigmas, como o da complexidade. Essas novas formas, em suas linhas essenciais, eram impulsionadas pela produção discursiva horizontal (não hierarquizada, em termos metodológicos e teóricos) entre os saberes disciplinares. Nicolescu (1999a p. 22) ensina que a transdisciplinaridade, como sugere o prefixo latino trans, “diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. O seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.” Ela não é antagônica à pesquisa multi e interdisciplinar, mas sua finalidade é radicalmente distinta: a compreensão do mundo presente. Acompanhando o pensamento de Nicolescu (1999a e b), a transdisciplinaridade tem como fundamento três pilares: a) os níveis de realidade; b)a lógica do terceiro incluído e c)a complexidade. Da mesma forma que a interdisciplinaridade, esses três pilares assinalam níveis diferentes de transdisciplinaridade. Sobre os níveis de realidade, já se comprovou, experimentalmente (ou seja, dentro do âmbito do que se considera conhecimento verdadeiro, pelo conceito da ciência clássica), a existência de dois níveis de realidade, pelo menos: o macrofísico e o microfísico, regidos por leis próprias a cada um deles. Ao conceber um único nível de realidade, o macrofísico, a ciência moderna tende a reduzir o Universo a uma máquina perfeitamente regulada e previsível, descartando todos os outros níveis da realidade e da percepção. Assim dessacralizado, o Universo poderia ser conquistado. Todos os outros níveis da Natureza e do ser humano foram “lançados nas trevas do irracional e da superstição” (Nicolescu, 1999a, p. 20) e o sujeito foi transformado em objeto, desconsiderando-se que, aos diferentes níveis de percepção, correspondem diferentes níveis de realidade, na medida em que existe alternância, nos três níveis da razão: sensível, experimental e prática. Gaudêncio Frigotto (2008), segundo já se ressaltou, ao analisar o paradigma da interdisciplinaridade como necessidade, nas ciências sociais, sustenta que a realidade social impõe a distinção entre os limites dos sujeitos observadores e os limites dos objetos investigados. Daí ele situar a interdisciplinaridade, como problema, à conta exatamente 86 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA desses limites dos sujeitos, que buscam conhecer a realidade, e a complexidade desta. Tal posicionamento significa, em última instância, reconhecer os diferentes níveis realidade – quer seja do sujeito, quer seja da realidade – um dos três pilares da transdisciplinaridade. Enquanto a pesquisa disciplinar diz respeito, no máximo, a um único e mesmo nível de realidade, a transdisciplinaridade interessa-se pela dinâmica gerada entre os vários níveis de realidade, ao mesmo tempo (ibid.). Essa dinâmica passa, inicialmente, pelo conhecimento disciplinar, devendo abarcar outros saberes e/ou práticas. Sendo assim, a transdisciplinaridade ilumina a disciplinaridade. Não sem razão, alguns autores, como Luz (2009, p. 309), considera que a transdisciplinaridade constitui um paradigma sintético dos anteriores, devendo ser “parte fundamental da cultura contemporânea, fragmentária, em nível de modelos, e multifacetária, em nível explicativo ou interpretativo dessa cultura denominada de pós-modernidade por alguns autores.” Para a compreensão da lógica do terceiro incluído, é necessário mencionar a do terceiro excluído – conhecida como aristotélica e adotada pela ciência clássica – cujo fundamento é a dualidade: ordem ou desordem, certo ou errado, verdade ou inverdade, luz ou trevas, homem ou mulher... Nada cabe entre esses pares duais. Pensar em um terceiro incluído significa admitir o “e”, em vez do “ou”; inserir, no dia a dia, o “pode ser.” Esse “e” não se refere apenas a um a mais, um intermediário entre um dual clássico. Trata-se de uma infinidade de possibilidades, que se reúnem no terceiro incluído. Em última instância, trata-se da união harmoniosa de opostos, de uma terceira realidade, construída a partir do confronto entre as ideias, cujo resultado se transforma em uma realidade complementar, que passa a fazer parte da rede de informações do indivíduo, porquanto cada informação nova recebida se soma à antiga, reorganizando a maneira de o indivíduo pensar. São essas ordenações e reordenações do pensamento que se chama complexidade. A complexidade – instalada por toda parte, em todas as ciências, sejam elas exatas ou humanas – nutre-se da explosão da pesquisa disciplinar. Para Nicolescu (1999b, p. 7), a complexidade das ciências é produto das nossas cabeças, complexa por sua própria natureza. “Porém essa complexidade é a imagem refletida da complexidade de dados experimentais, que se acumulam sem parar. Ela está, portanto, na natureza das coisas.” Daí por que Morin sempre faz referência ao pensamento complexo, que exige, segundo Chaves (1998, p. 9), tratar o “Mundo Real tal como ele é: uno, indivisível, em que tudo é parte de tudo. Tudo depende de tudo.” Esse pensamento não se limita ao âmbito acadêmico. Ao transbordar para os diversos setores da sociedade, questiona, em extensão, as formas de pensamento unilateral, dogmático, quantitativo ou instrumental. Chaves (1998, p. 9) propõe reservar a palavra transdisciplinaridade para (...) aquela parte do mundo real que trata do conhecimento, de sua organização em disciplinas, das superposições e espaços vazios. A complexidade está para o mundo real, como a transdisciplinaridade está para o mundo acadêmico. Mas a transdisciplinaridade se nutre da complexidade, permitindo transitar entre diversos campos disciplinares e, ao mesmo tempo, transcender o universo fechado da ciência. Trata-se, portanto, de um paradigma e, também, de uma postura frente ao saber e ao mundo. Em suas linhas essenciais, segundo o psicoterapeuta brasileiro Roque Theóphilo (2012, p.1), a transdisciplinaridade R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 87 O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL (...) propõe transcender o universo fechado da ciência e trazer à tona a multiplicidade fantástica de modos de conhecimento assim como o reconhecimento da multiplicidade de indivíduos produtores de todos estes novos e velhos modos de conhecimento. A partir de então, surge a necessidade de reafirmar o valor de cada sujeito como portador e produtor legítimo de conhecimento. A ideia fundamental do pensamento complexo é, portanto, a unidade do conhecimento, o que demanda, segundo Chaves (1998), prudência e humildade. Afinal “em plena era das certezas, não queremos saber de tudo, mas também não queremos ficar encerrados em nossas disciplinas.” Significa isso que, na atualidade, adentrar no planejamento urbano e regional exige um trabalho de equipe, de gente de muitas disciplinas, de muitos setores da sociedade, sob a orientação da prudência e humildade. A Figura 3 representa várias (não todas) dimensões do planejamento urbano e regional. Diferentemente da Figura 1, onde cada uma das disciplinas se posiciona verticalmente, em relação ao objeto de estudo, esta nova representação gráfica, em forma circular, tem no centro o seu objeto – o espaço urbano e regional. Todos os compartimentos do círculo comunicam-se entre si, visando caracterizar a unidade do todo, constituído pela realidade multidimensional. Figura 3 – As multidimensões do planejamento urbano e regional Figura inspirada na elaborada por Chaves (1998) para o setor saúde. A ética constitui uma das dimensões obrigatoriamente presentes: seus princípios de equidade e solidariedade devem guiar o planejamento urbano e regional. A dimensão ecológica oferece subsídios à resolução de problemas relacionados ao meio ambiente, como, por exemplo, o saneamento e controle de riscos ambientais. A dimensão econômica trata de como otimizar socialmente os usos dos recursos produtivos, notadamente no que se refere à sua distribuição espacial. A dimensão política informa sobre as possibilidades de uma governança democrática do território. As dimensões geográfica, histórica, social e antropológica consideram o homem territorialmente localizado e histórica, social e culturalmente contextualizado. A dimensão tecnológica exige o domínio de linguagens e equipamentos, cabendo desmitificar sua neutralidade e aproveitar, ao máximo, as potencialidades representadas pelos meios e processos de informação e comunicação. 88 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA Assim, por meio da Figura 3, são lançados diversos “olhares” sobre o objeto do planejamento urbano e regional. Isso, porém, não basta. O pensamento complexo exige melhores modos de atuação na realidade, no sentido de transformá-la. Para tanto, é necessário considerar a dimensão espaço-tempo, que permite a consideração dos diversos níveis ou escalas espaciais: o nível local, o macro e o global, três escalas em constante processo de mudança e interação, à conta, sobretudo, dos avanços tecnológicos na área de comunicação e informação. As escalas, embora importantes, ainda não são suficientes. Cada uma das referidas dimensões tem de interagir com as demais. A Figura 4 permite visualizar-se a conjugação das interações das diversas dimensões com a dimensão espaço-tempo. Evidentemente, no círculo não há em cima e embaixo, direito e esquerda. Mas, a representação em mandala, com o homem no ponto central (microcosmo), objetivo primeiro do planejamento urbano e regional, facilita, como pontua Chaves (1998), a evocação do sistema total (macrocosmo), como construto inicial. Em termos de complexidade, ela cresce do micro para o macro, na proporção em que se diversificam os micros, no interior de uma mesma cidade ou região. Figura 4 – Visão do planejamento urbano sob o prisma da complexidade Figura inspirada na elaborada por Chaves (1998) para o setor Saúde. Todavia, o pensamento complexo, do tipo transdisciplinar, como ensina Américo Sommerman (2005) apóia-se não apenas na complexidade, como também nos dois outros pilares da transdisciplinaridade (níveis de realidade e lógica do terceiro incluído), propondo uma modelização e uma metodologia muito mais ampla e aberta, que atravessa as disciplinas e vai além delas, incluindo (i) os saberes não disciplinares, (ii) as diferentes culturas, (iii) os diferentes níveis de sujeitos e (iv) os diferentes níveis de realidade. Ana Clara Torres Ribeiro (2002, p. 68) pontuava, há dez anos, que o desafio do trabalho inter e transdisciplinar provavelmente significaria um estímulo a que os cursos reunidos pela área de planejamento urbano e regional buscassem “a mais ampla interlocução com outros departamentos e instituições, tais como aqueles dedicados à filosofia, às artes, ao direito e ao conhecimento geo-histórico.” Passaram-se dez anos R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 89 O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL e, no entanto, continua a predominar a personalização da pesquisa. É verdade que a interdisciplinaridade pode ser construída no âmbito individual ou, isoladamente, nos laboratórios, como comentado anteriormente. Mas, (...) ao contrário da personalização do trabalho interdisciplinar, o avanço nas relações entre disciplinas será sempre uma tarefa coletiva, que exige a escolha de objetos e de questões que estimulem trocas acadêmicas e o encontro de conceitos. São as questões, aliás, que podem comprovar que a inter e a transdisciplinaridade podem resultar, efetivamente, em ganhos teóricos e no desvendamento de fenômenos e processos relevantes. Mais uma vez, trata-se de resistir, nas tarefas de ensino [e pesquisa] à fratura temática, ao pragmatismo e à afirmação do pensamento operacional que, apenas na aparência, oferecem respostas consistentes às exigências do trabalho socialmente relevante (Ribeiro, 2002, p.68). A ação planejadora do espaço, seja ela no espaço urbano, seja no espaço regional, exige leituras que (i) desvendem os confrontos entre os ideários da democracia e da cidadania, contribuindo, assim, para mudanças em leis e normas e para o redesenho de alianças entre agentes econômicos, atores sociais e políticos; (ii) levem em conta a totalidade social e a base técnica da vida coletiva; e (iii) impulsionem práticas de ensino e pesquisa, que favoreçam o real compromisso com o enfrentamento da questão social (Ribeiro, 2002). Sendo assim, torna-se imperativa a inter e, mais ainda, a transdisciplinaridade, no planejamento urbano e regional, paradigmas capazes de oferecer “respostas consistentes às exigências do trabalho socialmente relevante.” Palavras finais O esforço de análise aqui empreendido teve por objetivo esclarecer os significados dos termos multi, inter e transdisciplinar, notadamente quando aplicados ao campo do planejamento urbano e regional (Quadro I). Constituiu empreendimento desafiador, frente à prática inexistência de reflexões sobre a aplicabilidade deles nesse campo do conhecimento. A bibliografia encontrada diz respeito, sobretudo, às áreas da educação e da saúde coletiva. Tal situação aponta claramente para a necessidade do desenvolvimento de pesquisas, que não somente discutam esses termos, no âmbito do aludido campo, como também esclareçam até que ponto ele vem assumindo esses paradigmas. Mostrou-se que o paradigma da ciência clássica levou a um big-bang das disciplinas, e destas, em subdisciplinas, o que não significa, em absoluto, uma negação das disciplinas. Muito ao contrário, a inter e a transdisciplinaridade apoia o crescimento disciplinar, faz emergir – da confrontação das disciplinas – dados, informações e reflexões novos, que as articulam entre si, questão fundamental para que disciplinas e campos disciplinares (como é o caso do planejamento urbano e regional) alcancem novas conquistas conceituais e metodológicas. Por isso, o esforço intelectual empreendido neste ensaio buscou mostrar a importância de um processo contínuo de atualização dos saberes e das práticas inerentes a esse campo, pari passu às mudanças responsáveis por um mundo cada vez socialmente mais complexo. 90 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA Quadro I – Análise comparativa dos termos multi, inter e transdisciplinaridade aplicados ao planejamento urbano e regional Elementos de Referência Conceito Multidisciplinaridade/ Pluridisciplinaridade Interdisciplinaridade Transdisciplinaridade Diz respeito ao estudo de um objeto, de uma dada disciplina, por várias disciplinas, ao mesmo tempo, de modo que o conhecimento do objeto estudado é aprofundado por meio da fecunda contribuição delas. Evoca um espaço comum, e exige uma real cooperação, na medida em que busca solucionar problemas, que estão além do escopo de qualquer disciplina, considerada isoladamente, isto é, ocorre, quando o equacionamento de um problema requer o concurso e efetivo intercâmbio de vários saberes. Diz respeito à transferência de métodos entre disciplina. Envolve “não só as interações e reciprocidades especializadas entre projetos de pesquisa, mas a colocação dessas relações dentro de um sistema total, sem quaisquer limites rígidos entre as disciplinas.” “Diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina, objetivando a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.” a) aproximação de diferentes disciplinas para a solução de problemas específicos; b) diversidade de metodologias: cada disciplina mantém a Bases e sua; Características c) preservação das fronteiras dos vários campos disciplinares: embora cooperem entre si, ficam imunes ao contato. a) vários níveis de realidade: a dinâmica gerada entre os vários níveis de realidade a) grau de aplicação: transferência de métodos (macro e microfísico) e da percepção, ao mesmo e nova forma de tempo, a partir do intervenção no objeto conhecimento disciplinar estudado; devendo abarcar outros b) grau epistemológico: saberes e/ou práticas; transferência dos b) lógica do terceiro incluído: métodos, produzindo união harmoniosa de análises inovadoras do opostos, constituindo objeto; uma terceira realidade, c) grau de geração de construída a partir do novas disciplinas ou subdisciplinas (assim como confronto de ideias, de campos ou subcampos): cujo resultado é uma realidade complementar, implica o intercâmbio de conceituações, teorias enquanto infinidade de intermediações ou e metodos entre as possibilidades; disciplinas, alcançando elevado nível cooperativo, c) complexidade: o que induz à alteração das pensamento complexo propõe uma modelização e uma próprias gramáticas das metodologia ampla e aberta, disciplinas envolvidas que atravessa as disciplinas e/ou à criação de um e vai além delas, incluindo novo campo disciplinar os saberes não disciplinares, ou subdisciplinar, com as diferentes culturas, os princípios, conceitos e diferentes níveis de sujeitos métodos próprios. e os diferentes níveis de realidade. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 91 Norma Lacerda é Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco; Mestre em Desenvolvimento Urbano (1985) e Doutorado em Géographie Aménagement et Urbanisme - Université Paris III (Sorbonne-Nouvelle) (1993). Representante da area PUR no CNPq. Bolsista de produtividade do CNPq. Artigo recebido em janeiro de 2013 e aprovado para publicação em abril de 2013. O CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, J. D’A. Uma disciplina – entendendo como funcionam os diversos campos de saber a partir de uma reflexão sobre a história. OPIS, v.11, n.1, p.252-270, 2011. BICALHO, M. L; OLIVEIRA, M. Aspectos conceituais da multidisciplinaridade e da interdisciplinaridade e a pesquisa em ciência da informação. Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciências da Informação, v. 16, n. 32, p.1-26, 2011. BOURDIEU, P. 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Disponível em: <http://www.sociologia.org.br/tex/ap40.htm> Acessado em 17 de outubro de 2012. A b s t r a c t It is common in texts and academic debates on urban and regional planning for it to be emphasized that it requires multi or inter and/or trans-disciplinary approaches without the respective meanings of these terms being made clear. Given this gap, this paper sets out to show the multidimensional nature of this area of knowledge, from the perspective of these three types of analysis. Therefore, (i) it makes explicit that by being of this nature it is recommended that the notion of field of knowledge be adopted, (ii) 92 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N ORMA L ACERDA a reminder is given of the rise and fall of scientism - here understood as the presumption of there being a single paradigm in the construction of science – running through some scientific events which questioned such assumptions and showed evidence of the need for new analytical paradigms; and (iii) details are given of the characteristics of each of these three types of approach, emphasizing the importance of a process of updating knowledge and practices, inherent in this field of knowledge, and one which goes hand-in-hand with changes that have brought about an ever more socially complex world. Keywords multidisciplinarity, interdisciplinarity, transdisciplinarity, urban and regional planning. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 93 O papel dos Mestrados Profissionais na área de Planejamento Urbano e Regional Rosélia Piquet Rodrigo Machado Vilani Resumo O presente artigo tem por objetivo apresentar os desafios e as contribuições da consolidação dos mestrados profissionais na pós-graduação brasileira. Apesar dessa modalidade estar prevista desde a idealização da pós-graduação na década de 1950, a implementação de mestrados para a formação profissional no Brasil sofreu críticas ao longo de sua implantação. A pesquisa analisa as normas da CAPES relacionadas ao reconhecimento dos mestrados profissionais e dos dados de sua evolução a partir de 2000, particularmente, da área de Planejamento Urbano e Regional. À guisa de conclusão são tecidas considerações gerais e específicas quanto à importância dos mestrados profissionais no âmbito da pós-graduação nacional, formando profissionais qualificados para realizar uma leitura adequada e propor medidas positivas para a construção de uma sociedade justa e igualitária para as presentes e futuras gerações. Pal avras-chave Mestrados profissionais. Planejamento Urbano e Regional. Capes. Qualificação profissional. A polêmica quanto aos mestrados profissionais Em 1995, quando a Portaria de nº 47 determinou “a implantação na Capes de procedimentos apropriados à recomendação, acompanhamento e avaliação de cursos de mestrados dirigidos à formação profissional” a resposta do meio acadêmico foi de perplexidade: algumas áreas permaneceram reticentes; outras, francamente hostis. Entretanto, a proposta de implantação de cursos de mestrado voltados à qualificação profissional encontra-se presente no sistema de Pós-Graduação brasileiro desde a sua concepção original nos anos de 1950. A proposta de montagem de um sistema capaz de corrigir as deficiências qualitativas e quantitativas na formação de quadros superiores emerge em um período de grande efervescência administrativa e institucional do país, pois se tratava, nos termos da época, de reaparelhar o Estado dotando-o de uma diversidade de órgãos e instrumentos que regulassem e permitissem a intervenção nos diferentes aspectos da vida nacional que atravessava então profundas alterações em seu sistema produtivo e em sua estrutura social. Os dados do Censo de 1950 de fato tornaram evidentes grandes mudanças quando comparados aos de 1940, revelando uma acentuada transferência da mão-de-obra para os setores secundário e terciário da economia e um acelerado aumento da migração populacional do Nordeste para o Centro-Sul. O contingente de profissionais de R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 95 O 1 CÓRDOVA, Rogério de Andrade. A brisa dos anos cinqüenta: a origem da Capes. Apud Boletim Infocapes, comemorativo dos 45 anos, 1997. 2 Resolução n. 1/95 do Conselho Superior da Capes, com base no documento “Programa de Flexibilização do Modelo de Pós-Graduação, senso estrito, em nível de mestrado”. P A P E L D O S M E S T R A D O S P R O F I S S I O N A I S nível superior correspondia a 0,7% da massa da população economicamente ativa, atingindo em valores absolutos 132.035 profissionais. Segundo diagnóstico do então Ministro da Educação, Simões Filho (apud Córdova, 19971), (...) urgia estimular a expansão do Ensino Superior e fazê-lo segundo novos paradigmas de qualidade, pois não se dispunha de gente capacitada para os postos em que se exigem conhecimento e técnicas, indispensáveis ao tipo atual de sociedade, eminentemente industrial e técnico [e, ainda,] o primado das letras sobre as ciências, que foi um dos males de nossa formação cultural, precisa ser corrigido nas suas consequências atuais, sendo necessário promover a formação de especialistas como economistas, técnicos em finanças, estatísticos, pesquisadores sociais visando a obtenção de tripulações para novas unidades, não só de empreendimentos governamentais, como também da iniciativa privada. Assim, em 11 de julho de 1951, pelo Decreto n. 29.741, da Presidência da República, é instituída uma Comissão para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, que surge simultaneamente a outros órgãos e agências que tiveram - e muitos deles ainda têm - importante presença na vida nacional, tais como a Comissão Nacional de Política Agrária, a Comissão Nacional de Alimentação, o Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE, a Companhia de Petróleo Brasileiro – Petrobras. A CAPES é então estruturada com apenas dois programas: o Programa Universitário visando o desenvolvimento das universidades e institutos de ensino superior e o Programa de Quadros Técnicos e Científicos, para atender à demanda de pessoal de nível superior por parte dos meios profissionais e culturais do país. Pelo exposto, vê-se que, em sua origem, a capacitação de quadros profissionais mereceu a mesma atenção que a formação de quadros universitários. É nas décadas de 1960 e, principalmente na de 1970, que essa orientação se altera e o Governo brasileiro passa a investir maciçamente na formação de profissionais de maior poder multiplicador – os professores do ensino superior – para garantir a formação dos quadros de docentes e pesquisadores, essenciais para a expansão do próprio sistema e para a promoção da pesquisa científica e tecnológica no País. A partir de então, o crescimento da pós-graduação no Brasil baseia-se em cursos de mestrado que se caracterizam predominantemente como o primeiro degrau para a qualificação acadêmico-científica necessária à carreira universitária, caracterizando-se também como etapa preliminar na obtenção do grau de Doutor. Contudo, passaram a surgir iniciativas de oferta de mestrados dirigidos à formação de profissionais, muitas vezes em resposta direta a demandas de agências e empresas, interessadas na qualificação de seus quadros e, a partir da década de 1990, fatores relacionados com as profundas transformações observadas no Brasil e no mundo – globalização da economia, modernização dos sistemas de produção, aumento da competitividade internacional – determinaram uma crescente demanda por profissionais com perfil de qualificação especializada e não voltada para a pesquisa acadêmica. Assim, e ainda segundo a CAPES em documento de 1995, a qualificação acadêmico-científica, ao contrário do que se pensava na década de 1960, “não é mais suficiente para também assegurar a formação de pessoal de alta qualificação para atuar nas áreas profissionais, nos institutos tecnológicos e nos laboratórios industriais.”2 96 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROS ÉLIA PIQUET Sob essa perspectiva, ressalte-se, em relação aos Mestrados Profissionais (MP), “a ênfase na adição de valor social ao mercado de trabalho e à comunidade em geral, focando a profissionalização e gestão das mais diversas formas de atividades sociais, empresariais, tecnológicas e até culturais” (Silveira; Pinto, 2005, p. 39). Observa-se, portanto, que a proposta de implantação de cursos de mestrado voltados para a qualificação profissional, inicialmente designados de mestrados profissionalizantes (só um pouco mais tarde passam a ser chamados de mestrados profissionais), apenas ativou o que estava latente no sistema desde sua concepção original. Cabe registrar que a pós-graduação lato sensu foi deixada de lado pela política de educação superior brasileira uma vez que permaneceu fora dos critérios de avaliação da Capes, ao contrário dos cursos stricto sensu, de mestrado e doutorado, que são sistematicamente avaliados. Tal fato deu margem à multiplicação desses cursos de modo indiscriminado, não assegurando nenhuma garantia da qualidade ao profissional que neles busca aperfeiçoamento, atualização ou especialização em campos específicos. Por que então a polêmica em relação aos mestrados profissionais (MP) - cuja existência legal decorre da portaria da Capes, nº 80 de novembro de 1998 -, se o objetivo de sua implantação seria o de atender à demanda do profissional que busca um aperfeiçoamento além da graduação, sem a intenção de adentrar na carreira acadêmica? Parte da resistência de algumas áreas acadêmicas aos MP se origina na identificação desses com interesses que seriam das empresas (RIBEIRO, 2005) e, desse modo, que a pesquisa acadêmica se tornaria subalterna aos interesses do capital. Sob essa visão os MP estariam voltados ao mundo da produção, sem discussão de quem se beneficiaria com os ganhos de produtividade: o usuário, o trabalhador ou os donos do capital. Outros especialistas chegaram mesmo a assumir uma posição radical, como é o caso de Moura Castro (2006) ao afirmar que “ainda há adversários ferrenhos, sejam por purismo ou por defenderem reservas de mercados”. Diante dos questionamentos sobre essa modalidade de curso, o Conselho Técnico Científico da Capes em sua 50ª reunião, de setembro de 1999, explicita que a criação do Mestrado Profissionalizante responde a uma necessidade socialmente definida de capacitação profissional de natureza diferente da propiciada pelo Mestrado Acadêmico, tendo o mesmo nível de formação e padrão de qualidade equivalentes. Buscando dirimir as dúvidas então existentes, o site da Capes passa a conter uma clara definição sobre os mestrados profissionais: o Mestrado Profissional é a designação do mestrado que enfatiza estudos e técnicas diretamente voltadas ao desempenho de um alto nível de qualificação profissional. Esta ênfase é a única diferença em relação ao acadêmico. Confere, pois, idênticos grau e prerrogativas, inclusive para o exercício da docência, e, como todo programa de pós-graduação stricto sensu, tem a validade nacional do diploma condicionada ao reconhecimento prévio do curso (Parecer CNE/CES 0079/2002. Um Mestrado Profissional deve ter padrões de exigências tão rigorosos quanto os do mestrado acadêmico, só que com critérios diferentes, posto que são cursos de natureza qualitativamente diferentes. Enquanto no mestrado acadêmico pretende-se, a longo prazo, formar pesquisadores, no profissional o que se espera é que ocorra uma imersão na pesquisa, mas não que o titulado se torne um pesquisador. O objetivo é formar profissionais capazes de utilizar e localizar a pesquisa no exercício de sua profisR . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 97 O 3 Em 2011, segundo dados do GEOCAPES, havia um total de 3.128 programas de pósgraduação, sendo: a) Mestrado: 1.175; b) Doutorado: 52; c) Mestrado/doutorado: 1.563; d) Mestrado profissional: 338. P A P E L D O S M E S T R A D O S P R O F I S S I O N A I S são. Esse é um desafio nada trivial – a articulação entre a prática e a teoria que alicerça essa prática. Daí ser necessário que a maior parte dos docentes dos MP tenham doutorado e mantenham produção científica constante, devidamente avalizada. O aluno de um MP não está sendo treinado ou informado, ele está sendo formado. O que se pretende é uma mudança de qualidade do aluno. No mundo atual, que requer formação mais qualificada, a tendência é termos cada vez mais uma demanda de mestres e doutores além da academia, como indica pesquisa de Veloso (2004) de que dois terços dos mestres e um terço de doutores encaminha-se para destinos que não são os do ensino superior. A oferta dessa modalidade de curso vem assumindo lugar crescentemente maior na pós-graduação brasileira e hoje são poucos os redutos de resistência a essa modalidade, que hoje representa cerca de 10,8% do total de programas de pós-graduação3. Nos Quadros 1a e 1b são mostrados, respectivamente, os números do crescimento dos programas de MP em relação aos mestrados acadêmicos por grande área e dos MP por região, indicando sua distribuição em todas as regiões do país: Quadro 1a – Mestrados profissionais e acadêmicos por grande área Ano Grande Área 2000 2005 2010 2012 MD MP MD MP MD MP MD MP Ciências Agrárias 170 0 212 1 300 13 346 20 Ciências Biológicas 143 1 180 7 226 8 258 15 Ciências da Saúde 294 11 350 25 402 38 445 74 Ciências Exatas e da Terra 170 4 211 6 257 10 274 14 Ciências Humanas 195 1 284 5 392 6 451 19 Ciências Sociais Aplicadas 131 7 217 33 306 50 342 70 Engenharias 158 7 221 23 275 44 302 57 Linguística, Letras e Artes 79 0 111 0 160 0 175 2 Multidisciplinar 52 2 107 32 226 78 301 124 1392 33 1893 132 2544 247 2894 395 TOTAL MD: mestrado acadêmico e programas que incluem mestrado acadêmico e doutorado; MP: mestrado profissional Elaborado a partir de GEOCAPES (2012) Quadro 1b – Evolução dos mestrados profissionais por região Região 2000 2005 2010 2012 Norte 0 3 7 20 Nordeste 2 20 41 70 Sudeste 18 74 132 203 Sul 8 25 51 79 Centro-Oeste 5 10 16 23 Total 33 132 247 395 Elaborado a partir de GEOCAPES (2012). 98 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROS ÉLIA PIQUET O aumento das Engenharias (Quadro 1a) vai ao encontro da necessidade constantemente alardeada da falta de profissionais da área para o desenvolvimento de grandes projetos no país (ver Agopyan; Oliveira, 2005). Contudo, o destaque vai para a Grande Área Multidisciplinar, criada com essa denominação em 1999 e que, em 2008, passou a ser designada área Interdisciplinar dentro da Grande Área Multidisciplinar (Portaria CAPES no 09, de 23 de Janeiro de 2008). Seu aumento significativo se deve, segundo o documento de área para o triênio 2007-2009, a dois fatores específicos. Primeiramente, a criação da comissão para a área “propiciou e induziu [...] a proposição de cursos em áreas inovadoras e interdisciplinares”. O segundo aspecto está relacionado à existência “de novos cursos de universidades mais jovens ou distantes, com estruturas de Pós-Graduação ainda em fase de formação e consolidação, com dificuldades naturais de constituir densidade docente para abrir cursos em áreas disciplinares tradicionais” (CAPES, 2008). Exceto pela área de Linguística, Letras e Artes, os MP possuem programas em todas as demais grandes áreas da pós-graduação brasileira, contudo: Não obstante essa diversidade, a identidade dos mestrados profissionais não está somente determinada pela sua área temática, mas, fundamentalmente, pelo enorme desafio de integrar com rigor a pesquisa no seu processo de desenvolvimento e conseguir a aplicabilidade dos resultados para transformar a realidade estudada (NEGRET, 2008, p. 218). Os números (Quadro 1b) também confirmam a tendência de concentração na região Sudeste, onde teve início a pós-graduação no Brasil, mas indicam uma expansão nas regiões Nordeste e Sul. Ainda assim, por ser o centro econômico do país, a região deve manter-se à frente nos programas de formação profissional, ainda que outras regiões aumentem sua participação nessa modalidade. Os Mestrados Profissionais em Planejamento Urbano e Regional É nos anos 1970 que o planejamento governamental voltado às questões urbanas e regionais assume no Brasil um elevado grau de institucionalidade, durante o auge dos governos militares, o que lhe confere caráter centralizador. É quando também a capacitação de pessoal na área começa a ganhar impulso e são então lançados os primeiros cursos de mestrado sobre planejamento urbano e regional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1970), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (1972), na Universidade Federal de Pernambuco (1975) e Universidade de Brasília. A Universidade Federal de Minas Gerais já havia criado em 1967 o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), com a finalidade de abrigar um programa de pesquisa e ensino de pós-graduação na área da Economia Regional. Era de tal ordem a importância atribuída à formação de quadros para atuação no sistema de planejamento que a primeira turma do curso da UFRJ, então sob a responsabilidade da Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (COPPE), é destinada a técnicos do Banco Nacional de Habitação (BNH), do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e de órgãos do governo federal envolvidos com o planejamento urbano ou regional. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 99 O P A P E L D O S M E S T R A D O S P R O F I S S I O N A I S Ao longo da década de 1980 as novas tendências na dinâmica socioeconômica mundial, configurando um novo cenário com significativas diferenças em relação ao período do pós-guerra, põem em cheque o planejamento, que em nosso país passa a ser recusado, posto que identificado com o autoritarismo, com o “olhar do burocrata”. Assim, com o enfraquecimento do Estado, o planejamento cai em descrédito e os programas de pós-graduação, montados para a formação de pessoal na área, gradualmente se transformam de fato em programas de estudos urbanos e regionais, sendo sintomático que no período de quase 20 anos (entre 1975 e 1993) nenhum novo curso tenha sido proposto na área. A partir dos anos 1990, a redução da face produtiva do Estado e a tendência à adoção de políticas descentralizadoras tornam as instâncias subnacionais de governo atores mais relevantes na atuação do setor público. Neste cenário, caracterizado por diferentes dinâmicas sociais e de distribuição do poder entre atores sociais, a gestão e as políticas públicas tornam-se diferentes daquelas que imperavam na época do planejamento centralizado, o que impõe desafios diversos aos programas de formação de recursos humanos. É, contudo, só a partir dos anos 2000, quando o país dá sinais de recuperação econômica com a retomada de vultosos investimentos em projetos estruturantes, que se volta a falar na premência de se pensar o longo prazo – o que implica na retomada do planejamento – e quando então novos cursos são propostos. Este seria também o momento ideal para se repensar o conteúdo dos programas formativos, de se redefinir o que neles se ensina e de se propor novos formatos de cursos mais voltados à análise das realidades regionais e locais. É então quando surgem as primeiras propostas de Mestrados Profissionais na área. A análise a seguir desenvolvida é baseada nos registros da Capes referentes aos cursos da área de Planejamento Urbano e Regional e Demografia assim como nas informações dos próprios Programas divulgadas na internet. A subárea de Demografia não tem até o momento nenhum curso na modalidade analisada, razão pela qual não é mencionada no texto. Pelos dados do Quadro 2, vê-se que todos os mestrados profissionais foram propostos já nos anos 2000, sendo um credenciado ainda em 2001 e os demais somente a partir de 2007. As universidades particulares predominam quanto à oferta na área de Planejamento Urbano e Regional, sendo responsáveis por cinco dos sete programas de Mestrado Profissional, o que caracteriza uma dependência administrativa diversa em relação aos programas acadêmicos, onde as universidades particulares têm presença modesta, com apenas oito dos vinte e quatro cursos existentes. Se em seus primórdios os mestrados da área já poderiam ser vistos como cursos predominantemente voltados à prática profissional e não à reprodução da estrutura acadêmica, hoje essa direção se afirma mais ainda. Sem dúvida o Planejamento Urbano e Regional não se constitui em campo de conhecimento específico, mas sim em área de aplicação de conhecimentos. O enfrentamento teórico e político das questões dos anos 2000 requer avançar nas análises territoriais com pesquisas que busquem identificar a lógica de funcionamento dos vários circuitos de valorização do capital em seus vínculos com as condições de vida da população. Para que seja reconhecida a dimensão deste desafio, convém destacar que, no país, como afirma Brandão (2011), “nunca as diversidades produtivas, sociais, culturais, espaciais (regionais, urbanas e rurais) foram usadas no sentido positivo. Foram tratadas sempre como desequilíbrios, assimetrias e problemas”. 100 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROS ÉLIA PIQUET Quadro 2 - Mestrados Profissionais recomendados pela CAPES na área de Planejamento Urbano e Regional - 2012 Programa Planejamento Regional e Gestão da Cidade Desenvolvimento 2 Regional Planejamento 3 Ambiental Planejamento Territorial 4 e Desenvolvimento Sócio-Ambiental 1 5 6 Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais Planejamento e Governança Pública 7 Desenvolvimento Regional Instituição D.A.* Início Conceito Universidade Candido Mendes Particular (UCAM) 2001 4 Faculdade Alves Faria (ALFA) Particular 2007 3 Particular 2007 3 Estadual 2007 3 Particular 2010 3 Federal 2010 3 Particular 2011 3 Universidade Católica de Salvador Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Instituto de Ensino Superior e Pesquisa (INESP) Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Disponível em: http://www. capes.gov.br/cursos-recomendados (Levantamento dos dados por Mariana Pessoa, mestranda do Programa em Planejamento Regional e Gestão de Cidades) (*): dependência administrativa. O autor alerta, portanto, para a necessidade de que sejam reconhecidas as potencialidades existentes na diversidade, o que implica na articulação entre processos econômicos transescalares e no reconhecimento da história relativamente autônoma, de regiões e lugares (BRANDÃO, 2011). Questionar os interesses constituídos nos mais de cinco mil municípios, distribuídos numa grande variedade de contextos regionais, e estudar o papel exercido pelo agronegócio, pelo capital imobiliário e industrial, pelo capital financeiro e, pelas organizações políticas e sociais nas mudanças territoriais são, sem dúvida, tarefas do presente. A descentralização administrativa trouxe novas questões relacionadas à procura de pessoal qualificado, sendo que a consolidação desse processo passou a exigir um melhor aparelhamento das administrações públicas locais, com o consequente aumento da demanda por profissionais para atuar em prefeituras e órgãos públicos em geral. Embora o planejamento, neste âmbito, se limite a ser em geral um esforço de coordenação administrativa, não atingindo o estágio da produção de efetivas mudanças estruturais, a ampliação de conhecimento sobre os processos econômicos, socioespaciais e culturais requer ação qualificada do corpo técnico envolvido nas tarefas administrativas. A carência de melhores e mais numerosas pesquisas sobre a diversidade regional e urbana brasileira vem encontrando resposta na ampliação da oferta de cursos na área, em conexão, inclusive, com a nova distribuição espacial dos investimentos públicos e privados no território nacional. É sabida a carência de qualificação que domina os quadros da administração pública brasileira em municípios de pequeno porte e que sobrevivem graças aos repasses do Fundo de Participação Municipal do Governo Federal. São comuns os relatos da existência de prefeitos que embora alfabetizados não têm competência de interpretar editais nem contam com pessoal técnico minimamente qualificado para tal e, com isso, perdem a oportunidade de levarem a seus municípios muitos dos repasses de programas especiais existentes nas esferas estadual e federal. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 101 O P A P E L D O S M E S T R A D O S P R O F I S S I O N A I S Tendo em mente que o Brasil tem atualmente 5.560 municípios e se, por exemplo, cada um deles passasse a ter em seus quadros um mestre profissional na Secretaria de Saúde e de Educação, dando com isso um salto de qualidade na gestão dessas duas áreas decisivas no resgate de nossa dívida social, é possível aquilatar a magnitude do esforço de formação qualificada que se apresenta, mesmo que se atenda apenas a uma reduzida parcela desses municípios. Assim, não é de surpreender que os mestrados profissionais em planejamento urbano e regional se localizem predominantemente no interior do país ou em metrópoles de segundo grau, conforme indicam os dados do Quadro 3. Quadro 3 - Mestrados Profissionais e a população das cidades de localização Programa Instituição SIGLA 1. Planejamento Regional e Gestão da Cidade Universidade Candido Mendes (UCAM) Faculdades Alves 2. Desenvolvimento Faria Regional (ALFA) Cidade UF População (a) População com nível superior completo (b) % (b)/(a) Sudeste Campos RJ 463.731 31.658 6,8 Centro Oeste Goiânia GO 1.302.001 177.697 13,6 Nordeste Salvador BA 2.675.656 255.606 9,6 Região 3. Planejamento Ambiental Universidade Católica de Salvador (UCSAL) 4. Planejamento Territorial e Desenvol. Socioambiental Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Sul Florianópolis SC 421.240 90.436 21,5 5. Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Sul Chapecó SC 183.530 16.402 8,9 6. Planejamento e Governança Pública Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Sul Curitiba PR 1.751.907 307.175 17,5 Sudeste Divinópolis MG 213.016 18.494 8,7 Instituto de Ensino 7. Desenvolvimento Superior e Pesquisa Regional (INESP) Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Disponível em: <http://www. capes.gov.br/cursos-recomendados>. (Levantamento dos dados por Mariana Pessoa, mestranda do Programa em Planejamento Regional e Gestão de Cidades) A participação da população com grau superior, um dos indicadores que permite estimar o nível de capacitação de um lugar, é bastante diferenciada entre as cidades que abrigam esses cursos. As capitais apresentam um bom nível onde se destaca Florianópolis. Salvador configura uma exceção, aproximando-se das cidades de porte médio que também possuem percentual baixo de população com nível superior completo. Contudo, vê-se o quanto o país avançou na formação universitária quando se compara os dados do presente aos níveis da década de 1940/50 referidos no primeiro item desse texto. Vê-se que na atualidade apenas a população com nível superior de Goiânia é superior ao total brasileiro de então. 102 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROS ÉLIA PIQUET O Quadro 3 também indica que à exceção da Região Norte todas as demais macrorregiões brasileiras têm cursos nessa modalidade, cabendo destaque para a Região Sul, o que provavelmente reflete a grande ênfase que vem sendo dada nos Estados de Santa Catarina e Paraná ao planejamento estadual. Observe-se que apenas um leva no título a palavra “urbano”. Contudo esse é um traço comum tanto nos mestrados profissionais quanto nos acadêmicos, sendo relacionado ao período de sua criação, pois nos cursos propostos após 2000 a referência ao urbano é quase inexistente, ocorrendo em apenas dois de um total de 30 programas. Tal fato indica uma mudança de foco da área, o que provavelmente corresponde ao reconhecimento dos desafios específicos quanto à necessidade de melhor se conhecer as regiões não hegemônicas do país e, também, à nova dinâmica espacial da economia brasileira, pois as maiores regiões metropolitanas vêm perdendo posição relativa frente às cidades de porte médio e às metrópoles de segundo grau. A formação dos docentes dos MP da área de Planejamento Urbano e Regional, cujos dados se encontram sintetizados no Quadro 4, se caracteriza não só por apresentar grande diversidade disciplinar, como também pelo fato de que cada docente obteve seus títulos de graduação, mestrado e doutorado em cursos de natureza diversa. Esse é um dado que merece registro, pois no momento a diretoria da Capes vem promovendo debates com o intuito de discutir a importância da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade na formação acadêmica para o mundo do século XXI. A área de Planejamento Urbano e Regional ainda não realimenta a formação de seus quadros docentes, uma vez que apenas dois docentes de um total de 64 são egressos da própria área. Conforme se observa no Quadro 4, as áreas que predominam na formação docente da área são: Administração de Empresas, a graduação de maior representatividade, e Engenharia da Produção quanto aos graus de mestre e doutor. Quadro 4 - Formação de Docentes Nome do Curso Nível Graduação Mestrado Doutorado Administração de Empresas 11 8 5 Economia 10 2 6 Engenharia da Produção 3 9 11 Geografia 7 5 8 Ciências Sociais 6 2 2 Planejamento Urbano e Regional — 2 2 Arquitetura e Urbanismo 3 3 1 Direito 3 3 1 Demografia — 1 2 Outros cursos* 19 21 19 *Diante da grande diversidade das demais formações (com representações de um a dois professores) optou-se por agrupá-las em “Outros Cursos”, sendo exemplos: Sociologia, Antropologia, Serviço Social, História, Agronomia, Ciências Biológicas, Biologia, Meio Ambiente, Psicologia, Enfermagem e outros. (Dados obtidos nos sites dos Programas) R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 103 O P A P E L D O S M E S T R A D O S P R O F I S S I O N A I S Com base nas informações que constam nos sites dos Programas é possível afirmar que a oferta de disciplinas do conjunto dos MP indica claramente que são cursos voltados à análise de suas próprias regiões, sendo que apenas em um deles é ministrada disciplina sobre o desenvolvimento brasileiro. Em contra partida são oferecidas 16 disciplinas de Instrumentos de Análise Regional. Surpreende a baixa oferta de disciplinas sobre as questões das administrações locais, pois em apenas um Programa essa disciplina é obrigatória e em três outros consta como eletiva. Embora a oferta de disciplinas teóricas, 18 no total dos Programas, possa ser considerada elevada, apenas cinco são elencadas como obrigatórias. Coerentemente com os títulos dos Programas, apenas dois registram disciplinas especificamente voltadas para a análise do fenômeno urbano. As disciplinas de caráter metodológico geral constam da estrutura curricular de seis Programas, enquanto que as voltadas à orientação para pesquisa são em número marcadamente superior. Passam a fazer parte dos currículos regulares, disciplinas quanto ao agronegócio, ao meio ambiente, à biodiversidade e à questão energética. É oportuno registrar que nos cursos implantados nos anos 1970, a presença de disciplinas da área de arquitetura e urbanismo era marcante e todos tinham não só no título a referência ao urbano como também a composição curricular era voltada ao estudo e ao planejamento metropolitano. As questões regionais, quando tratadas o eram sob a perspectiva das desigualdades entre as macrorregiões brasileiras. As dissertações são o mais importante produto de um programa de mestrado. No caso específico em análise apenas um desses cursos apresenta um número significativo de dissertações defendidas, pois os demais, por serem relativamente novos, apresentam resultados ainda modestos. Entretanto, por sua própria proposição original, os programas de mestrados profissionais têm um papel a cumprir perante as regiões em que se localizam, o que os diferencia dos mestrados acadêmicos. Deles, outras modalidades de “produtos” poderiam ser esperados, tais como a divulgação de boletins sobre problemas que afetem a região; série de textos voltados à análise regional, ou alguma outra forma de tornar pública a produção de seus docentes e discentes. Ou seja, neste item a indagação levantada foi: os cursos dessa modalidade já vêm buscando organizar veículos próprios para a divulgação de sua produção técnico-científica como forma de estreitar os vínculos com as regiões e cidades onde operam? O que foi apurado é que apenas um deles vem desde 2003 publicando um boletim trimestral com objetivo de difundir e promover o debate sobre as rendas petrolíferas e mantém ainda em operação um banco de dados que disponibiliza informações sobre a distribuição dos royalties e participação especiais, uma das mais importantes questões que afetam a região em que o Programa se localiza. Dada a reconhecida dificuldade de elaboração e manutenção de periódicos de qualidade, os coordenadores, em fevereiro de 2012, tomaram a decisão de propor a implantação de uma revista sob a responsabilidade do coletivo dos programas e que fosse voltada à difusão do conhecimento científico quanto ao planejamento e ao desenvolvimento econômico e social em suas dimensões regionais e urbanas. Essa proposta está em processo de concretização com a publicação da Revista Brasileira de Planejamento e Desenvolvimento, cujo primeiro número veio a público em dezembro de 2012. 