Presença indesejável no Brasil Lucas Tadeu Ferreira e Maria Fernanda Diniz Avidos mosca-branca (Bemisia argentifolii) é uma velha conhecida da comunidade científica. Os problemas que causa à agricultura como praga e vetor de vírus já vêm sendo descritos há mais de cem anos. Mas não representava uma ameaça, já que até recentemente seus danos eram limitados a poucas plantas hospedeiras, em algumas regiões geográficas, com a transmissão de viroses. Na última década, a situação da mosca-branca mudou dramaticamente no cenário mundial e ela passou a ser considerada, pela imprensa internacional, como uma das principais pragas do século XX. A disseminação da mosca-branca, em nível mundial, vem ocorrendo de forma assustadora. Estima-se que hoje já são conhecidas mais de 700 plantas hospedeiras desta praga e os prejuízos somam alguns bilhões de dólares. Somente nos Estados Unidos, os danos causados por este inseto já chegam a US$ 500 milhões por ano, e em algumas regiões agrícolas daquele país, os ataques constantes da mosca-branca têm gerado índices de desemprego superiores a 30% no campo. Na Nicarágua e na Costa Rica, essa praga tem causado colapso na produção agrícola de várias culturas e ela já foi detectada também na maior parte dos países da África, Ásia, Austrália, Nova Zelândia e América Central. A mosca-branca atua como praga nas culturas agrícolas, por se alimentar da seiva das plantas, podendo levá-las à morte ou à diminuição da produção, especialmente quando há alta densidade populacional do inseto. Além disso, elimina uma excreção açucarada que in22 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento duz o aparecimento de fungos, provocando o apodrecimento de ramos, folhas, flores e frutos. Esses danos comprometem a aparência, prejudicando a comercialização dos produtos, principalmente de frutas para exportação e de plantas ornamentais. A mosca-branca é também vetor de vírus bastante prejudiciais, como o geminivírus e, por isso, as perdas ocasionadas por essa praga chegam a 100% em diversas culturas de frutas e hortaliças. É importante ressaltar ainda que a mosca-branca adquire facilmente resistência aos produtos químicos utilizados no seu controle. A moscabranca no Brasil No Brasil, embora os primeiros relatos da mosca-branca datem do ano de 1928, o primeiro registro oficial ocorreu em 1968 com algodão, soja e feijão, no Estado do Paraná, e em 1972 e 1973, no Estado de São Paulo. No início da década de 90, a moscabranca ressurgiu em diversas regiões do país, causando prejuízos em uma série de culturas de importância socioeconômica como melão, melancia, Ninfa de 3º ínstar. A transparência da ninfa dificulta a inspeção vegetal nos pontos de entrada no país e facilita a dispersão da mosca-branca através de plantas ao redor do mundo abóbora, uva, jiló, entre outras. Em 1991, foi registrado o primeiro impacto realmente expressivo dessa praga em culturas de tomate, brócolis, berinjela, abóbora e também em plantas ornamentais, como a poinsétia, também conhecida como bico-de-papagaio, e o crisântemo. Hoje, a mosca-branca já pode ser encontrada em quase todos os estados brasileiros, causando perdas que variam de 30 a 100%, principalmente em cultivos de frutas e de hortaliças. Estima-se que os prejuízos causados por essa praga à agricultura brasileira, somados aos gastos com produtos químicos utilizados no seu controle, já estão próximos de meio bilhão de dólares, sem levar em conta os impactos sociais como o desemprego no campo e o conseqüente êxodo rural que ela provoca. Os maiores impactos causados pela mosca-branca no sistema agrícola têm sido observados na Região Nordeste do Brasil, onde se encontra a maior área plantada de fruticultura do país. No Vale do Rio São Francisco, observou-se, a partir de 1995, a ocorrência dessa praga em níveis bastante elevados nas culturas de melão, abóbora, feijão, pimentão, tomate e videira, principalmente nos projetos de irrigação de Petrolina, em Pernambuco, e em Sobradinho, Casa Nova, Juazeiro e Guanambi, na Bahia. Contudo, a mosca-branca vem causando danos também às culturas agrícolas das regiões Sul, Sudeste e CentroOeste. Na Região Centro-Oeste, no Estado do Mato Grosso do Sul, perdas de até 100% vêm ocorrendo nas culturas de pimentão, tomate, pepino e repolho. Em Goiás, os prejuízos têm sido grandes no cultivo da soja, algodão, melancia, feijão, abóbora e jiló. No entorno do Distrito Federal, e em Brasília, os