104 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROS ÉLIA PIQUET Concluindo No nosso entendimento a querela em torno dos MP está superada. Em um mundo onde a capacitação profissional é o requisito básico para a entrada no mercado de trabalho e diante da reconhecida baixa qualificação que o ensino de segundo e terceiro grau vêm proporcionando à população brasileira, toda iniciativa de ampliar as possibilidades de formação melhor qualificada deve ser saudada. Nesse sentido, conforme acentua Ribeiro (2005, p. 10), “numa sociedade em que o conhecimento é cada vez mais importante, é imperioso a pós-graduação assumir a formação dos profissionais que atendam essa demanda.” Assim sendo, os Mestrados Profissionais têm um enorme papel a cumprir além do mundo da produção, levando a um público mais amplo, meios e modos de atuar contra a miséria e a iniquidade e, desse modo, ser um dos agentes para o resgate da dívida social. Claro está que ambas vertentes são importantes, a primeira para nosso desenvolvimento econômico, a segunda para o desenvolvimento social. São claras as transformações pelas quais a área passou em termos de composição curricular, campos de atuação, formação docente e localização. Enquanto os primeiros programas da área são voltados ao planejamento urbano-metropolitano, na virada do século esse padrão irá mudar. Os novos cursos trazem a temática do desenvolvimento regional, agora tratado não mais sob a perspectiva dos desequilíbrios entre as macrorregiões brasileiras (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), mas sim focado em regiões delimitadas do interior do país ou sobre a problemática das regiões metropolitanas de segundo nível. Nesses cursos, de orientação regional mais nítida, observa-se a interlocução mais próxima com áreas de conhecimento tais como Administração de Empresas, Engenharia da Produção, Economia, Geografia, Ciências Agrárias, Meio Ambiente. O desafio de aceitar essa variedade de abordagens disciplinares e metodológicas é reconhecer e tratar tais diferenças sem gerar perdas teóricas ou cair em casuísmos. Esse desafio inclui, também, a superação de generalizações que pouco avançam no conhecimento da diversidade que caracteriza o país. Sem dúvida, cada vez mais, a sociedade brasileira requer ser melhor conhecida, o que dependerá da promoção de estudos, pesquisas e debates, entre especialistas e atores políticos, centrados na construção de um futuro socialmente mais justo e territorialmente menos desigual. Na construção desse futuro, os mestrados profissionais muito terão a contribuir. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOPYAN, V.; OLIVEIRA, J.F.G. Mestrado profissional em Engenharia: uma oportunidade para incrementar a inovação colaborativa entre universidades e os setores de produção no Brasil Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 2, n. 4, p. 79-89, jul. 2005. BRANDÃO, C.A. A Busca da Utopia do Planejamento Regional. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n.120, p.11-31, jan./jun. 2011. CAPES. A necessidade de desenvolvimento da pós-graduação profissional e o ajustamento do Sistema de Avaliação às características desse segmento. Boletim da Capes, dez. 2001. __________. Parecer CNE/CES 0079/2002. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 105 Rosélia Piquet é Doutora em Economia, Coordenadora do Mestrado Profissional em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Candido Mendes-Campos Bolsista de produtividade do CNPq. Email: <[email protected]>. Rodrigo Machado Vilani é Doutor em Meio Ambiente (UERJ), Professor Adjunto do Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades / Universidade Candido Mendes-Campos dos Goytacazes (UCAM-Campos). Email: <[email protected]>. Artigo recebido em março de 2013 e aprovado para publicação em abril de 2013. O P A P E L D O S M E S T R A D O S P R O F I S S I O N A I S __________. Documento de Área Interdisciplinar: Triênio 2007-2009. Brasília: CAPES, abril de 2008. __________. Cursos recomendados e reconhecidos. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/avaliacao/cursos-recomendados-e-reconhecidos>. Acesso em: 03 mai. 2012. CASTRO, C. M. A hora do mestrado profissional. In: Revista Brasileira de Pós-graduação, v.2 n.4. 2005. p. 16-23. GEOCAPES. Distribuição de programas de pós-graduação no Brasil. Disponível em: <http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#app=c501&da7a-selectedIndex=0&5317selectedIndex=0&dbcb-selectedIndex=0>. Acesso em: 03 mai. 2012. NEGRET, F. A Identidade e a importância dos mestrados profissionais no Brasil e algumas considerações para a sua avaliação. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 5, n. 10, p. 217-225, dez./2008. RIBEIRO, R.J. O mestrado profissional na política atual da Capes. Revista Brasileira de PósGraduação, Brasília, v. 2, n. 4, p. 8-15, jul. 2005. SILVEIRA, V.O.; PINTO, F.C.S. Reflexões necessárias sobre o mestrado profissional. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 2, n. 4, p. 38-47, jul. 2005. VELOSO, J. Mestres e doutores no Brasil: destinos profissionais e políticas de pós-graduação. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 583-611, set./dez. 2004 Abstract The current article’s purpose is to present the challenges and contributions of the professional masters in the Brazilian post-graduation. Although, this modality has been previewed since its idealization in 1950, the implementation of masters due to professional formation has suffered disapproval throughout its execution in Brazil. The study analyses the CAPES (it is a government agency linked with the Brazilian Education Ministry, in charge of promoting high standards for post-graduation courses in Brazil) requirements related to the professional masters recognition and the development of its data since 2000, particularly in the area of Urban and Regional Policy. Looking forward to concluding, it is mentioned general and specific considerations due to the importance of professional masters in the range of national post-graduations, forming qualified professionals to develop an adequate reading and to put forward positive solutions to build a single and egalitarian society to close and future generation. Keywords Professional Masters. Urban and Regional Policy. CAPES. Professional Qualification. 106 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 O TEMA DO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO DA ANPUR1 uma reflexão crítica preliminar Roberto Luís de Melo Monte-Mór Resumo A expressiva produção acadêmica e cientifica no campo dos estudos urbanos e regionais de mais de cinquenta centros de pós-graduação e pesquisa filiados e associados à Anpur – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - publicada e difundida nos últimos trinta anos, voltada para o tema do desenvolvimento, é o objeto de reflexão do presente ensaio. Trata-se aqui de proceder a um mapeamento e apreciação crítica das temáticas próprias da área do Planejamento e das Pesquisas Urbanas e Regionais em articulação com o tema do Desenvolvimento, tal como discutidas nesses trinta anos de existência da Anpur. A natureza do tratamento, as abordagens privilegiadas e as temáticas que ganharam maior evidência e importância no atual milênio são tratadas com maior ênfase. Objetivou-se, também, mostrar a evolução do tratamento dado à questão do desenvolvimento, desde suas adjetivações e adaptações aos temas contemporâneos, até sua importância crescente nos aspectos socioespaciais e ambientais, além dos questionamentos do próprio conceito, tomados como questões que têm marcado os dias atuais. A importância da temática do desenvolvimento tem marcado, desde a primeira metade do século passado, os discursos políticos, técnicos e acadêmicos que informam nossas decisões e, particularmente, as políticas públicas em suas manifestações nas cidades e, cada vez mais intensamente, no espaço regional e rural como um todo. Os recentes questionamentos da ideologia do desenvolvimento (Furtado, 1978, 1980) nos obrigam a repensar questões relacionadas à evolução linear da dinâmica social e econômica tal como se apresentava no século passado. A emergência da questão ambiental, e assim, do sentido da sustentabilidade socioambiental no cerne da temática do desenvolvimento econômico, como também a emergência de múltiplas identidades e de várias alternativas populares e projetos concorrentes de emancipação, nos levam a questionar a própria natureza do desenvolvimento (Jacobs, 2001). A crescente extensão das condições gerais de produção (e reprodução) urbano-industriais ao território como um todo (Lefebvre, 1999; MonteMór, 1994) contribui para que se imponha também a necessidade de repensar a dinâmica do desenvolvimento, proposto como ideologia dominante para a expansão capitalista mundial, e suas eventuais redefinições diante da crise societária contemporânea. As cidades e suas regiões complementares são os espaços onde é mais necessário repensar a natureza do desenvolvimento – este tomado aqui como ideologia discursiva para um eventual projeto de emancipação social – desejável no futuro próximo, e também distante. As cidades e as regiões (extensivamente) urbanizadas vem se tornando cada vez mais o foco das preocupações humanas, e assim, do próprio desenvolvimento. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 107 1 Este trabalho é uma versão modificada e revisada de um estudo inédito realizado para o IPEA em 2011, e contou com a colaboração de Marcos Felipe Sudré Souza e de Wadson Dutra Dias. O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R 2 Teses de doutorado, dissertações de mestrado, livros e artigos publicados em outras revistas acadêmicas, mesmo quando premiados pela Anpur, não foram tratados nesta análise. Em que pese sua importância na produção do conhecimento, não constituem trabalhos produzidos para discussão no âmbito específico da Associação, constituindo um “patrimônio intelectual” mais ligado aos centros membros, em suas áreas (inter) disciplinares, do que à Anpur propriamente dita. Entretanto, uma análise mais abrangente mereceria a inclusão dos trabalhos premiados, pelo menos, prática relativamente recente na Associação. Hoje, já não é possível tratar e identificar o desenvolvimento como simples crescimento econômico, impondo-se as problemáticas social e ambiental como questões fundamentais para se (re)pensar o avanço da sociedade contemporânea. Paralelamente, questões ligadas à inovação e à coesão social, eventualmente manifestadas como projetos alternativos, passam a merecer mais atenção do que em décadas passadas. Por outro lado, há questões atuais em debate na esfera do desenvolvimento que implicam o questionamento dos modelos de modernização que o informaram em décadas passadas e que hoje carecem de maior aprofundamento e sugerem a necessidade de investigação do próprio conceito em si. De que trata o desenvolvimento? Trata-se de livrar os grupos sociais do envolvimento de algumas de suas velhas práticas, valores, culturas, articulações políticas, crenças, enfim, de outras ideologias e materializações aparentemente incompatíveis com a própria natureza da expansão da racionalidade instrumental e do próprio capitalismo? Neste sentido, o laureado economista Amartya Sen é referência obrigatória. Seu conceito de “desenvolvimento como liberdade”, amplamente difundido, trouxe novas concepções para o tratamento do tema e das questões por ele suscitadas. Como essas questões vem se refletindo na produção acadêmica na área dos estudos urbanos e regionais? Quais são as coesões e correlações, embates e discordâncias teóricas e aplicadas que têm orientado a produção científica dos pesquisadores na área do planejamento urbano e regional? Qual a natureza dessas novas questões relativas ao desenvolvimento contemporâneo que os docentes, pesquisadores e estudantes de pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais, no Brasil, têm incorporado aos seus trabalhos? Esta parece ser a indagação central para orientação dos levantamentos e análises aqui apresentados. Uma investigação com o objetivo de traçar um panorama amplo da produção acadêmica e científica voltada para esse leque de questões é sem dúvida necessária e ganha importância, principalmente, ao se propor a identificar quais diretrizes informam as reflexões dos pesquisadores e, conseqüentemente, a formação dos novos técnicos, professores e pesquisadores que irão atuar no campo dos estudos urbanos e regionais em um futuro próximo. Esta constitui, em princípio, a justificativa central para o estudo aqui ora desenvolvido. No intuito de caminhar para esclarecer algumas dessas questões e de levantar elementos para a discussão, nossa meta aqui foi a de esboçar um primeiro referencial sobre o tratamento do tema do desenvolvimento ao longo desses cerca de trinta anos de existência da Anpur. Esse estudo teve, assim, por norte geral identificar as principais abordagens e correntes de pensamento, que se distinguiram no tratamento da temática do desenvolvimento no Brasil e no mundo, com a intenção de contribuir para apontar caminhos, que se apresentam também como tendências para os próximos anos. Por conseguinte, buscamos enfatizar neste ensaio alguns aspectos contemporâneos das concepções de desenvolvimento vigentes no âmbito da produção acadêmica e científica das instituições de pós-graduação e de pesquisa representadas na Anpur, as quais contribuíram para delimitar o foco de nossa investigação Nosso ponto de partida, portanto, foi um universo limitado da produção acadêmica e científica produzida no âmbito da Anpur2, circunscrita aos seus dois principais veículos de publicação e de difusão de ideias, quais sejam: 108 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR • os Anais dos Encontros Nacionais – ENANPUR3 – realizados desde 1986, a cada dois anos (à exceção dos dois primeiros), os quais reúnem um amplo e rico conjunto de trabalhos completos, apresentados nas áreas temáticas propostas pelos encontros, seja lidando diretamente com o tema do desenvolvimento, seja tratando-o de forma referencial. 3 Estes Anais encontram-se disponibilizados in toctum no site da Anpur (<http://www. anpur.org.br/revista/rbeur/ index.php/anais/issue/archive>). • a RBEUR – Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais4 – com publicação semestral ininterrupta desde 1999. 4 Para este estudo foram examinadas vinte e três edições da revista publicadas entre 1999 e 2011 e disponibilizadas no formato de periódico eletrônico (<http://www. anpur.org.br/revista/rbeur/ index.php/rbeur/index>). De modo a termos elementos de referência e parâmetros de seleção que orientassem o recorte do universo de estudos selecionados, iniciamos este ensaio com uma breve reflexão sobre algumas abordagens teóricas relativas ao desenvolvimento. Em seguida, são levantadas algumas questões para discussão, em um esforço certamente preliminar, tomando como principal referencia as abordagens teóricas descritas e a produção acadêmica e científica da Anpur organizada em três recortes temporais. Ao final realizamos algumas ponderações à guisa de conclusão. Contextualizando as principais questões A questão do desenvolvimento se impôs como uma questão central depois da Segunda Guerra Mundial, quando o Fordismo se colocava como o modelo de crescimento econômico a ser perseguido para se atingir um estágio de pleno desenvolvimento, implicando a redefinição do papel do Estado e das relações do capital com os trabalhadores. Naquele regime de acumulação, o Estado deveria se responsabilizar por parte expressiva da reprodução da força de trabalho e, ao mesmo tempo, suprir as condições gerais de produção exigidas pelo capital ligado à indústria fordista; a ela em especial, por ser a indústria motriz do crescimento econômico.5 Além disto, caberia ao Estado mediar as relações entre capital e trabalho, organizados em forma sindicalizada, e garantindo assim repasses ao salário real dos ganhos de produtividade conseguidos no novo modo de organização da produção e de sua gestão compartilhada entre o capital e o Estado6. A ideologia do desenvolvimento, herdeira da ideologia do progresso (Furtado, 1978)7, propunha uma transformação nas estruturas sociais, culturais e econômicas dos países não industrializados para abrir caminho para sua substituição por formas mais racionais e eficientes de organização social e econômica, visando o fortalecimento das atividades produtivas e da gestão econômicas. Assim, a modernização e disseminação do consumo foram também centrais para o avanço da ideologia do desenvolvimento. O sentido de “desenvolvimento urbano e regional” surgiu com a crise do capitalismo nos anos 1930, e se fortaleceu no pós-guerra com os planos regionais e urbanos8. No caso das cidades, os antigos planos urbanísticos voltados para as condições de reprodução coletiva da população (bom equipamento e funcionamento das cidades para a vida quotidiana) deu lugar a planos para promover o desenvolvimento econômico local, como também regional e nacional. Sua efetividade é questionável, mas a idéia de desenvolvimento urbano se impôs9. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 109 5 O conceito de indústria motriz vem de Perroux (1961) e a conceituação de “regime de acumulação e modo de regulação” é da Escola ou Teoria de Regulação, iniciada por Aglietta (1976) e ampliada em várias versões. 6 Para uma discussão dos desdobramentos do Fordismo no Brasil, ver Lipietz (1987) e Ferreira (1993). 7 Celso Furtado discute no capitulo “Da ideologia do progresso à do desenvolvimento” do referido livro, como a ideologia do progresso, criada no século XIX como um pacto intranacional interclasses, foi estendida ao resto do mundo no contexto do imperialismo sob a forma de ideologia do desenvolvimento. 8 A experiência norte-americana do governo Roosevelt no Vale do Tennessee – TVA, a partir de 1935, foi o exemplo mais exitoso de planejamento do desenvolvimento regional exportado para o mundo; no Brasil, um plano similar para o Vale do São Francisco aconteceu na década seguinte, a partir de 1947. 9 Para uma síntese das transformações do planejamento urbano no Brasil em sua fase inicial até os anos 1980, “do urbanismo à política urbana”, ver Monte-Mór (2008). O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R A partir do pós-guerra, muitos debates informaram o conceito de desenvolvimento. Os conceitos de sub-desenvolvimento e, em seguida, de dependência, que marcaram a escola latino-americana, desdobraram-se em diversas versões no terceiro mundo emergente. Foi marcada também a diferença central entre crescimento econômico e desenvolvimento. O pensamento estruturalista cepalino, originado com Raul Prebisch e desenvolvido por muitos autores, incluindo Celso Furtado, Samir Amin, Andrew G. Frank e outros, insistiu que desenvolvimento, diferentemente de crescimento, implicaria transformações estruturais na economia e na sociedade como um todo. A industrialização era o caminho da economia, e a modernização estrutural, o caminho das instituições sócio-políticas e culturais. Novamente, muitos percalços, “distorções” de modelos importados, fragilidade de resultados e emergência de novos problemas ainda mais graves que os antigos puseram em cheque as políticas e as próprias teorias do desenvolvimento e da dependência. O Estado em crise, desbancado pelo mercado em processo de globalização, contribuiu para redefinir a ideologia do desenvolvimento em todo o mundo. Na escala das cidades e das regiões – inclusive metropolitanas – a questão se deslocou para grandes investimentos estratégicos de modernização com o objetivo de atrair capitais globalizados capazes de alavancar não apenas o crescimento, mas também algumas das transformações estruturais requeridas pelo capital globalizado. Entretanto, a construção de soluções partindo de dentro das sociedades e sua necessária democratização começaram também a aparecer como elementos centrais: Sendo o desenvolvimento a expressão da capacidade para criar soluções originais aos problemas específicos de uma sociedade, o autoritarismo (de qualquer tipo, não apenas militar, mas das elites) ao bloquear os processos sociais em que se alimenta essa criatividade frustra o verdadeiro desenvolvimento. (Furtado, 1978) 10 O conceito de Felicidade Interna Bruta nasceu no Butão e vem sendo discutido no mundo ocidental nos últimos anos resultando, em 2012, em um relatório – World Happiness Report – elaborado no The Earth Institute, da Universidade de Columbia, Nova York, por acadêmicos como Jeffrey Sachs e outros. 11 O conceito pós-desenvolvimento surgiu na década de 1980, junto com pós-colonialismo, pós-modernismo, e outros “pós” (Monte-Mór & Ray, 1995). Arturo Escobar, Marshall Sahlins, Ivan Illitch e outros teóricos tiveram seus textos reunidos na coletânea “The Post-Development Reader” (Rahnema & Bawtree, 1997). Por outro lado, a questão ambiental vinha já redefinindo o conceito, qualificando-o e diferenciando-o ainda mais fortemente da idéia de crescimento. Desde o início, a questão do meio ambiente foi colocada como “limites ao crescimento”. O conceito de “crescimento sustentado” começa a dar lugar ao conceito (difuso) de “desenvolvimento sustentável”. Do progresso ao desenvolvimento econômico, do desenvolvimento econômico ao crescimento sustentado, de volta ao desenvolvimento socioeconômico, e por fim, ao desenvolvimento sustentável – essa é uma síntese possível da trajetória do conceito de desenvolvimento entre nós. Nas últimas décadas surgiram questionamentos sobre o sentido do desenvolvimento. A série de questionamentos sobre a hegemonia da cultura ocidental no mundo; os debates sobre a vida quotidiana; a crítica sistemática ao Produto Interno Bruto como medida de emancipação econômica e social; a emergência de novos conceitos, como Felicidade Interna Bruta10, Pós-Desenvolvimento11, entre outros, se anunciam como temas que deverão polarizar e redefinir os debates sobre a natureza do “desenvolvimento”. Críticas ao “des-envolvimento” das populações locais de suas práticas sócio-culturais como condição para a entrada de uma racionalidade hegemônica baseada nas relações capitalistas e modernização do consumo têm reorientado a (re)organização das relações sociais de produção para novos arranjos, sugerindo grandes transformações conceituais e práticas para um futuro próximo. 110 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR Para os efeitos desse trabalho, sem desmerecer a complexidade do tema, partimos do conceito de desenvolvimento, em sua articulação com o conceito de progresso, tal como apresentado por Celso Furtado (1978). Sem todavia nos deixarmos prender a ele, buscamos articulações com outros autores que também trataram do tema de forma aprofundada e abrangente. Cabe nomear, entre eles, François Perroux (1961) que, após inaugurar a discussão dos polos de crescimento, desenvolveu uma posição visionária e ainda atual sobre o desenvolvimento, incorporando já no início da década de 1960 questões ligadas à manutenção dos recursos para as gerações futuras e às transformações estruturais necessárias na economia e sociedade futuras. Segue-se a esta breve reflexão uma primeira aproximação das abordagens do tema do desenvolvimento no âmbito da produção acadêmica da Anpur, conforme exposto ao inicio, em que buscamos refletir as principais mudanças nos enfoques sobre a questão do desenvolvimento, com suas várias adjetivações, em articulação com a temática do planejamento ( e do desenvolvimento) urbano e regional. Primeiros anos – Encontros Nacionais da ANPUR desde a década de 1980 Os primeiros três ENAnpur, em 1986, 1987 e 1989, (em Nova Friburgo (Rio de Janeiro), Teresópolis (Rio de Janeiro), e em Águas de São Pedro (São Paulo), respectivamente) manifestaram uma preocupação comum com o desenvolvimento econômico, em sua expressão mais pura. O primeiro ENAnpur apresentou um balanço da produção na área desde o início da década de 1980, cobrindo teses de doutorado e de livre docência, dissertações de mestrado, pesquisas concluídas e em andamento e artigos publicados ou aceitos para publicação, além de relatórios de consultoria e outros materiais referentes às três temáticas abordadas no encontro, quais sejam: Planejamento Regional, Planejamento Urbano e Tecnologia da Habitação. Um relatório para cada área temática buscou refletir o estágio em que se encontrava a produção do conhecimento à época. Fica evidente, ao analisar os Anais do primeiro ENAnpur, o isolamento dos centros de pós-graduação, particularmente na área de planejamento regional, apresentando duplicidade de esforços, refletindo a pequena comunicação e baixa circulação de textos entre eles (datilografados, e em cópias limitadas). É também notório o descolamento da produção dos centros acadêmicos do processo decisório do planejamento regional no país, que não incorporava os resultados e análises das pesquisas desenvolvidas, e quando o fazia, era somente no campo do discurso. A ênfase nos processos históricos regionais caracteriza a maior parte da produção e, em que pese a diversidade de abordagens teóricas dos trabalhos apresentados (chamada no relatório de “certa confusão metodológica”), pode-se considerar que o enfoque (neo)marxista dominava as análises (críticas), sendo a acumulação capitalista desigual identificada como a principal explicação para as desigualdades regionais, historicamente presentes mas agudizadas nas décadas anteriores. Parece claro que os processos de expansão e de integração territorial e econômica do capitalismo brasileiro ainda não haviam mostrado inteiramente seu caráter relativamente homogeneizante, particularmente diante da concentração de investimentos públicos nas áreas centrais metropolitanas do Sudeste (em que pesem os investimentos na fronteira amazônica). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 111 O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R 12 A partir do início dos anos 90, um conjunto de artigos colocou em discussão o processo de desconcentração e/ ou reconcentração produtiva no país. A respeito ver Diniz (1993, 2001), Cano (1995), Affonso & Silva (1995), Pacheco (1998), entre outros. O “bolo já havia crescido”, mas ainda não havia sido “distribuído”, poder-se-ia dizer com relação aos impactos regionais, utilizando um jargão da época. Ao contrário, a crise do Estado e da economia, e a consequente redução na capacidade de investimento governamental, pareciam ter limitado drasticamente a desconcentração regional que havia se esboçado na década anterior12. Já no campo do planejamento urbano, essa concentração de investimentos nas áreas mais desenvolvidas do país fica evidente também nos estudos e pesquisas no âmbito da Anpur no período em questão: três quartos (76%) da produção na área urbana se referia a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, evidenciando a hegemonia dos interesses dos centros filiados (também concentrados dominantemente no Sudeste do país), mas também refletindo impactos da concentração de investimentos nas grandes metrópoles do Sudeste, particularmente Rio de Janeiro e São Paulo. No balanço do encontro de 1986, ficou também evidente que a produção na área dos estudos urbanos concentrou-se em três temas principais: o Estado, a produção do espaço urbano e a habitação, tratada também em seus aspectos tecnológicos. Pode-se identificar, no entanto, algumas tentativas teóricas de discussão sobre a reconstrução da natureza do urbano no país e vários estudos de caso que, contudo, não contribuíram para construir uma síntese geral. O relatório aponta para a necessidade de apoio e divulgação dos trabalhos realizados na área, assim como uma articulação permanente entre trabalho intelectual e ação política. A área de Habitação optou por se concentrar na abordagem tecnológica (estudos técnico-experimentais e desenvolvimento de tecnologias construtivas), sendo os aspectos do planejamento abordados na sessão do Planejamento Urbano. Assim, os subgrupos trataram prioritariamente de temas como componentes e sistemas construtivos, conforto ambiental e transferência de tecnologias de construção. Apesar dessa especificidade, os coordenadores destacam que várias pesquisas em ciência e tecnologia desconsideram o processo produtivo como um todo, ignorando temas como estrutura fundiária, mercado habitacional, divisão e hierarquia do trabalho. Segundo o relatório, existem muitas pesquisas sobre estruturas e materiais, mas pouco interesse em investigar a repercussão dessas pesquisas no processo produtivo. A preocupação em pesquisar o edifício não incorporava sua articulação com a cidade nem discutia as relações entre tecnologia da edificação e desenvolvimento urbano, desconsiderando as relações de trabalho como parte intrínseca da tecnologia. Considerou-se premente a necessidade de politizar as questões da ciência e tecnologia do ambiente construído, aproximando os pesquisadores dos movimentos sociais. Como nas demais áreas, identificou-se uma desarticulação entre campos de pesquisa, implicando duplicidade de estudos e lacunas, além da pouca apropriação social das pesquisas realizadas, baixa integração entre os centros e pouco conhecimento mútuo das pesquisas realizadas entre os pesquisadores e pelos potenciais consumidores. Resultava daí a necessidade de ampliar o apoio à criação de instrumentos para divulgação das pesquisas e troca de experiências. Esse quadro já se mostrou um pouco modificado no Encontro seguinte, em 1987. No segundo ENAnpur, em Teresópolis, o tema do desenvolvimento foi trabalhado dentro do enfoque da economia regional, combinando análises de cunho marxista com estudos orientados para temas como regiões de fronteira, particularmente a Amazônia; áreas deprimidas e/ou vazias; novos pólos agropecuários no oeste da Bahia e no interior de São Paulo, além do debate acerca do Programa Regional de Interiorização do Desenvolvimento Urbano (PRIDU); entre outros. Além de ter uma 112 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR sessão própria, a questão do desenvolvimento aparece articulada a temáticas abordadas por outros grupos de discussão no Encontro de 1987, principalmente, nas sessões sobre Processos de Metropolização e Impactos de Grandes Projetos. No terceiro encontro, em Águas de São Pedro (São Paulo), em 1989, a temática regional envolveu tanto questões do desenvolvimento econômico quanto do planejamento regional, com trabalhos sobre conceitos e problemas regionais e impactos de grandes projetos. Os trabalhos abordaram também estudos críticos sobre a Sudene e a falência das políticas públicas de desenvolvimento, permeadas por discussões sobre a interiorização do desenvolvimento e a retomada do crescimento econômico. Vale ressaltar que, como na edição anterior, o tema da região como categoria de análise apresentou crescente volume de questionamentos sobre sua concepção. Contudo, dessa vez, o desenvolvimento articulava-se ao impacto trazido pelos grandes projetos e os estudos refletiram, como mostra o próprio texto de apresentação dos Anais “[...] as transformações que o país vem esperando na sua organização territorial, nas práticas de planejamento e na superação dos obstáculos do desenvolvimento.” Quanto às questões urbanas ligadas ao desenvolvimento, estas já se afirmavam na área, ainda que timidamente. Nos dois encontros seguintes, a interiorização do desenvolvimento urbano foi objeto precípuo de discussão, como também as questões ligadas ao processo de metropolização e à política habitacional, que já vinham sendo tratadas. Assim, algumas das questões urbanas que seriam privilegiadas na década seguinte foram desde ali anunciadas. Entretanto, as discussões ligadas às transformações trazidas pela nova Constituição não foram amplamente veiculadas, e podemos entender também que a questão social estava fora dos debates centrais do desenvolvimento urbano, apesar da temática dos movimentos sociais urbanos estar presente nas discussões desde o ENAnpur anterior. Entretanto, as preocupações com o “desenvolvimento econômico puro” dominaram a cena, privilegiando a escala regional e se estendendo para a questão do “desenvolvimento urbano”, preocupação central no âmbito do planejamento. Questões ligadas às migrações, como também à provisão de serviços urbanos e aos temas da produção imobiliária e do uso do solo, que se imporiam como temas permanentes nas décadas seguintes, também já estavam presentes. Sem dúvida, a preocupação principal se articulava com a precária produção de cidades e seu papel no desenvolvimento econômico e social no país, refletindo as preocupações com a intensa urbanização das últimas décadas e a formação de extensas periferias precarizadas nas áreas metropolitanas e nas principais cidades médias no Brasil. A década de noventa: mudanças de rumos nas discussões e novos conceitos O tema do desenvolvimento perdeu força relativa na década de noventa e pode-se mesmo dizer que esteve subsumido, sofrendo modificações na sua própria conceituação. Parecia não haver mais espaço na Anpur para se discutir o “desenvolvimento econômico puro”, uma vez que agora surgiam novas questões candentes: a cultura, a questão social, e a temática da sustentabilidade. No IV ENAnpur, em Salvador (Bahia), em 1991, a temática do território e sua reestruturação se impôs já no início da década, tendo os grandes projetos como R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 113 O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R 13 A partir de 1991, os Encontros Nacionais da Anpur começaram a ter temáticas centrais. Em Salvador, o tema foi Velhas e Novas Legitimidades na Reestruturação do Território, e em Belo Horizonte, Encruzilhadas das Modernidades e Planejamento. referência principal. A reestruturação espacial do país, novos recortes regionais e novas territorialidades metropolitanas dominaram as apresentações no Encontro, surgindo também novos temas emergentes, em particular a discussão sociopolítica do Estado e a redemocratização do país. Aqui, as novidades trazidas pela nova Constituição de 1988 marcaram presença. Iniciou-se também um debate sobre questões ambientais e mudanças tecnológicas, em uma sessão temática com o nome de Temas Emergentes, sem encontrar ainda espaço específico para sua apresentação e discussão. Foi no encontro de 1993, o V ENAnpur, em Belo Horizonte (Minas Gerais), que a questão ambiental se impôs e se firmou com uma sessão temática específica, incluindo a questão ambiental, a tecnologia e a dinâmica urbana. Como um tema novo, teve relativamente poucos trabalhos inscritos e parecia que teria uma participação limitada. Entretanto, ainda que o número de trabalhos apresentados não fosse grande, a confluência de pessoas nas sessões foi tamanha que a sala programada foi insuficiente para abrigar o público mobilizado, certamente ecoando a Eco-92, a conferência organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na cidade do Rio de Janeiro no ano anterior. De fato, a partir de então novas temáticas do desenvolvimento se impuseram, tendo a questão ambiental como tema dominante. A partir do V ENAnpur, o desenvolvimento passou a ser visto sob novos olhares, privilegiando o desenvolvimento tecnológico, processos de automação e as novas tecnologias de comunicação, ainda incipientes no país à época. Foram então iniciados os estudos dos seus reflexos sobre as cidades e regiões, que logo apareceram como algumas das abordagens principais da temática do desenvolvimento. De outra parte, questões relativas à dinâmica sociopolítica da sociedade civil não mais apareceram sob a forma de debates sobre movimentos sociais urbanos, mas foram sim incorporadas aos debates sobre Estado e planejamento. Por outro lado, o desenvolvimento regional privilegiou temáticas ligadas aos regionalismos e à nova divisão (inter)nacional do trabalho, sendo as questões ligadas à metropolização gradualmente estendidas ao campo e entornos metropolitanos, para pensar novas espacialidades urbano-rurais (e metropolitanas). Cabe talvez enfatizar que a transferência da questão metropolitana do âmbito federal para o âmbito dos Estados, a partir da Constituição de 1988, começava a gerar debates, legislações e esforços ainda tímidos para uma abordagem na nova ordem institucional que, todavia, não se concretizou e apenas neste século começa a se desenhar mais claramente. Entretanto, o debate entre desenvolvimento socioeconômico e preservação do meio ambiente foi, talvez, a maior ênfase do V ENAnpur em Belo Horizonte (2003), embora o Encontro tivesse proposto discutir, a partir do seu tema central13, “as modernidades” e “as encruzilhadas” que se apresentavam ao país, dentre elas, as mudanças na natureza do planejamento e a crescente importância da sociedade civil nesse processo. Nesse caso, cabe destacar que a discussão sobre modernidade – temática geral do Encontro – perpassou grande parte dos trabalhos apresentados nas diversas sessões temáticas, o que pode sugerir uma confluência de pensamentos na área do planejamento urbano e regional àquela época. As novas espacialidades metropolitanas foram também tema de muitos trabalhos, discutidas para o país como um todo, sendo o rural tratado como tema da espacialidade metropolitana em transformação e tendo como pano de fundo os regionalismos e a nova divisão internacional do trabalho. 114 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR Contudo, a temática do desenvolvimento, ainda que de modo implícito, se fez presente nas mais diversas discussões, como no debate sobre uma agenda de pesquisa urbana para os anos 1990. Diante dos novos desafios colocados pela redemocratização recente do país e pelas alterações produzidas a partir do novo papel do Estado face à globalização econômica que se apresentava como uma agenda neoliberal e avessa ao planejamento, os estudos sobre a reestruturação do espaço industrial (incluindo o esvaziamento de algumas regiões históricas) e a influência das novas tecnologias refletiam esse novo contexto globalizado. De fato, os trabalhos sobre a reforma do Estado, agora pensado diante das perspectivas das privatizações que logo em seguida se concretizariam, ou ainda os textos que tratavam do mercado imobiliário e do mercado de terras, discutiam as novas formas de ocupação em tempos de crise e transformações na sociedade e nas cidades. A proliferação de loteamentos clandestinos populares e periféricos, o crescimento das áreas faveladas, o resgate da discussão sobre a autoconstrução e, já com alguma expressão, os incipientes condomínios murados voltados para as elites, apontavam para um aumento da segregação socioespacial e para o crescimento das cidades sobre suas periferias, reinventando o que parecia ser, de um modo perverso, a nova forma (e organização social) urbana e metropolitana. No VI ENAnpur, Modernidade, Exclusão e a Espacialidade do Futuro, realizado em Brasília (Distrito Federal) em 1995, todavia, o tema do desenvolvimento reapareceu com força, mas principalmente ligado à questão ambiental, e assim, qualificado como sustentável. Eco-desenvolvimento e sustentabilidade foram os temas de maior relevo naquele encontro, que teve como referencia a urbanização, o desenvolvimento regional e o meio ambiente. No nível intra-urbano, dinâmica imobiliária e infra-estrutura econômica e social dominaram os debates, introduzindo técnicas quantitativas e índices para medir, entre outras coisas, a qualidade da vida urbana. Era talvez o inicio da profusão de indicadores utilizados para medir o desenvolvimento contemporâneo, agora não mais de caráter apenas econômico, mas também, e em especial, de caráter social e ambiental (que na década seguinte se fundiria em um único termo: socioambiental). Houve, assim, uma aceitação, que parece ser definitiva, da incorporação do tema ambiental à questão do desenvolvimento urbano e regional, de modo a não mais ser possível retroceder. O meio ambiente se impôs como uma nova pauta de debates para o desenvolvimento socioeconômico, particularmente em sua escala regional, nacional e mundial, e vários trabalhos analisaram experiências regionais, sobretudo a partir da implantação de indústrias-pólo, enfatizando conflitos entre deterioração ambiental e promessas de geração de empregos. Ou seja, a abordagem que opunha desenvolvimento socioeconômico às questões ambientais ainda era dominante, gerando perguntas do tipo: como pensar em preservar o ambiente se o país é pobre e precisa crescer? Contudo, já se constatava uma imprecisão sobre a conceituação do que era a questão ambiental e, naquele encontro de 1995 já se levantou a necessidade de adoção de metodologias não instrumentalizadas, que considerassem o simbólico e o social no contexto do desenvolvimento, que já se dizia sustentável e que já marcava sua contraposição ao antigo conceito de crescimento sustentado, tão caro aos economistas. Assim, vários estudos apontaram contradições e limites dos métodos de avaliação dos impactos de grandes projetos, chamando atenção para uma abordagem que se situasse para além dos aspectos quantitativos nos estudos de risco ambiental. Surgiu também a idéia do ambientalismo como uma forma de equacionar os conflitos entre crescimento R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 115 O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R econômico e preservação ambiental, voltando aos temas do ecodesenvolvimento e/ou do desenvolvimento sustentável. Dessas abordagens decorre uma discussão sobre a necessidade de internalizar custos ambientais e sociais e pode-se notar uma espécie de politização da questão do meio ambiente, com o surgimento de estruturas institucionais para o setor, a exemplo das ONGs (Organizações Não-Governamentais). Pela proximidade temporal, certamente muitos trabalhos ainda reverberavam as discussões levantadas na ECO 92 que, sem dúvida alguma, foi um marco decisivo, juntamente com a Constituição de 1988, na compreensão da problemática ambiental no Brasil e no seu tratamento como política de Estado. Estudos sobre a Amazônia foram recorrentes, sobretudo por conta do Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1994/97), imperando uma avaliação crítica de grandes projetos e programas com temas que depois se impuseram como centrais, como o potencial hidrelétrico da região e os conflitos entre planejamento energético regional e impactos socioambientais da construção de barragens. Além dessa relação central com o meio ambiente, outros trabalhos trataram de questões do desenvolvimento articuladas a temas como: avaliação do neoliberalismo e políticas sociais compensatórias na América Latina; articulação entre desenvolvimento e imagem urbana, envolvendo a preservação e espetacularização da cidade, em casos como o Pelourinho e o city marketing de Curitiba (Paraná); o tráfico de drogas no Rio de Janeiro e seus efeitos no desenvolvimento socioespacial; entre outros. A questão urbana, apesar de já ser tratada em alguns textos apresentados em outros encontros nacionais, permanecia distante da problemática ambiental, na Anpur como em outras associações acadêmicas, como a ABEP (Associação Brasileira de Estudos Populacionais). Era como se a questão urbana não pudesse ser pensada de forma sustentável, diante dos requisitos radicais ambientais e da terrível pressão social e econômica sobre as cidades brasileiras. Essa articulação temática entre a questão ambiental e a questão urbana só veio aparecer nos ENAnpur, de forma sistemática, ao final da década de 1990, como veremos. Em 1997, no VII ENAnpur, realizado em Recife (Pernambuco), foram as questões territoriais e socioambientais relacionadas aos impactos de grandes projetos que tiveram maior destaque. O tema desse encontro foi Novos Recortes Territoriais, Novos Sujeitos Sociais: Desafios ao Planejamento. Nesse contexto, a participação popular e a discussão da natureza das políticas públicas para o desenvolvimento urbano e regional tiveram também relevância, articuladas a novas territorialidades nos processos de expansão e interiorização do desenvolvimento do país. Ali, o conceito de “meio técnico-científico e informacional” proposto por Milton Santos ganhou maior visibilidade para a discussão da territorialidade das políticas públicas e para a própria discussão da integração socioespacial do território nacional. Assim, questões ligadas ao desenvolvimento permeavam os debates sem, contudo, ter o tema do desenvolvimento socioeconômico como expressão central das preocupações expressas no Encontro. Seria isto resultado de um desencanto com as perspectivas de crescimento do país, imerso na estagnação e dívidas? Aparentemente, as questões sócio-ambientais e políticas vinham conseguindo ganhar espaço e tempo nas discussões diante da fragilidade relativa da economia, cujas abordagens do tema do desenvolvimento haviam sido historicamente dominantes, senão hegemônicas. Entretanto, com a emergência das questões sociais e ambientais no centro dos debates, o desenvolvimento parecia ter sido colocado em posição secundária e ganhado, definitivamente, novos adjetivos além do econômico. 116 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR De outra parte, questões ligadas à globalização e à nova divisão internacional do trabalho voltaram aos debates, analisando impactos nos espaços periféricos do capitalismo tais como desemprego estrutural, financeirização, terceirização, e outros. Debates sobre o planejamento estratégico nesse contexto da globalização e suas expressões no Brasil – particularmente em Curitiba e no Rio de Janeiro – enfatizaram o sentido de estratégias de desenvolvimento urbano para inserção das metrópoles no capitalismo globalizado, em detrimento das questões sociais e ambientais. Entretanto, o tom crítico dominante parece indicar que havia um entendimento comum – alicerçado pelo próprio tema geral do evento – de que o papel do planejamento no desenvolvimento não passava mais pela definição e imposição de uma forma final para a cidade, mas antes, ocupava-se de traçar trajetórias possíveis rumo a um futuro desejado. E esse futuro envolvia considerar os efeitos do espaço sobre a instância social, a busca por melhor qualidade de vida, redução da exclusão social e da segregação, além de uma preocupação central com o meio ambiente. O VIII ENAnpur, em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), realizado no último ano da década (e do milênio), explicitou os debates e conflitos nas várias escalas, do urbano-local ao mundial-global. Contradições e articulações entre desenvolvimento urbano e regional e desenvolvimento sustentável foram um ponto importante de debate naquele encontro e pela primeira vez apareceu como título de sessões temáticas o desenvolvimento urbano sustentável. Até então, a questão ambiental era predominantemente vista no Brasil como ligada à Amazônia, aos espaços naturais e rurais, sendo as cidades e os espaços urbanizados tradicionalmente vistos como vilões, principais causas da poluição ambiental, da destruição de ecossistemas, fonte dos problemas de saneamento, dos resíduos sólidos, do aquecimento e da poluição do ar e dos rios, entre outros. Entretanto, no VIII ENAnpur questões relacionadas a problemas e a oportunidades no meio ambiente urbano e às injustiças socioambientais ganharam visibilidade. Foram também discutidos o novo papel do Estado e as demandas e limites do desenvolvimento local, em contraposição à temática da globalização. A crítica aos modelos de desenvolvimento dito sustentável, que se implantavam nas cidades brasileiras, e a análise dos instrumentos utilizados para medir e avaliar os impactos ambientais (e sociais) causados por grandes projetos e intervenções no espaço urbano (e regional) se destacaram também nos trabalhos expostos. De outra parte, questões ligadas à crescente segregação social (e ambiental) também ganharam espaço nas discussões e sessões temáticas, dando continuidade às inúmeras críticas ao planejamento estratégico. Nesse sentido, foi enfoque recorrente, em boa parte dos trabalhos apresentados, o reconhecimento das mudanças no papel do Estado que, em lugar de condutor de um projeto desenvolvimentista nacional, passava a abraçar um ideal de integração competitiva nos mercados globais em apoio aos capitais globalizados e nacionais. Foram frequentes, assim, estudos que debateram as recomendações de organismos internacionais para financiamento de projetos urbanos, bem como a discussão sobre o desenvolvimento local diante de uma economia globalizada. Esse novo papel do Estado, amplamente criticado, apontava para a necessidade de fortalecimento da participação social na elaboração de estratégias de desenvolvimento e do engajamento dos planejadores nesse processo político, remetendo a debates do início da Anpur. A multiplicação de experiências locais, como o orçamento participativo, os conselhos criados para debater políticas setoriais de impacto e os planos diretores R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 117 O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R demonstravam uma mudança de valores na relação entre Estado e comunidade. Contudo, a construção de um processo mais democrático, segundo um autor, não poderia ser privada de um olhar crítico, sobretudo quanto às falhas de auto-organização dos movimentos populares uma vez que, de certo modo, continuaram vivos traços da cultura clientelista e fisiológica na relação dos interesses organizados com o Estado, apresentada com um discurso de esquerda. A análise desses mecanismos de participação, bem como a crítica a seus limites em uma sociedade que experimentava um processo de democratização recente, também apareceu em outros estudos de caso que avaliaram sua potencialidade de promoção do desenvolvimento local. No ENAnpur de Porto Alegre foi também lançado o primeiro número da Revista da Anpur – a RBEUR, ou Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais reunindo, naquele número, os principais trabalhos selecionados pelas sessões temáticas. A partir daqui, esta análise incluirá tanto os trabalhos apresentados nos ENAnpur quanto na RBEUR. Anos recentes – o crescimento retomado e o desenvolvimento revisto Desde a virada do milênio a RBEUR passou a publicar um conjunto de trabalhos, alguns selecionados nos ENAnpur e outros resultantes de chamadas públicas de artigos para publicação. Paralelamente, os encontros ganharam uma magnitude que tornou mais difícil avaliar os rumos tomados pelos debates e preocupações, visto que os trabalhos apresentados se multiplicaram enormemente e passaram a abranger uma tal quantidade de temas que se tornou difícil a apreensão mais detalhada e acurada do conjunto. Os ENAnpur, como passaram a ser chamados, têm sido em geral compostos por duas ou três conferências feitas por profissionais mundialmente renomados; cinco ou seis mesas redondas sobre temas pré-definidos pela comissão organizadora e pela diretoria da Anpur, com apresentadores e debatedores convidados; oito ou mais sessões temáticas, que se subdividem em diversos sub-temas e abrigam a apresentação de quase duas centenas de trabalhos, selecionados pelos comitês científicos do Encontro entre muitas centenas de trabalhos submetidos. Em Belo Horizonte (Minas Gerais), em 1993, foram inauguradas as chamadas “sessões livres”, que se firmaram e vêm se expandindo a cada encontro como um espaço para apresentação de pesquisas e debates conjuntos em andamento nos vários centros do país. São privilegiadas as propostas de sessões livres que envolvem participantes de dois ou mais centros membros da Anpur, e assim elas sinalizam também as articulações e debates que animam o concurso de pesquisadores de vários estados e formações. Entretanto, como sessões livres, não têm um registro específico e cobrem uma enorme gama de temas e assuntos, sempre crescente – em 2011, foram 54 sessões livres aprovadas, entre um número ainda maior de propostas. Assim, ainda que este período recente merecesse um estudo mais aprofundado, envolvendo não apenas as centenas de trabalhos apresentados em cada ENA, como também as temáticas discutidas nas sessões livres, nas mesas redondas e palestras, além do material apresentado nos outros encontros realizados sob o patrocínio da Anpur, tais como os tradicionais Seminários de Ensino e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Sepepur, que em sua VI versão incorporou a extensão universitária), o Seminário sobre a História da Cidade e do Urbanismo, o Seminário de Áreas de 118 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR Preservação Permanente Urbanas e o Seminário de Desenvolvimento Regional Estado e Sociedade, além de inúmeros outros apoiados pela Associação, neste artigo nos limitamos ao material publicado nos Anais dos ENAnpur e na RBEUR14. Nesse âmbito, o primeiro número da RBEUR ecoava o encontro de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), enfatizando a questão das escalas local e global e da sustentabilidade urbana, temas que foram retomados e enfatizados no número dois da revista e também no primeiro encontro do novo milênio – o IX ENAnpur, no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro) em 2001, que teve como tema central “Ética, Planejamento e Construção Democrática do Espaço”. As várias escalas de poder, novas reconfigurações urbanas e regionais, e também institucionalidades e territorialidades redefinidas pela problemática ambiental, dominaram as discussões naquele Encontro. Entre as questões emergentes apareceram com força e destaque, a tecnologia, tomada como motor do desenvolvimento, e a reestruturação do espaço social e econômico. Os números da RBEUR que antecederam ao IX ENAnpur do Rio de Janeiro, além dos temas acima citados, trouxeram um balanço dos anos noventa sobre as opções estratégicas de desenvolvimento e dinâmica regional, mas incluíram também estudos ligados ao governo local, trazendo como novidade o privilégio, em alguns casos, do “comércio minorista”, o que nos anos seguintes ganharia o rótulo de “economia popular e solidária”. Questões ligadas ao controle do uso do solo urbano e à dinâmica imobiliária urbana, com a adoção dos novos instrumentos urbanísticos que iniciavam sua discussão para implementação e seriam consagrados ainda em 2001, no Estatuto da Cidade, ganharam proeminência e visibilidade. Aspectos da reforma do Estado brasileiro e novas discussões sobre governança metropolitana foram também trazidos para o debate. Em paralelo, as colaborações latino-americanas retomaram questões ligadas às sinergias urbanas e à nova dinâmica do desenvolvimento territorial urbano e regional no continente, discutindo o papel do Estado diante dessas transformações. De outra parte, a temática do desenvolvimento sustentável face à urbanização foi sistematicamente retomada, tanto nos números da RBEUR quanto no X ENAnpur, Encruzilhadas do Planejamento: repensando teorias e práticas, realizado em Belo Horizonte (Minas Gerais), em 2003, questionando o conceito de sustentabilidade e sua compatibilidade com o desenvolvimento urbano. Conflitos entre desenvolvimento e degradação ambiental, entre ambiente construído e ambiente natural, ações e planejamentos no âmbito das Agendas 21, e tentativas de clarificação e desmonte de “mitos” e ideologias consolidadas sobre o tema, foram algumas das principais questões trazidas para o debate. Ainda na primeira metade da década de 2000, os temas da reestruturação econômica e da reestruturação territorial no país (em suas várias escalas) reapareceram várias vezes, tanto na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, quanto nos três encontros do lustro. Em 2002, a RBEUR trouxe a questão do desenvolvimento como subjacente ao debate sobre as apropriações ideológicas do processo de urbanização generalizada no país, e um trabalho sobre desenvolvimento local endógeno no contexto da competitividade subjacente ao planejamento estratégico. Retomava-se, assim, questões das escalas do desenvolvimento e, de modo pouco explícito, o papel do Estado e o debate sobre formas de planejamento, onde a crítica ao planejamento estratégico começava a ganhar relevância. Em alguns casos, havia claros objetivos em buscar articular desenvolvimento, escalas territoriais e regiões, sempre relacionando esses temas à problemática ambiental. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 119 14 Vamos nos referir a debates e discussões realizados também no âmbito das mesas redondas e conferências. O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R 15 O XI ENA aconteceu em 2005 em Salvador, tendo como tema geral “Perspectivas para o território e a cidade: planejamento, soberania, solidariedade”. 16 O subtema era intitulado “Gestão urbana e regional: modelos, práticas e implicações”, e abarcava todo o universo do planejamento e gestão que se expandia e se fortalecia no país com políticas urbanas e regionais. Assim, as questões relacionando território, desenvolvimento, justiça socioespacial e solidariedade deram o tom principal dos debates que movimentaram o primeiro lustro da década, tanto em dois ENAnpur (Belo Horizonte e Salvador15) quanto nos artigos publicados na RBEUR. Estudos referentes a territórios tradicionalmente ocupados e a populações nativas e tradicionais, ausentes da maioria dos encontros e publicações da Anpur, começaram a aparecer com expressão, na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Ademais, questões ligadas à qualidade de vida e à sustentabilidade urbana voltaram a ser veiculadas nos números da RBEUR, tratando de aspectos ligados à Agenda 21, o papel do Estado a nível local, os impactos iniciais do Estatuto da Cidade e seus instrumentos de controle e planejamento. Aspectos mais gerais, mas também específicos, ligados ao desenvolvimento local em articulação com questões ambientais e da sustentabilidade permaneceram como temas dominantes nos trabalhos apresentados nos encontros e na Revista, incluindo conflitos urbanos de ocupação do solo e segregação socioespacial, em particular no confronto entre a cidade formal e suas áreas faveladas. De outra parte, questões relacionadas a populações tradicionais reapareceram nos debates nos ENAnpur, desta feita privilegiando situações rurais e regionais. Esse tema ganhou força particularmente no XII ENAnpur de 2007, em Belém (Pará), onde a questão amazônica teve maior destaque e expressão. A dimensão latino-americana – ou panamazônica – trouxe maior visibilidade á integração (sub)continental para o desenvolvimento, reforçando também a dimensão cultural e ambiental das populações tradicionais, das migrações históricas e recentes. O desenvolvimento sustentável foi um tema dominante, abrindo também espaço, e dialogando com trabalhos voltados para conflitos entre grandes projetos, populações locais e tradicionais e assim, colocando em cheque e sob intensa crítica o próprio do conceito e natureza do desenvolvimento socioeconômico tal como tradicional e dominantemente compreendido entre os estudiosos do desenvolvimento urbano e regional. Por outro lado, ainda como expressão dos impactos do Estatuto da Cidade e da Política Urbana a nível federal, e em articulação tanto com o processo de democratização da gestão das cidades, como com processos de desenvolvimento nacional, regional e local, houve uma profusão de trabalhos avaliando Planos Diretores Municipais e discutindo o programa federal de “ação concentrada” – o PAC; conseqüentemente, discutindo também a retomada do Estado desenvolvimentista e as redefinições do seu papel. Paralelamente, a discussão teórica e empírica do planejamento, com forte conteúdo crítico, foi retomada com intensidade, incorporando a discussão contemporânea da gestão urbana e do território como um todo. O subtema que tratava dessas questões recebeu mais de 200 trabalhos inscritos16. De fato, as implicações das novas relações entre Estado e Mercado, considerando as novas parcerias e colaborações, e suas implicações diante dos movimentos populares, das questões sociais candentes e de inevitáveis conflitos ambientais face aos interesses das várias frações do capital imbricadas no território ganharam nova dimensão nas discussões e trabalhos apresentados. O XIII ENAnpur, em 2009, em Florianópolis, explicitava o novo contexto do planejamento urbano e regional em seu tema geral: “Planejamento e Gestão do Território: escalas, conflitos e incertezas”. Implícita estava a questão do desenvolvimento, a qual também incorporava, aos olhos dos pesquisadores da Associação, alguns desdobramentos dos enfoques contemporâneos: a íntima articulação entre planejamento e gestão; a ênfase no território; as dimensões inter-escalares; os conflitos crescentes entre questões 120 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR econômicas, sociais e ambientais (expressas na política e no planejamento e gestão); e o sentido de incerteza que marca os tempo atuais. No âmago desse sentimento de incerteza parecem estar as dúvidas e disputas sobre os modelos de emancipação e de desenvolvimento. Os velhos modelos não mais parecem responder às demandas do presente e do futuro, próximo e distante, e não há ainda novos modelos de consenso como aquele do “progresso” que marcou a burguesia européia e norte-americana no século XIX, e que se estendeu pelo mundo como “desenvolvimento”. Em Florianópolis, todavia, por questões operacionais, os subtemas de planejamento e gestão foram separados em dois: o primeiro tratava de políticas públicas e planejamento urbano e regional, com ênfase nos atores, conflitos e tendências; o segundo, da gestão do território, suas práticas e as possibilidades da política. As incertezas, por sua vez, foram canalizadas para a questão ambiental, e novas temáticas foram incorporadas; entre elas, cabe citar as questões de cultura e identidade, agora reforçadas e diversificadas, e as mudanças climáticas, que pela primeira vez foram objeto de trabalhos apresentados. A questão tecnológica ganhou maior visibilidade, privilegiando a informação e a comunicação em sua relação com o espaço, buscando uma articulação com o ensino, a pesquisa e as práticas nas cidades e regiões. Intimamente ligada a esta temática está a questão das redes que se formam no e através do território, representando um tema que há algum tempo vem sendo trabalhado por pesquisadores da área do PUR. Representa, sem dúvida, juntamente com outras temáticas contemporâneas acima citadas, algumas das novas vertentes dos debates do planejamento urbano e regional entre nós. O XIV ENAnpur foi realizado no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), em 2011, e teve como temática central uma questão política subjacente ao planejamento: “Quem planeja o território? Atores, arenas e estratégias”. É possível notar a continuidade do debate sobre o tema do desenvolvimento, como nas mesas redondas especiais intituladas Arranjos produtivos locais: vetores do desenvolvimento regional e nacional, promovida pelo BNDES; Dimensões territoriais do desenvolvimento: as cidades médias e o Nordeste brasileiro, promovida pelo Centro Celso Furtado; e Por uma agenda de ensino e pesquisa em desenvolvimento regional, promovida pela Anpur. Diversas outras mesas redondas e sessões especiais trataram também do tema, mesmo que nem sempre de forma tão direta. Entretanto, mais uma vez o tema do desenvolvimento ganhou uma Sessão Temática específica. Com 57 trabalhos selecionados, a sessão temática Desenvolvimento regional, regionalismos e pactos territoriais trouxe, através de um conjunto de sub-sessões, um panorama do debate contemporâneo sobre o tema, com um predomínio de trabalhos tratando questões ligadas à dinâmica territorial, às relações contemporâneas e políticas de desenvolvimento regional e urbano, ao planejamento de áreas metropolitanas e ao papel da infra-estrutura produtiva na regionalização e no desenvolvimento. Contudo, como de costume, a temática perpassou outras sessões, como é o caso da sessão temática Política e planejamento urbano: instrumentos, planos e projetos, área com o maior volume de trabalhos (90 trabalhos, entre artigos e pôsteres). Nesse caso, parte expressiva dos trabalhos discutiu o papel do planejamento urbano e sua capacidade de transformar a realidade presente em um momento marcado por antagonismos: de um lado, um crescimento econômico que há muito não se via; de outro, o agravamento de problemas sociais e a persistência de práticas arcaicas de gestão. O debate sobre políticas e programas urbanos, como o Minha Casa, Minha Vida, deu também novo fôlego às discussões articulando as questões habitacionais R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 121 O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R e do desenvolvimento urbano a partir de uma visão crítica sobre a retomada dos financiamentos públicos imobiliários e da produção da habitação – e do espaço urbano – para os setores populares. A discussão sobre grandes projetos, desta feita incluindo mega-projetos urbanos, foi outra temática que ganhou impulso nos trabalhos e debates do XIV ENAnpur, questionando sobretudo o processo de produção da cidade face aos megaeventos esportivos que se avizinham. Sendo o Encontro no Rio de Janeiro, o tema teve ênfase especial. É interessante ressaltar ainda a presença da sessão temática Movimentos sociais no campo e na cidade, na qual foi possível verificar, em alguns trabalhos, o relato de experiências de “alternativas de desenvolvimento”, seja por meio de cooperativas, de assentamentos produtivos de famílias beneficiadas pela reforma agrária, casos de economia popular solidária, ou mesmo novas experiências de autoconstrução da habitação. Pela primeira vez, de forma mais concreta e expressiva, a temática das populações pobres e tradicionais, e dos movimentos populares e das alternativas socioespaciais e econômicas, apareceu de forma articulada e integrada às discussões sobre a natureza do desenvolvimento urbano, rural e regional, no Brasil contemporâneo. Invisíveis por décadas, ou séculos, as massas excluídas e empobrecidas começam a mostrar sua face, seus números, sua força cultural e política. No Encontro de 2011, a temática ambiental apareceu também com destaque na sessão temática Questões ambientais: dimensões políticas, projetos e ação social. Os trabalhos se debruçaram, em sua maioria, sobre conflitos e riscos socioambientais relacionados à produção e ocupação das cidades, bem como à gestão dos recursos hídricos. Apesar da grande diversidade de casos, o texto elaborado pelos coordenadores das mesas revela uma visão preocupante sobre o estado da arte dessa questão ainda nos dias atuais, afirmando que os trabalhos apresentam pouca inovação metodológica, baixo conhecimento da bibliografia disponível e surpreendente desconhecimento sobre serviços ambientais, análises de risco e vulnerabilidade socioambiental. Os coordenadores concluem (em que pese os vários anos em que a temática freqüenta os ENAnpur) que a área de planejamento urbano e regional continua isolada e com baixa interação com as ciências ambientais propriamente ditas. Cabe finalmente ressaltar, com relação ao ENAnpur de 2011, que as 54 sessões livres também abordaram o tema do desenvolvimento, em sua grande maioria, tratando desde questões ligadas à exploração do petróleo e do pré-sal, até a discussão de um modelo de desenvolvimento atual baseado na exportação de recursos naturais. Análises dos resultados obtidos nos esforços recentes de planejamento e tentativas de redução das desigualdades do país, dos limites da infraestrutura social e urbana, e dos megaeventos futuros e seus desdobramentos no desenvolvimento foram também centrais nas discussões, sempre privilegiando as conexões e impactos sobre o desenvolvimento urbano e regional. À GUISA DE CONCLUSÃO Nesses vinte e sete anos de Encontros Nacionais, a Anpur ganhou tal dimensão que, se em seu segundo Encontro, em 1987, foram apresentados cerca de 60 trabalhos, o XIV ENAnpur, em 2011, reuniu 438 apresentações (entre artigos e pôsteres). Além disso, 12 mesas redondas, 54 sessões livres, e outras atividades paralelas reuniram 122 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ROB E RTO LUÍS DE MELO MONT E- MÓR debates de temas múltiplos no campo da pesquisa e do planejamento urbano e regional, implicando novas abordagens e novas questões, sem todavia abandonar temas centrais desde há muito ligados ao desenvolvimento urbano e regional no Brasil. Nesse percurso, a questão do desenvolvimento foi associada a diferentes conjuntos de temas, como foi possível notar a partir das sínteses dos Encontros apresentadas acima. Mesmo quando não esteve presente como foco principal de um dos grupos de trabalho do ENAnpur, o tema do desenvolvimento sempre perpassou as sessões do evento, com abordagens regionalizadas, com perspectivas históricas, com avaliações sobre a atuação do Estado, seus instrumentos de ação urbano-regional e na construção de políticas públicas. Paralelamente, a Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais da Anpur – RBEUR – ampliou essas discussões ao trazer também para os debates da área do Planejamento Urbano e Regional contribuições de estudiosos e pesquisadores não diretamente vinculados aos centros-membros da Associação, firmando-se como uma das mais importantes revistas nacionais na área. Nota-se uma mudança expressiva no tratamento das questões do desenvolvimento, ao longo dessas décadas, e pode-se esperar novas mudanças nos próximos anos. Se no início da Associação as abordagens do desenvolvimento privilegiavam leituras econômicas centradas na problemática regional, ao longo do tempo a questão urbana foi sendo mais claramente explicitada e as questões ambientais surgiram como uma temática central para a abordagem do tema do desenvolvimento. Questões políticas e sociais também ganharam espaço nas discussões e trabalhos da área, e mais recentemente, novos atores e novas questões surgiram na cena regional e urbana para redefinir os debates sobre o planejamento do desenvolvimento. Entre eles, cabe citar a presença dos grandes atores privados envolvidos diretamente no planejamento, como também em parceria com o Estado, fortalecendo as idéias de gestão e governança. De outra parte, novos atores sociais derivados de espaços e grupos sociais historicamente marginalizados ou excluídos, seja populações pobres e/ou tradicionais, seja novas formas de associação e cooperação para a produção, expressam alternativas contemporâneas ao modo de integração social e econômico hegemônico centrado no mercado capitalista. Desdobramentos podem ser esperados no fortalecimento de novos temas, atores e espaços de discussão, e na própria redefinição do desenvolvimento. A exemplo de debates mundiais, as superações das velhas abordagens desenvolvimentistas devem trazer novas questões para o país, na medida que as problemáticas contemporâneas consigam se impor na agenda de ações do Estado, e dos movimentos sociais organizados. Considerando a crise mundial da economia capitalista e a redefinição do papel do Estado na condução dos negócios e das próprias políticas públicas, pode-se esperar um fortalecimento do planejamento e uma importância crescente da questão urbana e regional – e assim, da questão espacial – nos debates acerca do desenvolvimento brasileiro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFONSO, R. B. A. & SILVA, P. L. B. (Org.). Desigualdades Regionais e Desenvolvimento. São Paulo: Fundap / Editora da Universidade Paulista, 1995. AGLIETTA, M. Régulation et crises du capitalisme. Paris: Calmann-Levy, 1976. CANO, W. Auge e inflexão da desconcentração econômica regional. In: AFFONSO, R.B.A.; SILVA, P.L.B. (Org.). A federação em perspectiva. São Paulo: FUNDAP, 1995. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 123 Roberto Luís de Melo Monte-Mór é arquiteto, urbanista, Mestre em Planejamento Urbano (UFRJ); Ph.D. em Planejamento Urbano (UCLA); Professor Associado do Cedeplar e do NPGAU da Universidade Federal de Minas Gerais; bolsista de produtividade do CNPq. E-mail: monte-mor@cedeplar. ufmg.br Artigo recebido em fevereiro de 2013 e aprovado para publicação em março de 2013. O T E M A D O D E S E N V O LV I M E N T O N O C O N T E X T O D A A N P U R DINIZ, C. C. Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração nem contínua polarização. Belo Horizonte. Nova Economia, 3 (1), 1993. __________. A questão regional e as políticas governamentais no Brasil. (Texto para Discussão, 159). Belo Horizonte: Cedeplar, 2001.19 p. FERREIRA, C. G . O Fordismo, sua crise e o caso brasileiro. (Texto para Discussão, 65). Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar. 1993. 32 p. FURTADO, C. 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It implies a critical appraisal of the specific urban and regional themes in connection to development issues, discussed during these thirty years of Anpur’s national meetings and journal. The nature of the discussions, the privileged approaches, and those themes that were highlighted as important in this millennium are emphasized. It also shows the evolution in time of the multiple approaches to development, also considering their adjectivizations and adaptations to contemporary themes, as well as their growing importance within sociospatial and environmental aspects. In addition, it raises some of the many questionings of the concept of development itself, considered as issues that have characterized our contemporary days. 124 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 Em busca do paraíso algumas considerações sobre o desenvolvimento Ester Limonad R e s u m o No intuito de propor algumas possibilidades de reflexão e de ruptura com noções pré-estabelecidas relativas à ideia do desenvolvimento e a sua retomada no discurso acadêmico contemporâneo, procedemos aqui a um exercício de reflexão critica. Sem pretender esgotar o assunto, considerando a existência de mais de meio século de teorizações, resgatamos alguns elementos da origem, das mudanças e variações da ideia de desenvolvimento, bem como introduzimos alguns pontos para fomentar o debate e a reflexão acadêmica. Pal avras-Chave Desenvolvimento; Planejamento; Brasil Chimamanda Adichie (2009) em sua palestra “O perigo da história única” assinala que “histórias importam, muitas histórias importam, histórias tem sido usadas mal e para despojar, histórias podem empoderar e humanizar, podem destruir a dignidade de um povo e também repará-la”. Em seu entender é impossível falar de uma única história sem falar de poder, pois as “histórias se definem com base em relações de poder”, à medida que como, quem, quando, quantas vezes e o que se conta depende do poder. Frisa, ainda que o poder não se limita a habilidade de contar uma história, mas de torná-la a história definitiva. E conclui dizendo que “quando rejeitamos uma história única, quando percebemos haver muitas histórias de um lugar recuperamos uma espécie de paraíso”. Por partirmos de uma linha de interpretação dialética da realidade inspirada pela teoria social crítica, nossa intenção aqui é expor algumas reflexões, ainda em andamento, sobre a ideia do desenvolvimento, propor algumas possibilidades de reflexão e de ruptura com noções pré-estabelecidas e, por assim dizer, calcificadas da reflexão contemporânea relativas a essa ideia e a sua retomada no discurso acadêmico contemporâneo. Esta retomada, de certa maneira, serve de tema a este encontro que vem coroar, muito a propósito, os trinta anos da ANPUR. O que é sobremaneira oportuno, uma vez que o planejamento sempre acompanhou o desenvolvimento, como mostra Roberto Luís Monte-Mór (2013) em seu resgate sobre o tema do desenvolvimento no âmbito da produção acadêmica da associação. Cabe lembrar ainda que A lista de causas do subdesenvolvimento e pobreza no Terceiro Mundo não pode estar completa antes que se dê a devida ênfase a importância do papel desempenhado pelo planejamento. Nem sequer torna-se necessário qualificar de capitalista o planejamento, pois os países subdesenvolvidos não conhecem outro. Sem o planejamento teria sido impossível atingir-se uma intromissão tão rápida e brutal do grande capital nessas nações. (Santos, 1977, p.86). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 125 EM BUSCA DO PARAÍSO 1 Entendido aqui, com base em Poulantzas (1980) não como um sujeito, nem como um bloco monolítico, mas como uma condensação de forças pela qual se estabelece um bloco hegemônico com uma autonomia relativa, atravessado por distintos interesses e constituído por diferentes classes sociais, que conformam conjunturalmente alianças para garantir sua legitimidade e exercer o poder e sua hegemonia sobre os demais membros da sociedade. Milton Santos marca, assim, uma interrelação histórica entre o surgimento do desenvolvimento e o planejamento, distinguindo-o como uma prática relacionada a organização do espaço social, que iria além das propostas do urbanismo. Diferenciação que se mantém até os dias atuais como mostram João Farias Rovati (2013) e Rainer Randolph (2013). Passados trinta e seis anos, as palavras de Milton Santos permanecem atuais e vem ao encontro de discussões mais recentes de diversos autores (Ribeiro e Piquet, 2008; Brandão, 2009) relacionadas à retomada do tema do desenvolvimento no discurso governamental, no discurso dos economistas, dos planejadores e mesmo na produção acadêmica e científica. Desta maneira, por seu sentido político, são bem-vindas e oportunas as ponderações da contadora de estórias nigeriana Chimamanda Adichie (2009), uma vez que sua validade se estende para além do âmbito literário das narrativas. São pertinentes para o que se convencionou chamar de pensamento único, bem como para as representações, a criação de estereótipos e de conceitos e noções usuais em nosso cotidiano. O exercício do poder, historicamente, sempre atravessou direta ou indiretamente a produção do conhecimento científico. Fato sobejamente assinalado por diversos pensadores e intelectuais, embora nunca seja demasiado relembrá-lo. Merecem ser mencionados nesse sentido os esforços de Pierre Bordieu (1989) em O Poder Simbólico, de Henri Lefebvre (1974) em La Production de l’Espace e como não poderia deixar de ser de Antonio Gramsci (1978, 1979) em várias de suas obras. Gramsci, em particular na Concepção Dialética da História e em Os Intelectuais e a Produção da Cultura, assinala a importância de cada grupo social engendrar seus próprios intelectuais. Estes intelectuais teriam por missão contribuir para veicular uma visão de mundo hegemônica a imagem e semelhança das intenções e necessidades de reprodução de seu próprio grupo social, em conformidade com o quadro social em que se inserem. Por conseguinte, o Estado1 necessita possuir os seus próprios intelectuais, assim como os empresários e outros setores que perpassam o Estado, que representam diferentes interesses e capitais diversos. Este pensamento hegemônico tende a aparecer como um pensamento único, portador de uma verdade universal, e por conseguinte ideológico. O poder relacionado a produção de um pensamento único, hegemônico desde sempre atravessou e atravessa, além da produção do conhecimento, as próprias práticas acadêmicas. Porém como ressalta Maurice Godelier (1968, p. 279-280) “a ciência se perde quando começa a ideologia, e a ideologia começa quando se toma uma sociedade como referência absoluta, centro de perspectivas iniciais ou finais”. Procedimentos e rituais acadêmicos indubitavelmente imprescindíveis para garantir a seriedade e rigor da produção do conhecimento científico, também, podem servir de justificativa para a perpetuação de ideias e de concepções anacrônicas. Atitudes que vão de encontro à própria concepção de ciência, que deve ser por princípio movimento, transformação, irreverência e liberdade de pensamento. O contrário seria transformar o pensamento científico em dogma, profissão de fé e ideologia. O poder, portanto, além de ser a habilidade de contar uma história, como salienta Chimamanda Adichie (2009), é também a capacidade de torná-la a versão definitiva, ou ainda, a capacidade de transformar uma teoria em dogma, em ideologia, ou vice-versa, através da manipulação do discurso lógico. Constrói-se, assim, uma representação da realidade, que se pretende verdadeira e única, sem embargo existam outras possibilidades de interpretação. Mediante representações e estereótipos o pensamento hegemônico se imiscui no cotidiano, atravessa as diversas esferas da vida e da 126 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ES T ER LIMONAD reprodução social e, como, não poderia deixar de ser permeia e contamina o próprio conhecimento científico. A repetição, frequência e difusão de certos fenômenos geram, por assim dizer, para aqueles que os vivenciam e presenciam, uma familiaridade, um dejá vu com a forma que esses fenômenos assumem e se manifestam. O mesmo se pode dizer de certas ideias noções e conceitos, que conquistam uma aparente naturalidade, neutralidade e obviedade. O dejá vu, a familiaridade com o objeto, fazem-no parecer conhecido, quase que de modo decisivo, como se tudo a seu respeito já estivesse dito e explicitado, sem haver mais o que se dizer e fazer. Constrói-se, assim, através da familiaridade e de uma aparente naturalização do objeto não apenas uma explicação única, mas uma explicação em aparência definitiva. As relações de poder que permeiam a sociedade e a vida cotidiana contribuem para essa naturalização e incorporação ao cotidiano de diferentes fatos, fenômenos e ideias. Agnes Heller (1972) em Quotidiano e História ressalta a capacidade dos seres humanos em situações de guerra, de conflito e de violência de incorporarem e tornarem natural em seus cotidianos comportamentos e procedimentos incomuns a uma sociedade em tempos de paz. Para se poder perceber essas mudanças de significado dos conceitos e das ideias cabe aqui, portanto, um exercício de estranhamento do familiar, neste caso da ideia contemporânea do desenvolvimento. Não se tem aqui a pretensão de dar conta, nem tampouco de esgotar o assunto, uma vez que temos mais de meio século de teorizações e propostas a respeito da ideia contemporânea de desenvolvimento. Mas sim, nos propomos a resgatar alguns elementos da origem, das mudanças e variações da ideia de desenvolvimento, bem como introduzir alguns pontos para uma discussão sobre este tema no âmbito da teoria social crítica. Fazemos isso na perspectiva de, como diz Chimamanda Adichie (2009), apontar que podem existir outras interpretações e significações para esta ideia e, com isso, quem sabe possamos conquistar uma espécie de paraíso, de onde o subtítulo deste artigo. Iriamos, assim, ao encontro da “função principal da intelectualidade, isto é, o casamento permanente com o porvir, por meio da busca incansada da verdade” como propõe Santos (2000, p. 74). O estranhamento de um conceito, de uma noção, de uma ideia, da ideia do desenvolvimento, objeto desse ensaio, não obstante atual e contemporânea, exige um esforço crítico de reflexão. Por partilharmos da opinião de Milton Santos (2000, p. 74) de que “o terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais” e de que “tais letrados, equivocadamente assimilados aos intelectuais, ou não pensam para encontrar a verdade, ou, encontrando a verdade, não a dizem” (Santos, 2000, p.74), entendemos que nossa tarefa intelectual é apontar e dizer que o rei está nu, mas não necessariamente costurar uma nova roupa para o rei. Nessa perspectiva entendemos que partir do real, do aparente, do que se percebe a partir da mera contemplação do mundo, dos fatos como parecem ser em si, implica em ignorarmos que aquilo que se percebe como real, não é eterno e imutável, nem existe em si e por si. Ao contrário, o mundo resulta de diferentes práticas espaciais, sobrepostas umas as outras ao longo do tempo, voltadas para a (re)produção material da vida, que historicamente compreende a reprodução biológica e social, da família e da sociedade (Lefebvre, 1976). A percepção do mundo e das coisas difere de indivíduo para indivíduo, de sociedade para sociedade (Eco, 1971). Nessa percepção interfere não apenas a experiência vivida, R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 127 EM BUSCA DO PARAÍSO o conhecimento adquirido, mas a cultura e as representações sociais hegemônicas, que definem a forma com que os homens se relacionam entre si e com a natureza. Assim, a produção de conceitos, assim como “a produção das ideias, das representações, da consciência está a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material e o intercâmbio material dos homens” (Marx e Engels, 1976). Por conseguinte, cada sociedade além de produzir seu próprio espaço, constrói suas próprias representações do espaço, hegemônicas e subversivas, que informam as práticas espaciais, a linguagem e mediam as relações que os homens estabelecem entre si e a natureza para garantir sua própria reprodução material. E, aí também, se inserem as relações de poder, de dominação e os fatores que garantem sua reprodução. Essas representações além de permearem a vida cotidiana, os atos mais simples levados a cabo no dia a dia, atravessam não apenas o saber fazer as coisas, mas a própria produção do conhecimento. O conhecimento científico demanda a superação das afirmações e constatações do senso comum e a contestação das visões ideológicas (Gramsci, 1978; Godelier, 1968, p. 280). O papel da reflexão teórica crítica é superar as limitações que essas representações, por vezes pré-concebidas ou mesmo familiares, impõem a produção do conhecimento para tentar explicar a totalidade. E, isto deve ser feito a partir de um método de aproximação da realidade que parta “dos homens realmente ativos, e com base no seu processo real de vida”, como propõem Marx e Engels (1976) ao invés de fazê-lo a partir do que os homens dizem, imaginam ou se representam conforme a proposta de Hegel. Em ambos os casos trabalha-se com representações, a diferença fulcral reside no ponto de partida. Na perspectiva ideal hegeliana a realidade se constrói primeiro no mundo das ideias para depois chegar aos homens e à sua vida. A inversão operada por Marx e Engels (1976) subverte a ordem de reflexão proposta por Hegel, ao propor partir dos homens reais, de sua vida, de seu desenvolvimento prático, porém não enquanto homens em si, por si, mas também enquanto representações, mas representações que não podem ser separadas das relações sociais de produção e do desenvolvimento histórico. Afirmam com isso a primazia do tempo histórico sobre o espaço hegeliano, como assinala Edward Soja (1993) e junto com isso a historicidade dos conceitos e categorias analíticas, bem como da reprodução social da totalidade. O que permite articular, dialeticamente tempo e espaço, espaço e tempo, em que um determina e condiciona o outro. E, é na perspectiva dialética e histórica, regressiva-progressiva (Lefebvre, 1975), que cabe pensar a produção do conhecimento e refletir sobre a ideia de desenvolvimento hoje. O estranhamento de um conceito, de uma noção, objeto desse ensaio, não obstante atual e contemporânea, exige a volta a sua origem, a sua história, a que serviu sua criação. Em uma perspectiva lefebvriana trata-se de regredir para progredir. Escobar (1995, p. 86-87) entende que o desenvolvimento não se resumiria a combinação ou somatório de fatores ligados a processos socioeconômicos, como a formação de capital, disponibilidade de tecnologia, existência de políticas monetária e fiscal, de industrialização e desenvolvimento agrícola, comercial e empresarial; a fatores culturais e/ou institucionais, como a criação de instituições desenhadas para promover o desenvolvimento, tais como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, organismos setoriais das Nações Unidas, as quais vieram se somar a Organização Mundial do Comércio, a Organização dos Países Produtores de Petróleo, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD), entre outros. O desenvolvimento tampouco seria um produto da introdução de novas ideias, mas 128 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ES T ER LIMONAD ao contrário o discurso do desenvolvimento se constituiria pós-1945 graças ao sistema de relações que se estabeleceu entre estes elementos e sua sistematização para formar um todo com coerência própria direcionado a objetos específicos, tais como a pobreza, as carências tecnológicas, de capital, a existência de serviços públicos inadequados, as altas taxas de crescimento demográfico, etc. De onde se tem que a articulação e estruturação desse sistema de relações em diferentes escalas, do local ao global, contribui para legitimar um sistema de intervenção e de dominação através das referidas instituições internacionais, o que dá condições ao capitalismo de articular, organizar, subordinar, controlar e gerir países diversos em um único sistema global, onde as dimensões econômicas, sociais e ambientais da reprodução social se interpenetram e se confundem. Deste modo, a partir do exposto até aqui, parece necessário e pertinente levantar e explorar apenas algumas questões, ainda que rapidamente, para criar um pano de fundo crítico e provocativo para esse encontro da ANPUR que ora se inicia. Questões que em si mesmas podem parecer óbvias e simples, mas não o são, e que cabem ser respondidas e esclarecidas, ainda que a nível exploratório, para se pensar as bases, eixos e elementos norteadores da política nacional de desenvolvimento regional. Questões que se dividem em quê, quem, em que escala e como. Comecemos pelos quê. Na linha dos “quê” cabe questionar já de inicio: Que desenvolvimento é esse? De que desenvolvimento se está falando? A ideia, o termo desenvolvimento abarca múltiplas dimensões e significados muito diferentes, que dependem via de regra do sujeito, do objeto e do alvo social do discurso do desenvolvimento. Sem dúvida é quase impossível chegar a um significado consensual. Muito embora este seja um conceito central da contemporaneidade, que sem dúvida contribuiu e contribui para o desenvolvimento de muitos daqueles que com ele trabalham. Farzana Naz (2006) ressalta que a Organização das Nações Unidas possui as suas agencias de desenvolvimento. O Banco Mundial o incorporou ao seu nome e tornouse o Banco Internacional da Reconstrução e do Desenvolvimento (Bank of International Reconstruction and Development - BIRD). Milhares de pessoas ao redor do mundo se encontram a serviço do desenvolvimento. Bilhões de dólares são gastos anualmente em nome do desenvolvimento. É muito difícil encontrar um país que não possua uma agencia de desenvolvimento, muito menos em países do terceiro mundo. São realizadas incontáveis conferências e encontros mundiais e nacionais para promover o desenvolvimento, com especialistas e representantes governamentais provenientes de todas as partes do mundo. No entanto, a despeito disso tudo, aumenta o número de pessoas vivendo abaixo do limiar da pobreza, sem comida, sem água, sem esgoto, sem condições mínimas de higiene. Em uma conversa informal sobre o tema, Utpal Sharma do CEPT (Índia), comentou que depois de dez anos de conferencias sobre o desenvolvimento no Nepal, com hotéis cheios de conferencistas internacionais de todas as partes do mundo discutindo a pobreza e as possibilidades de desenvolvimento para o Nepal, a estrada para Katmandu permanece até hoje sem pavimentação. O mesmo podemos dizer dos problemas de abastecimento de água no Nordeste no Brasil, que até hoje carecem de solução, a despeito da criação em 1946 do Instituto Federal de Obras Contra a Seca, que deu origem ao atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca; isso sem falar das precárias infraestruturas de transporte nos grandes centros urbanos brasileiros, a R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 129 EM BUSCA DO PARAÍSO despeito da existência de planos de metropolitanos quase centenários, lembrando que nenhum dos metrôs brasileiros merece esse nome, uma vez que sequer ultrapassam os limites dos núcleos metropolitanos a que pertencem. O discurso do desenvolvimento após a 2ª Guerra Mundial é distinto das visões precedentes de desenvolvimento, as quais não iremos tratar aqui a despeito de sua importância, havendo sido abordadas em profundidade por outros autores (Escobar, 1995; Pieterse, 2001; Slater, 1973, 1993). Então, grandes mudanças estavam tendo lugar, com a afirmação da ideologia Truman e a divisão bipolar do mundo, entre países capitalistas e o bloco comunista. Imediatamente, após o discurso de Truman em 1949, mais da metade do mundo tornou-se subdesenvolvida, sendo diferenciada e subalternizada de forma generalizada, com tudo o que o termo acarreta, ou seja sub-tudo. Posteriormente, a ideia de Terceiro Mundo surge como uma palavra polida, correta para designar um heterogêneo conjunto de países considerados pobres, bem como para legitimar um apoio e intervenção externas, através do planejamento, de forma alheia e independente do desejo desses países, que involuntariamente com esse discurso se converteram em alvos e objetos a serem modernizados, reformados, planejados, enfim desenvolvidos. Desde então, o discurso do desenvolvimento tem operado no Brasil e em outros países como uma resposta a superação da pobreza, dos hiatos tecnológicos, e de carências diversas (analfabetismo, inanição, endemias, saneamento, etc.). Pobreza e desenvolvimento definidos e mensurados em relação a um conjunto de índices e indicadores em permanente atualização, criados por especialistas internacionais especialmente para promover o desenvolvimento, tendo por referencia padrões dos países desenvolvidos ocidentais. E, com base nestes indicadores fizeram-se diagnósticos, desenharamse programas, implementaram-se políticas, estabeleceram-se padrões a serem atingidos e criaram-se organismos e instituições internacionais com programas e fins específicos (Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, para a Saúde, para a Habitação, para a Alimentação e Agricultura, etc.). Com isso criou-se toda uma ampla expertise global sobre o desenvolvimento e seus desdobramentos setoriais, a qual serve para alimentar políticas, implementar programas e operacionalizar estratégias financiadas pelo Banco Mundial e outros bancos de desenvolvimento. E, por vezes, para viabilizar a existência de grandes firmas de projetos e de consultoria internacionais e nacionais. Se lançarmos um olhar crítico sobre o desenvolvimento poderemos perceber que o tema do desenvolvimento, enquanto discurso possui traços de outros discursos coloniais, colonizantes, que nos remetem a pensá-lo não apenas sob a abordagem do impacto civilizatório de Otávio Ianni (1989) ou sob o olhar da história única de Chimamanda Adichie (2009), mas também sob a perspectiva do orientalismo de Said (2003). O discurso do desenvolvimento de certa forma substituiu o colonialismo, no entanto, de forma ampliada pode ser entendido como uma manifestação histórica concreta da capacidade do pensamento hegemônico de cada período em fazer aparecer e prevalecer uma visão, a sua. As mudanças de ênfase, de preocupação, as diferentes significações atribuídas ao desenvolvimento teriam por base mudanças nas relações de poder e hegemonia (Pieterse, 2001, p. 7), relacionadas a diferentes contextos históricos e conjunturas políticas, resultando, assim em práticas específicas. Assim, após 1945, à invenção do subdesenvolvimento seguiu-se a do Terceiro Mundo (Santos, 1977) e muitas outras depois se sucederam, que ao mesmo tempo 130 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ES T ER LIMONAD que conferiram legitimidade para a intervenção e ajuda externas, fundamentaram o discurso do desenvolvimento. O qual nessa perspectiva geral cabe ser entendido como um discurso neocolonial, homogeneizante. Isto por que, a um só tempo, o discurso do desenvolvimento e as instituições que instrumentalizou e instrumentaliza eliminam as diferenças, as especificidades e as riquezas culturais de cada país. Ao designá-los de subdesenvolvidos é como se esses países jamais houvessem sido outra coisa além de pobres (Slater, 1973, p. 24-26), como se não possuíssem passado, civilização ou história próprias. Ao se descartar a possibilidade de alteridade, de diferença, todas as sociedades e culturas são reduzidas a meras manifestações da história e da cultura europeia (Escobar, 2003, p. 68). Não por acaso o termo desenvolvimento é associado a ideia de modernidade, de progresso e de processo civilizatório. Todos estes processos, modernização, civilização, etc. dizem respeito às necessidades impostas para a reprodução hegemônica, qual seja a do capital. Nas palavras de Ianni O colonialismo, imperialismo, nacionalismo, cosmopolitismo e internacionalismo podem ser vistos como produtos e condições de um amplo processo de europeização do mundo. Em distintas formas e ocasiões, os países e continentes atrelam-se desigual e contraditoriamente ao que parece ser a força civilizatória do capital. (Ianni, 1989) A ideia de desenvolvimento além de dividir os países em duas categorias: os desenvolvidos e os que não o são, ainda, fornece suporte a racionalizações e a um pensamento que instrumentalizam o modo com que as instituições internacionais de fomento, de apoio, de ajuda externa, usualmente sediadas em países desenvolvidos, se relacionam com os chamados países não-desenvolvidos, em desenvolvimento, subdesenvolvidos, do Terceiro Mundo, do Sul. Desta forma esta ideia e seu discurso capacitam às instituições internacionais dedicadas ao desenvolvimento e ao capital a atuar em diferentes dimensões, esferas e escalas e a “exercer uma espécie de missão civilizatória, em cada país e continente, no mundo” (Ianni, 1989). A definição de indicadores, elaboração de projeções, estatísticas e adoção de métodos de diagnóstico confere um caráter técnico-cientifico e de neutralidade ao discurso do desenvolvimento. Bem como confere aos países desenvolvidos, por seu próprio status de desenvolvidos, uma expertise para lidar com os países não-desenvolvidos, que lhes permite, como salienta Said (2003), a fazer afirmações sobre estes países e se arrogar o direito de ensiná-los, arrumá-los, bem como arbitrar o seu risco financeiro e político, e mesmo impor receituários a serem seguidos para alcançar o desenvolvimento, ou ainda governá-los no intuito de desenvolvê-los. Sem dúvida a ideia de desenvolvimento converteu-se em um poderoso mecanismo para a produção e gerenciamento do Terceiro Mundo nos últimos sessenta e quatro anos, havendo servido de sinônimo de mudanças econômicas, sociais e políticas nos países da África, da Ásia, da América do Sul, da América Central e do Pacifico Sul. Porém, após mais de seis décadas de políticas de desenvolvimento e de ajuda externa, muitos destes países seguem em desenvolvimento ou subdesenvolvidos com dividas cada vez maiores com o FMI e com outras agencias internacionais de desenvolvimento. E, muitas vezes, apresentam um agravamento dos problemas ou, ainda, das desigualdades socioespaciais. O insucesso dessas políticas de desenvolvimento, segundo as agencias promotoras e seus especialistas, estaria mais relacionado à desobediência desses países à agenda estabelecida por elas e não à incapacidade dos programas e receiR . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 131 EM BUSCA DO PARAÍSO tas impostas por estes organismos de darem conta das realidades complexas, diversas e heterogêneas de cada país. Por seu significado vago e abrangente, aparentemente apolítico e a-histórico, a ideia de desenvolvimento em si mesma apela a diversos grupos com interesses diversos, que a veem de diferentes formas e de acordo com agendas políticas próprias. Muitos tendem a confundir desenvolvimento e crescimento e a usá-los como sinônimos, ou inclusive se adotam termos aparentados tais quais modernização e progresso socioeconômico, aparentemente de mais fácil compreensão, como se fossem sucedâneos da ideia de desenvolvimento ou resultados a serem alcançados com o desenvolvimento. Ao longo dos anos multiplicaram-se os rótulos para designar os países vistos como subdesenvolvidos, menos desenvolvidos, em desenvolvimento, do Terceiro Mundo, de desenvolvimento tardio e Sul. Essa rica diversidade de rótulos serve para abrigar um grupo heterogêneo e diverso de países, independente de seus regimes políticos, de suas orientações políticas à esquerda ou à direita, de suas culturas, de suas especificidades, de suas formações sociais e econômicas, todos unidos, porém, em seu compromisso com o desenvolvimento. Embora não haja uma unidade, ou mesmo um consenso sobre o significado do termo. Para alguns o desenvolvimento (ver a respeito Escobar, 1995, 1997, 2003; Pieterse, 2001; Slater, 1973) se traduziria em • Crescimento Econômico e Progresso, tendo por base uma perspectiva evolutiva de etapas a serem vencidas. O progresso seria uma decorrência inequívoca do crescimento econômico e do produto interno bruto e uma forma de superar a escassez dos recursos frente a pressão demográfica. • Modernização, concepção fundada em uma abordagem dual, o desenvolvimento se traduziria pela transição de uma situação de atraso, de marginalidade para uma moderna, compatível com os padrões dos países ocidentais desenvolvidos. • uma expressão da relação Centro–Periferia, ou seja uma variação mais sofisticada e espacial da abordagem dual, que se traduz pela relação de dominação-subordinação entre centros avançados e periferias atrasadas, em que o desenvolvimento destas ultimas alimenta um maior desenvolvimento daqueles, além de servir para perpetuar as relações de dependência. • redução da pobreza, do desemprego e da desigualdade econômica; • elaboração de políticas públicas que atendam aos interesses localizados de diferentes classes em disputa pelo poder, em que se privilegiam os interesses de burguesias nativas, metropolitanas e de proprietários fundiários. • suprir carências detectadas em relação a padrões dos países avançados ocidentais e obliterar as alternativas e possibilidades nativas. • capacitação de grupos sociais específicos a melhorar suas condições de vida, com raízes na educação comunitária e ação britânica na Índia durante a década de 1930, repensado atualmente para o desenvolvimento rural, para o desenvolvimento das mulheres, etc.; • resultado de esforços individuais voluntários em resposta a expansão de oportunidades, visão vigente com o neoliberalismo em que o mercado autorregularia as oportunidades de desenvolvimento; • empoderamento e auto-definição de grupos sociais, a partir de leituras nativas próprias, pois como salienta o escritor nigeriano Ngugi “controlar a cultura de um povo é controlar seus meios de se auto-definir em relação aos outros” (apud Slater, 1993, p.12). 