danos ocorridos na produção de tomate também foram expressivos, principalmente pela disseminação do geminivírus. Alguns estados das regiões Sul e Sudeste do Brasil também vêm sendo vítimas dos ataques. Até o momento, as áreas que sofreram os maiores impactos da mosca-branca foram: Triângulo Mineiro, onde houve perdas de até 100% nas culturas de jiló, e onde atualmente o tomate é a cultura que vem sendo atacada; no norte do Paraná houve sérios danos, principalmente à cultura de soja; no Estado de São Paulo, este inseto vem se dispersando com muita rapidez, atacando um número cada vez maior de culturas, principalmente soja, algodão e milho, além do tomate, abóbora, brócolis, crisântemo, poinsétia e até mesmo plantas invasoras. Além disso, tem disseminado de forma agressiva o geminivírus, especialmente em plantas de tomate. Programa Nacional de Controle Os prejuízos crescentes que a mosca-branca vem causando à agricultura brasileira levaram o Ministério da Agricultura e do Abastecimento a criar, no dia 16 de dezembro, o Programa Nacional de Controle da Mosca-Branca, que será coordenado pelo ministério, através da Secretaria de Defesa Agropecuária SDA, ficando a parte de pesquisa sob a responsabilidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa , através do Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia Cenargen. As medidas de combate à mosca-branca e de controle fitossanitário, nos estados, serão implementadas pelos seus respectivos governos, através das secretarias de agricultura. Para a efetiva implementação do programa, os governos federal e estaduais vão formar parcerias com a iniciativa privada, através dos seus respectivos órgãos de atuação. O programa prevê a adoção de Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 23 interessadas em importar ou transportar material vegetal (sementes, mudas, plantas etc.) de uma região para outra dentro do Brasil devem primeiramente procurar orientações nas secretarias de agricultura de seus estados para evitar a disseminação da mosca-branca e de outras pragas. Existem algumas medidas de controle preventivo que podem conter a disseminação da mosca-branca e que são facilmente assimiláveis pelos produtores rurais. Entre elas, destacam-se: Destruir os restos culturais imediatamente após a colheita; Utilizar plantas invasoras como armadilhas para atrair os insetos. Depois de utilizadas, devem ser imediatamente eliminadas. medidas fitossanitárias preventivas para conter a disseminação da mosca-branca e também o desenvolvimento de atividades de pesquisa com o objetivo de estabelecer os métodos mais eficientes para o manejo integrado dessa praga, o que inclui a realização de pesquisas de controle biológico e estudos de caracterização molecular de populações do inseto. Serão realizados também estudos para avaliar o impacto socioeconômico nas culturas agrícolas em todo o país. Esse programa prevê uma grande concentração de esforços e ações de combate à mosca-branca também nas pequenas e médias propriedades rurais, sem o quê não será possível obter o êxito desejado. O que é a mosca-branca A mosca-branca (Bemisia argentifolii) é um inseto da Ordem Hemíptera, muito pequeno e bastante parecido com uma mariposa em miniatura. O tamanho aproximado das fêmeas é de 0,9mm e dos machos de 0,8mm. Em sua fase adulta, possui dois pares de asas membranosas, podendo voar a curtas e longas distâncias. Sob condições climáticas favoráveis, principalmente com temperaturas em torno de 25°C, o ciclo de vida da mosca-branca varia de três a quatro semanas. Esses insetos permanecem na parte inferior das folhas, onde depositam seus ovos. Dependendo da planta hospedeira, uma fêmea pode colocar de 30 a 400 ovos, durante seu tempo de vida, com uma média de 150 a 160 ovos. Os ovos medem aproximadamente 0,2mm e levam, em média, de cinco a sete dias para eclodirem, dependendo da planta hospedeira e da temperatura. Depois, a fase de ninfa dura aproxima24 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento damente duas semanas. Nos seus primeiros momentos de vida, a ninfa é transparente, mede cerca de 0,3mm de comprimento, chegando a 0,6mm no final dessa fase. Desloca-se na folha por algumas horas, escolhendo o local mais adequado para fixar-se. A ninfa se transforma em inseto adulto, através de uma abertura em formato de T invertido, deixando para trás uma espécie de invólucro translúcido, que continua preso à folha. Em