132 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ES T ER LIMONAD À exceção das duas últimas interpretações, que veem respectivamente o desenvolvimento como uma atribuição do mercado a partir da emergência do neoliberalismo, como uma tarefa da sociedade em uma reação ao neocolonialismo, as demais interpretações atribuem essa responsabilidade ao Estado. O que fica claro é que o discurso do desenvolvimento é um discurso de poder, que se propõe a transformar um estado de coisas. Não obstante, conforme salienta Slater, (1973, p. 26) sua difusão e implementação tendam a reforçar a dependência e a perpetuar o subdesenvolvimento. E, neste sentido o planejamento econômico, urbano e regional constitui-se em sua ferramenta por excelência, pois, como salienta Santos “o planejamento tem sido um instrumento indispensável à manutenção e ao agravamento do atraso dos países pobres, assim como ao agravamento ou exacerbação das disparidades sociais” (Santos, 1977, p. 86). Todavia, a despeito de inúmeros trabalhos científicos mostrarem que o desenvolvimento é injusto e não funciona (Sachs, 2007, p.2), embora décadas de intervenções de ajuda para o desenvolvimento tenham se mostrado ineficazes, catastróficas e pouco efetivas para as populações e culturas alvo da ajuda (Naz, 2006), centenas de especialistas a serviço de instituições internacionais, de órgãos de governo em diferentes escalas seguem elaborando novas formas de discurso do desenvolvimento, novas propostas e novos planos. Isto porque o discurso e a ação para o desenvolvimento mostraram-se eficazes para o desenvolvimento daqueles que o promovem, afinal como salienta Sachs (2007, p.3) “em 1960 os países do Norte eram 20 vezes mais ricos do que os do Sul, em 1980, eram 46 vezes”. O que corrobora a concepção de Peter Berger (1976, p. 34 e 241, trad. autor) de que o desenvolvimento seria o “processo pelo qual os países pobres ficariam mais ricos e os países ricos ficariam ainda mais ricos”. Agora os especialistas, as instituições e os bancos de desenvolvimento se preocupam com o desenvolvimento sustentável, com o desenvolvimento das mulheres e com a erradicação da pobreza além do desenvolvimento regional, ou melhor com o desenvolvimento regional sustentável. E, mesmo assim, o termo permanece vago e sem um significado consensual, não obstante seja uma bandeira comum a todos, e poderíamos dizer parafraseando Umberto Eco (1984), que o desenvolvimento é um termo adotado sem restrições pelos papistas, pelos comunistas, pelos maoístas, pelas feministas e pela liga anti-aborto ou como assinala Sachs “brandido pelo FMI e o Vaticano, por revolucionários carregando suas armas bem como por especialistas carregando suas Samsonites” (Sachs, 2007, p. 4, trad. autor). É justamente este seu caráter vago e sua capacidade de denotar uma “possibilidade favorável de mudança, do simples para o complexo, do inferior para o superior, do pior para o melhor” (Esteva, 2007, p. 10) que permite que a ideia de desenvolvimento seja apropriada por diferentes grupos com distintas orientações políticas para fins diversos, sob a justificativa de atender a um bem maior, ou mesmo a um “futuro comum”. No entanto, assim como a concepção de desenvolvimento permanece vaga, cabe perguntar, em nosso caso, em se tratando de um país de dimensões continentais: Quê regional é esse? Como se constrói e se pensa o regional? Segundo os entes federados, ou algo que vai mais além disso? Em termos de bacias hidrográficas, de interesses econômicos e regionais localizados? Em termos de políticas setoriais? De regiões econômica ou socialmente definidas? As possibilidades são múltiplas, porém na maior parte das vezes são implementadas políticas sem que suas ações e efeitos apresentem contiguidade territorial. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 133 EM BUSCA DO PARAÍSO 2 Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. E que sustentabilidade é essa? Existe desenvolvimento não sustentável? Esta é uma contradição de termos em principio. Pois se é insustentável, é apenas momentâneo. Se é momentâneo merece então ser chamado de desenvolvimento? Tratamos esta questão anteriormente (Limonad, 2013), no entanto Gustavo Esteva (2007, p.16) sintetiza nossa visão a esse respeito, ao salientar que “em sua principal corrente de interpretação, o desenvolvimento sustentável foi explicitamente concebido como uma estratégia para dar suporte ao ‘desenvolvimento’, não para fortalecer e manter uma infinita diversidade da vida natural e social”. Como dissemos ao inicio tudo gira em torno, em principio, da questão chave e óbvia: de quê desenvolvimento se está falando? Como já dissemos crescimento e desenvolvimento são diferentes. De tudo o que foi exposto até aqui pode-se dizer que desenvolvimento é olhar para o futuro, é ousar, é mudar o patamar de crescimento, superar os interesses de lobbies de interesses e de grupos sociais localizados. Cabe aqui, abrir um pequeno parênteses, para diferenciar crescimento e desenvolvimento, fazermos uma analogia com um bebê recém-nascido, que apenas crescesse e não se desenvolvesse. O resultado é que após dezoito anos, tempo suficiente para este bebê atingir a idade adulta, teríamos um ser instintivo, não pensante, sem condições de se relacionar, comunicar ou falar. A diferença entre ambos é que crescimento se traduz em quantidade e desenvolvimento em qualidade. Portanto, desenvolvimento não se traduz pura e simplesmente em crescimento ou em expansão. Desenvolvimento implica em adaptabilidade, em mudanças qualitativas. O que não significa seguir padrões pré-estabelecidos ou hegemônicos. Antes de prosseguir cabe outra pergunta, a segunda que nos fizemos ao inicio: Quem? Quem promove o desenvolvimento? Quem decide e planeja o que desenvolver? O Estado? O IPEA2? O Ministério do Planejamento? O Ministério da Integração Nacional? Perguntas sem resposta. Entra aqui o caráter opaco e não-transparente do Estado e do processo de tomada de decisão em relação ao planejamento. Lembrando aqui, mais uma vez as palavras de Santos (1977) de que o planejamento em nosso país sempre foi de cima para baixo e que sem esclarecer o papel do planejamento seguimos no escuro, tateando caminhos e soluções com políticas setoriais. Mas quem financia? De onde vem o dinheiro, os recursos financeiros? Esta pergunta surgiu outro dia. Esta ao menos aparentemente é mais fácil de responder. Ora é o BNDES, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social. De onde vem o dinheiro? Do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e de outros fundos. Mas seria interessante ver para onde vão os recursos do BNDES e qual o papel do BNDES. Cabe ressaltar que foram necessários trinta e cinco anos para acrescentar o S de Social no nome do banco, criado durante o segundo governo do Presidente Getúlio Vargas (1951-1954) como Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico em 1952, como parte de um projeto de construção nacional. E, em seu aniversario de sessenta anos, lá se foi o significado do E do S – agora o BNDES é o Banco do Desenvolvimento. Ou seja, com isso foi-se também o N, de Nacional. Agora o BNDES é o Banco do Desenvolvimento, o que nos reporta a uma outra questão que levantamos ao inicio, a da escala. Agora não se trata mais apenas do desenvolvimento do Brasil, mas de sua afirmação internacional, enquanto potência emergente e nesse sentido o BNDES tem agido eficazmente. O BNDES ingressou na bolsa de Londres e passou a investir no de134 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ES T ER LIMONAD senvolvimento de outros países, de onde a sutil mudança. Estamos nos internacionalizando, nos tornando imperialistas. Atualmente o BNDES financia o desenvolvimento de países do Cone Sul, da América Central e da África entre outros. Sem dúvida o BNDES está olhando para o futuro, para outras escalas de atuação, para dentro e para fora do país. Afinal o BNDES afirma ter mais recursos que o BID, o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Se antes a preocupação precípua era dar suporte a construção da nação, seguida pela integração e modernização do território, agora o BNDES se volta para outras escalas. Sua ação se torna multi-escalar e passa a abranger desde as escalas locais e regionais até a escala internacional, mundial, compreendendo agora a expansão do mercado além das fronteiras nacionais, a ampliação da cooperação internacional e empresarial de modo a trazer para o âmbito de seus investimentos e de seus parceiros os países da América Latina, América Central, África e Ásia. Dá suporte, assim, a ação internacional de empresas estatais como a Petrobrás, a Eletrobrás, conjugada a ação das grandes empreiteiras nacionais, financiando a construção de estradas, a implantação de redes de energia elétrica e implementando projetos de extração mineral em diversos países. Estabelecer o “quem”, portanto, é fundamental para se entender quem promove o desenvolvimento, bem como para esclarecer como se pensa e se entende o desenvolvimento. Pois, o “quem” é essencial para definir o tipo de desenvolvimento que se promove. E o BNDES é coerente com sua identidade e missão, pois afinal como o seu próprio nome o diz, trata-se de um banco. Então, a pergunta que fica é: o que fazer? Como pensar o desenvolvimento? Que desenvolvimento queremos? As opções e os significados como vimos são múltiplos e diversos. E agora, como se não bastasse cabe, ainda perguntar desenvolver o quê? Pois, de acordo com os órgãos de consultoria internacionais e outros organismos enfim o Brasil se tornou um país desenvolvido. Resta informar aqueles que vivem abaixo do limite da pobreza, os invisíveis, os indocumentados, os sem-teto. Da mesma forma que fomos um dia declarados subdesenvolvidos, agora nos emancipam. O que isso significa? A primeira consequência é passarmos a ser tratados como países desenvolvidos. E isso se traduz no fim das politicas de apoio e de fomento internacional, no fim dos recursos internacionais para promover o desenvolvimento. Os hiatos a serem superados, no entanto, permanecem e são velhos conhecidos: energético, transportes, educação e a redução da pobreza com a formação de um mercado consumidor. Como diz Tania Bacelar de Araújo o brasileiro não está preocupado com a taxa de juro, mas se a prestação cabe no bolso. Poderíamos dizer, inspirados nos neomalthusianos, que com a transição demográfica recente, com o aumento dos casais GLS3, com a redução das taxas de fertilidade, a tendência seria sem duvida reduzir a pobreza através da queda da taxa de crescimento da população. Formando-se, assim, no médio prazo um mercado consumidor mais consistente. Porém, não podemos nos esquecer que nos convertemos em um polo de atração de migrantes latinos, bolivianos, peruanos, colombianos e mexicanos. Resta pensar e responder o quê financiar. O que fazer para promover o desenvolvimento local e regional, para superar as desigualdades internas? Como mudar o patamar de crescimento? Como desenvolver? Com o fim da ajuda externa, os grandes eventos se multiplicam como forma de busca de recursos financeiros. Jogos Pan-americanos, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos convertem-se em fontes de investimentos para os governos locais, granR . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 135 3 Abreviação usada para designar o conjunto formado por gays, lésbicas e simpatizantes. EM BUSCA DO PARAÍSO des empreiteiras e lobbies de interesses localizados. Embora apareçam como possíveis oportunidades para a modernização das infraestruturas de transportes inspirados em modelos internacionais paradigmáticos, o que se faz é reformar e construir estádios de futebol pelos quatro cantos do país. Faz parte diriam alguns. Mas o que não faz parte é não avançar e ficar olhando para o passado. Investe-se, também, maciçamente, em transportes de massa, mas ao invés de se pensar em uma política de acessibilidade total, de transportes de massa sobre trilhos, investe-se em sistemas de ônibus rápidos (BRTs). “Os BRTs funcionam muito bem!” dizem os planejadores e gestores municipais. “Os ônibus são ótimos e estão sendo modernizados!”. Infelizmente, quem diz isso não anda de ônibus, tampouco se sujeita a escalar uma carroceria de caminhão sobre a qual o ônibus é montado, muito menos a passar por uma roleta estreita, apertada e se equilibrar precariamente enquanto o motorista arranca ou freia bruscamente, para ao final sair do ônibus com manchas rochas pelo corpo A única perspectiva animadora com relação aos BRTs é que talvez, assim, quem sabe, em um futuro não tão remoto, os governantes resolvam ocupar uma, apenas uma das pistas de BRT, para colocar bondes de superfície com pátios de espera. Os quais não vão ficar se ultrapassando uns aos outros, como mamutes em disputa e que como os modernos bondes ao redor do mundo seriam de mais fácil acesso a idosos, ciclistas, crianças e pessoas desabilitadas. No contexto atual em que vivemos para avançar é necessário superar a falta de transparência e de representatividade política. Superar o jogo do bicho em que se converteu o processo eleitoral. Urge caminharmos para nos desvencilhar de heranças da ditadura, não apenas dos militares, mas do Estado Novo, do voto obrigatório, da voz do Brasil, da propaganda eleitoral. Padecemos de uma modernização incompleta, que nos faz parecer a Bélgica e a Índia ao mesmo tempo. Ou como diriam Gilberto Gil e Caetano Veloso em uma de suas musicas, o Haiti é aqui. Como vimos antes, o desenvolvimento não se resume a melhorar as condições de vida da população, com uma maior acessibilidade a bens e serviços. Pensar em desenvolvimento econômico, social e ambiental implica em formar cidadãos, em construir uma consciência cívica, exige melhorar as condições de vida da população e da reprodução social, reconhecer e respeitar a diversidade social, o direito a diferença. Significa, também, juntamente com isso investir em educação, em saúde, em gerar empregos, em infraestruturas de abastecimento, comunicação e transportes. País desenvolvido é onde quem tem dinheiro usa transporte e serviços públicos. Essa parece ser a única forma de avançar, de mudar de patamar qualitativo. E, isso só será possível olhando para o futuro, buscando superar interesses localizados, através da mobilização social, forjando consciências, construindo arranjos, acordos e compromissos sociais. Lembrando, que ninguém vive em regiões, mas sim em lugares, em espaços cotidianos. Este é o desafio que se coloca daqui para a frente. Perguntas também não muito fáceis de responder, ficam por ser respondidas. Encerro por aqui com algumas palavras de Milton Santos De um ponto de vista das ideias, a questão central reside no encontro do caminho que vai do imediatismo às questões finalísticas. De um ponto de vista da ação, o problema é superar as soluções imediatistas, eleitoreiras, lobistas, e buscar remédios estruturais duradouros. (2000, p.116) 136 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 ES T ER LIMONAD E, nessa perspectiva parece-nos cabe buscar conciliar diferentes visões, encontrar novos patamares de entendimento. Pois, diante do mundo atual, as condições estão dadas para que possamos avançar rumo a uma sociedade mais equânime e com menos desigualdades. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADICHIE, C. The danger of a single story. (vídeo) Disponível em <http://www.ted.com/talks/ lang/pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html>. Acessado em 20 de março de 2013. BERGER, P. Pyramids of Sacrifice. New York: Anchor Books - Doubleday, 1976. 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E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 Artigos “Europeanisation” of planning education? an exploration of the concept, potential merit and issues Andrea Frank R e s u m o Há diferentes perfis da profissão de planejamento nos países europeus. Resulta daí, que comparativamente os modelos de ensino de planejamento diferem consideravelmente. E os curricula tendem a refletir e atender a necessidades nacionais. Programas e/ou certificaçãões profissionais estão também intimamente ligados a critérios e padrões determinados nacionalmente. Entretanto, os formatos de ensino e particularmente os curricula evoluíram e, nas duas últimas décadas, muitas mudanças foram introduzidas no ensino de planejamento europeu. Além da reestruturação para adequar os programas com os ciclos de ensino superior de Bolonha, houve melhorias em relação a oportunidades de mobilidade integrada e a oferta conjunta de diplomas de mestrado por instituições, em colaboração, de diferentes países europeus. De forma crescente os educadores incorporam unidades de ensino sobre planejamento espacial europeu, políticas de coesão e instrumentos fiscais que impactam as políticas e práticas de planejamento local, regional e nacional. Este artigo trata de uma investigação inicial sobre se estas melhorias contribuíram para uma “europeização” do ensino de planejamento e dos valores e questões associados a estas mudanças. Introduction Planning education programmes as opposed to individual courses or modules on planning topics were first introduced at European universities at the beginning of the 20th century, in particular in the UK (e.g., Batey, 1985), but also elsewhere (Frank and Mironowicz, 2009). These early degrees were post-professional awards aimed at providing engineers, architects and surveyors with additional knowledge and skills in the (new) art of planning town extensions for rapidly expanding urban areas. From those seeds, planning gradually developed into a recognised professional field or at least specialisation as the legal and administrative practices that govern urban growth and development as well as infrastructure creation grew into sophisticated planning systems. In different countries developments followed different paths leading to planning systems and cultures that are distinct in cross-national comparison (Newman and Thornley, 1996; Alterman, 1992; Nadin and Stead, 2008). Planning education for the most part mirrors the ideologies underpinning national planning practices and consequently curricula and indeed planning education differs likewise. In a review of the planning education provision in 12 countries, RodriguezBachiller (1988) identified three basic models. The first model perceives planning and the planning profession as a mere specialisation of an overarching (technical) field such as architecture, engineering or surveying. Education in planning therefore becomes an aspect of study programmes in these cognate or “parent” disciplines with R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 141 “EUROPEANISATION” OF PLANNING EDUCATION? a certain proportion of the curriculum dedicated to planning. A second model sees planning as an extension of another field including the social or management sciences. This approach leads to an education model at post-graduate or master level whereby students from different disciplines such as architecture, law, sociology, politics, geography, etc. are gaining a further, interdisciplinary education in planning (see, e.g., Schuster, 1950). A third model conceives planning as a distinct and separate discipline and field of study which warrants specially devised planning-focused curricula at both undergraduate and postgraduate level. A recent study of present day planning education provision in Europe (Frank and Mironowicz, forthcoming) shows that considerable variations in planning education formats persist, but also that the reforms associated with the Bologna agreement (1999) have introduce more similar higher education programme structures and progression. Overall, the provision seems to be diversifying and the three educational models increasingly exist in parallel in a single national context. Compared to other fields, such as engineering, coordination beyond national boundaries in respect to curriculum content is practically non-existent; for the moment there are no internationally agreed standards or learning outcomes (Harrison, 2003; Frank et al., 2012). Research by the European Council of European Town Planners (ECTP-CEU, 2013a; 2013b) comparing the content of selected planning curricula in different European countries along eight different subjects (planning theory, planning techniques, social/economic environment, built environment, natural environment, planning products, planning instruments and thesis) revealed considerable variations in topic coverage and focus. For example, the proportion of investigated curricula dedicated to covering environmental factors in planning ranged from 3% to 17% and the proportion for planning techniques from 2% to 39%. This may be due to specialisation issues within the particular programmes or related to the particular profile of the profession in different countries. At the same time, though, researchers have started to detect some convergence of planning approaches in Europe. Greater interaction between countries, European integration and funding programmes have changed planning practices especially in Mediterranean countries subtly away from mere urbanism to more strategic planning (e.g., Giannakoru, 2005; 2012). If nothing else an additional spatial layer which addresses transnational planning issues has become highly relevant in planning practice on a daily basis particularly in border regions. European-wide regulations such as the Water Framework Directive 2000/60/EC (Hedelin, 2005) or the Public Procurement Directive 2004/18/EC (Martin, et al., 1999) have implications for local plan making and planning decisions and planners need to have a good grasp of these issues. This scale and layer of European planning needs to be included urgently in planning education curricula to provide graduates with skills necessary for future practice (Cotella and Mangels, 2012). In light of the emergence of transnational planning and converging practices, an increasingly important European labour market and common European Higher Education Area and programme structures, this paper outlines the author’s initial reflections and thoughts on the possible contradiction involved in planning education curricula which cater to nation-specific needs but increasingly serve European and indeed international planning practices and labour markets. Past discussions of internationalisation in and of planning education are briefly rehearsed, followed by 142 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N D REA FRANK an exploration of the meaning of “Europeanisation.” Against this context, trends over the past two decades in Europe for education in planning as observed by the author and fellow colleagues from the Association of European Schools of Planning (AESOP) are examined. A discussion on the merits and potential drawbacks of a Europeanised planning education is followed by preliminary suggestions for the future development of planning education curricula and foci in Europe. Internationalisation versus “Europeanisation” Peel and Frank (2008) extensively explored the meaning of internationalisation in the context of planning education, observing that although internationalisation is heralded as important in higher education there is no universally accepted conceptualisation or definition. Instead, internationalisation is used to mean anything from a process (e.g., the internationalisation of the curriculum through content and field trips for example), to a place (the international classroom consisting of students from different nationalities) or a commodity (tuition fee income from foreign students). At an abstract level internationalisation can be conceived as a complex set of challenges deriving from globalisation and emerging demands of the knowledge society to which universities have to respond and adapt to (Peel and Frank, 2008). Opinions on the merit or drawback of locally focused planning education versus a curriculum based on general principles are divided and arguments have been presented in favour of both (e.g., Afshar, 2001; Burayidi, 1993; Zinn et al., 1993). Internationalisation may be interpreted broadly or more narrowly but it is important to remember Watson’s (2008, 119) warning that the educational internationalisation agenda and similarly an internationalised planning curriculum is perceived differently from the periphery and global south. While this debate will have some bearing in assessing the merits of “Europeanisation” as posited as the goal of this paper, it is important not to conflate internationalisation with globalisation or “Europeanisation.” Indeed, Europeanisation, is not a geographically limited internationalisation, but is an expression coined originally in the political science discourse on European integration policies. Notwithstanding the different legacy and origin, the definition of “Europeanisation is similarly contested (e.g., Howell, 2004; Radaelli, 2004). Interpretations range from “Europeanisation as the emergence and development at the European level of distinct structures of governance” (Risse et al. 2001, 3) to relating it to processes of “diffusion and institutionalisation of rules, procedures, policy paradigms, styles, ‘ways of doing things’, shared beliefs and norms” as outlined first in EU policy and then incorporated in national-level debates, political structures and policies (Gualini 2003, p. 6). The processes underlying the diffusion and institutionalisation of shared European ideas are complex and can be initiated top down whereby member states (have to) adopt EU legislation and policy at the domestic level, or bottom-up as individual states steer and influence the formulation of EU policy typically based on domestic practices. These processes are also known as up-loading or down-loading, respectively. In addition, member states and entities within member states such as cities or regions also learn directly from each other facilitated by for example INTERREG projects which bring together many partners R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 143 “EUROPEANISATION” OF PLANNING EDUCATION? from different European countries. The mutual adaptation and horizontal policy transfer without formal legislation or policy formulation at the European level is called cross-loading. All in all this leads, theoretically, to European integration and increasingly to a joint or common European identity, i.e. Europeanisation due to increasingly similar and harmonised policy approaches (Figure 1). Figure 1: Europeanisation through Type 1-3 policy exchanges Adapted from Howell, 2004. 1 There are now 47 Bologna signatory countries, more than EU member states; but all EU member states are Bologna Signatory countries. Applying the concept of “Europeanisation” to planning education, then, infers the existence of processes or drivers through which higher education institutions in EU Member States amend (or would be encouraged to amend) planning education degrees and curricula such that in the longer term a recognisable European character or identity is forged – via similar structures and/or shared beliefs and so forth. Ultimately this would lead to a graduate with a European profile in respect to knowledge, skills and values in planning. If “Europeanisation” is seen as a result, then Radaelli (2004) argued, it is irrelevant if change is initiated by or linked to EU instruments or measures or in fact triggered through non-EU policies. Moreover, EU integration initiatives such as ERASMUS (Sigalas, 2010) and the Life Long Learning Programme (LLLP) fostering student and staff mobility as well as inter-institutional cooperation and the Bologna agreement (1999)1 enforcing a harmonisation of programme structures (3 cycles) – not an EU initiated measure – may be mutually enforcing in developing a European identity and common style of higher education. The active exchange between European planning schools through the academic networks of planning schools such as AESOP or APERAU may also contribute to the development of shared ideas and common practices. “Europeanisation” may be easier to recognise in terms of format as compared to content. The former - format - relates to the emerging distinct structures of 3 cycles of education as well as an increasing level of inter-institutional learning experiences through dual degrees, e.g., Erasmus-Mundus masters, Intensive Programmes or individual mobility and study abroad. The latter - “Europeanisation” of content refers to either a (partially) common core curriculum and/or a focus on European planning issues. Both aspects are explored further below. 144 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N D REA FRANK Evaluating trends and developments in European Planning Education Over the past two decades, the higher education sector in Europe experienced the continued transition from elite to mass higher education (e.g., Trow, 2000; 2005), the development of a common European Higher Education Area (EHEA) (Bologna Declaration, 1999; Weltgruber and Csekel, 2009/10) and the wide-spread introduction of quality assurance processes (Schwarz and Westerheijden, 2004). Inevitably, planning education programmes have been affected by these. Moreover, planning education curricula have been altered to provide education in transnational planning and EU policies relevant to planning. In order to evaluate whether developments have started to shaped a recognisable and distinctly European character in planning education manifest through similar structures, pedagogies, styles or shared believes and norms, both programme formats and content will be discussed in turn. Considering format first, Ache and Jarenko (2010) as well as Frank and Kurth (2010) document a growing level of implementation by planning education providers of the multi-cycle system stipulated by the Bologna declaration (1999) across Europe and in Germany, respectively. While, in some countries such as Spain or Portugal, implementation has been slower than anticipated due to delays in the ratification of national framework legislation, these are minor issues, which should not distract from the overall success of the Bologna reforms (Frank and Mironowicz, forthcoming; Weltgruber and Csekel, 2009/10). In sum, the post-Bologna education cycles of Bachelor, Master and Doctorate have helped to create more transparent and comparable programme structures, and especially a procedure of credit recognition and transfer for students studying for some time at a different institution. In planning, the conversion has resulted however only in a partial structural convergence and not necessarily in a harmonisation of education models. Indeed, Bologna guidelines have been interpreted by providers to fit the educational models and professional ideologies that were previously in place. For example, the conversion of the technical-traditional model (RodriguezBachiller, 1988) whereby planning is taught as a specialisation within the programme of a parent discipline has typically resulted in a drop of planning content at undergraduate level and the continuation of the specialisation in planning at the Master level. In the best case scenario dedicated planning master degrees were established which made explicit the former specialisation (Frank and Kurth, 2010). Model two, whereby planning is seen as extension of other disciplines and qualifications are obtained at the master level, have be translated one-to-one in most cases. However, some existing postgraduate programmes fall short of the minimum guidelines of 90 European Credit Transfer System (ECTS) weighting required for Bologna compliant masters. Overcoming this can be difficult, especially when national regulations contradict Bologna requirements. Occasionally, institutions have resorted to differentiate awards by labelling them as certificates and diplomas which are shorter than masters. The greater focus on theory, research and higher level skills fits well with the academic orientation of this model. The third, comprehensive-integrated model, provided through either undergraduate and postgraduate or formerly long continuous 5-year degrees in continental Europe have been translated into so-called consecutive, or specialist masters which follow a general basic undergraduate education in planning. It is important to note that European Bologna degrees are not all of a standardised R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 145 “EUROPEANISATION” OF PLANNING EDUCATION? 2 http://www.goethe.de/wis /fut/uhs/en7280600.htm 3 A list of 2009/10 IP projects can be found at http:// ec.europa.eu/education/ erasmus/doc/ip1011/comp_ en.pdf length. Depending on the country and institution, a Bachelor can be anything from 3 to 5 years in length and a Master between 1 and 2. For the most part, both Bachelor and Master add up to 5 years (with some minor exceptions in certain countries and fields) composed of 4+1, 3+2 or 3.5+1.5 years. So while there is a degree of structural harmonisation, the pathways leading to planning qualifications remain even post-Bologna rather different throughout Europe. Nevertheless, the more consistent labelling, and agreed standards in terms of skills level (not content) create a certain European identity and similarity of character in the degrees. Less relevant for professional planning, the 3rd cycle doctoral education, is developing however a quite distinct character with the stipulation of more structure support, research methods training and an international broadening horizon dimension that is increasingly being embraced by institutions as good practice (Bergen Communiqué, 2005). Surprisingly, a number of shared characteristics can be identified at the level of the curriculum particularly in respect to planning pedagogy. For example, project, studio and workshop pedagogy, which Scholl, et al. (2012) have suggested as essential in fostering the skills and integrative knowledge development required for planning professionals is becoming increasingly prevalent in European planning programmes. Another aspect is a growing “European” study experience. This may be due to a students’ participation in an exchange programme or IP programme, or indirectly by students’ exposure to visiting European students (Williams, 1989). These experiences are growing – particularly at Bachelor level. Under the ERASMUS scheme 2.2 million students and 250.000 academic staff from 33 countries (EU plus Iceland, Liechtenstein, Norway, Turkey and the Former Yugoslav Republic of Macedonia) received funding for study abroad, intensive programmes, work placements and teaching exchanges between 19872010 (ECEA, 2011).2 Statistics are insufficiently detailed to deduce the number of planning students and academics, but anecdotal evidence suggests that planning schools are active participants at all levels (individual mobility, institutional networks, and intensive programmes) (Williams, 1989). Especially collaborative inter-institutional projects (also known as “intensive programmes” or IP) are popular with planning academics. Records from 2009/10 indicate that around 4% of all IP projects (15/385) involved planning departments3. The IPs have had a direct impact on curriculum design and pedagogy as the guidelines stipulate a minimum of three partners which meant educators had to develop learning outcomes and projects to incorporate cross-national topics, multi-national group work and field research activities in novel ways to meet criteria. Other uniquely European study experiences include inter-institutional master and doctoral programmes, such as the ERASMUS Mundus scheme (EACEA, n.d.). To date, planning education providers have been successful in gaining funding for the setup of 5 (of 104) Erasmus Mundus degree programmes, which provide planning education in new, interdisciplinary niche areas and which are delivered jointly by at least three institutions in different European countries (Figure 2). There are however also discordant curriculum aspects as outlined in the introduction and illustrated by the ECTP-CEU study (2013a, 2013b). Additionally, curriculum foci can vary dramatically. Depending on the planning education model employed, urban design may be the only planning aspect that is covered in the curriculum when planning is taught as a specialisation within an architecture programme for example; alternatively, in an integrated-comprehensive undergraduate programme, urban design may be covered only fleetingly if at all. 146 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N D REA FRANK Figure 2: Erasmus Mundus for Education in Urban and Regional Planning Name Length/ Language Partners + Technical University Darmstadt (Germany, MUNDUS URBANO Length: 2 Years coordinator) Interdisciplinary Language: + International University of Master Course English/ Catalunya (Spain) on International specializations + University Pierre Mendez nd Cooperation and in 2 year in the France (France) Urban Development national languages + University of Rome Tor Vergata (Italy). MACLANDS: MAster of Cultural LANDScapes EURMed (Etudes Urbaines en Régions Méditerranéenne) Planet Europe Description/Focus This Master trains professionals for work in the international development context. Year 1 is delivered in Germany. In year 2, students choose a partner university to develop their specialism (Spain, France or Italy). Length: 2 Years Languages: French/Italian/ German; students need to certify French (DALF C1), Italian (CELI 3), & German (ZD) competencies Capacity: 30 This Master focuses on sustainable preservation, management and development + University of Saint Etienne of cultural heritage. (France, coordinator), MACLANDS seeks to + University of Stuttgart train students in analysis, (Germany) management and preservation + Federico II of Naples (Italy) (preventive and curative) as well as design of sustainable solutions for planning involving cultural heritage. Length: 2 years Languages: Spanish, French, Italian and Portuguese. Capacity: up to 60, including 19 students from non-European countries. + Université Paul Cézanne Aix-Marseille III (Coordinator, France) + Universidad De Sevilla (Spain) + Università Degli Studi Di Genova (Italy) + Universidade Técnica De Lisboa (Portugal) This Master provides specialised education in sustainable development planning of Mediterranean coastal regions. Students are required to study in at least 2 partner institutions. Length 2 years, Language English Capacity: 30 + Radboud University Nijmegen (NL, coordinator) + Cardiff University (UK + Blekenige Stockholm, (Sweden) This Master focuses on European spatial planning, environmental policies and regional development. Students start in Nijmegen and continue their studies either in Cardiff or Stockholm. + University of Nice - Sophia Antipolis (France) + Brandenburg University of Technology at Cottbus (Germany), + Budapest University of Technology & Economics (Hungary), + Polytechnic University of Catalonia (Spain), + Newcastle University (UK) This Master prepares consultants for working on environmental and hydrotechnological projects for the public or private sector at local, regional, national and international scale. ERASMUS MUNDUS Master in Length 2 years, Hydro-informatics and Language English Water Management R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 147 “EUROPEANISATION” OF PLANNING EDUCATION? The one topic that may be receiving attention throughout most European nations and programmes is some form of European-level, strategic spatial planning. The implementation of the European Spatial Development Perspective (CSD, 1999), supported through programmes and cooperation networks, provides not only economic stimuli but also platforms for knowledge creation and exchange that subtly influence approaches to regional planning and governance arrangements (Giannakourou, 2005; 2012; Faludi, 2010; Dühr et al., 2010). EU directives such as the Habitats Directive 92/43/EEC, Air Quality Directive 2008/50/EC, Water Framework Directive 2000/60/EC or the Public Procurement Directive 2004/18/EC are perhaps the measures that impact on planning most directly (e.g., Hedelin, 2005). These directives outline targets for environmental and economic goals for which a coordinated European approach is deemed beneficial. Once ratified, member states have to implement the policies within their national legal frameworks (e.g., Hedelin, 2005; Martin et al., 1999). In this sense, European cooperation and coordination in planning is a professional reality and planning education providers have begun to introduce European planning issues in their curricula. A few master programmes have also been created focusing exclusively on European spatial and comparative issues. Mangels and Cotella (2012) however argued that more European planning ought to be taught and that the current provision is inadequate to prepare graduates for planning in practice environments that increasingly require them to be familiar with European planning dimensions. As there is little incentive or reason for planning education elsewhere in the world to cover European spatial planning issues, knowledge of those and how local and national planning issues fit within this layered system may indeed become one of the defining characteristics of planning education throughout Europe. Another indication for a changing character of planning programmes in Europe from an entirely nation-specific to a broader audience is the language of instruction. Increasingly programmes at Master level are taught in English rather than in one of the many European languages. Kunzmann (2004) has criticized this development arguing that it will increase the gap between practice, academia and research with all its negative consequences in the long term. Practitioners will rarely access research results published in their non-native. Some new programmes at the master level with a European focus even seek to provide bilingual education, for example at the Université de Lille, France (Olivier-Seys, 2012). Greif (2012) suggested that skills in multiple languages are a highly desirable trait for planning graduates in the European and international labour markets. Figure 3 provides an indicative overview of the degree of Europeanisation by education cycle. The table shows that on balance European characteristics of the education experience are derived from different aspects. There is more time for student exchanges during a 3-4 year Bachelor and therefore this is a stronger element during the first cycle whereas IP and teaching in an internationally accepted lingua franca is more prevalent at the 2nd cycle and so forth. 148 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N D REA FRANK Figure 3. Different aspects of Europeanisation by education cycle 1st cycle (Bachelor) Level of Europeanisation Curriculum content + IP programmes ++ Individual student exchanges +++ Staff exchanges +++ English language provision + 2 cycle (Master) nd Curriculum content ++ IP programmes ++ Individual student exchanges/ work opportunities - Staff exchanges +++ Erasmus Mundus masters ++++ Masters on European Planning ++++ English Language provision +++ 3rd cycle (Doctorate Format (training, credits, structured) +++ Dual degree Phd., Inter-institutional collaboration ++ International component ++ Emergent academic engagement/exchange (AESOP PhD work+ shop) Discussion, concluding thoughts and suggestions Academics throughout Europe have noticed “Europeanisation” trends in so far as domestic practices and paradigms have been changed and adjusted (e.g., Faludi 2010) with a certain common ‘ways of doing things’, shared beliefs and norms becoming more prevalent, although “mechanisms and trajectories of domestic change have not yet been fully explored or systematized” (e.g., Giannokourou 2012). Considering the “Europeanisation” of planning practice, one could argue that a “Europeanisation” of planning curricula would be desirable, if not necessary, to ensure future planning graduates are prepared for working in an emerging institutional and policy environment where national scales are transcended and domestic and European politics mutually influence each other. Whilst a few specialised master programmes in European planning have been established over the past years, it is unclear if this is sufficient to address market needs and Mangels and Cotella (2012) have criticised the lack of a systematic integration of European planning in planning curricula. The decree of free professional mobility within the European Economic Area (EEA) posits interesting challenges for cross-national recognition of degrees and professional qualification in planning. At the moment, the status of the profession ranges from partially regulated via self-regulated to unregulated across the countries in Europe. Results from a review by a working group on the Recognition of Planning Qualifications in Europe from the European Council of Town Planning (ECTP-CEU) suggests that the basis of recognition of planners has to be the recognition of professional R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 149 “EUROPEANISATION” OF PLANNING EDUCATION? Andrea Frank is Senior Lecturer in Planning and Urban Design at the Cardiff School of Planning and Geography, PhD in Urban Planning, University of Michigan (USA). Co-Chair of the coordinating Committee of the Global Planning Association Network (GPEAN). Artigo recebido em fevereiro de 2013 e aprovado para publicação em março de 2013. qualifications, which is linked to planning education, curricula and the legal framework that defines who can work as a planner (ECTP-CEU 2013a; 2013b). This indicates, that a “Europeanisation” of the planning education provision with similar education structures, models, and guidelines or learning outcomes, would pave the way at least partially toward lowering the barriers for mutual recognition of qualifications. The ECTP-EU (2013a, 2013b) recommends the “common platform approach” (rather than fixed regulation and standards used for entirely regulated professions). The common platform approach does not force all member states to elevate planning to a regulated profession – instead qualifications are recorded via a standardised document called Europass. The Europass helps potential employers, educational establishments and training providers understand which subjects an individual has studied, what training has been completed or how much experience has been gained working. It also records non-formal learning and language skills and through this transparency this helps to remove administrative barriers and facilitate cross-national recognition of professional qualification. In order to progress, common platform criteria need to be defined which are suitable to compensate for differences that currently exist in different member states in the training and education of planners. Key organisations such as AESOP (Association of European Schools of Planning) and ECTP-CEU (European Council of town planners) as well as other professional associations from different countries will have to liaise closely to establish a list of core competencies for European urban, regional and spatial planners. The issue of context specific versus global or even European planning education has never been resolved and remains complex (Peel and Frank, 2008; Burayidi, 1993; Afshar, 2001). While bespoke and narrowly nation-specific curricula seem to be inadequate and at odds with ideas of global citizenry in an ever more connected world economy, a wholly globalised and generic approach to planning education may be equally inappropriate (Watson, 2008). A regionalised/continental approach to planning education may be a valuable compromise. As the European Spatial Development Plan (CSD, 1999) shows there are a range of commonalities and issues that deserve attention by planning students whether they are in the Mediterranean or Northern realm of Europe. Possibly, European-wide agreed criteria for planning programme accreditation leading to a qualification recognised by all member states but complemented by nationally focused assessment of competencies prior to full practice eligibility may be a way forward. This would mean also a re-orientation and greater focus in the curriculum to instil in students the ability of self-driven learning and problem-solving, something that Barnett (2000; 2004) recommended for higher education studies in a complex and uncertain world. In sum, it seems that “Europeanisation” of or in planning education occurs at various levels and in respect to a number of aspects; however, at present, the process’ results are not as clearly recognisable and ubiquitous as perhaps desirable. At least two aspects require further investigation: a) empirically - is there a distinct, identifiable character of European planning education and if – what are its parameters in terms of format and/or content, and normatively b) is a Europeanisation of planning education desirable and appropriate considering the difference of planning systems, economic and development trajectories and value systems across the EU member states? Do the potential benefits in respect to professional recognition, strengthening European identity and competitiveness outweigh disadvantages of loss of local specificity, diversity and links to practice? 150 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N D REA FRANK References ACHE, P.; JARENKO, K. The adaptation of European planning schools to the Bologna Process. [In:] Geppert, A. and Cotella, G. (ed.) Planning Education No. 2. Quality Issues in a Consolidating European Higher Education Area. 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Aside from the restructuring to make programmes compliant with the Bologna cycles in higher education, there have been developments around of integrated mobility opportunities and the emergence of collaborative master degrees delivered jointly by host institutions from different European countries. Increasingly, educators incorporate learning units on European spatial planning, cohesion policy and fiscal instruments, which impact on national, regional and local planning policy and practice. This paper presents an initial exploration into whether these developments contribute to a “Europeanisation” of planning education and the values and issues associated with these developments. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 153 Experiential Learning in African Planning Schools: reflections on the association of african planning schools (aaps) case study project Nancy Odendaal Resumo Em 2009 a AAPS entrou em um projeto intitulado “Revitalizando o Ensino de Planejamento” financiado pela Fundação Rockfeller. Este projeto encontra-se atualmente em sua segunda fase. Seu objetivo primário é distanciar o planejamento de suas origens focadas no controle (ainda em prática em muitas partes do continente africano) e reinventá-lo como uma prática que apoie os pobre nas cidades africanas. Um ponto de inicio para fazer isto de forma prática foi formulada sob a forma de um segundo projeto focado na pesquisa de estudos de caso e de documentação. Usando a ideia de phronesis desenvolvida por Bent Flyvbjerg como ponto de partida, a AAPS viabilizou uma série de oficinas e publicações sobre o método, como uma ferramenta de ensino e produção de conhecimento. Este artigo reflete sobre a dimensão pedagógica em particular, tratando dos resultados e implicações do projeto para o ensino na pós-graduação, ao mesmo tempo em que trata de estúdios de projetos colaborativos implementados junto com a ONG Internacional de Moradores de Favela (Slum Dwellers International) para refletir sobre as modalidades possíveis para alcançar uma melhor aprendizagem experimental. Palavras-chave África, Planejamento, Ensino, Estudos de Caso, Favelas. Introduction ...[I]t is only the story that can continue beyond the war and the warrior. It is the story that outlives the sound of war-drums and the exploits of brave fighters. It is the story... that saves our progeny from blundering like blind beggars into the spikes of the cactus fence. The story is our escort; without it, we are blind. Does the blind man own his escort? No, neither do we the story; rather it is the story that owns us and directs us. Chinua Achebe, Anthills of the Savannah (1987) The tradition of story telling is not unique to the African continent, but its poignancy is illustrated by its ubiquitous presence in tradition. Learning from the products and processes of storytelling is richly embedded in the many cultures that span this vast continent. The experiential connection that enables a good tale to be internalized and influence ways of seeing and knowing is not limited to literature, film or music. It offers the means to gaining insights into the layered complexities that make up African urban spaces. This paper tells its own story. In 2008, the Association of African Planning Schools (AAPS), a network of 44 universities from 15 countries across (mostly Anglophone) Africa that teach urban and regional planning degrees, embarked on an ambitious undertaking aimed at revitalizing planning education in Africa. This R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 155 EXPERIENTIAL LEARNING IN AFRICAN PLANNING SCHOOLS project, funded by the Rockefeller Foundation, had a number of objectives. The first relates to curricula reform. The intention was to develop teaching content and methodologies that respond to current African urban issues and engage with the many dimensions of cities on the continent. This requires a shift in current approaches and has implications for the training of planners, the legislative environment within which planners practice as well as the research capacity of planning educators. This process has been recorded in two publications (See Odendaal, 2012; Watson and Odendaal, 2012) with an emphasis on the process of network building and the resource constraints faced by planning schools in Africa. At the inaugural workshop of the AAPS in Cape Town, South Africa, in October 2008 substantial discussion focused on the value of using case study research documenting and teaching on planning in Africa. Subsequently, in 2009, the AAPS commenced a second project, one with the pertinent aim of advancing the case study method in teaching and research. This is the focus of this paper. The point of departure of this project is that the case format allows for deeper interrogation of context and a more nuanced understanding of African urban spaces and planning practices. One of the key principles that informed it was that future curricula reform should allow for deep circumstantial engagement. The practical and concrete knowledge gained from the interrogation of cases (potentially) contributes to the representative body of research and publication on African cities. Furthermore, the experiential learning that could be gained from the interrogation of a welldocumented case is a powerful teaching aid. The narrative contained in case study documentation sometimes challenges assumptions and preconceived notions of events and trends (Flyvbjerg, 2001). Telling the story behind the statistics and gaining insights into the manifestation of global trends at a local scale are worthy inputs into the ongoing enquiry into African urbanization. Case study research could, on the surface, reveal a story about the inadequacies of planning policy; on a deeper level, it potentially uncovers the rationalities that inform practice. As a means to knowledge production, documenting in-depth cases enables insight into less overt factors that impact on practice: values, power relations and decision making processes. Flyvbjerg (2001) places power at the center of social enquiry, while Simmons (2012) elaborates on this in arguing for training practitioners that work towards social justice through ingraining practical knowledge. The importance of differing access to power, the dance between political power and change, that intricate interplay between knowledge and power, are qualities not unique to the African context. What distinguishes planning in many of the Continent’s cities however, is the extent to which planning contributes to the abuse of power and increasing marginalization. Uncovering these stories, as done by Nnkya (2008) in urban Tanzania, by Lerise (2005), regarding land in the same country, and by Watson (2002) in documenting Cape Town post-Apartheid planning process, provides the research community with data that looks beyond the what of planning but interrogates more close the why and how. The methodological challenge is to identify cases that allow for rich enquiry, that are contextually relevant and will contribute to African scholarship. This requires skills that enable researchers to identify and source appropriate cases and discern significant features whilst understanding the contextual significance of them (in terms of broader practice, legislative reform etc.). Situating cases within international literature and 156 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N AN CY ODENDAAL debates is important. Applying this learning in teaching and research offers rich opportunities for learning. To this end, the AAPS organized three regional workshops (Accra, Johannesburg and Dar es Salaam) on the case study method, working with representatives from member schools in doing so. These events focused on two aspects: research methodology and teaching. Colleagues were asked to share current work using the case method, which was then discussed, and also share their teaching experiences. Some of these cases have been developed into papers and will form part of a book currently being compiled by AAPS secretariat staff. The overwhelming emphasis of this initiative has been on research. Somehow the teaching dimension faded into the background as AAPS members debated the pros and cons of case methodology. Yet a question remained; could planning utilize the case study method in teaching much as the way that lawyers and business schools do using the Harvard and other methods? What defines a distinctive case study approach for planning educators in African particularly? In the second round of the Rockefeller funded Revitalizing Planning Education program, a collaborative project with Slum Dwellers International1 (SDI) partially answered that question. The studio method may give insight into what defines a uniquely planning pedagogy. Thus, by being part of the story, students stand to gain from their immersion into the everyday. This paper uses the two AAPS experiences – collaborative studios with SDI affiliates and the case study workshops – to explore the value of experiential learning in planning. The bigger story is of the effort to create a new cadre of professionals that are equipped with the sensitivities, sensibilities and skills to make meaningful contributions to practice. This paper argues for the case study method as one of the primary means of achieving that and reflects on the AAPS experience in doing so. The AAPS Experiment ‘Ideas are not fixed and immutable elements of thought but are formed and re- formed through experience.’ (Kolb, 1984, p. 26) Experiential learning is defined by Kolb (1984) as ‘the process whereby knowledge is created through the transformation of experience. Knowledge results from the combination of grasping and transformation experience’. Experiencing, reflecting on that experience and then conceptualizing to the point where such knowledge is applied through active experimentation, is typically seen as the experiential learning process. As a pedagogical mode it engages active learning; students ‘do’ while internalizing the implications of theory in applying it to practice. The aim of to achieve familiarity with the realities that planners would have to deal with in the ‘everyday’. The three regional workshops that yielded this text explored the intricacies, as well as the implications of the case study method, for African planning academics. Flyvbjerg (2001) mentions in Making Social Science Matter the methodological prejudice that many of his African colleagues face in their universities. This was certainly echoed at the AAPS workshops: the case study method is still regarded as a poor (qualitative) substitute for ‘rigorous’ quantitative research. Funding, higher degree approvals and promotional prospects follow suit. The academic environment in African planning education is not necessarily conducive to phronetic knowledge R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 157 1 The AAPS and SDI have agreed to collaboration under a Memorandum of Understanding between the two organisations that allows for joint curricular work and research. EXPERIENTIAL LEARNING IN AFRICAN PLANNING SCHOOLS generation (and may well provide material for developing cases that explore the power dynamics of the African educational environment). In the AAPS ‘Revitalizing Planning Education’ project; it soon became apparent that what is key to planning educational reform is a shift in values towards a frame more attuned with inclusive cities. The potential for shifting mindsets of students became apparent at the 2010 biennial AAPS workshop in Dar es Salaam when during a Kenyan affiliate of SDI, a former student poignantly reflected on how this exposure changed the way he thinks about informality, and consequently, the city. This ‘learning from below’ is reflective of a teaching approach that immerses planning students in informal settlements, whilst honing their skills as researchers of a ’live’ case, exposing them to the strategies and practical knowledge that inform livelihoods at the margins. The studio, situated in an informal settlement, enabled this learning. In his review of the use of the case study method at Harvard University, Garvin (2003) uses the subtitle “Professional education for the world of practice” in explaining the origins and current approaches used in the institution’s business, law and medical schools. Each of these professions has its own bias in terms of material presented, the form of interrogation and the means through which students are expected to engage. The Harvard method is one influential case teaching approach (Barnes et al 1987). It is a resource intensive approach, meaning that teachers must research cases, write them up and prepare class materials before the teaching session. It therefore requires having extensive access to relevant case data. The case is presented as ‘open-ended’ so that students prepare by discussing solutions and outcomes within learning groups. In the classroom, the lecturer fulfills a role as a facilitator, by encouraging interactive discussion and calling upon students to provide solutions. The pedagogical slant is clearly informed by the professional boundaries within which the graduate is expected to engage. The question is then: what distinguishes planning and how best can one enable experiential learning that best serves its professional demands? Whilst the Harvard method is recognised globally as being an effective teaching approach, the fact remains that it depends upon simulation – the classroom situation is used to simulate real business cases. This lack of contact with the real world limits its learning potential, especially for disciplines, such as planning, which are based on the analysis and production of the physical built environment. Using the case study method in planning opens up opportunities for new and innovative application in that students are immersed into the physicality of place as well as the production of space. They intervene in real time, outside the domains of the classroom. In this way, the case method is useful for teaching the complexities of African urban areas. By doing fieldwork and experiencing urban spaces hands-on, students develop a nuanced understanding of how complex African cities work. Harvard Law School first started using case histories in 1870, the Business School in 1908 and the Medical School in 1985 (Garvin 2003, p. 56). The Kennedy School of Governance at the same institution uses process cases to track public decision making in its instruction (http://www.case.hks.harvard.edu). What became apparent at the AAPS case study workshops is that planning schools use cases in many ways either implicitly or explicitly with the one distinguishing feature being onsite engagement. The primacy of the studio method was apparent. The following sections review two AAPS experiences in this regard: it draws on work produced for the three regional workshops and the ongoing collaborative studios with SDI. 158 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N AN CY ODENDAAL AAPS Member Experiences in Case Study Teaching The teaching cases presented at the regional workshops shared one common feature: students were expected to engage in rigorous fieldwork. This section reflects on three of the workshop inputs in particular. In Johannesburg, Sarah Charlton’s students interviewed informal waste collectors (scavengers) in the city, with the aim of understanding their movement patterns and housing needs. In Kampala, Uganda, Stephen Mukiibi and his students form Makerere University worked in an informal settlement as part of their planning studio. They were expected to provide continuous feedback to residents and City Council officials. Karina Landman’s students at the University of Pretoria in South Africa used the live case of Cosmo City in Johannesburg, a privately developed integrated low-to medium income settlement, to interrogate integrated development. The focus on these three experiences and discussion with other AAPS members revealed that there are varying modalities used in the field and in the university for incorporating cases into planning teaching. The diagram below develops a spectrum of such in relation to delivery methods. The left hand of the spectrum represents the closest the student can get to reality, the actual field...informal settlements, redevelopment areas, natural conservation areas, the city... The right hand is the most removed from the field, the library. What is evident is the three cases presented in this text, is that the use of cases in planning teaching moves the students between these four locations, sometimes very fluidly and to the benefit of the learning experience. One case could involve a range of delivery methods. Similarly one case can be used for different learning outcomes in the different teaching settings. Not only does this enhance the student’s ability to integrated various sources of learning into one experience but its also presents multifaceted exposure to the case. Using this frame, a number of questions with regards to using the case study method in teaching emerged: how does one prepare the case, what is the role of the instructor and others, and what are the outcomes (and implications) of such processes? R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 159 EXPERIENTIAL LEARNING IN AFRICAN PLANNING SCHOOLS Case Preparation The various schools within Harvard University share an institutional infrastructure for the preparation of cases for teaching. This includes online resources, teacher notes, open- ended case write-ups that enable engagement and teaching spaces that allow for multimedia engagement. Clearly not all African planning schools are as well resourced and it is therefore no coincidence that two of the three examples quoted here were prepared in relatively well-established South African universities. Yin (2009) argues that a teaching case is sometimes left open-ended to allow for student engagement in the conclusion of events, and needn’t “...contain a complete or accurate rendition of actual events” (Yin 2009, p. 357). Online examples of those prepared by South African based think tank Urban Landmark on how urban land markets work in Africa, for example, present the instructor with notes and lead questions for students (<http:// www.urbanlandmark.org.za/research/x18.php>). The open-endedness of learning cases enable role-play, preparation of solutions to onsite problems and maximizes opportunities for creativity. Taking students into the field and employing their skills to solve a common research problem was the approach taken by Charlton in studying informal recyclers in Johannesburg. Students made input into the research design, as well as discussions with the City of Johannesburg on how the outcomes of this exercise could be of broader benefit. The role of Charlton was that of facilitator, enabling exchange between students and the City, ensuing ethical clearance from the University of the Witwatersrand, leading students in their research and enabling the collation of findings as well as input thereof into the course syllabus. In presenting the case Charlton concluded that substantial time is necessary to process findings of such a collective case research effort. This needs to be incorporated into the design. And of course, such a research exercise includes a literature review and engagement with conceptual material – some of which to be done by student but mainly the responsibility of the instructor (the library). The choice of case clearly comes with its own demands in preparation. In another South African case, Landman argues that the choice of case is directly related to teaching outcomes. In considering her use of the Cosmo City housing development outside Johannesburg, she outlines five considerations in this regard: the type of case, the unit of analysis that best serves teaching interests, the data available, research methods and their practical application by students and of course, the teaching strategies that best accommodate such learning. In her example, the research had been prepared by a well-resourced and established semi-public research agency, at which she was previously employed. The case study unit in relation to learning outcomes is an important starting point. In Charlton’s case her focus was on individual livelihood strategies and how they reflect larger issues of housing and income. Students were therefore required to do individual interviews, and associated participant observation. Landman’s students were required to engage with the nature and appropriateness of medium density mixed housing in South Africa. The project is the unit: its management, history, financing and physical layout. In Stephen Mukiibi’s studio project, students are challenged to immerse themselves in a live case. The Bwaise informal settlement in Kampala as a unit presented the 160 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N AN CY ODENDAAL students with a chance to engage the notion of informal settlements, but also relate to the sub- units, the structures and infrastructural elements that make up the space. As future architects and planners they were then expected to intervene in these subunits, enhancing their learning of the whole. What then is required of the instructor in enabling case learning through studio? If not planned carefully, and managed with learning outcomes in mind, students can get distracted in the field and waste project time, Mukiibi argues. Substantial preparation is required in meeting members of the community and the municipality. In his Ugandan case, tutors were employed to ensure that the academic timeline was adhered to. Thus the role of the instructor is critical to determine beforehand because it often goes beyond that of lecturer. The Role(s) of the Lecturer/ Instructor and Others Two of the examples, Charlton and Mukiibi, enabled a feedback loop to central actors in the cases. Johannesburg and Kampala city councils were involved in project outcomes, which require ongoing exchange between faculty and officials. Landman was able to involve researchers outside the confines of her university. Clearly as students are challenged to engage experience, it lets the ‘outside world’ in. The academic staff member’s role ranges from facilitator, project manager to researcher and intermediary. As the direct engagement with the cases lessens to more of a simulation or desktop research exercise, the role becomes more traditional. The student’s role varies from proxy professional to researcher to learner. Of course, using role-play, the student’s role can temporarily be suspended to take on roles in a teaching case, thereby ‘playing’ at an outcome and gaining insight into the implications of certain actions. Outside actors such as intermediaries such as community leaders in Mukiibi’s case, outside researchers in Landman’s and the actual research subjects, the recyclers, in Charlton’s case also come into the fray. As the learning experience moves further away from the field towards the library, the extent to which the faculty member has control over the circumstances of the case increases, but opportunities for experiential learning decrease. Immersing students in the field with other role players not has implications for preparation and facilitation but also impacts on others outside the university system. The following section describes the collaborative studio initiative with SDI. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 161 EXPERIENTIAL LEARNING IN AFRICAN PLANNING SCHOOLS Collaborative Planning Studios with SDI The AAPS meeting in Dar es Salaam in 2010 showcased the existing collaboration between the University of Nairobi and SDI affiliates referred to earlier, and also planted a seed. The second round of Rockefeller funding facilitated three collaborative planning studios; two in Malawi and another in Uganda. Three more are planned in Zimbabwe, Tanzania and Namibia. Funding enables SDI staff to help organize and run the workshops and field costs associated with the actual studio. The studios run for a month on average. The choice of planning schools was influenced by SDI presence. If the SDI affiliate is active in a location at which there is an AAPS planning school, this school was approached with the opportunity of doing a collaborative studio. Clearly learning outcomes have to coincide with SDI affiliate aims, and sometimes this had to be negotiated carefully beforehand. Also, the studio had to fit with the school’s planning curriculum. In February 2013, an opportunity for reflection emerged as AAPS hosted a workshop on collaborative studios following the SDI 5-Cities Seminar in Cape Town. (<http://www.sdinet.org/blog/2013/02/12/taking-academia-slums-aaps-attends-5cities- seminar>). At this meeting, work done by the University of Cape Town (UCT) on collaborative studios with Slum/Shack dwellers International (SDI), presented by Tanja Winkler (2013), and AAPS-SDI collaborative studios in Malawi and Uganda were used as a basis for discussion. AAPS members, SDI representatives and UCT students contributed to the dialogue. This event resulted in a number of issues being raised with regards to the preparation, operation and implications of collaborative studios. Winkler’s input contributed to the identification of three conceptual aims of the collaborative studio approach. In addition to the aim of experiential learning, there were essentially two other related outcomes that underpin AAPS efforts towards collaborative studios: engaged scholarship and knowledge co-production. Salient practical, theoretical and ethical issues raised by participants were then mapped in accordance with these three aims. From this emerged a number of clusters of issues that are discussed here. SDI is defined here as an intermediary, recognizing that collaboration with other community based organisations is possible. (The diagram mapping the individual issues raised in relation to the three aims of experiential learning, engaged scholarship and knowledge co-production is included as Annexure A.) Practical Preparation: Constraints and Issues The choice of site and community was discussed. Part of the issue is how to align intermediary objectives and the learning outcome of planning schools. Some participants wondered if this could be applied in an affluent area? Could students gain from such exposure and would the choice of a between capacitated area present a different set of challenges? Some discussion centered on project outputs, and whether these could be of use beyond the lifeline of the student project. This raised issues around ongoing collaboration as well as the use of student outcomes in a policy and planning environment. The importance of the brief was emphasized. Students that participated in the discussion were particularly vocal on how central to project brief was in their experience. This is the thread that holds the project together when it strays from the planned process. 162 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N AN CY ODENDAAL The question was then raised: how malleable should the student brief be given that the project process may have to shift to accommodate community dynamics? Some discussion centered on the need to allow for variation in scale as well as level of education – undergraduate versus postgraduate curricula – and the differences that may require in preparing students and choosing a site. Time and budget were raised as key concerns. Whilst the AAPS funding enabled transport to project sites and other practicalities, some schools expressed concern about doing this in future without this support. Building Trust and Reciprocal Respect The qualitative nature of the relationship between host school and community intermediary was raised as a key concern. These relationships take time to build and may require a long period of preparation before the actual studio. An essential part of this is agreeing on roles and responsibilities of all actors involved. Participants were adamant about managing community and participant expectations. Ethical issues surrounding managing these expectations and transparency regarding process outcomes would therefore have to be negotiated and stated upfront. Participants acknowledged that institutional shifts might impact on such projects. A shift in the policy stance of the intermediary organization, a political change in the host community of some inside pressures from the university could destabilize proceedings. Some participants feared that it some of these could compromise learning outcomes. Such shifts could also compromise commitment from some or one of the actors. Defining the Agenda Who defines the agenda and how it is defined is closely related to what it is a planning studio can achieve. From the planning educator’s point of view, retaining the credibility o the planning education project is paramount. One participant recommended mapping the agendas of all actors beforehand to enable clarity. Should the student project result in research that feeds into a larger advocacy agenda, this would need to be negotiated, or the possibility of it would need to be determined beforehand. The role of the student brief became paramount again. Definition the role and outcomes of the planning studio is a tool for managing expectations Optimising the Generative Capacity of the Studio How do we ensure that the studio process and products have ongoing benefits? This was the big question raised by many. Some questioned the extent to which the studio could benefit all involved parties. The students were particularly concerned about this. Some possibilities were discussion. Organizing ‘vertical studios’ or interdisciplinary studios that enabled cross learning between difference levels and types of students was discussed as a pedagogical option. The potential of short and Continuing Professional Development (CPD) courses was raised. An exciting possibility is designing studio modalities that eventually incorporate ongoing ‘on-site’ student presence through voluntary work and/or internships. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 163 EXPERIENTIAL LEARNING IN AFRICAN PLANNING SCHOOLS Conclusion: Contemporary Trends and Future Possibilities Nancy Odendaal is urban planner and Senior Researcher at the School of Architecture, Planning and Geomatics, African Centre for Cities, University of Cape Town, Rondebosch, Cape Town, South Africa, Project Coordinator of the Association of African Planning Schools Artigo recebido em abril de 2013 e aprovado para publicação em maio de 2013. In the AAPS experience, case study teaching leans towards more collaborative models in the studio. Joint knowledge creation initiatives that enable a reciprocal learning process between communities and students (and staff) speak to learning that goes beyond the traditional Harvard case study teaching approach. This perhaps then, is the distinguishing feature of the case study method and planning. Extending this to include other actors such as community intermediaries presents such pedagogical process with a host of opportunities and challenges. Perhaps the most profound opportunity is immersing students into the ‘everyday’ of the African city. Not only are students enabled to engage with physical and broader spatial aspects, but also with the institutional intricacies of such processes. The challenges speak to the resources necessary to enable this, and the substantial preparation required to align agendas of all concerned. There are profound ethical issues, since none of these initiatives are constructed in value-free environments. There is an opportunity here also; the chance to shift mindsets about how the urban poor survive in African urban spaces. Case study teaching does enable activity, experiential learning and practical skills. The relationship to defined teaching outcomes is absolutely central. The two AAPS projects speak to a broader benefit that stretches beyond conventional teaching objectives. Landman, in documenting the case in the first AAPS case study project argues that the choice of an appropriate case enables the learning of creative, reflective, practical and conceptual skills. She adds the achievement of ‘functional integration’, enabling new learning that can be applied in different contexts. Thus there is a pedagogical dimension to case study teaching that results in transferable skills and reflective learning. The studio project with SDI starts showing some of the complexities of reflective learning in a ‘live’ project. Involving an intermediary is essential in enabling access to certain contexts and also learning from the practical exposure contained therein. There is also a continuity of learning that can be enabled through proper facilitation. Mukiibi argues that feeding results of projects into other assignments is necessary for ongoing sustainability of participatory studio based projects. There are practical outcome therefore that relate to sharing between courses as well as sharing with other role players. Results of Mukiibi’s studio and Charlton’s research project were relayed back to the city councils. The case study method potentially enables a closer relationship between practice and theory; perhaps the strongest argument that can be made for a ‘planning approach’ to the case study method. In reflecting on both initiatives, the collaborative studios and hearing AAPS experiences at the case study workshops, it is apparent that the shift in sensibilities that results from engagement in the field in building a case is potentially profound. The experiential connection that emanates from a deep engagement with context goes beyond descriptive learning. That empathy and understanding of values enables a deep engagement with livelihood strategies, the basis for meaningful, contextually rich practice. As Dewey (quoted in Barnes et al 1987) argued as long back as 1915: 164 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 N AN CY ODENDAAL Thinking which is not connected with increase of efficiency in action, and with learning more about ourselves and the world in which we live, has something the matter with it just as thought... And skill obtained apart from thinking is not connected with any sense of the purposes for which it is to be used. 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Web sites <http://www.case.hks.harvard.edu> (Accessed Feb 2013) <http://www.urbanlandmark.org.za/research/x18.php> (Accessed Feb 2013) Abstract In 2009 the AAPS embarked on a project entitled ‘Revitalising Planning Education’, funded by the Rockefeller Foundation. This project is currently in its second phase. Its primary aim is to move planning away from its control-focused origins (still R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 165 EXPERIENTIAL LEARNING IN AFRICAN PLANNING SCHOOLS practiced in many parts of the Continent) and reinvent it as a practice that is supportive of the poor in African cities. An entry point for doing this practically was formulated in the form of a second project that focused on case study research and documentation. Using the idea of phronesis developed by Bent Flyvbjerg as a point of departure, the Association facilitated a series of workshops and publications on the method, as a tool for teaching and knowledge production. This paper reflects on the pedagogical dimension in particular, in reflecting on the project’s outcomes and its implications for graduate education, whilst also drawing on recent collaborative studio projects run in conjunction with Slum Dwellers International in reflecting on possible modalities for best achieving experiential learning. Keywords 166 Africa, Planning, Education, Case Studies, Slums R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 Construção social e tecnologias civis (1964 -1986): contribuição para um debate sobre política habitacional no brasil Ana Paula Koury R e s u m o O debate sobre habitação que precedeu a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) resultou das propostas inovadoras apresentadas no Seminário de Habitação e Reforma Urbana (1963). O Banco, criado após o golpe de 1964, adota uma política conservadora que não atinge as classes de menor renda e contribui para a expansão urbana periférica de baixa densidade, sem os equipamentos necessários ao desenvolvimento de novos setores residenciais. A crítica ao modelo adotado foi responsável pela elaboração de novas diretrizes da política habitacional, a partir da Constituição de 1988. Por outro lado, as propostas de produção das unidades habitacionais, utilizando tecnologias civis e apresentadas num momento de esperança de sucesso da política habitacional, constituem um conjunto de experiências que não tiveram êxito naquela época e que podem adquirir outro significado no atual cenário de desenvolvimento. Palavras-chave Política habitacional no Brasil, organização social, sistemas construtivos, inovações na construção, reforma urbana, Banco Nacional de Habitação. Construção social e tecnologias civis (1964 -1986): contribuição para um debate sobre política habitacional no Brasil É o que distingue os trabalhos de Niemeyer e Artigas: avançaram uma arquitetura sóbria e direta, armada com todos os recursos adequados à situação brasileira. Equiparam-se com a clareza, a abertura e a coragem construtiva próprias para as transformações vagamente anunciadas. Brasília marcou o apogeu e a interrupção dessas esperanças: logo freamos nossos tímidos e ilusórios avanços sociais e atendemos ao toque militar de recolher. (FERRO, Sérgio. Arquitetura Nova, 1967) O golpe militar de 1964 representou, nas palavras de Ferro (1967), o retrocesso da esperança depositada nas transformações sociais até então capitaneadas pela “coragem construtiva” que havia tornado o sonho de Brasília uma realidade. A aliança entre os arquitetos de esquerda e o projeto nacional modernizador entrou em crise, principalmente após o Ato Institucional n.º 5, de 1968, com a repressão, cassação e exílio de personalidades da vida social, política e cultural do país. Neste momento elaborou-se uma importante crítica a este projeto, que marcou a atuação e as conquistas das gerações seguintes. O Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) foram criados pela mesma lei 4.380, em 21 de agosto de R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 167 CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) 1964, alguns meses depois do golpe militar. Quatro anos mais tarde, o BNH tornouse o terceiro maior banco do país. Além de promover a aquisição da casa própria pelas classes de menor renda, outro dos objetivos era ativar o setor da construção civil, estimular a poupança interna e aumentar a oferta de empregos para a mão de obra não qualificada. A concepção geral do sistema, caracterizado por um instrumento institucional de política habitacional centralizado e vinculado ao planejamento urbano, remonta às diretrizes do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (ShrU), realizado no ano anterior e que definiu um programa inovador para enfrentar o problema habitacional e urbano no país. O seminário discutiu quatro temas centrais em grupos de trabalho multidisciplinares que abordaram a habitação e o aglomerado urbano. O caráter progressista das propostas, além da definição institucional que unificava as políticas habitacionais e urbanas e os fundos para a sua implantação, visava: • garantir o acesso universal à habitação e à cidade (democracia); • restringir o direito à propriedade e ao uso do solo; • promover o desenvolvimento tecnológico da produção habitacional. O conservadorismo do novo regime afastava estas perspectivas, reduzindo, na prática, o financiamento às classes com rendas superiores a sete salários mínimos (Bolaffi, 1977); impedindo a limitação à propriedade do solo urbano; atrelando a política habitacional a um plano que ampliava a oferta de emprego; e desestimulando as soluções construtivas inovadoras. O conservadorismo da política adotada estabeleceu a prevalência de um padrão habitacional que reforçou o desenvolvimento urbano periférico de baixa densidade, determinado por unidades isoladas, construídas de forma tradicional. Descartou a arquitetura moderna, o planejamento habitacional e a “coragem construtiva” que haviam levado à experiência de Brasília. Entretanto, as possibilidades abertas pelo BNH inspiraram algumas construtoras e profissionais autônomos, o que culminou em um conjunto de proposições para melhorar o sistema de produção de moradias através da industrialização e do desenvolvimento tecnológico. As iniciativas dos profissionais comprometidos com a questão da habitação foram apresentadas pelo setor privado, instituições de classe, universidades e pelas próprias entidades vinculadas à política habitacional e urbana, criada em 1964. Neste trabalho, examinamos a funcionalidade que a política habitacional implantada em 1964 adquire ao mobilizar o setor produtivo nacional, oferecendo soluções construtivas inovadoras para o problema habitacional brasileiro. Estas soluções permitem vislumbrar um breve momento no qual ainda perdura a confiança em um projeto modernizador, capaz de sustentar uma indústria nacional diversificada, ancorada no empreendedorismo do setor técnico e da empresa pública. Buscamos contrapor a este quadro as críticas que denunciaram a instrumentalização política do Banco e o desvio de sua missão original. Estas críticas contribuíram para uma análise social do período, mas, por outro lado, resultaram em afastamento entre as atuações políticas do arquiteto e seu histórico engajamento no desenvolvimento do sistema produtivo nacional. Poucos trabalhos dedicam-se a estudar as relações entre arquitetura e política habitacional, menos ainda sob o ponto de vista das relações de produção que se 168 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A PAUL A KOURY conformam através do projeto de arquitetura, ou seja, de seu engajamento em determinado projeto de desenvolvimento nacional. A perspectiva analítica deste trabalho pretende ampliar as abordagens consolidadas na “ação governamental no campo da habitação” especificamente na “política habitacional do Banco Nacional de Habitação”, confrontando as análises da política implementada com um conjunto de propostas do setor técnico e privado que não vingaram, mas que permitem vislumbrar as potencialidades de organização do setor produtivo brasileiro naqueles anos. Valladares (1983, p. 23-77) fez um balanço da literatura sobre habitação entre as décadas de 1950 a 1970, que cobre grande parte do período de vigência do Banco Nacional de Habitação. Os temas identificados originaram-se principalmente na década de 1970, quando se intensifica a bibliografia sobre a habitação no País que, em certa medida, continua pautando parte das pesquisas recentes. O tema da favela, do fenômeno da periferização, das questões relativas à renda da terra e ao uso do solo urbano, das relações entre moradia e trabalho e, ainda, das lutas e conflitos urbanos e dos históricos da ação do Estado na promoção da moradia econômica. As contradições que impediram o acesso das classes de menor renda ao sistema representam os elementos chave que permitiram decifrar o fracasso da política, a maior parte identificada pela natureza do próprio regime capitalista e pela orientação intensamente concentradora que caracterizou o período militar. Pouca atenção deu-se às propostas e à organização do setor produtivo nacional, que foram postergadas. A sua análise pode auxiliar a caracterização mais completa do quadro social em disputa, naqueles anos. Além das críticas ao modelo de atuação adotado pelo BNH, apresentaremos algumas iniciativas dedicadas a estudar a construção de moradias e equipamentos em larga escala, utilizando sistemas pré-fabricados, em ciclo aberto ou fechado ou, simplesmente, agindo para racionalizar a produção industrial de componentes, integrando-a a um sistema modular de projeto. As reflexões críticas enfatizam as contradições entre as propostas iniciais e a política efetiva, e destacam o sentido do novo projeto modernizador: a face autoritária que permitia a concentração de renda e manter os pressupostos de um desenvolvimento “desigual e combinado”. Este debate, constituído na década de 1970, forneceu os elementos para as análises posteriores que, conservando a perspectiva da crítica ao sistema, dedicaram-se à relação da habitação com a cidade, à definição do tipo de alojamento adequado, à possibilidade de autogestão, à organização dos movimentos sociais, à tecnologia e ao processo construtivo adotado. As iniciativas que serão confrontadas com as críticas para formar um quadro abrangente do debate no período desenvolveram experiências efetivas que, embora não aplicadas em soluções habitacionais em larga escala, tiveram sucesso em outras funções, como as escolas estaduais paulistas criadas por um sistema padronizado de projetos e produção, a partir de 1972, e nos equipamentos sociais construídos com sistemas provenientes de fábricas municipais, como as experiências pioneiras em Abadiânia (1983-1986), Salvador (1979-1981; 1986-1989) e São Paulo (1989-1992), as duas últimas vinculadas às administrações municipais de Mário Kertész e Luiza Erundina, respectivamente. Tanto o resgate das críticas ao modelo adotado pelo BNH quanto das iniciativas que visavam transformar o padrão de produção da moradia no Brasil formam o quadro R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 169 CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) 1 Um histórico mais detalhado do desenvolvimento da legislação federal pode ser encontrado em Planhab, 2010, p.11-13. que permite situar, historicamente, as posições que sustentaram o encerramento das atividades do Banco e a apresentação de uma nova agenda para a política habitacional. Organizada ao longo dos anos 1980, esta agenda consolida-se, em parte, em 1988 nos artigos constitucionais sobre política urbana, habitação e moradia, e nos seus instrumentos reguladores, como o Estatuto da Cidade (2001) e o Plano Nacional de Habitação (2009). A extinção do BNH em 1986 ocorre em um momento de transição política e instabilidade econômica, que combina com a redução dos investimentos públicos federais e a ausência de instrumento ou política capaz de coordenar os esforços dos programas voltados ao problema habitacional, já consolidado nas esferas da União, Estados e municípios1. Difunde-se, neste momento, uma solução de baixo investimento, por meio de técnicas e materiais simples, cujo projeto arquitetônico, definido com os moradores, permitiria dar voz aos movimentos sociais e promover a democracia através da arquitetura. À pertinência da solução para aquele momento histórico somam-se as críticas ao movimento moderno e às soluções de larga escala, consideradas massificadas e com pouca possibilidade de representar e organizar a sociedade civil. A celeuma, certamente, não se originou no Brasil e faz parte de um conjunto de críticas à crescente especialização técnica e ao seu papel desagregador da dinâmica social, dirigidas à arquitetura moderna e ao planejamento urbano nos Estados Unidos e na Europa, na década de 1970. Hall (2007, p. 396) explica tais restrições ao movimento moderno e à mudança de paradigma do planejamento urbano de um instrumento técnico para outro, predominantemente político, e descreve a transformação do arquiteto em profissional engajado na mediação de conflitos entre movimentos organizados locais e poder público. Interessa-nos delimitar as especificidades que este debate assumiu no País e os passos dados para a construção dos consensos ativos sobre o exercício político da arquitetura e da solução habitacional. A produção de uma crítica 2 Para a análise dos documentos relativos ao encerramento das atividades do BNH, ver ANDRADE, E. S. J. e SILVA, M. L. P., 2010. As análises a seguir, feitas durante a gestão do presidente Ernesto Geisel (1974 -1979), datam dos anos 1970, quando a conquista da democracia voltava a fazer parte do conjunto dos cenários políticos possíveis a médio prazo. O anúncio oficial da abertura, embora definisse o processo como “lento, gradual e seguro”, mostrava que o fim da ditadura militar aproximava-se. A questão colocada para os analistas do período era: “O que fazer com as instituições criadas pelo regime, depois do seu fim?”. Esta perspectiva permite elucidar as diferentes posições dos autores neste debate sobre a condução da política habitacional, especificamente o BNH, e compreender o contexto histórico no qual, em 1985, um Grupo de Trabalho convocado por decreto presidencial para a análise do Sistema Federal de Habitação recomenda o encerramento das atividades do Banco2. Os quatro textos sobre a atuação do BNH apresentados neste artigo possibilitam acompanhar a evolução do entrosamento entre o setor técnico e a política habitacional naquela época, o desenrolar dos fatos que levou ao descrédito nas formas tradicionais de atuação do arquiteto, por dentro do setor produtivo nacional e, ao mesmo tempo, o surgimento de um novo papel profissional, caracterizado pela atuação política, 170 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A PAUL A KOURY visando a ampliação dos direitos sociais e a luta pela democracia (Ferro, 1979; Lefèvre, 1981; Bonduki, 1992). Do primeiro texto de Serran (1976) ao último de Ferro (1979) podemos acompanhar a gradativa percepção de que tal ruptura seria inevitável naqueles anos que sucederam a acirrada repressão do regime autoritário contra a organização cultural e política da sociedade brasileira (1968-1974). Em 1976 Serran ainda aposta em uma cooperação institucional por meio do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), capaz de reconduzir o poderoso instrumento de política habitacional e urbana, mostrando-se confiante na aproximação, feita em 1975, entre o IAB e o BNH. No ano seguinte, o texto de Bolaffi (1977) critica a condução da política habitacional, mas deixa transparecer certa esperança no controle técnico do setor produtivo nacional, chegando a esboçar uma proposta de transformação do BNH – de agente financeiro da política habitacional para produtor das moradias. Dois anos depois, o texto de Kowarick (1979) não deixa dúvidas quanto à necessária reorientação da atuação profissional. A ruptura final vem explicitada por Ferro, no mesmo ano, em seu texto paradigmático O canteiro e o desenho. Kowarick (1979) identifica o caráter autoritário do regime militar com a política difundida pelo BNH, enterrando definitivamente as esperanças da democratização do acesso à moradia pelas mãos de um regime excludente. Ressalta também a necessidade da participação da sociedade civil nas decisões do modelo de desenvolvimento a ser adotado, principalmente dando voz às classes excluídas. Serran publica o primeiro grande balanço (1976) no texto O IAB e a política habitacional brasileira (1954-1975), sobre os resultados de encontros e de grupos de estudo que contaram com a participação do IAB3. O período analisado aborda, segundo o autor, três fases: a luta pela implantação de uma política nacional, até 1964; a reivindicação pela reformulação da política adotada, após 1964; e, finalmente, o início da década de 1970, o começo de uma nova era na atuação do Banco, quando técnicos do IAB e do BNH redefiniram a política habitacional. Este trabalho pretende organizar e consolidar as discussões feitas pelos arquitetos que, havia muito, procuravam soluções para o tema. Em outra perspectiva está o trabalho de Gabriel Bolaffi em sua tese de doutorado (1972), publicada no Cadernos Cebrap 27: A casa das ilusões perdidas: aspectos socioeconômicos do plano nacional de habitação (Bolaffi, 1977). Anterior ao trabalho de Serran, Bolaffi analisa o papel do BNH no desenvolvimento econômico e social brasileiro. Ele explica a falta de interesse político em atrelar a política habitacional ao desenvolvimento do setor da indústria da construção civil, respondendo, em parte, à decepção dos arquitetos que esperavam, com a criação do Banco, uma outra articulação entre os profissionais de projeto, a indústria da construção – de materiais e componentes – e a política habitacional. Bolaffi considera que o estímulo à indústria da construção civil que o Banco poderia ter favorecido seria mais lenta e diferente da alcançada pelo estímulo “aos investimentos no setor de bens de consumo durável”, capaz de “produzir efeitos milagrosos” a curto prazo (Bolaffi, 1977, p. 6). A análise da atuação do BNH vem acompanhada da proposta de estatização da produção das unidades, como ocorreu com a Petrobras para a exploração de petróleo. Embora o exemplo citado pelo autor seja o de uma estatal criada no segundo governo do Presidente Getúlio Vargas (1951-1954), o regime militar organizou várias empresas para o desenvolvimento de setores estratégicos, como energia, comunicações, R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 171 3 Alguns anos mais tarde, Brito e colaboradores(1985) coordenam uma pesquisa sobre as ações do Estado no setor habitacional, publicada com Serran e Guimarães, mais completa e aprofundada do que a reunida por SERRAN, em 1976. CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) agricultura e defesa nacional. A política habitacional, por sua vez, ficaria atrelada ao Ministério do Interior e condicionada pelo baixo nível dos projetos dos conjuntos, produzidas por construtoras privadas, através de sistemas tradicionais em terrenos periféricos. Estas características estão ressaltadas no estudo de Bolaffi e repetidas na grande maioria das críticas dirigidas à política habitacional do período militar. Bolaffi faz uma importante radiografia do funcionamento do BNH, explicitando as contradições entre as propostas iniciais do Banco e a realidade do financiamento. Pretensamente destinados à população de menor renda (até três salários mínimos), o autor conclui, em pesquisa com moradores de vários conjuntos e em diferentes cidades brasileiras, que tais financiamentos não poderiam atender estas famílias, pois a renda já estava comprometida com a alimentação. Ele também destaca o valor simbólico da propriedade da casa como indicador de ascensão social. Embora constate que, na maioria das famílias, não houve aumento da renda, a aquisição da moradia era interpretada não como resultado da política habitacional, mas sim como sucesso individual dos membros da família. Além de não favorecer as classes de renda mais baixas, o autor explicita como a política adotada contribui para a concentração de renda no país. Ao abdicar da responsabilidade pela construção dos conjuntos, transferindo-a para a iniciativa privada, sem regulamentação adequada nem fiscalização, o Estado possibilitou à instituição repassar os recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) das classes trabalhadoras para o setor privado. Aponta, ainda, que o “atravessador” dos financiamentos vendia a quem não podia pagar, sonegando ou distorcendo as informações do contrato, causando, assim, a inadimplência de muitos mutuários e a consequente crise do sistema de financiamento habitacional. Ao passar da análise das condições de financiamento para a dos conjuntos, o autor identifica a sua má localização, a maioria em terrenos periféricos, longe dos centros de oferta de trabalho e sem infraestrutura urbana ou, ainda, em terrenos impróprios, sujeitos a inundações. A avaliação das casas também não é positiva – Bolaffi descreve a má qualidade da construção que, frequentemente, apresentava problemas no piso, portas e janelas. Explica que, sem ter a quem recorrer, os moradores sentiam-se enganados e suspendiam o pagamento, promovendo outra prática de inadimplência e mais uma vez comprometendo a integridade dos fundos para a continuidade do programa. Bolaffi acrescenta que a situação crítica não era culpa dos técnicos, mas sim resultado da falta de controle e de fiscalização da ação privada que recebia os recursos. O comprometimento do BNH com o Estado Militar, na garantia de determinado modelo de reprodução capitalista, altamente concentrador, também parecia, para outro intérprete, incompatível com a implementação de uma política habitacional democrática. Kowarick (1979) tratou dessa contradição em A espoliação urbana, na qual aborda as condições de reprodução da força de trabalho características do subdesenvolvimento brasileiro, especificamente a relação funcional entre as condições informais de subsistência e a capacidade de acumulação que os setores modernos e industriais alcançam no capitalismo brasileiro. Sem acesso às políticas habitacionais promovidas pelo Estado, as classes sociais com rendimento mais baixo vêem-se obrigadas a autoconstruir a moradia. Arcam, portanto, com a sua parte na divisão social do trabalho, característica de uma economia industrial, e também com o trabalho necessário à sua subsistência. Kowarick aponta que o produto final da casa assim construída converte-se imediatamente em uma 172 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A PAUL A KOURY redução de custo, não para o trabalhador que a levantou com o sacrifício de trabalho extra e das privações a que se submeteu, mas para o empregador, que se beneficia da redução do custo mínimo de vida dos trabalhadores. A explicação do fenômeno da superexploração está na grande elasticidade da oferta de mão de obra característica das economias subdesenvolvidas, o que permite dilapidar a sua capacidade produtiva através do trabalho extra “na medida em que os elementos desgastados podem ser substituídos pelos vastos reservatórios disponíveis”. Ao mesmo tempo, os sistemas repressivos do Estado autoritário impedem que a classe trabalhadora se organize e pressione para melhorar as suas condições de vida. Esta combinação entre mão de obra abundante e autoritarismo constituiu-se no elemento fundamental para a explicação do modelo autocrático de modernização que se instalou no País após 1964 (Kowarick, 1979, p. 58). Em O mito da sociedade amorfa, Kowarick (1979, p. 21-27) ressalta a importância fundamental da sociedade civil para a democracia política, principalmente das “classes subalternas” em sua relação “contraditória e conflitante” com o Estado. O revigoramento e autonomia da Sociedade Civil é a luta fundamental que perpassa toda a questão da Democracia. Nesta ótica, a Política não pode continuar sendo o privilégio de alguns poucos iluminados. Contudo não se trata, obviamente, apenas de Democracia política entendida ‘stricto sensu’ como escolha dos governantes e ampliação da representação partidária, pois sua contrapartida necessária é a democratização dos benefícios econômicos e sociais. (Kowarick, 1979, p. 26) Seu trabalho desenhou uma nova perspectiva na condução da política habitacional orientada para a conquista democrática liderada pelos movimentos sociais organizados, mobilizados contra o Estado autoritário e um dos maiores mecanismos de reprodução do sistema político vigente: o Banco Nacional de Habitação. A interpretação de Kowarick (1979) ressalta o valor da democracia social participativa em oposição a uma ação política restrita a “iluminados” e combina com o paradigmático texto de Ferro (1979) O canteiro e o desenho, publicado em duas partes, em 1976, na revista Almanaque, posteriormente reunidas em livro de grande repercussão entre os arquitetos. Ferro (1979) faz uma importante crítica ao papel do arquiteto na acumulação capitalista e na exploração do trabalhador da construção civil. A perspectiva de sua análise inverte o sentido “iluminador” que o “desenho” havia assumido como expressão técnica na condução de um projeto nacional moderno. Tanto Artigas quanto Niemeyer, citados por Ferro (1967) no texto Arquitetura nova, eram filiados ao Partido Comunista (PCB), e defenderam a aliança dos setores de esquerda com a burguesia nacional como parte de um projeto para vencer o atraso do País, etapa supostamente necessária ao desenvolvimento das forças produtivas e posterior superação do sistema capitalista. Nesse contexto, o desenho 4 simbolizava, para estes arquitetos, a aliança e a aposta no desenvolvimento e na modernização. Ferro (1979) será o primeiro arquiteto a formalizar uma crítica a esta concepção positiva da modernização e a denunciar a falácia do argumento das etapas, defendido pelo PCB. Ele acreditava no desenvolvimento de formas autônomas de organização social. Para isto, sua arquitetura constituiu-se em um sistema de informações facilmente apropriável pela população e executável a partir R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 173 CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) da produção no país – materiais simples, disponíveis em depósitos de construção – e possível de ser realizada por autoempreendimento. Embora a sua contribuição para a história da arquitetura – um conjunto significativo de obras, formado, principalmente, por residências e escolas – possa ser considerada um capítulo da arquitetura da sociedade industrial no contexto do subdesenvolvimento, e não a sua recusa, Ferro polarizou nas décadas seguintes uma série diversificada de posições alternativas. Entre elas, podemos destacar as experiências dos Laboratórios de Habitação, que priorizaram a atuação política através da intervenção nos movimentos sociais urbanos e que desenvolveram tecnologias alternativas, com baixo investimento em máquinas e uso intensivo de mão de obra, aproveitando a experiência coletiva do trabalho no canteiro como forma de organização política. Ensaios de arquitetura para a industrialização da habitação Os ensaios apresentados a seguir tiveram a finalidade de atender aos financiamentos do BNH, e a maioria não encontrou ambiente propício no âmbito da política habitacional implementada. Alguns limites para a sua aplicação, descritos pelos autores: carga tributária maior a que estavam sujeitos os sistema construtivos industrializados, tornando-os desvantajosos em relação aos tradicionais (Vasconcelos, 2002); a baixa qualidade técnica da maioria dos conjuntos executados (Brito, 1985; Bolaffi, 1977); e o incentivo ao sistema de trabalho intensivo, adotado para conter o desemprego entre trabalhadores não qualificados (Brito, 1985). Algumas experiências ensaiadas forneceram alternativas de produção posteriormente aplicadas em moradias de classe média e equipamentos sociais, como escolas e creches construídas pelos Estados e municípios Os ensaios de arquitetura para a inclusão da produção de moradias em um sistema industrial provêm de empresas privadas, universidades, ou mesmo das instituições criadas para apoiar a implementação da política habitacional e urbana. As propostas foram elaboradas no momento de confiança na condução da política habitacional e refletem os debates do Seminário de 1963, que associam a industrialização da construção e o planejamento da cidade, e constituem diretrizes ao enfrentamento dos problemas decorrentes da intensa urbanização brasileira, na década de 1960. Analisaremos aqui três casos. Primeiro, o proveniente do setor privado, de empresas ou profissionais engajados com o problema habitacional; em seguida, uma iniciativa que, nos moldes do sugerido por Bolaffi (1977), corresponderia a uma ação direta do Estado na produção de unidades através de um sistema de pré-fabricação; por último, a atuação do Centro Brasileiro da Construção, que previa a organização do setor produtivo privado por meio de uma ação normativa do Estado, com o objetivo de integrar a indústria de componentes a um sistema modulado de projeto de arquitetura. As obras necessárias ao salto planejado de “50 anos em 5” – slogan do programa do presidente Juscelino Kubitschek, que teria em Brasília o grande marco de modernização das tecnologias civis – resultaram no desenvolvimento de muitas empresas de engenharia voltadas à produção de elementos pré-moldados de concreto, e naquelas dedicadas à construção de casas totalmente industrializadas (Vasconcelos, 2002, p. 19-113). 174 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A PAUL A KOURY No Estado de São Paulo, a política de desenvolvimento de infraestrutura urbana e industrial do governo de Carvalho Pinto (1959-1963) ampliava as oportunidades de mercado para estas empresas o que, de modo geral, o golpe militar de 1964 não encerrou. A criação do BNH e do SERFHAU, em 1964, representava mais uma oportunidade, o surgimento de um grande mercado para a habitação econômica. De fato, as inovações técnicas experimentadas em Brasília, principalmente em préfabricação, e que viabilizariam a industrialização da moradia para a sua distribuição em larga escala, ficaram longe da política habitacional adotada, mas o desenvolvimento das tecnologias civis encontrou lugar nas grandes obras de infraestruturas do período. O ano seguinte ao golpe, 1965, assistiu à publicação de várias experiências habitacionais que empregaram materiais e sistemas construtivos inovadores, demonstrando a esperança dos profissionais e das empresas de que os novos instrumentos institucionais demandassem tecnologias para a produção intensiva de moradias. As propostas de pré-fabricação reunidas na Revista Arquitetura (IAB, 1965) partiram de profissionais historicamente engajados com a questão habitacional, como Ulysses Burlamarqui, Flávio Marinho Rego e Ary Garcia Roza, que já haviam projetado conjuntos habitacionais de grande porte para os Institutos de Aposentadoria e Pensões. Burlamarqui e Rego propunham estruturas em sistemas metálicos pré-fabricados capazes de se adaptar a diferentes programas e também a contínuas expansões. Burlamarqui, por exemplo, dedicou-se ao estudo das “Unidades desmontáveis de crescimento ilimitado” que previa um módulo quadrado, de 6x6m, com estrutura em alumínio e cobertura em telhas de fibrocimento planas com vedação em painéis de madeira, totalmente independentes da estrutura. Os módulos agregáveis poderiam atender a diferentes funções, não apenas ao programa habitacional. A proposta aberta e flexível teria mais condições de se viabilizar através da economia de sua aplicação em grande escala (IAB, 1965, p.13). Algumas empresas, como a Engefusa – Engenharia de Fundações S.A., também procuraram fazer economia na produção em grande escala, introduzindo importantes inovações na aplicação de sistemas pré-fabricados pesados e totais para a construção de mais de novecentas unidades em três conjuntos habitacionais projetados por Ary Garcia Roza, no Rio de Janeiro, na segunda metade da década de 1960. O artigo ressalta o aumento de produtividade que atingiu a marca de um apartamento por dia, o emprego de mão de obra qualificada e a simplicidade do processo – que excluía os cimbramentos, utilizava poucos moldes e fazia a concretagem diretamente sobre o solo. O sistema era composto por lajes, paredes internas e grandes painéis de concreto para as fachadas (IAB, 1965, p. 26-27; Vasconcelos, 2002, p. 47). Sob esta mesma perspectiva foi criada, ainda em 1965, a empresa CINASA Construção Industrializada Nacional S. A. com o objetivo de construir casas inteiramente industrializadas. Após a instalação da fábrica e o desenvolvimento dos protótipos, em 1967, a ideia passou a fazer parte do imaginário nacional durante a coroação da miss Brasil, evento transmitido ao vivo para todo o país, quando um dos sócios da CINASA dispôs-se a realizar, em cinco meses, o sonho da vencedora – uma casinha para a mãe. Embora tenha cumprido a promessa e alcançado grande visibilidade, não foi suficiente para impedir a desativação da seção de unidades habitacionais da empresa, alguns anos mais tarde (Vasconcelos, 2002, p. 36-37). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 175 CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) Unidades desmontáveis de crescimento ilimitado, 1965, arquiteto Ulysses P. Burlamaqui (Fonte: IAB, 1965, p. 22-23). Pré-fabricação dos elementos construtivos do sistema aplicado pela Engefusa (Fonte: IAB, 1965, p. 26). Conjunto Parque Novo Irajá com o engenheiro responsável, Carlos Silva, em primeiro plano (Fonte: Vasconcelos, 2002, p. 48). 4 Sobre o arquiteto Paulo de Camargo, ver Cerávolo, 2000. Ainda com a finalidade de dar uma resposta ao problema habitacional e urbano que incluísse o desenvolvimento das tecnologias civis sob perspectiva industrializada, uma importante iniciativa foi o Mestrado em Industrialização das Construções do Departamento de Arquitetura e Planejamento da Escola de Engenharia de São Carlos, criado por Paulo de Camargo e Almeida4, em 1971. A iniciativa vislumbrava a potencialidade de aplicar, em escala industrial, a argamassa armada que estava sendo 176 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A PAUL A KOURY desenvolvida no Laboratório de Estruturas da mesma escola. Leves, esses elementos facilitavam a produção, distribuição e montagem e se constituíram em uma saída possível de pré-fabricação de baixo custo. O arquiteto João Filgueiras Lima difundiu tais técnicas em suas iniciativas nas décadas de 1980 e 1990, quando implantou uma série de fábricas de elementos leves, empregados na construção de escolas, creches, hospitais, equipamentos urbanos e elementos para obras de urbanização. Lima fundou fábricas destinadas a produzir elementos de infraestrutura urbana e equipamentos públicos para as prefeituras de Salvador, BA, e Abadiânia, GO, na década de 1980. Esta experiência teve desdobramento nos Centros Integrados de Apoio à Criança (CIACs, 1991), cujo projeto, organizado pelo governo federal, a exemplo da iniciativa dos CIEPs, implantados no Rio de Janeiro por Leonel Brizola no início da década de 1980, previa a instalação de cinco mil unidades em todo o País. Centros Integrados de Ensino, CIACs, Brasília, 1991, de autoria de João Filgueiras Lima (Fonte: Latorraca, 1999, p. 187-188). João Filgueiras Lima participou da equipe do Centro de Planejamento da Universidade de Brasília – CEPLAN (1962), parte de uma proposta que integrava a prática ao ensino e à pesquisa em arquitetura. O escritório era responsável por planejar e construir a universidade e também orientar e conduzir os cursos da Faculdade de Arquitetura, divulgando as pesquisas em pré-fabricação, desenvolvidas para a construção dos edifícios. Tinha como objetivo expandir a experiência local do escritório e se constituir, no futuro, em centro de projetos com projeção latino-americana, meta de Darcy Ribeiro, então reitor da UnB. Para isso, Lima visitou, em 1962, países do leste europeu, onde conheceu as técnicas de pré-fabricação que aplicou nas construções da UnB. Escritório do CEPLAN, 1962-3, arquiteto: Oscar Niemeyer e desenvolvimento: João Filgueiras Lima, Lelé, Brasília. (Fonte: Módulo, n.º 32, p. 26-30) R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 177 CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) 5 Formado em 1965 pela Faculdade Nacional de Arquitetura, RJ, fez cursos em centros tecnológicos e estágios em escritórios de consultoria na Europa. Colaborou com o CBC e IPT, ajudou a fundar a CONESP e atuou como consultor do Ministério da Educação, da COHAB-SP e da CDHU, e como relator de normas da ABNT para projetos. A experiência de Filgueiras Lima com pré-fabricação de elementos leves em argamassa armada a ciclo fechado, gerida pelo poder público, sem a participação da iniciativa privada, também foi aproveitada no município de São Paulo. A arquiteta Mayumi Watanabe Souza Lima, diretora da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992) organizou a fábrica – Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos (Cedec) Inspiradas nas iniciativas de industrialização e planejamento de países do leste europeu, que implantaram grandes bairros residenciais, estas fábricas foram difundidas em Cuba durante os anos 1960. A maioria produzia sistemas construtivos a ciclo fechado que pressupunha o Estado como principal promotor do desenvolvimento nacional. Entretanto, a descontinuidade administrativa impediu que as experiências brasileiras se consolidassem na esfera do Estado. Na iniciativa privada, o Centro de Tecnologia da Rede Sarah Kubitscheck (CTRS – 1992), fábrica de elementos construtivos e de manutenção de vários hospitais do aparelho locomotor, representou a iniciativa mais duradoura. A experiência do leste europeu tornou-se um importante laboratório de tecnologias construtivas e também serviu de modelo na própria Europa, como, entre outras iniciativas, o Centro Técnico e Científico do Concreto, criado em 1947 na França para auxiliar a reconstrução após a Segunda Guerra Mundial. O centro incentivou a industrialização de sistemas pré-fabricados de concreto para a produção de edifícios em larga escala (Frapier, 2012). Outra iniciativa que merece destaque é a criação dos centros de pesquisa para atender ao BNH: o Centro Brasileiro da Construção (CBC), organizado em 1969, e o Centro Nacional de Pesquisas Habitacionais (CENPHA) do Rio de Janeiro, também da mesma época. O CBC dedicou-se à integração do projeto arquitetônico, em sua dimensão ergonômica e funcional, com a indústria de componentes – uma tentativa de padronizar os componentes utilizados na construção da casa, criando as condições adequadas para a racionalização e, posteriormente, a industrialização da moradia que, neste caso, seria promovida por empresas privadas. Além de coordenar as ações do Estado e da iniciativa privada, reunir informações e promover a formação técnica e da mão de obra, e estudar a construção da habitação, o objetivo do Centro era basicamente criar um canal de comunicação institucional entre o principal contratante, o BNH, os setores de profissionais de projeto – o Instituto de Engenharia e o Instituto de Arquitetos do Brasil – e a indústria de materiais e componentes representada pela CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo). A iniciativa uniu um grupo de profissionais para equacionar a questão produtiva, considerando o desenvolvimento industrial da construção. No ano de sua criação, o BNH contratou o CBC para executar um Plano de Implantação da Coordenação Modular, desenvolvido pelo engenheiro Teodoro Rosso e pelo arquiteto João Honório de Mello5. Considerado o primeiro passo em direção à industrialização da construção ou, de acordo com a explicação dos responsáveis pela instituição: “É uma metodologia que permite estabelecer relações sistêmicas de integração entre os componentes construtivos, visando a aplicação do método industrial ao processo de edificação” (Cadernos do CBC, set. 1971). Embora esse plano para a coordenação modular habitacional, feito para o BNH, não tenha sido implantado, a Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo (CONESP) aproveitou o trabalho, a partir de 1976, por iniciativa do 178 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A PAUL A KOURY arquiteto João Honório de Mello, e abriu uma perspectiva bastante inovadora para o controle da integração da iniciativa privada no processo de projeto e construção de escolas públicas. Baseado em um sistema de catálogos, ambientes, componentes, em detalhes e especificações padronizadas, possibilitou ao Estado erguer escolas em larga escala. Permitiu também racionalizar e incorporar a produção de componentes industrializados, facilitou a administração, a revisão, o orçamento e a fiscalização das obras contratadas. Além disso, possibilitou a contratação de vários profissionais autônomos para a elaboração dos projetos, cujo serviço técnico pode ser avaliado a partir de parâmetros objetivos. Da produção capitalista à utopia social da casa e da cidade As alternativas analisadas acima respondem ao desafio da produção em massa da casa e da cidade, através de soluções construtivas que introduzem novos materiais e sistemas de produção. Algumas propostas pressupunham que o atendimento das necessidades de produção em larga escala da moradia urbana, que o banco se encarregaria de financiar, seria feito pela indústria nacional, e que se articulariam em torno dela o conhecimento técnico especializado e o empreendedorismo privado. Nesse momento ainda estava viva a esperança de que a expansão industrial do País ampliaria o acesso aos benefícios sociais. Tais condições mostraram-se mais complexas e contraditórias durante a década de 1970, quando as críticas ao BNH deságuam no conflito explícito entre desenvolvimento produtivo, de um lado, e democracia social, de outro. A agenda apresentada por Kowarick (1979) em A espoliação urbana traduziu-se em propostas de produção “da casa e da cidade”. O objetivo era encontrar uma saída democrática, agindo na organização das forças sociais. A primeira delas, formulada por Lefèvre, idealizou um canteiro-escola inspirado no método de Paulo Freire. A conscientização política seria o elemento integrador de uma comunidade formada por migrantes que chegavam à cidade de São Paulo atraídos pela pujança econômica, mas que não encontravam abrigo, tampouco inserção na economia formal (Lefèvre, 1981). A experiência pedagógica de autoconstruir a casa e o bairro, sob a orientação de um conjunto de técnicos, seria uma estratégia para que estes potenciais agentes do sistema social pudessem integrar-se e conquistar espaço político. Outra experiência semelhante foi o Laboratório de Habitação do Curso de Arquitetura da Faculdade de Belas Artes de São Paulo, de 1982, que prestava assessoria técnica à comunidade de baixa renda através de alunos supervisionados por seus professores. Esta iniciativa tornou-se modelo para outros laboratórios universitários que desenvolveram alternativas de produção de unidades com baixo custo e gestão comunitária (Bonduki, 1992). Tais experiências ganharam força nos movimentos populares urbanos e se transformaram no programa de governo da Superintendência de Habitação Popular da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992). A proposta permitiu, em gestão metropolitana, consolidar uma agenda alternativa àquelas que foram alvo das principais críticas ao BNH: o financiamento direto às associações de moradores, a participação popular nos mecanismos de decisão – elemento fundamental dos novos conjuntos propostos no horizonte da R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 179 CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) democracia participativa – e a defesa da moradia em área central. Estes elementoschave integraram-se às diretrizes da política habitacional brasileira ao longo de 1990 e, principalmente, durante o governo Lula (2003-2010). Considerações finais A história das políticas habitacionais brasileiras constrói-se através do conflito entre a ampliação do atendimento do Estado do bem estar-social e a dificuldade de sua reprodução na periferia do capitalismo. A impossibilidade de generalizar o serviço de assistência social, que incluísse o direito universal à moradia e à expansão “democrática” da sociedade urbana, constituiu-se em fecundo debate durante todo o ciclo do desenvolvimentismo brasileiro. Este ciclo, ao encerrar-se, parece ter carregado todas as esperanças na conjugação entre capitalismo e solução do problema habitacional, seja pela constituição de um mercado sustentável de habitações para as classes de baixa renda, seja, ainda, por um serviço social capaz de prover as necessidades básicas de reprodução da força de trabalho. A solução da autoconstrução, adotada como forma de organização social, mostrou-se funcional diante da falta de investimento do Estado nos anos de redemocratização. Entretanto, não significou alternativa isenta de críticas. Oliveira (1972) já havia abordado o funcionamento da autoconstrução como mecanismo que acentua a tendência concentradora do capitalismo no âmbito do subdesenvolvimento. O argumento foi enfatizado em análise de Kowarick (1979), apresentada neste artigo. Porém, as condições do País no final da ditadura militar, a crise do BNH, a falta de uma política de subsídios e a necessidade de resistência e de organização social não deixaram a esta crítica outro lugar que não o ambiente acadêmico. A redemocratização do Brasil, em 1985, ampliou os canais de participação política e, em 1988, a nova constituição incorporou um conjunto de direitos civis, entre os quais o da moradia, reorganizando os instrumentos para as reformas sociais, formulados na crítica à política habitacional do período anterior. Em 2006, um debate entre Francisco de Oliveira, Sérgio Ferro e João Marcos Lopes, publicado na revista Novos Estudos Cebrap, reacende a questão da orientação da política habitacional, na mão ou na suposta contramão do capitalismo, em condições históricas completamente diversas das do final da década de 1980, principalmente na vigência de uma retomada do desenvolvimento econômico brasileiro e na inauguração de uma ação federal abertamente subsidiada para o setor. * * * Tão conservadora nos sistemas construtivos quanto nas concepções urbanísticas, a política habitacional implementada pelo BNH não acolheu a oferta das propostas inovadoras originadas no período. A análise destas alternativas para a produção habitacional permite identificar o compromisso dos agentes técnicos com diferentes concepções de desenvolvimento social. Cada uma delas pressupõe papéis distintos ao Estado, à iniciativa privada e aos profissionais, arquitetos e engenheiros. Estes compromissos políticos, presentes no campo profissional brasileiro nos anos 1960 e 1970, originaram novos desdobramentos e posições ainda hoje atuantes. 180 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A N A PAUL A KOURY Revisitar o debate habitacional encetado no bojo do que foi a maior e mais controversa política habitacional da história deste País permite identificar as posições consolidadas naquele momento, bem como reavaliar as aderências históricas que as legitimaram, permitindo libertar o debate atual, tanto dos fracassos quanto dos sucessos encerrados na época. A possibilidade, frustrada naquele momento, de enfrentar a política habitacional por meio da produção formal de unidades e da industrialização de componentes e subsistemas da construção, pode alcançar novos significados à luz das condições atuais. O acesso à moradia para as classes de menor renda, a alteração dos padrões de desenvolvimento urbano periférico de baixa densidade e a industrialização da produção das unidades, pressupostos dos modelos habitacionais apresentados neste artigo, originaram projetos inovadores. Esses projetos, embora excepcionais e quantitativamente não representativos, indicam caminhos não explorados que significam um grande patrimônio de soluções técnicas ao enfrentamento do problema habitacional, associado ao desenvolvimento urbano e social brasileiro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, E. S. J.; SILVA, M. L. P. Aspectos históricos da política habitacional no Brasil: A atualidade dos relatórios do grupo de trabalho para a reformulação do SFH (GTR-SFH) e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), 1986. XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo VITÓRIA, 2010. Anais... Vitória: UFES, out. 2010. BOLAFFI, G. A casa das ilusões perdidas: aspectos socioeconômicos do plano nacional de habitação. 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CONSTRUÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIAS CIVIS (1964 -1986) http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000300011 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Nacional de Habitação. Versão para debates. Brasília: Ministério das Cidades/ Secretaria Nacional de Habitação. Primeira impressão: maio 2010. OLIVEIRA, F. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. (1ª ed. 1972) __________. O vício da virtude: autoconstrução e acumulação capitalista no Brasil. Novos estudos - CEBRAP, São Paulo, n. 74, Mar. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002006000100005&lng=en&nrm=iso>. Accesso em 05 Aug. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100005. SERRAN, J. R. O IAB e a política habitacional brasileira (1954-1975). São Paulo: Schema, 1976. SHrU. SHrU. Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, n. 15, set.1963. VALLADARES, L. P. (org.). Repensando a habitação no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. VASCONCELOS, A. C. O concreto no Brasil: pré-fabricação, monumentos, fundações. São Paulo: Studio Nobel, 2002. Abstract The housing debate that preceded the creation of the National Housing Bank (BNH) resulted from innovative proposals presented at the Seminar on Housing and Urban Reform (1963). The Bank implemented after the 1964 coup, has adopted a conservative policy that does not reach the lower income classes and contributes to urban sprawl in a low density peripheral, without social equipment. The Critical approach about the adopted model was responsible for drafting new guidelines for housing policy, from the 1988 constitution. On the other hand, proposals for production of housing units using constructive technologies and presented in a moment of hope for success of housing policies, are a set of experiences that have not been successful at that time and may acquire a different meaning in the current development scenario. 182 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR PAULISTA SOB O ESTATUTO DA CIDADE Jefferson O. Goulart Eliana T. Terci Estevam V. Otero R e s u m o O artigo examina o alcance do Estatuto da Cidade como novo marco regulatório da política urbana brasileira a partir de estudo comparativo de processos contemporâneos em três cidades médias do interior paulista (Piracicaba, Bauru e Rio Claro). O estudo se faz mediante a análise de três dimensões complementares: econômica, urbanística e político-institucional. São constatados obstáculos endógenos e exógenos que têm condicionado as políticas urbanas e dificultado a aplicação dos indicativos dos Planos Diretores recém-aprovados. Apesar da expressiva incorporação formal dos instrumentos do Estatuto da Cidade, boa parte não tem sido implantada ou não foi regulamentada, cenário que pode ser generalizado como predominante no país e que remete aos padrões contemporâneos do desenvolvimento regional e urbano. P a l a v r a s - chave Dinâmica urbana; cidades médias; estatuto da cidade; planos diretores participativos. Este trabalho examina o alcance do Estatuto da Cidade como novo marco regulatório da política urbana brasileira a partir de estudo comparativo de correspondentes processos contemporâneos em três cidades médias do interior paulista (Piracicaba, Bauru e Rio Claro). A compreensão desse fenômeno se faz mediante parâmetros analíticos de múltiplas dimensões, a saber: econômica, urbanística e político-institucional. Trata-se de análise preliminar de investigação que os autores vêm desenvolvendo sobre a temática, razão pela qual os resultados aqui apresentados são ainda provisórios.1 O texto está estruturado em três sessões. Na primeira, “Estado, desenvolvimento e dinâmica urbano-regional”, são discutidos os principais aspectos e consequências da crise do modelo nacional-desenvolvimentista que conduziu as políticas macroeconômicas do Brasil até os anos 1980 e as medidas neoliberais na condução da superação da crise. Ademais, se considera o desenho político-institucional que marca essas mudanças, notadamente os aspectos relativos à estrutura federativa e ao status dos municípios quanto às politicas de regulação urbana. Nesse contexto foi aprovado o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10/07/2001), marco regulatório que ampliou as prerrogativas dos municípios, passou a requerer participação da sociedade civil nas decisões de políticas públicas e impôs a subordinação da lógica urbana à função social da cidade. Na segunda parte, “Transformações recentes na rede urbana brasileira e seus reflexos no planejamento urbano”, são tratadas as mudanças atuais, com destaque R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 183 1 A pesquisa “Processos Contemporâneos de Desenvolvimento Urbano em Cidades Médias: Estatuto da Cidade, expansão imobiliária, engrenagem econômica e dinâmica decisória político-institucional [2001-2011]” tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Os autores são gratos aos pareceristas anônimos da RBEUR pelas indicações de aperfeiçoamento deste texto. A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR para o desempenho das cidades médias no processo de desenvolvimento e seu papel no planejamento territorial, regional e urbano. Nesse contexto, apresenta-se a base empírica dos municípios estudados através de dados socioeconômicos que evidenciam sua participação na rede urbana brasileira. Na terceira seção, “Estatuto da Cidade, Planos Diretores e a política urbana”, são examinados os processos de revisão dos Planos Diretores das cidades selecionadas, identificando-se aproximações e distanciamentos com os instrumentos preconizados pelo Estatuto da Cidade para avaliar o alcance do novo marco regulatório na dinâmica urbana. No final, são apresentadas algumas hipóteses explicativas provisórias sobre o lugar das cidades médias no desenvolvimento urbano contemporâneo e os constrangimentos e obstáculos das políticas urbanas dos Planos Diretores, de modo a evidenciar o potencial normativo dos enunciados do Estatuto da Cidade em contraponto com seus obstáculos fáticos. Estado, desenvolvimento e dinâmica urbano-regional A recessão mundial do final da década de 1970 atingiu o Brasil face à dependência do financiamento externo que sustentou seu processo de substituição de importações, resultando em dramático endividamento externo e em pressão inflacionária que afetaram a capacidade estatal de fazer política econômica de longo prazo, comprometendo a reedição de um projeto nacional liderado pelo Estado. Em decorrência, as décadas seguintes ficaram marcadas pelas inúmeras tentativas de estabilização monetária, numa sucessão de planos fracassados de combate à inflação, com exceção do Plano Real (1994), cujo êxito foi alcançado com grande sacrifício para o crescimento da economia e do emprego em virtude dos juros elevados e do câmbio sobrevalorizado. Na esfera da política urbano-regional, o colapso do projeto desenvolvimentista implicou o abandono das políticas de desconcentração produtiva, principalmente do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), ao que se seguiu uma “não-política” de desenvolvimento regional e urbano que deu lugar à guerra fiscal entre estados e municípios, os quais, valendo-se de renúncia fiscal, disputavam parcos investimentos privados. Isto, somado à deseconomia de aglomeração, não reverteu a desconcentração em curso e alterou sensivelmente a geografia industrial de setores tradicionais da indústria, a exemplo do setor automobilístico, que se descentralizou da região do ABC Paulista, e o de bens não duráveis de consumo, que se deslocou em grande parte para o Nordeste (Coutinho, 2003). A melhora dos preços internacionais no mercado mundial de commodities, somada à mudança na conduta da política econômica a partir de 2003 – com o Estado reassumindo seu papel na condução da economia –, favoreceu a retomada do crescimento econômico. O lançamento de várias ações, como a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), dentre outros, e a conjuntura nacional propícia a novos investimentos, distinguiram as cidades médias como espaços privilegiados por suas vantagens relativas, notadamente mobilidade livre dos congestionamentos característicos das metrópoles, melhor qualidade de vida e implantação de novos arranjos produtivos, tais como os Polos Tecnológicos, os Arranjos Produtivos Locais (APLs), 184 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 J E F F E R S O N O . G O U L A R T, E L I A N A T. T E R C I E E S T E VA M V. O T E R O clusters etc. As possibilidades de agrupamento de empresas do mesmo setor produtivo e de implantação de novos centros de pesquisa em universidades tornam o ambiente propício às inovações e à competitividade determinada pelo padrão internacional (Amorim Fº; Serra, 2001, p.29). Esse novo ambiente indica mudança na relação entre Estado e setor empresarial, a partir da qual se combinam um projeto público-privado de desenvolvimento local e a estratégia das empresas para a utilização de recursos locais, ou mesmo para a criação de novos arranjos que se colocam como alternativas às nefastas estratégias baseadas na guerra fiscal. Em análise crítica do contexto em que ocorrem essas mudanças, Harvey (1996) observa um esvaziamento do papel coordenador da esfera federal em favor da descentralização, dando lugar a uma nova abordagem na administração urbana: em lugar do gerenciamento característico dos anos 1960-70, avançam as práticas relativas ao empresariamento da gestão das cidades, as quais passam a ser reconhecidas pelo seu perfil empresarial em relação ao desenvolvimento econômico.2 Há, porém, um aspecto positivo da descentralização: mesmo submetida à lógica da acumulação, se o comando das cidades não se resumir à competição, mas à ideia de cidade como corporação coletiva, pode emergir um sistema decisório democrático (Harvey, 1996, p.62). Essa condicionante está diretamente relacionada ao grau de competitividade interurbana, questão que só pode ser mediada pelo planejamento, caso contrário as regras do mercado reduzem o caráter coletivo e o sentido democrático da gestão urbana. É importante enfatizar uma característica do processo de descentralização que marca o período aqui aludido e destacado por Braga (2004) em virtude das implicações para a gestão urbana, aspecto também observado por Harvey (1996) na Europa e nos EUA: trata-se da questão fiscal, na qual se observa mudança significativa na condução do processo de descentralização e que se traduz numa ambiguidade, pois, ainda que a Constituição de 1988 tenha consagrado a tendência descentralizadora nas esferas decisórias, na década de 1990 a equação se inverteu em favor da União e, por consequência, em detrimento de estados e municípios. Braga (2004) observa uma inversão de tendência em duplo sentido: i) aumento da carga tributária brasileira, que salta do patamar de 24% do PIB em 1991 para 36% em 2003; e ii) redução da participação dos estados e municípios na arrecadação em virtude da forma como se fez a recuperação fiscal da União, com a criação ou elevação de alíquotas de tributos e contribuições não compartilhados com as esferas subnacionais. Isto ocorreu simultaneamente à problemática intensificação do processo de municipalização das políticas sociais. Arretche (1996) esclarece as razões que estimularam a descentralização: crise fiscal e democratização. Ou seja, a descentralização foi a resposta à escassa capacidade orçamentária pública: “a distribuição das atribuições administrativas entre os diversos níveis de governo seria uma solução efetiva para os problemas orçamentários e de eficiência administrativa” (Arretche, 1996, p.76-77). A democratização é a outra faceta desse processo, pois, a despeito da crise fiscal, não se deve ignorar o caráter participativo e inclusivo que a descentralização proporciona como possibilidade de controle público.3 A Constituição de 1988 teve como marcas a desconcentração tributária em favor de estados e municípios, descentralização de atribuições e competências sociais mais importantes e indução normativa à cooperação entre todos os níveis de governo que, contudo, não diminuíram a primazia da União (Arretche, 2009; Goulart, 2009; Souza, 2005). Mas essas mudanças institucionais ampliaram a autonomia dos municípios – R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 185 2 Para uma síntese visão, ver Castells; (1996). Para uma desta concepção, ver (2000). dessa Borja crítica Vainer 3 Sobre esse aspecto, ressalte-se a contribuição do catalão Jordi Borja, a quem se atribui a oportuna correlação entre descentralização e democratização. A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR aliás, reconhecidos como entes federados soberanos – e, respectivamente, seu escopo decisório. As possibilidades de maior controle e regulação da produção do espaço urbano pelas municipalidades, resultado de um longo processo de descentralização, teve ponto alto na aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), marco institucional que regulamentou o Capítulo da Política Urbana da Constituição (Artigos 182 e 183). As possibilidades abertas pela aprovação do Estatuto da Cidade residiam no poder que conferia às administrações municipais nas políticas de desenvolvimento urbano. Para efetivar o novo arcabouço legal urbano, os municípios deveriam elaborar seus Planos Diretores, os quais definiriam prioridades e objetivos aplicáveis, enfocando as questões relacionadas à produção do espaço urbano. Antes da análise empírica sobre o alcance desse novo instrumento de regulação do espaço urbano, cabe uma breve exposição da evolução recente da rede urbana brasileira para elucidar o papel das cidades médias e caracterizar a base empírica deste estudo. Transformações recentes na rede urbana brasileira e seus reflexos no planejamento urbano A década de 1970 registra intensa reorganização do território econômico nacional, resultado do processo de realocação industrial que altera as dinâmicas regionais brasileiras polarizadas pelo eixo Rio-São Paulo. A intensificação da interiorização da indústria fortaleceu o polo formado no interior do estado de São Paulo. A partir de então, observa-se a inflexão do fenômeno territorial com fortes implicações demográficas e socioeconômicas, quando se inverte o ritmo de crescimento das grandes aglomerações metropolitanas e acentua-se o dinamismo das cidades médias, indicando a reversão da polarização representada por aquelas. A evolução da rede de cidades no sul e no sudeste contribuiu para a formação de uma estrutura “hierarquicamente mais equilibrada” (Amorim Fº & Serra, 2001, p.11). A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), capítulo do II PND, atribuía papel importante às cidades médias, particularmente na articulação entre os grandes centros e um conjunto de cidades de menor porte, integrando e polarizando amplas redes de cidades e aglomerações urbanas que já apresentavam o potencial de converter-se em instrumentos de uma “política de desenvolvimento urbano-regional” (Braga, 2005, p.2241). Assim, as cidades médias integram as estratégias regionais, e no Sudeste buscouse a desconcentração das regiões metropolitanas de Rio e São Paulo, com o consequente “reforço das cidades de porte médio” (Steinberger & Bruna, 2001, p.45). As diretrizes de interiorização do desenvolvimento foram constrangidas pela dinâmica econômica e sua tendência à concentração de investimentos: “a política urbana postulava desconcentração geográfica, mas a política econômica buscava um novo patamar de substituição de importações, com ênfase nos setores de bens de capital e insumos básicos, que possuíam caráter reconcentrador” (Steinberger & Bruna, 2001, p.46). O reforço das cidades médias como polos secundários foi uma tentativa de reversão da contradição flagrante do II PND, buscando conciliar as vantagens da economia de aglomeração metropolitana com um desenvolvimento urbano e regional mais equilibrado. Esse processo de desconcentração se restringiu a uma porção do 186 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 J E F F E R S O N O . G O U L A R T, E L I A N A T. T E R C I E E S T E VA M V. O T E R O território nacional definido pelas cidades de Belo Horizonte-Uberlândia-Londrina/ Maringá-Porto Alegre-Florianópolis-São José dos Campos-Belo Horizonte, definindo um “novo polígono de aglomeração industrial”, no qual estão inseridos os principais polos tecnológicos nacionais (Diniz, 1993, p.36-7). Esse processo foi mais acentuado no interior paulista, que à época reunia algumas condições fundamentais para essa transformação, muitas delas originadas nas peculiaridades históricas de seus processos de ocupação e desenvolvimento econômico. Cano (2008) identifica cinco fatores que induziram à desconcentração industrial em direção ao interior paulista e que caracterizam o fenômeno da “desconcentração concentrada”: i) as deseconomias de aglomeração da metrópole; ii) as políticas estaduais de descentralização; iii) as políticas municipais de atração industrial; iv) as políticas federais de incentivo às exportações e o Proálcool; e v) os grandes investimentos federais em indústrias de base e em centros de pesquisa. Ao longo do período 1970-2000, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) perdeu participação no Valor de Transformação Industrial (VTI) no conjunto da indústria brasileira, caindo de 43,4% em 1970, para 16,8% em 2003, ao mesmo tempo em que se observou crescente heterogeneidade no desenvolvimento das regiões brasileiras, despontando verdadeiras “ilhas” de produtividade. O maior beneficiado desse processo foi o interior paulista, em especial os municípios médios dotados de infraestrutura. No período entre 1970 e 1985, enquanto a participação da RMSP no VTI estadual declinava de 74,7% para 56,6%, a participação do interior crescia de 25,3% para 43,4% (Negri, 1996, p.181). Em relação ao conjunto do país, entre 1970 e 2003, o VTI do interior do estado quase dobrou, passando de 14,7% para 27% (Tineu, 2008, p.383). Dados da Fundação Seade indicam que o interior paulista concentrava, em 2011, 44% do Produto Interno Bruto de todo o estado ou 15% da riqueza nacional, além de responder por 44% do emprego no estado e 13% do país. Esse processo teve correspondência em termos demográficos. Em 2010, as cidades do estado de São Paulo com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, excluídas aquelas da RMSP, passaram de 21, em 1980, para 46 em 2010 (Braga, 2005), onde viviam 8.873.886 paulistas (Censo 2010/IBGE). Harvey (1996) ajuda a compreender esse fenômeno como resultado da nova estratégia de gestão urbana predominante a partir da década de 1970. O empresariamento e consequente competição interurbana estão na raiz da ascensão e decadência das cidades, ou seja, “encoraja determinados tipos de atividade e esforços que têm a maior capacidade localizada de elevar o valor das propriedades, da base tributária, da circulação local de renda e (a mais esperada das consequências da lista precedente) do crescimento do emprego” (Harvey, 1996, p.59). Assiste-se, assim, a uma fecunda mudança nas “práticas espaciais”. Chama atenção a difícil delimitação dos contornos do urbano, visto que simultaneamente ao crescente movimento de fragmentação do espaço em bairros, comunidades e grupos, a tecnologia aplicada aos transportes e às comunicações permitiu maior dispersão do espaço, alterando o antigo “conceito de cidade enquanto unidade física rigidamente delimitada ou mesmo um domínio administrativo coerentemente organizado” (Harvey, 1996, p.51). Nessas condições, parece evidente que o empresariamento – na apropriada concepção de Harvey (1996), que indica a primazia do interesse privado com suporte das agências governamentais – foi o paradigma que conduziu a gestão urbana no R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 187 A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR período recente definindo as novas dinâmicas territoriais, coincidindo no Brasil com o esgotamento do projeto desenvolvimentista. Resta saber quais estratégias as delinearam, considerando os interesses empresariais e das municipalidades em razão dos elos que conectam regiões e localidades. Cidades médias no interior paulista: os casos de Piracicaba, Bauru e Rio Claro 4 Desse processo resultaram os municípios de Itirapina, Itaqueri da Serra, Santa Gertrudes e Corumbataí. A partir dos anos 1980, as grandes ações e políticas públicas com impacto na estrutura urbana e regional praticamente desapareceram. Estudos recentes confirmam que a ausência de políticas territoriais nacionais nesse período evidenciou experiências inovadoras de iniciativa das localidades. Estas, entretanto, não prescindem de uma política de cunho nacional, ou ainda, de compartilhamento entre as instâncias federativas, sobretudo pelo fato de a política urbana da Constituição de 1988 haver consagrado essa premissa. A recuperação do Estado, a partir da segunda metade da década de 1990, contudo, não significou a retomada das políticas territoriais e urbanas no padrão dos anos 1970, mas oscilaram entre uma orientação de crescimento econômico e outra mais preocupada com o desenvolvimento social (Bitoun, 2009). Normativamente, contudo, não é apropriado opor as opções social e econômica, “mas entender até que ponto o aumento do consumo e do protagonismo popular é visto como a alavanca principal ou acessória do desenvolvimento econômico do país” (Bitoun, 2009, p.22) e, nesses termos, tal premissa deve dar substância ao conceito de desenvolvimento humano e sustentável. Nos anos 2000, a rede urbana brasileira passou a apresentar configuração mais complexa, apontando tendências importantes em termos de ocupação territorial e desenvolvimento socioespacial. Uma de suas principais características foi a crescente importância dos centros urbanos de médio porte, cujo impacto demográfico e econômico frente às aglomerações metropolitanas e ao conjunto do país vêm se ampliando. Vejamos a seguir a evolução da base empírica adotada. Piracicaba, Bauru e Rio Claro são cidades médias do interior paulista, exemplos da trajetória antes descrita. Em 1950, Piracicaba já somava 87.835 habitantes e era a 52ª cidade brasileira em população. Bauru tinha 65.452 residentes no mesmo período, ocupando a 89ª posição. Em 1970 ambas evoluíram na rede brasileira: Piracicaba saltava para a 45ª posição, com 152.505, e Bauru para a 56ª, com 131.936 habitantes. Rio Claro deixou de figurar no ranking das 100 maiores, apresentando, em 1950, uma população em processo regressivo, devido à emancipação de alguns antigos distritos.4 O peso relativo dessas cidades se confirma pelos dados atuais. Com uma população de 364.504 habitantes (Censo 2010/IBGE), taxa de urbanização de 97,33%, vasta extensão territorial e alta concentração urbana, Piracicaba é um município de forte tradição na agroindústria canavieira e sede de um expressivo parque metal-mecânico. No plano político, a cidade abrigou importantes experiências progressistas: primeiro a administração do peemedebista João Hermann Netto ainda no fim do regime autoritário (1977-1982) e, depois, duas gestões sob o comando do petista José Machado (1989-1992; 2001-2004). Neste último período foi levado a cabo o processo participativo para a revisão e formulação do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável, encaminhado ao Legislativo municipal em 2004, proposta alterada e objeto de posterior substitutivo encaminhado pelo governo seguinte do tucano Barjas 188 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 J E F F E R S O N O . G O U L A R T, E L I A N A T. T E R C I E E S T E VA M V. O T E R O Negri (2005-2008). Geograficamente localizada na porção central do estado, Bauru tem lugar privilegiado que lhe valeu a qualificação de “cidade sem limites”, com população de 343.659 habitantes (Censo 2010/IBGE). Sua história está associada à expansão cafeeira ao oeste paulista, percurso para o qual o desenvolvimento da malha ferroviária foi determinante. Apresenta importante setor terciário, configurando expressiva polarização econômica e de serviços em nível regional, ao passo que seu parque industrial é relativamente modesto em comparação com outros municípios de porte similar. Apresenta a mais alta taxa de urbanização dentre os três municípios: 98,5%. Durante o mandato do prefeito Tuga Angerami, eleito pelo PDT (2005-2008), foi levada a cabo a mais relevante alteração na legislação urbanística municipal, quando um pioneiro processo participativo culminou com a aprovação do novo Plano Diretor inspirado nos instrumentos do Estatuto da Cidade. Rio Claro – localizada às margens da rodovia Washington Luís, um dos mais importantes eixos paulistas de integração – apresenta população de 186.081 habitantes (Censo 2010/IBGE) e elevada taxa de urbanização (97,57%). Sua economia é fortemente associada à atividade industrial dos setores metalúrgico e cerâmico, além do segmento de serviços. O atual Plano Diretor do município, ora em revisão, foi produzido durante o mandato do prefeito Dermeval da Fonseca Nevoeiro Jr. (DEM), marco legal que não incorporou a metodologia participativa do Estatuto da Cidade. Andrade e Serra (2001) revelam aspectos significativos da evolução dessas cidades no período 1975/96, tempo em que se verificou um arrefecimento da tendência de crescimento da economia brasileira. Os autores tomam por base o PIB estimado para os municípios brasileiros no período e concentram a análise nos 111 centros urbanos considerados de maior importância na rede brasileira de cidades em virtude de constituírem aglomerações urbanas5. Naquela classificação de 1999, Bauru figurava como centro sub-regional de nível 1 e Piracicaba como centro sub-regional de nível 2, do qual Rio Claro fazia parte.6 De acordo com o estudo, esses 111 centros urbanos – os quais compunham um conjunto de 467 municípios – correspondem a 80% do total, e os demais 5.040 municípios brasileiros representam os 20% restantes. No intervalo considerado de 21 anos não se verificou alteração em sua participação no PIB nacional. Observa-se, entretanto, uma relocalização das atividades produtivas, com perda de participação das metrópoles nacionais de São Paulo e Rio de Janeiro, com ganhos para as metrópoles regionais e centros regionais. Já os centros sub-regionais mantiveram sua participação, confirmando a já mencionada desconcentração concentrada. As taxas médias de crescimento do PIB para o grupo de municípios que compõem os centros sub-regionais “1” (à qual pertence Bauru) e “2” (à qual pertence Piracicaba) foram de 5,13% e 2,75%, respectivamente. Considerando a taxa média brasileira, salta aos olhos o desempenho de Bauru, cuja taxa (5,13%) esteve muito acima da nacional (2,71%). Tomando por base o comportamento do PIB per capita no período, observa-se a evolução dinâmica do centro sub-regional polarizado por Bauru, cuja taxa média de crescimento foi de 2,06%, contrastando com Piracicaba, que foi de apenas 0,17%. No centro representado por Piracicaba, o PIB per capita manteve-se praticamente constante durante o período 1975-96, enquanto o de Bauru aumentou em mais de 50%. É preciso considerar, entretanto, que Bauru sai de um patamar bastante inferior ao de Piracicaba: enquanto o PIB per capita (média) do centro sub-regional de Piracicaba R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 189 5 Sobre o conceito de aglomerações urbanas, ver Braga, 2005, p.2244. 6 Os critérios para a hierarquização dos centros urbanos foram: centralidade, escala de urbanização, grau de complexidade e diversificação da economia urbana (Andrade; Serra, 2001). A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR 7 Para maiores informações sobre a hierarquia da rede de cidades brasileiras, ver “Regiões de Influência das Cidades 2007” (IBGE, 2008). 8 O quesito Emprego & Renda considera as variáveis geração de emprego formal, estoque de emprego formal e salários médios do emprego formal. era R$7.556,00 em 1975, o de Bauru era R$4.769,00. Tomando como referência a pesquisa realizada pelo IBGE para a elaboração das Regiões de Influência das Cidades, de 2007, Piracicaba, Bauru e Rio Claro mantiveram papel destacado na rede urbana em virtude de sua força de atração em relação às cidades de seu entorno. Piracicaba e Rio Claro fazem parte da mesma aglomeração urbana, sendo que hierarquicamente Rio Claro está classificada como Centro Sub Regional A, subordinado à rede de influência de Piracicaba, por sua vez classificada como Capital Regional C.7 Piracicaba e Rio Claro ainda estão vinculadas a Campinas, esta considerada Capital Regional A, que se interpõe entre aquelas cidades e São Paulo (Grande Metrópole Nacional). Bauru, por sua vez – classificada como Capital Regional C – faz o elo direto com São Paulo, o que confirma a inexistência de outra cidade de maior importância entre a “cidade sem limites” e a capital. Isto faz dela um polo importante na rede, e explica o alto peso relativo do setor de serviços (79,8%) na composição do Valor Adicionado do município (R$ 6.048.221), patamar muito acima da indústria (19,9%) e da agropecuária (0,3%). Nos casos de Piracicaba e Rio Claro, o peso relativo da indústria na composição do Valor Adicionado é bem mais expressivo. Em Piracicaba a indústria tem participação de 42,3% do Valor Adicionado, os Serviços 56,7% e a Agricultura 1,0%. No município de Rio Claro, o peso da indústria é ainda ligeiramente maior do que em Piracicaba, representando 46,4%, inferior ao peso dos Serviços que representa 52,8%; a Agropecuária representa apenas 0,8% do Valor Adicionado. Comparando-se com números de 2000, pode-se observar que o crescimento do setor Serviços é uma tendência muito forte para Bauru, pois naquele ano o peso desse setor foi de 66,71%, compondo com 32,28% da Indústria, ou seja, o setor Serviços aumentou em mais de 50% sua participação relativa. Em Piracicaba e Rio Claro, ao contrário, a variação foi pequena, ainda que a tendência de crescimento dos serviços seja verificável. Em todos os municípios é flagrante a queda de representação da Agricultura, que, em 2000, ainda ultrapassava a casa dos decimais, sendo que em Rio Claro a participação foi de 2,8%, em Piracicaba 2,65% e em Bauru 1,01%. Considerando-se a classificação do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) – o qual considera as três principais esferas indicativas de Desenvolvimento Humano para sua composição: emprego & renda, educação e saúde com a mesma ponderação –, os municípios selecionados figuram entre os mais desenvolvidos do estado de SP e do Brasil em todos os anos, compondo os 31% de municípios brasileiros de maior desenvolvimento. Todos saíram da situação de desenvolvimento moderado em 2000 para a situação de alto desenvolvimento em 2007. O fator que contribuiu para a situação de desenvolvimento moderado dos municípios em 2000 foi emprego & renda8, o qual posicionou Rio Claro e Piracicaba na condição de desenvolvimento regular neste quesito, contribuindo para puxar o IFDM para baixo. Rio Claro teve o melhor desempenho em 2000 (35ª posição estadual e 37ª nacional), alcançando alto desenvolvimento em educação e saúde, assim como Bauru. Piracicaba apresentou desenvolvimento moderado em Saúde naquele ano. Bauru foi o que melhor ascendeu no ranking, tendo saído da 72ª posição nacional e da 61ª estadual, em 2000, para o 23 e 24º lugar, respectivamente, em 2007. A principal razão dessa melhoria foi o quesito emprego & renda. Piracicaba teve uma evolução bastante significativa entre 2000 e 2007, quando sai da 269ª nacional da 198ª estadual, em 190 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 J E F F E R S O N O . G O U L A R T, E L I A N A T. T E R C I E E S T E VA M V. O T E R O 2000, alcançando o 73º posto nacional e o 88º estadual em 2007. Rio Claro recuou apenas uma posição no intervalo, ocupando em 2007 a 36ª posição estadual e a 38ª nacional. Vejamos a seguir em que medida esse desempenho socioeconômico traduz (ou não) a política urbana desenhada nos Planos Diretores dos municípios em análise. Estatuto da Cidade, Planos Diretores e política urbana O Estatuto da Cidade regulamentou o capítulo II dos artigos 182 e 183 da Constituição e ampliou os poderes dos municípios para legislar sobre seus territórios. Para adequar as políticas urbanas, desencadeou-se um amplo processo de revisão dos Planos Diretores (PDs), incluindo mecanismos participativos nas decisões públicas e subordinação da lógica urbana às funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Em Piracicaba, a revisão do PD teve início em 2002 (em substituição ao Plano de 1991 e vigente desde 1995), sob os seguintes princípios norteadores: i) direito à cidade sustentável; ii) pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade; iii) combate à especulação imobiliária; iv) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; e v) gestão democrática da cidade (Pólis, 2003, p.15). Ao longo do processo de expansão urbana – sobretudo durante o desenvolvimentismo dos anos 1960-70 – produziu-se um tecido fragmentado, com bairros distantes e descontínuos, habitados, sobretudo, pelas camadas mais pobres, e onde se via instalada uma dinâmica de exclusão socioespacial reforçada pela presença de inúmeros vazios urbanos. Cerca de 50% da área compreendida em seu perímetro urbano era representada por vazios urbanos, grande parte dotada de infraestrutura, obedecendo à lógica da especulação imobiliária. Essas constatações foram indicadas já no diagnóstico do processo, a partir das quais foi definido que o primeiro Eixo Estruturador do novo Plano seria “promover a destinação socioeconômica dos vazios urbanos e integrar socioterritorialmente os bairros da cidade” (Pólis, 2003, p.185-186). Esse objetivo seria atingido por meio da correta aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade, definindo-se o congelamento do perímetro urbano, priorizando-se a ocupação dos vazios existentes. E assim o novo Plano Diretor foi aprovado em 2006, incorporando o mais avançado ferramental urbanístico para a indução, regulação e democratização da gestão urbana previsto no Estatuto. Isto não significou, contudo, sua efetiva aplicação de modo a intervir nas dinâmicas históricas de produção do espaço urbano local. O instrumento do “Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios” jamais foi regulamentado. O mesmo ocorreu com o “IPTU Progressivo no Tempo”, “Direito de Preempção”, “Outorga Onerosa” e “Transferência do Direito de Construir”. O Plano Diretor incorporou o instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em duas modalidades: ZEIS 1, voltada à urbanização e regularização fundiária de áreas públicas e particulares ocupadas por assentamentos de baixa renda; e ZEIS 2, demarcadas em áreas não edificadas destinadas para a promoção de habitação popular (Art. 79). Estas foram regulamentadas em dezembro de 2009, por meio da LC 246/09, poucos meses após a constituição do Programa Minha Casa Minha Vida. Desde então foram descritas 21 ZEIS 2 em Piracicaba, principalmente na região norte da cidade, em área que no Macrozoneamento correspondia à Zona de Ocupação R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 191 A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR 9 Integram o perímetro urbano as áreas urbanas contínuas do distrito sede de Piracicaba e do distrito de Santa Terezinha. Quando nos referirmos aos dados demográficos, estes se reportarão à totalidade da população do município, salvo quando identificado o recorte. Controlada por Fragilidade Ambiental (ZOCFA). As ZEIS 1 foram regulamentadas em dezembro de 2010, por meio da Lei Complementar (LC) 264/10. Nessa lei foram descritas as cinco áreas que correspondem às únicas ZEIS 1, a despeito do Plano Municipal de Habitação, elaborado em 2010, ter indicado a existência de 42 núcleos de favelas na cidade, onde viviam, segundo dados de 2005, 16.581 pessoas (PMHIS, 2010, pp.61;67). Outro instrumento regulamentado foi o Estudo de Impacto de Vizinhança, através da legislação municipal de uso e ocupação do solo (LC 208/2007), resultando na constituição do Grupo Interdisciplinar de Análise de Impacto de Vizinhança, que tem a competência de analisar os empreendimentos de impacto. Dentre os instrumentos voltados à democratização da gestão urbana, o PD instituiu o Conselho da Cidade, com representação paritária entre representantes da administração municipal e da sociedade civil, com a missão de apreciar e referendar matérias de “natureza urbanística e política urbana” (Art. 179). A capacidade de o PD promover as adequadas funções sociais da cidade e da propriedade urbanas foi impactada negativamente por uma série de expedientes e circunstâncias: seguidas ampliações do perímetro urbano, alterações de índices urbanísticos e mudanças nos parâmetros de uso e ocupação do solo, assim como por decisões de investimento de grandes corporações multinacionais, para as quais as ações do poder público municipal concorreram decisivamente. Esses fatores redundaram em alterações na dinâmica urbana, constituindo e/ou reforçando tendências espaciais já constatadas no período de revisão do Plano Diretor. Entre 1989 e 2000, o perímetro urbano9 foi ampliado em 17,16 km², de 146,88 km² (Lei Municipal 3108/1989) para 164,04 km² (LC 118/2000). Nesse período a população local passou de aproximadamente 275.650 (estimativa IBGE) para 329.158 habitantes (Censo 2000/IBGE) – acréscimo de 53.508 novos moradores. Em 2010 Piracicaba contava, segundo dados do Censo do IBGE, com 364.872 habitantes. Entre este ano e 2004 (quando se propôs seu congelamento e que apresentava, à época, perímetro igual ao de 2000), o perímetro urbano foi ampliado em oito oportunidades, mais de uma vez por ano, passando dos já mencionados 164,04 km² para 211,07 km². Se acrescentarmos o perímetro da Zona Especial de Urbanização Específica – ZEUE Itaperú, definida pela LC 186/2006 e destinada à constituição do Distrito Industrial Noroeste, e que após as modificações da LC 261/2010 tornou-se contíguo ao perímetro urbano - seriam agregados 5,57 km² a essa área. Portanto, considerando-se apenas a área urbana contínua do município, esta teve uma ampliação da ordem de 52,59 km², representando um crescimento de pouco mais de 32%, o que ampliou os vazios a 52% do perímetro urbano, em 2010, totalizando aproximadamente 11.000 hectares desocupados. Isto ocorreu a despeito de a ocupação dos vazios e o combate à retenção especulativa de terra urbanizada serem Eixos Estruturadores do Plano Diretor (Otero, 2011). A segunda questão refere-se à atração de investimentos industriais por meio da concessão de incentivos variados, acompanhando a tendência de empresariamento da gestão urbana, a qual resultou na reformulação da legislação produzindo contradições à política do PD. A partir da segunda metade dos anos 2000 instalaram-se dois grandes grupos industriais multinacionais, para o que se modificou a legislação urbanística para atender suas demandas. A LC 186/2006 instituiu o Distrito Industrial Noroeste, destinado à implantação de uma grande planta industrial do segmento sucroalcooleiro, a qual representou ampliação do perímetro urbano da ordem de 5,57 km², em área 192 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 J E F F E R S O N O . G O U L A R T, E L I A N A T. T E R C I E E S T E VA M V. O T E R O identificada pelo PD como não indicada à ocupação devido às fragilidades ambientais. Em 2008, nova ampliação do perímetro na região nordeste da cidade para a implantação do Parque Automotivo de Piracicaba, uma montadora de automóveis e indústrias de autopeças. O processo de relocalização industrial observa uma dinâmica própria, à semelhança dos anos 1970, mas percebe-se claramente que as políticas econômica e fiscal sobrepuseram-se e afetaram a política urbana. Esse cenário autoriza deduções sobre a dinâmica recente de ocupação do solo urbano que resulta da reestruturação industrial, do empresariamento e do caráter político de gestão etc. Diferentemente das grandes expectativas suscitadas com o Estatuto da Cidade, observa-se determinantes vinculados à dinâmica econômica nacional que por vezes se sobrepõem às diretrizes expressas pelo planejamento urbano municipal. Em Bauru, o processo de revisão do PD teve início em 2005, quando foram constituídas as equipes de trabalho incorporando integrantes da sociedade civil com o objetivo de garantir o processo participativo. Em conformidade com as diretrizes do Estatuto da Cidade, adotou-se uma metodologia que pressupunha: i) ações internas de reunião de dados; ii) conhecimento do marco regulatório; iii) socialização das informações e preparação dos agentes. Na sequência, deu-se início à elaboração do diagnóstico da cidade e formulação de propostas para definição dos eixos do novo Plano, com a participação dos agentes comunitários. O projeto estruturado a partir das conclusões da etapa anterior foi submetido à apreciação pública em reuniões agendadas nos bairros e entidades, nas quais foram eleitos delegados para o Congresso da Cidade, realizado em março de 2006. Essa experiência teve caráter inovador, tanto em relação aos processos anteriores dos Planos Diretores quanto em relação à tradição brasileira de planejamento, excludente e tecnocrática, privilegiando a manutenção da ocupação urbana em acordo com os interesses dos governos e das elites (Goulart, 2008). O processo inclusivo trouxe à tona os problemas decorrentes de um processo de ocupação urbana que produziu uma cidade para poucos, diagnóstico que corrobora a análise produzida pela literatura sobre a cidade (Losnak, 2004). Seguindo a tradição brasileira, os esforços de modernização dos anos 1960-70 combinaram ações industrializantes a obras suntuosas como abertura de avenidas, construção de viadutos e parques, produzindo uma versão moderna de cidade que concentrou os recursos de infraestrutura nas áreas ocupadas pelas elites locais e afastou os trabalhadores e as populações pobres para autoconstrução na periferia, e/ou para os conjuntos da COHAB, lugares desprovidos até mesmo de condições adequadas de acesso. A aprovação legislativa do novo Plano Diretor Participativo enfrentou algumas dificuldades em razão da apatia política do governo para aprovar sua proposta. O projeto de lei hibernou na Câmara de Vereadores 23 meses, quando se transformou na Lei nº. 5.631 de 22/08/2008, mesmo com alguns vetos do Executivo. Tais vetos se referiam, em especial, aos limites estabelecidos às construções, à verticalização e à expansão do perímetro urbano. Os questionamentos diziam respeito a aspectos da Outorga Onerosa, Parcelamento, Utilização e Edificação Compulsórios, Estudo de Impacto de Vizinhança e IPTU Progressivo, cujos critérios restritivos eram identificados como obstáculos ao desenvolvimento da cidade. Um desses instrumentos, as Zonas Especiais de Interesse Social, merece especial comentário. O PD definiu as ZEIS e foi regulamentado através da Lei nº 5.766/2009, a qual instituiu três modalidades: (1) “áreas de propriedade particular ocupadas por população de baixa renda, abrangendo favelas, onde existe interesse público na R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 193 A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR produção e na manutenção de habitações de interesse social, incluindo equipamentos sociais e de geração de renda”; (2) “glebas ou lotes subutilizados, adequados a urbanização, onde existe interesse público em promover a produção e a manutenção de habitações de interesse social, incluindo equipamentos sociais e de geração de renda”; e (3) “glebas ou terrenos públicos ocupados por favelas, áreas verdes ou institucionais, onde existe interesse público em promover a recuperação urbanística, a regularização fundiária, a produção e a manutenção de habitações de interesse social, incluindo equipamentos públicos, comércio e serviço local, inclusive mini–distritos, sendo que neste caso, as mesmas deverão ser desafetadas e compensadas com outras áreas”. No total, foram indicadas oito ZEIS de tipo “1”, outras onze de tipo “2” e mais doze de tipo “3”. A análise das ZEIS permite interpretar o impacto do marco regulatório na promoção de habitações de interesse social, além de examinar sua efetividade na dinâmica de produção do espaço urbano. No cômputo geral, o PD bauruense incorporou basicamente todas as ferramentas do Estatuto da Cidade (macrozoneamento, Outorga Onerosa, IPTU progressivo, Direito de Preempção, Estudo de Impacto de Vizinhança, Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, Transferência do Direito de Construir e Consórcio Imobiliários etc.) e, embora alguns sejam autoaplicáveis e outros ainda demandem regulamentação não consumada, sintetiza uma legislação bastante avançada. As dificuldades para efetivação desses instrumentos são de duas ordens: políticas e institucionais (que demandam decisão governamental com eventuais custos políticos) e urbanísticas (disponibilidade de recursos). No plano da gestão democrática e participativa, o PD de Bauru é bastante avançado. Além de instituir o Instituto de Planejamento e Desenvolvimento de Bauru (Art. 254), ainda não efetivado, estabelece “a participação da população em todas as fases do processo de gestão democrática da Política de Desenvolvimento urbano e rural, mediante as seguintes instâncias de participação: Conferência do Município de Bauru; assembleias constituídas pelos Setores de Planejamento; audiências públicas e plenárias; iniciativa popular de projetos de lei, de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano e rural; conselhos municipais relacionados à política urbana e rural” (Art. 256). Já em Rio Claro, o primeiro Plano Diretor foi aprovado somente no ano de 1992, por meio da Lei 2.492/1992, o qual vigorou até 2007, quando foi revisado e substituído pelo novo Plano (Lei nº 3.806/2007), ainda em vigor. Essa revisão ocorreu no bojo do grande processo nacional de revisão e elaboração de Planos Diretores participativos municipais, liderado pelo Ministério da Cidade. Este Plano incorporou os instrumentos do Estatuto da Cidade de forma bastante limitada. O PD estabelece um Macrozoneamento para o município, sendo que as definições sobre parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do solo deveriam ser regulamentadas posteriormente, mediante “Lei Municipal de Zoneamento Urbano”, o que nunca ocorreu. Este fato dificultou a aplicação do Plano, uma vez que em diversos pontos o zoneamento vigente ainda se reportava ao PD de 1992. Isto ajuda a explicar porque os poucos instrumentos de indução e regulação presentes no PD não foram regulamentados, caso do “Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios”, “IPTU Progressivo no Tempo”, “Direito de Preempção”, “Transferência do Direito de Construir” e “Estudo de Impacto de Vizinhança”. Os instrumentos da “Outorga Onerosa” e o “Consórcio Imobiliário” sequer figuram na lei. As ZEIS foram incorporadas apenas para efeito de regularização de áreas ocupadas por moradias populares. Não havia previsão de ZEIS vazias para promoção de 194 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 J E F F E R S O N O . G O U L A R T, E L I A N A T. T E R C I E E S T E VA M V. O T E R O novas unidades habitacionais. Um dos poucos instrumentos efetivados foi o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU), que teve papel destacado no processo de revisão desse Plano. Com a ocorrência de inúmeros conflitos, pouca abertura à participação popular e sem incorporar todos os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, o PD de 2007 teve sua revisão proposta e aprovada pelos participantes da 3ª Conferência da Cidade de Rio Claro, realizada em janeiro de 2010 (PMRC, 2012). Nesse mesmo ano a Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento e Meio Ambiente solicitou ao arquiteto José Magalhães e ao advogado Paulo Lomar pareceres técnicos sobre Plano Diretor de 2007, de modo a orientar a revisão. Com o parecer dos consultores, o Executivo solicitou ao CDU o início da revisão do PD, a fim de adequá-lo aos princípios do Estatuto da Cidade. O CDU, em conjunto com a SEPLADEMA, realizou a revisão do Plano Diretor ao longo do ano de 2011. A minuta do novo PD foi apresentada à população no início de 2012, por meio de uma série de reuniões – tanto nos conselhos municipais quanto em alguns bairros da cidade – e audiências públicas. As leis de Parcelamento do Solo e do Zoneamento Urbano também passaram por revisão, promovendo assim uma significativa modificação no arcabouço legal urbano do município. A minuta do projeto de lei contempla importantes mudanças, além de maior abertura ao debate com a sociedade local. As ZEIS passariam a ser classificadas em três tipos: ZEIS 1 – áreas vazias destinadas a empreendimentos habitacionais de interesse social; ZEIS 2 – voltadas à regularização de favelas e cortiços; e ZEIS 3 – voltadas à regularização de loteamentos clandestinos ou irregulares. Além disso, incorpora o instrumento da Outorga Onerosa, a ser posteriormente regulamentada em lei específica. De modo geral, o projeto de lei do novo PD incorpora os instrumentos do Estatuto da Cidade, contudo, o processo ainda não foi concluído, pois não foi encaminhado à Câmara de Vereadores. Ademais, sua aplicação remete a regulamentações posteriores, o que o tornará pouco autoaplicável e dependerá da conduta do governo de turno. Quadro 1 – Balanço Comparativo dos Planos Diretores INSTRUMENTO DO ESTATUTO DA CIDADE PIRACICABA [PT, depois PSDB] Macrozoneamento Incorporado, Lei nº 208/2007 Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) BAURU [PDT] RIO CLARO [DEM] Incorporado Incorporado (definidos coeficientes máximo e mínimo) Incorporado, regulamentado Incorporado e Incorporado, não pela Lei 246/2009 regulamentado pela Lei regulamentado 5.766/2009 Outorga Onerosa Incorporado, não regulamentado Incorporado, não regulamentado Não incorporado IPTU Progressivo Incorporado, não regulamentado Incorporado, não regulamentado Não incorporado Direito de Preeempção Incorporado, não regulamentado Incorporado, autoaplicável Incorporado, não regulamentado Estudo de Impacto de Vizinhança Incorporado, regulamentado pela Lei 208/2007 Incorporado, autoaplicável Incorporado, não regulamentado Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsória Incorporado, não regulamentado Incorporado, autoaplicável Incorporado, não regulamentado Transferência do Direito de Construir Incorporado, não regulamentado Incorporado, não regulamentado Incorporado, não regulamentado R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 195 A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR Consórcio Imobiliário Incorporado, não regulamentado Não incorporado Não incorporado A propósito, o cenário de Rio Claro não constitui um caso isolado: com base em resultados de pesquisa nacional de avaliação dos Planos Diretores do último período, observa-se que o “potencial dos instrumentos de política urbana do Estatuto da Cidade praticamente não foi aproveitado e raramente os instrumentos de política fundiária foram plenamente regulamentados” (Oliveira, 2011, p.8), sendo sua regulamentação invariavelmente remetida à lei posterior específica. Um exame comparativo dos instrumentos absorvidos pelos Planos nas três cidades aqui analisadas é sintetizado no Quadro 1, no qual se constata expressiva incorporação formal das ferramentas do Estatuto da Cidade, no entanto, sua efetivação é baixa face à ausência de regulamentação e a obstáculos de toda ordem: políticos, institucionais etc. Registre-se finalmente que o entendimento sobre o caráter autoaplicável de um instrumento urbanístico (ou eventual necessidade de legislação complementar de regulamentação) pode provocar diferentes interpretações jurídicas, de todo modo é imperativo que esteja inscrito no correspondente Plano Diretor. Considerações Finais: hipóteses explicativas preliminares Jefferson O. Goulart é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (FAAC/ UNESP) e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC). Email: <[email protected]>. Eliana T. Terci é Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, economista e professora do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). Email: <[email protected]>. Estevam V. Otero é mestre e doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (FAU/USP) e professor da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Email: <[email protected]>. Artigo recebido em janeiro de 2013 e aprovado para publicação em abril de 2013. O processo de desconcentração regional promovido pelo II PND projetou as cidades médias no cenário econômico em detrimento das grandes aglomerações metropolitanas, que tiveram sua importância diminuída devido ao significativo crescimento econômico e demográfico do interior do país. O destaque coube ao interior paulista, cujo conjunto já tem um peso na transformação industrial superior ao da RMSP. Palco do “espraiamento espacial da riqueza nacional” nos últimos 40 anos, as cidades de porte médio foram o território desse importante crescimento econômico e demográfico, mas passaram a apresentar, ainda que em escalas distintas, grande parte dos problemas urbanos, físicos e sociais antes visíveis apenas nas grandes aglomerações. Na última década, a tendência à expansão econômica e demográfica das cidades médias foi impulsionada pela tentativa de retomada do crescimento econômico, contudo, mantiveram-se as contradições entre crescimento econômico e desenvolvimento urbano de tempos remotos (Rolnik; Klink, 2011). Em outros termos – não obstante um novo marco institucional (Estatuto da Cidade), políticas públicas ambiciosas (casos dos Programas de Aceleração do Crescimento e do Minha Casa Minha Vida), novos governos (de centroesquerda) e uma nova conjuntura (marcada por tentativas de retomada do crescimento) –, a acumulação capitalista contemporânea manteve o padrão de produção do espaço urbano caracterizado pela segregação socioespacial, de sorte que os grupos sociais historicamente alijados permaneceram apartados dos frutos do crescimento econômico, enquanto os interesses privados do mercado imobiliário conservaram sua influência e capacidade de pautar e modelar a estrutura espacial das cidades. Os problemas urbanísticos resultantes dos processos de acelerado crescimento e desenvolvimento econômico observados nos municípios analisados nesse recorte empírico encontraram uma promissora resposta institucional com o Estatuto da 196 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 J E F F E R S O N O . G O U L A R T, E L I A N A T. T E R C I E E S T E VA M V. O T E R O Cidade, quando estes tiveram seus poderes ampliados para legislar sobre seus territórios, dispondo de uma série de instrumentos de regulação e ordenamento urbanístico. A partir de então, a política urbana, normativamente, deveria subordinar-se ao princípio da função social da cidade e da propriedade, sendo o Plano Diretor seu instrumento central. Os municípios de Piracicaba, Bauru e Rio Claro passaram por profundas revisões de seus arcabouços legais urbanos, adequando-os a tais premissas no bojo da grande campanha federal em prol dos Planos Diretores Participativos. Observam-se, porém, diversos constrangimentos endógenos e exógenos (político -institucionais e econômicos, sobretudo) que vêm condicionando as políticas urbanas e dificultando a aplicação dos indicativos dos Planos Diretores recém-aprovados. Em Piracicaba, por exemplo, a análise de duas variáveis específicas de modificações no Plano Diretor (expansão do perímetro urbano e investimentos industriais) indica que interesses econômicos do mercado imobiliário sobrepuseram-se às determinações ali expressas, levando à sua alteração. Em Bauru, o Plano Diretor está em estágio relativamente mais avançado porque alguns instrumentos podem ser considerados autoaplicáveis, embora outros exijam regulamentação específica. Em Rio Claro, o processo está em fase mais atrasada em razão de nova revisão, resultante das limitações do processo anterior e mesmo da mudança governamental. No quesito gestão democrática, a experiência de Bauru se revelou a mais avançada, tanto porque se fez de maneira efetivamente mais participativa, como porque enuncia formas inovadoras como a “iniciativa popular de projetos de lei”, mesmo que tenha caráter normativo e ainda não seja praticada. Nessa dimensão – que não pode ignorar as orientações político-ideológicas de cada gestão e as mudanças governamentais –, Piracicaba se situa em uma posição intermediária, enquanto Rio Claro teve o desempenho mais fraco (Goulart, 2012). Ainda há um longo percurso para fazer valer os novos instrumentos do Estatuto da Cidade na promoção de uma cidade politicamente mais democrática e urbanisticamente mais justa e equilibrada, seja porque o tempo de implantação de seus dispositivos ainda é efetivamente limitado, seja porque os constrangimentos político-institucionais não são de pequena monta, bastando observar que, não obstante a expressiva incorporação formal de seus instrumentos, boa parte não tem sido implantada ou não foi regulamentada, ensejando um cenário em que ainda não são autoaplicáveis. Tal panorama não é exclusivo das cidades aqui analisadas, pelo contrário, predomina amplamente no país (Santos Jr. e Montandon, 2011). Esse hiato entre enunciados normativos e a realidade que sugere evidente distanciamento dos princípios do Estatuto da Cidade requer necessariamente uma apreciação multidisciplinar, vale dizer, uma análise que considere as determinações econômicas, o padrão de expansão urbanística do período recente e, também, os correspondentes processos decisórios, uma vez que o grau de participação societária e as escolhas das elites políticas são variáveis cruciais. Os resultados aquém do esperado são indissociáveis do “poder dos grupos privados sobre a produção e a apropriação da cidade”, do caráter genérico e impreciso dos diagnósticos e das diretrizes dos novos Planos e da “baixa compreensão dos mecanismos de apropriação privada da cidade e dos instrumentos de reforma urbana por parte dos técnicos e das lideranças dos movimentos populares” (Santos, 2011, p.277). Por fim, é importante registrar que o cenário e as tendências indicam a continuidade das investigações empíricas para produzir balanço comparativo mais substantivo, R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 197 A DINÂMICA URBANA DE CIDADES MÉDIAS DO INTERIOR principalmente das inter-relações entre perfil econômico e desenvolvimento urbano dessas cidades para mensurar de forma mais consistente e conclusiva o potencial transformador do Estatuto da Cidade. Por ora, o avançado marco regulatório da politica urbana brasileira (ainda) esbarra em antigos e poderosos obstáculos. Referências Bibliográficas AMORIM Fº, O.; SERRA, R.V. Evolução e perspectivas do papel das cidades médias no planejamento urbano e regional. In: ANDRADE, T. A.; SERRA, R. V. Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. ANDRADE, T. A.; SERRA, R. V. Análise do desempenho produtivo dos centros urbanos brasileiros no período 1975/96. In: __________. 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E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 199 cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital; Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011. STEINBERGER, M.; BRUNA, G. C. Cidades médias: elos do urbano-regional e do públicoprivado. In: ANDRADE, T.A.; SERRA, R.V. Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. TINEU, R. A. Desconcentração industrial da Região Metropolitana de São Paulo e seus efeitos sobre as Regiões Administrativas de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba no período de 1990 a 2005. 1º Simpósio de Pós-Graduação em Geografia do Estado de São Paulo. Rio Claro, 2008. Anais... Rio Claro: Ed. Unesp, 2008. VAINER, C.B. Pátria, empresa e mercadoria: Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.B.; MARICATO, E. A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. A b s t r a c t The paper examines the scope of the Statute of the City as a new regulation act of Brazilian urban policy based on the comparative study of contemporary processes in three medium-sized cities in São Paulo State (Piracicaba, Bauru and Rio Claro). The study analyzes three complementary dimensions: economic, urban and politicalinstitutional. It observes the existence of endogenous and exogenous obstacles, which have been conditioning urban policies and hindering the implementation of the directives of newly approved Master Plans. Despite the expressive incorporation of instruments of the Statute of the City, many of them has neither been implemented nor regulated. That scenario can be generalized as prevalent in Brazil and refers to contemporary standards of regional and urban development. Keywords Urban dynamics; medium-sized cities; statute of the city; participative master plans. O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA DE DRENAGEM URBANA DE ÁGUAS PLUVIAIS NO BRASIL taxa de drenagem Cristina Lengler Carlos André Bulhões Mendes Resumo Evitar as inundações nas cidades exige um fluxo de receitas para financiar o sistema de drenagem pluvial urbano. Discute-se a recuperação parcial dos recursos públicos gastos na operação e manutenção do sistema local, através da criação da taxa de drenagem, à luz das peculiaridades do sistema tributário brasileiro. Os resultados demonstram que não se trata de um tributo ambiental, pois seu pequeno montante não alteraria conduta poluidora do possuidor do lote. Mas, satisfaz os requisitos de disponibilidade, especificidade e divisibilidade exigidos pelos artigos 77 e 79 do CTN. O critério utilizado para obter o percentual de impermeabilização da zona de estudo combina a classificação de tipos de solo (permeável/impermeável) e seus usos (público/ privado). Para as zonas maiores utilizou-se a classificação de imagens espectrais, enquanto para quantificar o percentual de área a ser mantida em estado natural nos lotes, se utilizou o estabelecido pelo PDDUA como limite mínimo. Palavras-chave Extrafiscalidade; Tributação municipal; Tributos imobiliários; Drenagem pluvial urbana. INTRODUÇÃO A quantidade de recursos necessários para financiar os custos de manutenção da qualidade do sistema de drenagem urbana nos municípios brasileiros depende hoje da divisão de recursos entre as demais despesas orçamentárias. A prescrição de percentuais mínimos vinculados com gastos essenciais em Saúde e Educação deixa em plano secundário os gastos com serviços de manutenção e operação de sistemas orgânicos vitais1 para o funcionamento das cidades. Trágicas imagens de deslizamentos e inundações expõem o problema da carência de saneamento básico nas cidades. A falta de recursos financeiros para uma melhor prestação do serviço de drenagem, que contemple desde o planejamento até a execução dos serviços, passando pela gestão dos recursos humanos, tecnológicos e de capital, parece estar no cerne da problemática. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 201 1 Conforme descrito pelo urbanista francês Donat-Afred Agache (1875-1959). O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA EMBASAMENTO LEGAL Na atualidade, as questões sobre o meio ambiente e o planeta vêm sendo evidenciadas. As mudanças no sistema tributário com visão para o enfoque ambiental vêm acontecendo, principalmente nas nações mais desenvolvidas. Tem-se como exemplo o sistema tributário espanhol, que autoriza a instituição de taxas em razão de utilização de recursos ambientais. Para a criação de um tributo ambiental, por lei, é necessário, de acordo com Torres (2005, p.104), demonstrar o vínculo entre o “motivo constitucional” (finalidade de preservação e conservação do meio ambiente) e o exercício da competência tributária. Por tratar-se de questão sujeita a tratamento constitucional, o autor recomenda cautela na transposição de entendimentos doutrinários concertados à luz de textos estrangeiros, embora relevantes, pois [...] nenhum destes pensadores sob a égide de uma Constituição que, em matéria tributária, tenha sido tão analítica quanto a nossa, com prévia identificação das espécies de tributos e respectivas materialidades determinantes do exercício de competência e que se vê, ainda, sujeita à observância de normas gerais sobre legislação tributária e uma série de princípios, imunidades e regras objetivas, tudo no plano constitucional. Esse é um paradigma difícil de alcançar e certamente um óbice ao aproveitamento da experiência externa, o que nos impõe uma construção sobremodo original no trato dessas questões (Torres, 2005, p.97). Portanto, para o autor, o Estado e a sociedade devem encontrar instrumentos que permitam medidas de conservação ambiental. E, neste sentido, a tributação pode ser uma alternativa. Logo, o desafio imposto está em investigar o espaço para a ação fiscal no âmbito da competência ambiental e tributária. No Brasil, a drenagem urbana vem sendo financiada pela receita genérica de impostos. Os impostos são uma obrigação pecuniária do cidadão perante o Estado, independentemente de prestação de uma atividade ou de um serviço específico, devendo ser de natureza geral e indivisível e não ter caráter de punição. Tem-se, portanto, uma impossibilidade constitucional de vincular a destinação da receita. Assim, é equivocado imaginar que a receita de um imposto deva prover individualmente este ou aquele serviço. Isso acontece porque o objetivo arrecadatório se sobrepõe a qualquer outro, uma vez que se destina a suprir as despesas genéricas do Estado. Desta feita, na tentativa de ter uma receita específica para o sistema de drenagem urbana, deve-se buscar outra forma de tributação. A instituição de uma taxa de drenagem é frequentemente abordada no meio acadêmico como uma solução para melhorar os serviços de limpeza de bocas de lobo, galerias, dessassoreamento de córregos, manutenção dos reservatórios de retenção, redes de ligação e vistorias em nossas cidades. Entretanto, diferentemente do imposto, a taxa tem seu fato gerador relacionado com uma atividade estatal específica, decorre do poder de polícia ou da utilização efetiva ou potencial de um bem ou serviço oferecido pelo Estado, de forma divisível e específica. É um tributo contraprestacional e pode, também, ser usado em caráter extrafiscal. Além disso, o serviço público cobrado por meio de taxa deve atender aos requisitos da disponibilidade, da especificidade e da divisibilidade, previstos nos art. 77 e 79 do Código Tributário Nacional. E ainda, as taxas não podem ter base de cálculo idêntica à de qualquer 202 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES imposto (Súmula no 597 do STF; § 2o do art. 145 da CF). Assim, o desafio está em se ater ao valor do serviço, dimensionando-o em função de elementos pertinentes à quantificação da utilização uti singuli2 do serviço posto à disposição do sujeito passivo do tributo. Há um grande debate jurídico sobre a constitucionalidade ou não da cobrança de uma taxa de drenagem. Na mesma linha que ensejou a fulminação, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo3, da taxa de drenagem urbana instituída pela Lei no 7.606, de 23 de dezembro de 1997, na cidade de Santo André, SP, Amaral (2007, p.174) entende que, em razão do que determina o inc. II do art. 145 da Constituição brasileira, que prescreve ”como fato gerador das taxas apenas o exercício do poder de polícia ou a utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos de divisíveis”, a tributação de um recurso ambiental de domínio público exclui os bens públicos como fato jurídico tributário de taxa. De opinião diversa, Baptista e Nascimento (2002, p.46) entendem que a taxa de drenagem urbana encontra embasamento legal na Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inc. XIX do art. 21 da Constituição Federal e altera o art. 1o da Lei no 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei no 7.990, de 28 de dezembro de 1989, que elenca em seu art. 5o, entre os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, a cobrança pelo uso de recursos hídricos. Entendem os autores que seus artigos 12 e 20 respaldam a adoção da taxa, uma vez que se considere a sujeição à outorga das águas pluviais. 2 De forma singular, separada, única. 3 Arguição de Inconstitucionalidade nº 990.10.2477401-SP. Em curso, a reclamação nº 13.200, de 25 de janeiro de 2012, junto ao Supremo Tribunal Federal. A COBRANÇA PELO RECURSO AMBIENTAL Para corrigir as falhas de mercado geradas pela degradação ambiental através da externalidade, e para acabar com quaisquer direitos adquiridos em matéria de poluição, tem-se o princípio poluidor-pagador. No Brasil ainda se discute se ele está incorporado na Constituição Federal, pois não se encontra expresso. Amaral (2007, p.28) informa que em discussões sobre a Reforma Tributária (PEC 41/2003) foi organizada uma Frente Parlamentar Pró-Reforma Tributária Ecológica, e entre as inserções propostas estava a do princípio poluidor-pagador no Sistema Tributário Nacional. No entanto, logrou-se apenas a ampliação do princípio da defesa do meio ambiente no capítulo da ordem econômica e financeira4. Todavia, Fiorillo e Ferreira (2010, p.187) entendem por desnecessária uma alteração legislativa constitucional. Justificam que o conceito de poluidor-pagador com matriz no art. 225, § 3o, da Constituição, reforçado pelo art. 170, inc. VI, alterado pela Emenda Constitucional no 42/2003, veio por superar o conceito de tributo forjado pelo art. 3o do CTN de 1966. Sebastião (2010, p.218) considera que, pelos fundamentos que dela se extrai, a Constituição já teria feito a opção pelo princípio do poluidor-pagador. A autora aponta as duas opções possíveis quanto aos encargos relativos à precaução, prevenção e reparação do dano ambiental: a) um Estado de bem-estar ambiental que absorve todos os encargos, desonerando os setores produtivos (mesmo os poluidores) em razão do potencial crescimento econômico advindo da desoneração; b) a adoção do princípio poluidor-pagador, no qual o próprio poluidor é o responsável pelos encargos decorrentes de sua atividade poluente, e não a sociedade como um todo. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 203 4 Determinado pela EC 42/2003 e introduzido no inc. VI do art. 170 da CF/88, passa a considerar a diferenciação do impacto ambiental dos produtos e serviços em seus processos de elaboração e prestação. O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA 5 EZCURRA, Marta Villar. La fiscalidad al servicio de la eliminación de los residuos urbanos. Noticias da la União Europea, Madrid: Ciss Práxis, v.17, n.193, p.99-124, fev. 2001. 6 BAUMOL, William J.; OATES, Wallace E. The use of standarts and prices for protection of the environment. In: BOHM, Peter; KNEESE, Allen V. (ed.). The economics of environment: papers from Four Nations. London: Macmillan, 1971. p.53-65. 7 Presume-se que o homem moderno tenha um comportamento egoísta, maximizador da sua utilidade individual, pressuposto na análise do mercado, com um comportamento de atuação desinteressada, maximizador do bem-estar coletivo, pressuposto na análise política (BUCHANAN, 1971 apud LAGEMANN, 2002, p.307). 8 “[…] be equal at the margin to his evaluation of the marginal unit of quality he receives.” MACAULAY, Hugh. Environmental quality, the market, and public finance. In: BIRD, Richard M.; HEAD, John G. (eds.). Modern fiscal issues: essays in honor of Carl S. Shoup. Toronto: University of Toronto, 1972. p.187-224. Ezcurra5 (apud Amaral, 2007, p.121) constata que a gravidade do problema ambiental atual demonstra certo grau de ineficácia dos instrumentos jurídicos tradicionais para a preservação do meio, assim como a necessidade de financiar projetos ambientais no marco das Fazendas Públicas deficitárias. Logo, ao lado da responsabilidade criminal, civil e administrativa pelos danos ambientais, a tributação ambiental tem o papel de incorporar o custo da poluição ambiental ao uso dos recursos ambientais, internalizando a externalidade negativa ambiental. O uso de políticas públicas é justificável quando a livre negociação entre as partes não garante o nível eficiente de degradação ambiental. Estabelecer o ponto de equilíbrio entre a preservação da natureza e o desenvolvimento é um processo de profunda reflexão social. A sugestão econômica trazida por Lagemann (2002, p.305) para a tributação ecológica é embasada na teoria “padrão de qualidade do meio ambiente-preço” de Baumol e Oates (1971)6. Para tanto, “deve ser escolhido um padrão aceitável de qualidade do meio ambiente pelos responsáveis num processo coletivo de decisão, com base nos conhecimentos técnicos das interdependências ecológicas”. DE QUEM COBRAR Uma das dificuldades na precificação de um bem público é sua característica de que pode ser desfrutado por uma pessoa sem reduzir o consumo de outras. Entende-se que, devido ao fato de os bens públicos não serem supridos pelo mercado, o Estado deve intervir. Para Mansfield (1978, p.464), “enquanto a eficiência econômica requer para um bem privado que o benefício marginal de cada consumidor seja igual ao custo marginal, para um bem público ela requer que a soma dos benefícios marginais de todos os consumidores seja igual ao custo marginal”. Logo, um dos problemas é fazer com que as pessoas revelem suas verdadeiras preferências7, pois elas podem evitar o pagamento e, mesmo assim, obter os benefícios do bem público. Outro é o problema da equidade, ou seja, na definição de qual o nível de redução a ser atingido, o que muitas vezes tende a ser resolvido através de um processo político. Para alcançar a utilização racional da natureza e, em especial, a drenagem pluvial urbana, alguns autores defendem que a tributação recaia sobre todos os envolvidos na questão (poluidores e não-poluidores). Então, na presença de uma externalidade negativa (inundação urbana decorrente do aumento da vazão das águas originado pela impermeabilização do solo urbano), ao poluidor cabe a aplicação de um tributo no montante do custo externo marginal causado pelos poluidores. E, para cada não-poluidor, que necessita do serviço de drenagem para manter o uso do espaço urbano habitado ou mesmo para circular na região afetada pelo serviço (consumidores), o valor do tributo “deve ser igual, na margem, a sua avaliação da unidade marginal de qualidade que ele recebe”. Entretanto, reconhece-se que a implementação da tributação sobre o não-poluidor está praticamente afastada, pois no campo político é difícil convencê-los a contribuírem para a melhora do meio ambiente por cuja degradação não são os responsáveis (Macaulay8, 1972, p.217-218 apud Lagemann, 2002, p.307-309). COMO COBRAR Um dos mecanismos de que o governo dispõe é o uso da taxa de drenagem para regular a poluição promovida pelo aumento da vazão de água escoada no lote, que advém da 204 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES impermeabilização do solo. Sob o enfoque fiscal, tudo o que o governo teria de fazer é medir a quantidade de poluição gerada (o excesso de água vertida pelo lote) e taxá-la de acordo. Cançado e colaboradores (2005, p.19) elencam formas de precificação para a cobrança de taxa de drenagem urbana, seguindo objetivos de eficiência econômica ou de sustentabilidade financeira. Neste sentido, salientam que algumas utilizam o custo marginal9 como critério de cobrança, porém em uma base mais ampla, com a incorporação de custos sociais, um horizonte temporal maior ou a viabilidade financeira do empreendimento, e outras têm a disposição marginal a pagar ou o custo médio como referência. Também, apresentam a tabela-resumo de modelos de cálculo possíveis para determinação das taxas, conforme a tabela 1, a seguir. Tabela 1 - Modelos de cálculo de taxas de drenagem Determinação de Tarifas (Taxas) Situação Vantagens Problemas = Custo Marginal Mercado Concorrencial - Maximização do bemestar social - Falta de interesse ou impossibilidade de definir a tarifa a este nível: monopólio natural. - Maximização de lucros por uma empresa monopolista; tarifas com funções redistributivas etc. = Benefício Marginal Consumo não rival; custo marginal nulo e custo fixo positivo; provisão monopolística. - Aloca-se o bem de acordo com o retorno econômico para cada usuário. A capacidade de pagamento do consumidor é central na metodologia. - Omitir os verdadeiros benefícios. Incentivo ao carona. = Ramsey Prices A tarifa aproxima-se do custo marginal. Discriminação de preços sobre serviços ou sobre consumidores. - Maximização do bemestar social como garantia de receita que cubra os custos. - As tarifas podem ser indesejáveis do ponto de vista distributivo. - Requer informações detalhadas sobre as demandas individuais. = Custo Médio Necessidade de cobrir custos (custos marginais pequenos e custos fixos muito elevados). - Definição de tarifa não abusiva que garanta a viabilidade financeira da firma. - Relativa facilidade de implementação. - Privilegia-se a sustentabilidade financeira. A maximização do bem-estar social não é garantida. = Custo Marginal de Longo Prazo Eficaz, principalmente quando, com o aumento da escala de produção, os custos marginais aumentam de forma mais acelerada do que os custos médios do sistema. - Forma dinâmica de tarifação, com a incorporação de cenários futuros de planejamento. - Possibilidade de maximização do bem-estar social no longo prazo. - Dificuldades para conhecer os custos marginais de longo prazo (incertezas, mudanças tecnológicas etc.). = Custo Médio de Longo Prazo Forma dinâmica de tarifação, com a incorporação de cenários de planejamentos futuros. - Forma dinâmica de tarifação, com a incorporação de cenários futuros de planejamento. - Possibilidade de garantir recursos financeiros para expansão do sistema no longo prazo. - Dificuldades para conhecer os custos de longo prazo (incertezas, mudanças tecnológicas etc.). Fonte: Adaptação própria a partir de Cançado, Nascimento e Cabral, 2005, p.22. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 205 9 O nível socialmente ótimo de poluição é o ponto onde a curva do custo de produção de uma unidade de escoamento cruza a curva do custo marginal de redução de uma unidade da água pluvial vertida. O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA 10 Em Porto Alegre, a diferença apurada com relação ao hidrograma natural, pré -ocupação urbana. A lei brasileira exige que se quantifique o serviço disponibilizado para cada sujeito passivo da taxa, e por isso é necessário estimar o volume de água lançado (o que define a quantidade de poluente emitido10) individualmente no sistema pelo lote. Para este fim, precisa-se conhecer a área da bacia hidrográfica do modelo com sua parcela de áreas permeáveis e impermeáveis; a parcela da área de arruamento e logradouros públicos, como parques e praças, e de lotes urbanos; e o volume de água escoado pelo solo permeável e impermeável. Enfatiza-se que a quantidade poluidora da água vertida em excesso é instável, uma vez que a área impermeável do lote pode ser alterada, sem maiores dificuldades, em algumas horas; basta que se realize algum procedimento que impeça a percolação da água no solo. Além disso, Baptista e Nascimento (2002, p.45) advertem que a mensuração do efetivo escoamento superficial é de difícil aplicação prática, pois exige o conhecimento da declividade do lote, além da correta aferição da área impermeabilizada; entretanto, o embasamento físico da cobrança torna-a mais facilmente perceptível para o consumidor. De acordo com Tucci (2002, p.25), o coeficiente de escoamento superficial é de 0,15 para áreas permeáveis e de 0,95 para áreas impermeáveis. Logo, uma propriedade totalmente impermeabilizada gera 6,33 vezes mais volume de água do que uma propriedade não impermeabilizada, sobrecarregando o sistema nesta mesma proporção. Seguindo esta lógica, Gomes, Baptista e Nascimento (2008, p.95) consideram que a cobrança da taxa, de forma que o proprietário de um lote impermeabilizado arque com parte maior do custeio do serviço de drenagem urbana, é uma distribuição justa dos custos. FORMAS DE PRECIFICAÇÃO 11 Disponível em: <http:// www.rockymountnc.gov/publicworks/stormwater.html>. Acesso em: 10 fev.2011. Há diferentes metodologias de cálculo para a estimativa de uma taxa de drenagem urbana. Muitas são inspiradas na taxa de drenagem implementada em Rocky Mount11, Carolina do Norte, EUA, que cobre os gastos de operação, manutenção e capital investido no sistema de drenagem do município, o que não é possível no Brasil. Selecionaram-se aquelas que podem se adequar ao uso no País (por não incorporarem ou possibilitarem a exclusão do custo de investimento e por serem individualizáveis), tais como: a) Metodologia definida por Cançado, Nascimento e Cabral (2005, p.19): Cme = CT / (Σ vj + vv) , (1) onde Cme é o custo médio, vj é o volume lançado pelo imóvel j; Σ vj é o volume produzido na área de lotes coberta pelo sistema; e vv é o volume produzido nas áreas públicas, como vias e praças, coberta pelo sistema. ou Cme = CT / (Σ aij + aiv) , (2) onde Cme é o custo médio, aij é a área impermeável do imóvel j; Σ aij é a parcela do solo impermeabilizada pelos imóveis na área urbana coberta pelo sistema de drenagem; e aiv é a parcela do solo impermeabilizada pelas vias na área urbana coberta pelo sistema. 206 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES E, assim, a taxa de drenagem pode ser definida como: Taxa de drenagem = p x aij , (3) onde p = custo médio do sistema por metro quadrado de área impermeável ; e aij é a área impermeável do imóvel j. b) A metodologia sugerida por Tucci (2002, p.25) para o rateio do custo de operação e de manutenção dos sistemas de drenagem é: Cui = [100 * Ct] / [Ab * (15,8 + 0,84 * Ai)] , (4) onde Cui é o custo unitário das áreas impermeáveis, em R$/m²; Ct é o custo total para realizar a operação e manutenção do sistema, em R$ milhões; Ab é a área da bacia em km²; e Ai a parcela da bacia impermeável, em %. (5) Tx = [(A * Cui)/100] * (28,43+0,632*il) , onde Tx é a taxa anual a ser cobrada, pelo imóvel de área A (m²), em R$; A é a área do imóvel, em m²; il é o percentual de área impermeabilizado do lote; e Cui é obtido pela expressão acima. c) A metodologia proposta por Gomes, Baptista e Nascimento (2008, p.97), que propõem uma taxa de manutenção do sistema, apresenta em sua composição uma parcela individual e outra comum a todos os lotes, proporcional às áreas permeáveis e impermeáveis destas parcelas: Tman = (Cmanp/Al)*Sl*(1 – Tl) + (Cmani/Ai)*Sl*Tl + (Cmanp/Al)*(ASVp/Ab)*Sl + (Cmani/Al)*(ASVl/ (6) Ab)*Sl , onde Cmanp é o custo de manutenção associado a áreas permeáveis, em R$; Al é a área total do lote, em m²; Sl a área de cada lote, em m²; Ti o índice de impermeabilização dos lotes; Cmani o custo de manutenção associado a áreas impermeáveis, em R$; ASVp são as áreas públicas (praças) e do sistema viário permeáveis, em m²; Ab é a área total da bacia, em m²; e ASVi são as áreas públicas (praças) e do sistema viário impermeáveis, em m². E, o Custo de manutenção total é obtido (apud TUCCI, 2002): Cman = Cmanp + Cmani = Cmanp + 6,33Cmanp .(7) Tucci (2003) admite que a dificuldade maior no processo de quantificação da taxa está na estimativa da área impermeável de cada propriedade. Também, a complexidade do levantamento individualizado da área impermeável de cada lote, que é algo em constante mutação, e o custo de um levantamento cadastral com esta especificidade praticamente inviabilizam a cobrança da taxa de drenagem urbana. Além disso, estudiosos da área de Recursos Hídricos divergem quanto ao rateio dos custos: pela Área Impermeável Total (AIT), Área Impermeável Efetiva (AIE) ou Alteração do Hidrograma Natural (LID12). R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 207 12 Desenvolvimento Urbano de Baixo Impacto (Low Impact Development). O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA APLICAÇÃO DAS METODOLOGIAS: ESTUDO DE CASO O estudo de caso referente à aplicação da taxa de drenagem deu-se sobre a área de abrangência da bacia de detenção do loteamento Ecoville Centro Comunitário, ilustrada na figura 1. Localiza-se na confluência da Avenida Francisco Silveira Bitencourt, no 1.155 com a Alameda Três de Outubro, na Bacia Arroio Santo Agostinho, na latitude sul de 29º59’51” e longitude oeste de 51º07’25”. Em 2008 apurou-se uma população atendida de 590 habitantes residentes no loteamento (Carmona, 2008, p.45). A permeabilidade dos espaços privados e públicos do loteamento Ecoville Centro Comunitário é obtida através do recorte da imagem do satélite de alta resolução QUICKBIRD, de 2008, cedidas pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Mediram-se as áreas permeáveis e impermeáveis das áreas privadas (quadras) e públicas (ruas e praças), através do método de classificação de imagens. Figura 1 - Quadras e vias da bacia de detenção Ecoville Centro Comunitário Fonte: Recorte da imagem do satélite QUICKBIRD, elaboração própria. 208 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES Com a reclassificação das imagens espectrais claro-escuro da figura 2, obteve-se como resultado a tabela 2, de onde se obtêm as áreas permeáveis e impermeáveis do loteamento. Figura 2 - Imagem binária classificada para áreas permeáveis e impermeáveis Fonte: Elaboração própria. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 209 O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA Tabela 2 - Permeabilidade do solo da bacia do loteamento Ecoville em 2008 Local/m2 Área Total Área Impermeável Área Permeável Quadra 1 9.462,96 6.331,52 3.131,44 Quadra 2 26,068,92 19.699,86 6.369,06 Quadra 3 6.583,51 4.087,18 2.496,33 Quadra 4 21.184,09 12.613,83 8.570,26 Ruas/Praças 87.411,09 27.746,75 59.664,34 Total em m2 150.710,57 71.104,96 79.605,61 Fonte: Elaboração própria. Do resultado da análise espectral da área obtêm-se os seguintes dados: Área da BaciaAb = 150.710,57 m²; Área total dos lotesAl = 63.299,48 m²; Área permeável total do sistema viário ASVp = 59.664,34 m²; Área impermeável total do sistema viário ASVi = 27.746,75 m²; Taxa de impermeabilização do loteamentoTi = 47,18%. Em face da inexistência de controle de custos no Departamento Municipal de Esgotos Pluviais do Município de Porto Alegre, RS, o custo de manutenção do reservatório foi obtido da relação de equivalência com o custo da obra. Estimado em 5% dele, perfez em janeiro de 2008 um custo estimado em R$ 6.404,00 ao ano (Carmona, 2008, p.45). Para o mês de novembro de 2011 este custo, atualizado pelo CUB do projeto R8-N, é estimado em R$ 8.452,42, para fins de cálculo. Sabe-se, a partir dos ensinamentos de Tucci (2002, p.25), que uma propriedade totalmente impermeabilizada gera 6,33 vezes mais volume de água do que uma propriedade não impermeabilizada. Assim, tem-se que: Se custo de manutenção: Cman = Cmanp + Cmani = Cmanp + 6,33Cmanp = R$ 8.452,41; Logo, custo de manutenção das áreas permeáveis: custo de manutenção das áreas impermeáveis Cmanp = R$ 1.153,13; Cmani = R$ 7.299,29. Em vista da dificuldade de a Administração desenvolver formas de identificar a situação atual de ocupação de cada lote do município, que sofre mutação constante, e assim instituir uma cobrança da taxa sobre a situação real existente, sugere-se a adoção, como parâmetro máximo de ocupação do solo permeável, do definido pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de 1999, que absorveu a IN/SMAM no 22/2007 em sua alteração de 2011, definindo a área livre a ser preservada no lote. Ele será utilizado como variável na estimativa da cobrança da taxa de drenagem urbana para estimar a área impermeabilizada do lote neste estudo. Este uso se justifica, de um lado, pela dificuldade e custo de um levantamento anual in loco para a correta atualização e obtenção desta informação no cadastro mu210 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES nicipal, e, de outro lado, por se pressupor, para fins de planejamento urbano, que o proprietário tem como direito de uso da superfície do terreno até a ocupação máxima autorizada no Plano Diretor municipal. Por outro lado, ainda, há a possibilidade de o morador demonstrar a ocupação de seu lote e a utilização de técnicas compensatórias estruturais13 de vazão em seu lote. A área livre (AL) mínima dos lotes, estimada de acordo com a IN/SMAM no 22/2007, deve ser de: • • o o o o o • Artigo 2o - 7% para imóveis com área entre 151 e 300 m²; Artigos 3o e 6o - variável de acordo com no mínimo 70% da área remanescente (AR) da taxa de ocupação (TO)14, para imóveis entre 301 m² e 1500 m²; bem como para maiores de 1500 m², com TO menor ou igual a 66,6%. TO 90% AR 10% AL 7¨%; TO 75% AR 25% AL 17%; TO 66,6% AR 33,4% AL 23%; TO 50% AR 50% AL 35%; TO 20% AR 80% AL 56%. Artigos 4o e 5o - Área livre de 20%, para imóveis como áreas maiores a 1500 m e com TO maior 66,6%. 13 Cfe. Baptista, Nascimento e Barraud (2005, p.42), são “os procedimentos de favorecimento de retardamento dos escoamentos”, como: pavimentos permeáveis, telhados verdes, poços de infiltração, valas e valetas etc. 14 No artigo no 112, § 1o, inc. VI, do PDDUA de Porto Alegre define-se taxa de ocupação (TO) como a “relação entre as projeções máximas de construção e as áreas de terreno sobre as quais acedem as construções”. A superfície do lote individual (Sl) é definida em m². Para fins de comparação de resultado, definiu-se a aplicação do cálculo das diferentes metodologias apresentadas no item anterior, para um terreno com 301 m² de superfície e taxa de ocupação de 66,6%, localizado no loteamento Ecoville Centro Comunitário, em Porto Alegre. Para a obtenção da área do lote permeável de cada lote, de 70% da área não ocupada, é necessário deixar um mínimo de 23% de área livre permeável neste lote. As taxas de drenagem urbanas foram calculadas segundo a: a) Metodologia de Cançado, Nascimento e Cabral (2005, p.23), reproduzindo as equações (1), (2) e (3), adaptadas à nomenclatura definida acima. Tem-se que: Cman = Cman / (Ab * Ti) , onde Cman = 8.452 / (150.710,57 * 0,4718) = R$ 0,1189/m². Tman = Cman * aij , onde aij é a área impermeável do imóvel j. Considerando, para um imóvel de 301 m² e taxa de ocupação de 66,6%, a área livre permeável será de 23%15, conforme a IN/SMAM no 22/07, assim, tem-se que aij = 231,77m². Logo, Tman = R$ 0,1189/m² * 231,77m² = R$ 27,55 a.a. . R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 211 15 Área livre permeável = 301 m² x (100% - 66,66%) x 70% = 70,23 m². O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA b) Metodologia de Tucci (2002, p.25), reproduzindo as equações (4) e (5), adaptadas à nomenclatura dos dados. Tem-se que: Cmani = [100 * Cman] / [Ab * (15,8 + 0,842 * Ti%)], onde Cmani = [100 * 8.452,42] / [150.710,57* (15,8 + 0,842 * 47,18)], Cmani = 845.242,00/ [2.381.227,01 + 5.987.061,79], Cmani = 845.242,00/ 8.368,29, Cmani = R$ 0,1010 / m². Assim, Tman = [(Sl * Cmani)/100] * (28,43+0,632*il). Se Sl = 301 m² e il = 77%, tem-se que: Tman = [(301* 0,1010)/100] * (28,43+0,632*77), Tman = 0,3040 (28,43+0,632*77). Logo, Tman = 8,6435+ 14,7951 = R$ 23,44a.a. . c) Metodologia de Gomes, Baptista e Nascimento (2008, p.97), utilizando-se como cenário de desenvolvimento a situação atual, reproduzindo a equação (6), com adaptação à nomenclatura adotada para os dados. Tem-se que: Tman = (Cmanp/Al)*Sl*(1 – Tl) + (Cmani/Ai)*Sl*Tl + (Cmanp/Al)*(ASVp/Ab)*Sl + (Cmani/Al)*(ASVl/Ab)*Sl , onde a taxa de drenagem apresenta ponderação do custo da manutenção pelas áreas permeável e impermeável do lote e pelas áreas permeável e impermeável do loteamento. Tman = (1.153,13/63.299,48) * S1 * (1 - il) + (7.299,29/63.299,48) * Sl * il + (1.153,13/63.299,48) * (59.664,34/150,710,57) * Sl + (7.299,29/63.299,48) * (27.746,75/150.710,57) * Sl , Tman = 0,0182 * S1 *(1-il) + 0,1153 * Sl * il + 0,0182 * 0,3959 * Sl + 0,1153 * 0,1841*Sl, Tman = 0,0182 * S1 * (1- il) + 0,1153 * Sl * il + 0,0072 * Sl + 0,0212 * Sl . Supondo que a Taxa de Ocupação definida na lei municipal seja de 66,66%, com área permeável de 23%, tem-se que i1 = 77%, logo: Tman = 0,0182 * S1 * (1-0,77) + 0,1153 * Sl * 0,77 + 0,0072 * Sl + 0,0212 * Sl , Tman = 0,0042 * S1 + 0,0888 * Sl + 0,0072 * Sl + 0,0212 * Sl . Para um lote de 301m² de superfície (Sl) tem-se que: Tman = R$ 1,26 + R$ 26,72 + R$ 2,17 + R$ 6,38 = R$ 36,53 a.a. . E, para um lote-padrão de 301 m², tudo o mais constante, variando apenas a taxa de impermeabilização do solo, conforme definido no PDDUA, para a taxa de ocupação e área livre do terreno, tem-se uma taxa anual, conforme apresentado na tabela 3: 212 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES Tabela 3 - Variação da taxa de drenagem relacionando a área impermeável à taxa de ocupação legal TO (%) Ai (m2) Ti Lote Perm (R$) Lote Imp. (R$) Sist. Viár. Perm. (R$) Sist. Viár. Perm. (R$) Taxa Manuntenção (R$ a.a.) 90 279,93 0,93 0,38 32,28 2,17 6,38 41,21 75 249,83 0,83 0,93 28,81 2,17 6,38 38,29 66,66 231,77 0,77 1,26 26,72 2,17 6,38 36,53 50 195,65 0,65 1,92 22,56 2,17 6,38 33,02 20 132,44 0,44 3,07 15,27 2,17 6,38 26,89 24,52 142,01 0,47 2,89 16,37 2,17 6,38 27,81 Fonte: Elaboração própria. Para as áreas públicas, que são compostas pelas praças e ruas, tem-se um custo de manutenção de R$ 8,55. Entende-se que o custeio do serviço de drenagem das áreas públicas deva ser suportado pelo Poder Público através da tributação genérica dos impostos; logo, não pode ser cobrada através da taxa de drenagem16. Verifica-se que, utilizando como cenário de desenvolvimento o definido no PDDUA e IN/SMAM no 22/2007, existe para os lotes individuais uma graduação de valor de acordo com sua área potencial máxima de impermeabilização, e para cada terreno uma parcela da taxa de drenagem urbana calculada em função de sua área permeável e outra de sua área impermeável. Já a taxa referente à parcela da área pública do loteamento, levantada através de fotointerpretação de imagem, se divide entre seu sistema viário permeável (praças) e impermeável (ruas) e tem um valor constante para todo o loteamento. Na comparação entre as três metodologias calculadas de taxa de drenagem urbana, a custos de novembro de 2011, para um lote de 301 m² obtêm-se os valores apresentados na tabela 4. Por exemplo, considerando a taxa de ocupação legal do loteamento, de 66,66%, caberia ao proprietário do lote uma taxa de drenagem urbana anual de R$ 27,55 pela metodologia de Cançado e colaboradores (2005), de R$ 23,44 pela metodologia de Tucci (2002) e de R$ 36,53 pela metodologia de Gomes e colaboradores (2008), que inclui a cobrança pela drenagem pluvial da área pública (tabela 3) e R$ 27,98 sem ela. Já um lote privado com o mesmo percentual de impermeabilização do loteamento em 2008, data das imagens, seria tributado pela taxa de drenagem em R$ 16,88 a.a. pela metodologia de Cançado e colaboradores (2005), em R$ 17,71 a.a. pela metodologia de Tucci (2002) e em R$ 19,27 a.a. pela metodologia de Gomes e colaboradores (2008), sem a cobrança da drenagem pluvial pela área pública. Tabela 4 – Comparação do valor do valor da Taxa de Drenagem Urbana segundo as diferentes metodologias TO (%) Ai (m2) Ti Cançado et al. (R$ a.a.) Tucci (R$ a.a.) Gomes et al. (R$ a.a.) 32,66 90 279,93 0,93 33,28 26,51 75 249,83 0,83 29,70 24,58 29,74 66,66 231,77 0,77 27,55 23,44 27,98 50 195,65 0,65 23,26 21,13 24,48 20 132,44 0,44 15,74 17,10 18,34 24,52 142,01 0,47 16,88 17,71 19,27 Fonte: Elaboração própria. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 213 16 Entendimento este já aventado por Nascimento, Cançado e Cabral (2006, p.144). O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA As diferenças encontradas como valor resultante da aferição das taxas de drenagem urbana calculadas decorrem da concepção do método proposto por cada autor dos diferentes modelos apresentados. Na equação de Cançado e colaboradores (2005, p.23), a cobrança da taxa de drenagem é estipulada pelo custo médio do sistema por metro quadrado de área impermeável do loteamento. O custo médio é, então, multiplicado apenas pela área impermeável do lote individual. Na metodologia de Tucci (2002, p.25), o custo de manutenção é inicialmente aplicado à área impermeabilizada do loteamento e depois à área impermeabilizada do lote. Mas, para isso, aplica duas proposições obtidas através de pesquisas: 1ª) um loteamento tem 25% de sua área ocupada por áreas públicas e 75% ocupado por áreas privadas. As ruas são 15% da área do loteamento, sendo 100% impermeáveis, e as praças são 10% da área do loteamento, com 0% de áreas impermeáveis, ou seja, são totalmente permeáveis; 2ª) o escoamento das áreas impermeáveis é 0,95 e o escoamento das áreas permeáveis é 0,15. Gomes, Baptista e Nascimento (2008, p.97) também optaram por utilizar os coeficientes de escoamento superficial para o rateio dos custos de manutenção dos sistemas de drenagem urbana entre permeáveis e impermeáveis de acordo com a metodologia de Tucci (2002), embora chamem atenção ao fato de que esta relação pode ser facilmente alterada pelos gestores desses sistemas. A metodologia seguida apresenta a cobrança pela área impermeável e também pela área permeável, combinada com as parcelas individual (lote privado) e total do loteamento (quadras, ruas e praças), excluída a cobrança pelo serviço de drenagem pluvial das áreas públicas. Ela melhor responde aos requisitos da especificidade e da divisibilidade requeridos pelos artigos 77 e 79 do Código Tributário Nacional (Lei Federal no 5.172/66), pois desvincula o cálculo da taxa de drenagem pelo índice de impermeabilização do loteamento (ou bacia), passando a considerá-los de forma direta. Os resultados apuraram um valor monetário relativamente baixo para a cobrança da taxa anual de drenagem urbana. Mesmo que a estimativa do custo do serviço fosse duplicada (para 10% do custo da bacia de detenção), ainda assim a oneração fiscal dificilmente alteraria a conduta do contribuinte. Logo, o pequeno valor a ser pago pelo serviço estatal não teria o condão de alterar a conduta poluidora (impermeabilizante do solo urbano) por parte do possuidor do lote, que preferiria pagar a reduzir a vazão de escoamento produzida em sua propriedade. Mas, mesmo diante da dificuldade de adesão voluntária ao intento de redução da poluição com o uso do instrumento econômico da tributação extrafiscal na cobrança da taxa de drenagem urbana, a regulação da cobrança do serviço de operação e manutenção com o uso do critério de rateio pela capacidade máxima de ocupação e impermeabilização do lote, conforme definido no PDDUA de Porto Alegre, RS, estabelece um critério de justiça, pois cobra mais dos que detêm maior “uso potencial” de ocupação do terreno (que normalmente também tem preço mais elevado quanto maior sua taxa de ocupação). CONCLUSÕES Verificou-se a dificuldade de criação, por lei específica, de uma taxa de drenagem pluvial urbana no Brasil. No âmbito do Direito Tributário, os tributaristas divergem de opinião quanto à possibilidade ou não da criação da taxa de drenagem em razão da utilização de recursos ambientais de domínio público, em virtude de estar autorizada 214 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES na Constituição Federal apenas para o exercício do poder de polícia ou para serviços públicos “específicos e divisíveis”, conforme o inc. II de seu art. 145. Na literatura específica, alguns autores defendem que a instituição da taxa de drenagem está respaldada nos art. 12 e 20 da Lei no 9.433, de 1997, e outros recomendam cautela na utilização para a aplicação sobre serviços que envolvam recursos ambientais de domínio público. O contra-argumento à tese de impossibilidade da cobrança sobre o serviço público em sentido amplo, de fruição obrigatória, está em que a questão implica saneamento básico e bem-estar público, em similitude com a taxa de coleta de lixo. Supondo que o sistema tributário passe a incorporá-la, as dificuldades na cobrança da taxa de drenagem pluvial estão, principalmente, na estimativa da área impermeável (de cada lote) e na inexistência de um sistema de quantificação de custeio da manutenção e operação do sistema de drenagem das águas vertidas prestados pelo departamento responsável pela execução do serviço, com centros de custo, no mínimo, por bacia hidrográfica. A estimativa, tanto do custeio quanto da área impermeável do solo, necessita ter como foco cada uma das bacias hidrográficas do município, para que possam ser tomadas como área de planejamento e gestão do sistema de drenagem, pois as consequências dos impactos resultantes da densificação e ocupação do solo urbano ocorrem de forma distinta em cada uma delas. Desta feita, sugeriu-se a estimativa da área impermeável da área maior através de técnicas de geoprocessamento de imagens, e a do lote através do uso do percentual de sua ocupação máxima, estipulado no PDDUA, que incorporou em seu texto a Instrução Normativa no 22/2007 da Secretaria do Meio Ambiente do Município de Porto Alegre, que estipula a área livre mínima a ser preservada como permeável no terreno a priori, a ser confirmada pelo proprietário do lote. Este regramento pode ser adotado no cálculo da taxa de drenagem, considerando-se, assim, a máxima impermeabilização permitida como parâmetro de cobrança. Entre as diferentes metodologias para a precificação da taxa de drenagem demonstradas no trabalho (Cançado et al., 2005; Tucci, 2002; Gomes e colaboradores, 2008), concluiu-se que a metodologia mais adequada é a mais recente, uma vez que ela pondera o custo de manutenção tanto pela área menor (do lote) quanto pela área maior (do loteamento ou da bacia) pela proporção de suas superfícies permeáveis e impermeáveis. Definiu-se que o custeio da manutenção pluvial nas áreas públicas (ruas e praças) deve ser feito através da receita de impostos. Da adaptação desta metodologia ao PDDUA obteve-se, para a área de estudo do Ecoville Centro Comunitário, uma taxa de drenagem anual de R$ 26,89 para um lote de 301 m² com 20% de taxa de ocupação e 56% de área livre e de R$ 41,21 para um lote de 301 m² com 90% de taxa de ocupação e 7% de área livre, por exemplo. A comparação entre as três taxas de drenagem estudadas obteve como valores anuais, para um terreno com a mesma área e 66% de taxa de ocupação e 32% de área livre, para as metodologias de Cançado e colaboradores (2005), R$ 27,55; para a de Tucci, R$ 23,44; e para a de Gomes e colaboradores (2008), R$ 27, 98. Muito provavelmente, diante da opção de reduzir a vazão de escoamento produzida em sua propriedade o possuidor do lote optaria por pagar o tributo. A pequena contribuição anual resultante para a manutenção do serviço de drenagem no loteamento deve-se, em parte, ao baixo custo de manutenção da bacia de detenção aberta em grama (estimada na proporção de 5% do custo da obra) e pelos percentuais de 47,18% de áreas livres existentes e de 32% de áreas livres propostas pelo PDDUA para a área do loteamento Ecoville Centro Comunitário em Porto Alegre, RS. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 215 O FINANCIAMENTO DA MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA 17 PORTO ALEGRE. Decreto no 15.371, de 17 de novembro de 2006. Regulamenta o controle da drenagem urbana. 18 O critério de eficiência de Pareto pode ser assim enunciado: “Um estado da economia é eficiente no sentido de Pareto quando não há nenhuma possibilidade de se melhorar a posição de pelo menos um agente dessa economia sem que com isso a posição de outro agente seja piorada” (1998, p.569). 19 Conforme preconizado pela teoria de Baumol e Oates (1971) citados por Lagemann (2002, p.305). Cristina Lengler é Agente Fiscal da Receita Municipal de Porto Alegre. Mestre em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR, UFRGS E-mail: [email protected] Carlos André Bulhões Mendes é professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS. Pós-doutorado em Planejamento Ambiental (University of Califórnia). E-mail: [email protected] Artigo recebido em fevereiro de 2013 e aprovado para publicação em março de 2013. De forma geral, fica saliente que o caráter extrafiscal da taxa de drenagem pluvial não se aplica ao Brasil, dada a vedação da inclusão do investimento e do custo de capital na cobrança do tributo. Mas, mesmo sem o condão de alterar a conduta impermeabilizante do solo urbano por parte do possuidor do lote, o que dificulta a adesão voluntária ao intento da redução da poluição, a taxa de drenagem proposta, além de prover recursos aos serviços, estabelece um critério de justiça, pois considera a capacidade máxima de ocupação e impermeabilização do lote, conforme definido no PDDUA de Porto Alegre, RS, e onera com um valor maior os que têm maior “uso potencial” de ocupação do terreno. Assim, embora a condição natural pré-ocupação seja a base utilizada para o cálculo da adequação das vazões dos lotes em Porto Alegre17, não é o que se defende como regra-geral. Deve-se alcançar um uso parcimonioso do recurso natural solo de forma a garantir o equilíbrio do sistema no interior de uma bacia hidrográfica. Estes limites devem ser apresentados dentro de um modo de produção social no qual o grau ótimo de Pareto18 é alcançado com uma satisfatória relação de uso e conservação do solo impermeável a um preço que permita a urbanização de forma a conservar as características de vazão da água em níveis aceitáveis. Neste sentido, a busca do ótimo de Pareto do desenvolvimento urbano-ambiental deve se encontrar entre o desenvolvimento urbano e o econômico e a proteção dos recursos naturais. Portanto, não objetiva “zero” poluição, mas o ponto onde a perda marginal de bem-estar devido à impermeabilização do solo seja igual ao custo limite de reparação. Assim, estabeleceu-se que o cenário ótimo é o oriundo da escolha de um padrão de qualidade do meio ambiente-preço19 para o uso dos lotes urbanos, pois é o regrado em leis e regulamentos municipais. Cabe, então, indagar: Seriam as inundações urbanas uma consequência da ocupação irregular (incluindo a falta de fiscalização do cumprimento das leis) ou de um inadequado parâmetro técnico de planejamento (que se confronta com interesses conflitantes e, também, denota falta de conhecimentos, entre os quais o de não introduzir o estudo da região da bacia hidrográfica como condicionante)? Ou, simplesmente, conhecem-se as necessidades técnicas da infraestrutura necessária ao desenvolvimento da cidade e faltam recursos públicos para prover e manter as obras públicas necessárias? Caso seja este o maior entrave para a eliminação do problema de alagamentos pontuais nas cidades, tem-se neste estudo um instrumento econômico para o financiamento dos serviços de drenagem urbana. Os investimentos para obras terão de ser supridos através de outras formas de tributação (impostos ou contribuição de melhoria). A questão fundamental, para a qual não se procurou encontrar resposta objetiva neste trabalho, é a de como desenvolver uma coerente estrutura social e econômica capaz de realizar o equilíbrio entre a reprodução dos sistemas naturais e a reprodução e distribuição social. Se a conduta social é decorrente da valoração que o particular faz do uso do recurso natural, não se trata de um problema de “escolha”, mas de uma “opção política” ligada à estratégia de desenvolvimento a ser adotada. 216 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 CRISTINA LENGLER E CARLOS ANDRÉ BULHÕES MENDES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, P. H. Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 240p. BAPTISTA, M. B.; NASCIMENTO, N. O. Aspectos institucionais e de financiamento dos sistemas de drenagem urbana. RBRH: Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre, v.7, n.1, p.29-49, jan./mar. 2002. __________.; __________.; BARRAUD, S. 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The criterion established to obtain the waterproofing percentage of the study area combines the classification of soil types (permeable/impermeable) and their uses (private/public). The classification of spectral images was applied for establishing the permeable rate in larger areas, whereas the criteria defined by PDDUA were applied to quantify the percentage of permeable areas of small plots. Keywords Regulatory taxation; Municipal taxation; Immovable property taxes; Urban pluvial drainage. 218 R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 Resenhas R E S E N H A S Um manifesto pela floresta urbanizada Resenha do livro: BECKER, B. K. A Urbe Amazônida: a floresta e a cidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2013. Claudio A. Egler UFRJ/UFGD/CNPq A recente publicação do livro “A Urbe Amazônida: a floresta e a cidade” por Bertha K. Becker representa o culminar de um conjunto de pesquisas realizadas pela a autora sobre as cidades amazônicas e de seu papel na formulação e difusão de um modelo de desenvolvimento autóctone e sustentável, capaz de promover a melhoria das condições de vida daqueles que vivem e trabalham nas vizinhanças e no interior da maior extensão de florestas tropicais daTerra. A relação dialética entre a floresta e a cidade é a questão central que anima a pesquisa e pavimenta o caminho que percorremos guiados por Bertha Becker,desde a exploração das ‘drogas do sertão’ nos primórdios da colonização até as possibilidades atuais queoferecem o conhecimento da biodiversidade e os avanços da biotecnologia para o manejo sustentável das águas e florestas da Amazônia. O livro - de fácil leitura e compreensão é um destilado de primeira qualidade de dois componentes principais do pensamento de Bertha. Primeiro, seu profundo conhecimento investigativo que a levou a dialogar com parceiros como Peter Taylor, da Loughborough University, Reino Unido, coordenador da Rede de Pesquisas sobre Globalização e Cidades Mundiais (GaWC) e um dos principais emuladores dos estudos que deram origem ao livro. Segundo, sua vasta vivência empírica da realidade amazônica, que a conduziu pelos mais recônditos rincões da imensa bacia fluvial amazônica. Abstração teórica e conhecimento empírico se mesclam de forma harmoniosa para decifrar o enigma central do livro: por que os núcleos urbanos, que foram parte intrínseca do processo de colonização da Amazônia, não promoveram o desenvolvimento da região? A solução se inicia com as formulações teóricas do Capítulo 1, elaboradas a partir das concepções de Jane Jacobs acerca da precedência e prevalência das cidades no processo de mudanças econômicas e sociais. Diferenciando o papel dos Estados – enquanto entidades fundamentalmente políticas, daquele desempenhado pelas cidades – enquanto ‘locus’ das atividades econômicas, Bertha se alinha com as concepções que postulam que política e economia são atividades sociais interrelacionadas, embora não integradas. Poder estatal e mercado são instituiçõeschaves para compreender como se entremeiam geopolítica e geoeconomia na construção das distintas e complexas territorialidades do mundo atual e, em particular, na Amazônia Sul-americana. A distinção entre trabalho velho e trabalho novo proposta por Jacobs, indo além da formulação clássica de Marx sobre trabalho morto e trabalho vivo, se inscreve como base de uma teoria materialista das cidades, onde o caráter do novo se corporifica como trabalho de desenvolvimento, como aquele que promove o crescimento da economia ao ampliar a divisão técnica e social do trabalho e as dimensões relativas do mercado. Os pulsos de crescimento que se irradiam das cidades dinamizam a região, seja pelo aumento das exportações para outras cidades, seja pela ampliação de seu próprio mercado urbano, não apenas quanto àquantidade, mas principalmente quanto à diferenciação de produtos, o que estimula a o processo local e regional de substituição de importações. Tais pulsos formamos ‘surtos econômicos’ que podem trazer dinamismo às cidades, porém caso vigore o monopólio comercial ou privilégios políticos, as cidades podem estagnar ou mesmo regredir. Bertha Becker utiliza a concepção de surtos econômicos de Jacobs e Taylor para analisar as origens e evolução das cidades na Amazônia, destacando seu caráter tardio e exógeno. Segundo a autora, o modelo espacial que mais se aproxima do processo de povoamento primordial da grande bacia fluvial foi o caribenho, onde prevalecia a pirataria e a disputa de poder. No capítulo 2, o expansionismo mercantilista resultante da combinação do poder imperial das monarquias absolutistas com as vantagens monopolistas das companhias de comércio europeias alimentou invasões e tentativas de conquista. No entanto, como destaca a autora, as missões religiosas semearam pequenos aglomerados, que não podem ser considerados como cidades, mas que fixaram os R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 221 R primeiros núcleos populacionais do que futuramente seria a semeadeira urbana da ‘urbe amazônida’. A efetiva formação das ‘proto-urbesamazônidas’ocorreu com os surtos econômicos na passagem do século XIX para o XX, quando a demanda industrial da economia-mundo por borracha produziu um forte movimento migratório de nordestinos para os vales amazônicos, em processo que Celso Furtado denominou de ‘transumância amazônica’. Bertha mostra que os nordestinos sustentaram além do surto da borracha, o da castanha, da extração mineral, formando os peões da explosão rodoviária e industrial. A concepção latina de ‘urbe’ é semelhante à noção grega de ‘polis’, entretanto, a principal diferença entre elas talvez resida no sentido da autonomia do poder decisório. Na Amazônia, como mostra Becker, o monopólio comercial e o poder político dos centros hegemônicos da economiamundo dominaram a dinâmica urbana em suas diversas fases. Desde Lisboa, passando por Londres e Nova York, até chegar ao comando de São Paulo,o processo de drenagem econômica na bacia urbana dificultou a criação de trabalho novo, mesmo diante do avanço da ‘fronteira urbanizada’, termo que caracteriza a originalidade do pensamento de Bertha. A Zona Franca de Manaus (ZFM) é tratada como uma forma de favorecimento da economia urbana para fins geopolíticos de controle sobre o território, rompendo com os circuitos mercantis que dificultavam as mudanças em área escassamente povoada e sujeita a pressões de diversos interesses. Bertha Becker têm razão quanto aos efeitos da ZFM no contexto amazônico que, de um modo ou outro, acabou por concentrar os efeitos das mudanças em Manaus e preservou a floresta no estado do Amazonas. No entanto, a renúncia fiscal também cultivou privilégios para algumas elites regionais que não seriam capazes de sobreviver sem a proteção e as benesses do estado nacional. No capitulo 3, as cidades locais, isto é, os pequenos núcleos ribeirinhos assumemprotagonismo relevante na estruturação da ‘urbe amazônida’, pois é justamente nelas que reside parte das populações tradicionais que, de um modo ou outro, busca refúgio contra a expropriação das terras e a modernização excludente das cidades mais populosas. Bertha 222 E S E N H A S mostra que nesses possíveis focos de resistência é possível encontrar trajetórias autônomas com bons resultados econômicos, fundadas no trabalho familiar e no aproveitamento sistemas agroflorestais não madeireiros. No capítulo 4, Bertha Becker procura sintetizar suas pesquisas e propor alternativas que resgatem e promovam o papel da urbanização como o cerne de um novo projeto regional para a Amazônia. O desafio está em conciliar o desenvolvimento com a preservação das florestas em pé, valorizando os serviços ecossistêmicos e garantindo seu manejo sustentável. A autora é uma crítica arguta das alternativas que querem privilegiar apenas a preservação, como é o pagamento por redução do desmatamento e degradação (REDD), que apenas beneficia florestas que não produzem e funcionam como depósitos de carbono sequestrado de outras atividades realizadas em qualquer parte da superfície da Terra. A militante pela causa da Amazônia,que todos nós conhecemos e admiramos, defende um papel regulador do estado através do estabelecimento de “zonas”, que por suas formas de apropriação e uso social, se transformem em sub-regiões, onde cidades dinâmicas seriam capazes de gerar e difundir ciência, tecnologia e inovação (C&T&I), sempre em complementaridade com outros centros urbanos que formariam o arcabouço de uma rede integrada edinâmica capaz de dar sustentação ao desenvolvimento da Amazônia. Bertha Becker é uma visionária, no sentido de quem possui capacidade de antecipar os rumos futuros.. Sua impressionante capacidade de criação e trabalho é motivo de admiração por todos que militam por um Brasil justo, equânime e sustentável. Na leitura de seu novo livro é possível encontrá-la ao virar cada página, sempre na defesa intransigente da floresta e daqueles que vivem e trabalham na Amazônia. De um modo ou outro, ela nos aponta que o caminho passa por cidades que têm autonomia para construir, tanto a cidadania de seus moradores, como cadeias produtivas fundadas na biodiversidade regional. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 R E S E N H A S AS PAISAGENS CREPUSCULARES DA FICÇÃO CIENTÍFICA: A ELEGIA DAS UTOPIAS URBANAS DO MODERNISMO Jorge Luiz Barbosa. Niterói: Editora da UFF, 2013. Pedro Paulo Pinto Maia Filho Geógrafo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense - UFF. As paisagens crepusculares da ficção científica: a elegia das utopias urbanas do modernismo de Jorge Luiz Barbosa reúne ensaios procedentes de sua tese de doutoramento, mas aqui sob um novo formato com o objetivo de ampliar o diálogo interdisciplinar e com um público leitor não necessariamente acadêmico. O tema do estudo é a metrópole, interpretada por meio de suas projeções futuras concebidas pelos filmes de ficção científica. A grande metrópole é tema recorrente nos filmes do gênero sci-fi que partindo das cidades em que os produtores estavam inseridos indagam a forma de ser/estar no urbano. O diálogo entre a geografia e a arte talvez seja uma das maiores contribuições trazidas pela obra. Ao escolher as metrópoles futuristas do cinema de ficção científica para compreender a questão urbana na contemporaneidade, o autor percorre um campo pouco explorado pelos geógrafos, estabelecendo a possibilidade de inquirir o real através das representações artísticas. A arte é tomada enquanto atividade criadora e produtora de sentido e passível de interpretação pela geografia. Para entender a metrópole e a sociedade urbana pelo viés espacial elege-se o conceito paisagem, que se estabelece como fio condutor na leitura fílmica. Além de recurso metodológico a paisagem vai ser o conceito que permite a aproximação da ciência geográfica com a arte cinematográfica, já que o sentido de “paisagem” nasce no campo das artes e só depois é apropriado como conceito científico. O livro é dividido em quatro capítulos, que esmiúçam as metrópoles futuristas apresentadas em quatro filmes por ordem de seus lançamentos: Metrópolis (1924), Alphaville (1965), Blade Runner (1982) e The Matrix (1999). As obras são eleitas pelo autor como representantes de diferentes períodos na elaboração de propostas de cidades ideias e modernistas, tais filmes recorrem à metrópole do amanhã como espaço narrativo onde se desenvolvem as tramas. Os capítulos parecem seguir preceitos metodológicos que são recorrentes na interpretação fílmica realizada por Barbosa. Primeiramente os filmes são decompostos em seus contextos espaciais e temporais, analisa-se a influência dos movimentos artísticos contemporâneos à produção do filme (prática estética) e também dos princípios arquitetônicos, urbanísticos, econômicos e sociais (prática histórica). Tais práticas são apresentadas como formas de compreender as conjunturas de distintas cidades e em diferentes épocas. As metrópoles ficcionais são inspiradas em cidades “reais”, manifestações artísticas oriundas da literatura, pintura e das instalações artísticas assim como os novos traçados urbanos e novas formas arquitetônicas influenciam a paisagem representada na tela do cinema. O entendimento das noções técnicas das produções cinematográficas é crucial na elaboração do argumento do texto. Roteiro, enquadramento, planos, personagem, utilização das imagens e dos diálogos são levados em consideração e alternamse com a prática estética e com a prática histórica para desvendar a metrópole através das paisagens simuladas pelas obras. Para desenvolver sua leitura do clássico da ficção científica dirigido por Fritz Lang Metrópolis, o autor apresenta o pano de fundo ao qual o filme faz referência. Os movimentos artísticos de vanguarda de meados de 1910 como o “futurismo”, “neoplasticismo” e o “cubismo” que se caracterizavam principalmente pela ruptura dos preceitos das artes “clássicas” e buscavam desenvolver a arte condizente com o mundo moderno e mecânico trazido pelo advento tecnológico do final do século XIX. A representação fílmica se apropria desses preceitos das vanguardas modernistas ao apresentar uma paisagem-imagem de uma metrópole monumental dominada por dispositivos técnicos, tais imagens não são meras opções de estilo, elas exprimem as mudanças na forma como a sociedade se relaciona R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3 223 R com o espaço. A experiência humana se restringe ao trabalho e o movimento do corpo passa a ser mecanizado. Muitos filmes de ficção científica se consolidam em transpor para a tela futuros distópicos. No filme de Jean-Luc Godard a cidade de Alphaville desponta na tela como uma metrópole moderna, com altos edifícios luminosos e largas avenidas, atributos similares aos dos projetos urbanísticos modernistas que estavam em ascensão na Europa. As racionalizações do traçado espacial e das formas arquitetônicas estão transpostas nos atos e comportamentos da população de Alphaville, condicionada a diversos padrões de conduta impostos por um supercomputador, dirigente máximo da cidade. Como na obra de Lang percebese uma forte relação entre o comportamento e ações do homem e a estruturação do espaço urbano. Essa mesma racionalidade do urbanismo moderno de Le Corbusier vai se exibir de outra forma no futuro elaborado por Ridley Scott. Na Los Angeles futurista a exuberância da paisagem moderna convive com o abandono, a publicidade extenuante, o lixo e a multidão. A paisagem apocalíptica oferecida em Blade Runner parece fazer coro às criticas do modelo urbanístico modernista. Em The Matrix dos irmãos Wachowski, a metrópole contemporânea apresentada em tela parece afinada com as representações artísticas dos anos 1990, (exemplificado pelo autor nas obras Pizza City e Urbano com hipopótamo) onde o urbano é representado através das paisagens-imagens do caos, da desordem, e da barbárie. Porém a cidade oferecida pelo filme não 224 E S E N H A S é “real”. Trata-se de uma metrópole simulada como paisagem digital. Uma representação inserida em uma representação. O mesmo processo urbano-industrial que transforma a paisagem em escala mundial permitiu ao homem moderno, portar um dispositivo técnico que permite transpor em imagem (por que não em paisagens) suas inquietações. O cinema já nasce apontando suas câmeras para grande cidade, que passa a ser o cenário privilegiado nas construções narrativas ficcionais. Ao mesmo tempo é na cidade que se encontra o grande público dessa nova forma de arte, o cinema desponta como arte destinada às grandes massas, estas passam a se (re)conhecer enquanto “homem urbano” na grande tela. Trata-se de um importante trabalho que põe que evidência a arte como forma de entendimento do mundo, não se trata de mera representação do real, mas sim de uma atividade criadora de novas realidades. Jorge Luiz Barbosa apresenta em seu livro quadro cidades do futuro elaboradas em diferentes contextos sócio-espaciais. São obras que carregam muitas similitudes entre si, o domínio da mecanização, da inteligência artificial, da monumental paisagem urbana inseridas em sistemas opressores. Tais elementos apontam para uma leitura negativa da metrópole do amanhã. Porém a utopia resite na forma de seus protagonistas que buscam romper com o estado de coisas, a possibilidade de mudança é permitida. A conflitividade exposta na paisagem cinematográfica reflete as mediações espaçotemporais desenvolvidas na análise crítica dos modelos urbanos dominantes. R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S V. 1 5 , N . 1 / M A I O 2 0 1 3