altas densidades populacionais, verdadeiras nuvens desses insetos são formadas quando as plantas hospedeiras são tocadas. Os adultos podem ser encontrados numa distância de até 7km da planta hospedeira e a, no máximo, 300 metros de altura. Voam geralmente no período mais fresco do dia e à noite, na busca de plantas hospedeiras. A mosca-branca pode causar danos às culturas agrícolas tanto na fase adulta como na de ninfa. A observação visual de adultos nas plantas é indispensável para constatar a presença da praga e decidir o método de controle mais adequado a ser aplicado, antes que ocorram perdas na cultura, principalmente no período mais quente e seco do ano. Controle fitossanitário Em geral, o vento é um dos principais fatores na disseminação da moscabranca, mas o homem é o maior disseminador desse inseto, ao transportar plantas infestadas de um local para outro, de forma inadvertida, sem respeitar os procedimentos e as normas fitossanitárias do Ministério da Agricultura. Em função dos prejuízos que a introdução de novas pragas pode causar à agricultura brasileira, todas as pessoas Não abandonar o cultivo, mesmo que haja alta concentração da moscabranca, já que o abandono pode ocasionar a infestação de cultivos próximos, aumentando os danos. Evitar plantios próximos a culturas já infestadas, a menos que a espécie cultivada não seja suscetível à moscabranca. Observar a direção mais comum dos ventos e evitar plantar em áreas sujeitas à infestação pelo vento. Não transitar com veículos, materiais, equipamentos e vestuário provenientes de áreas infestadas. Manter vigilância constante de suas culturas, se a mosca-branca já tiver sido constatada na sua região. Consultar imediatamente o Serviço de Extensão Rural, caso detectar a presença da mosca-branca em sua propriedade. Utilizar variedades de plantas mais resistentes, caso já estejam disponíveis no mercado Utilizar armadilhas adesivas amarelas para monitorar as populações de moscas-brancas, evitando usar óleo, graxa ou vaselina para colar os insetos, já que eles derretem facilmente com o calor. Utilizar detergentes neutros ou óleos na proporção de 1%, durante as pulverizações, para diminuir o número de ninfas nas folhas. Controle químico Existem vários grupos químicos, com diferentes princípios ativos, que podem Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 25 ser utilizados no controle da moscabranca. A escolha do inseticida adequado varia de acordo com a fase em que se encontra o inseto. Os reguladores de crescimento atingem apenas a fase de ninfa e não controlam adultos; enquanto que os de contato podem controlar os adultos e não causar efeitos nos ovos e na maioria das ninfas. É importante ainda alternar o uso de inseticidas com modos de ação diferentes, já que esse procedimento é fundamental para prevenir e evitar a formação de resistência e tolerância nos insetos. A pulverização nos períodos quentes do dia e nos momentos de vento forte deve ser evitada. Além disso, é importante certificar-se de que a folhagem tenha uma boa cobertura, já que a moscabranca, tanto na fase adulta como na de ninfa, permanece na região inferior da folha e em locais sombreados. Existem algumas regras básicas para a aplicação de produtos químicos no combate a pragas e que devem ser rigorosamente seguidas como, por exemplo, ler o rótulo e a bula do produto antes de utilizá-lo, verificando a toxicidade e o modo de usar. É importante ainda observar as recomendações para a aplicação, e não fumar, beber ou comer até que a vestimenta de proteção seja retirada e um banho de água fria tomado. Os produtos químicos nunca podem ser deixados próximos de alimentos ou vasilhames esquecidos no campo e também, na maioria dos casos, não devem ser pulverizados em períodos de grande incidência de abelhas, pois estas são importantes agentes polinizadores. Nunca é demais lembrar que os produtos químicos só devem ser aplicados com a utilização de equipamentos de proteção individual adequados e com o receituário agronômico. Além disso, só devem ser utilizados produtos devidamente registrados no Ministério da Agricultura e do Abastecimento para controle da mosca-branca. Controle biológico O controle biológico vem se mostrando, cada vez mais, uma alternativa eficaz e viável no controle de pragas e doenças da agricultura, sem agredir o meio ambiente. Esse método potencializa o efeito letal dos inimigos naturais sobre as pragas e doenças. O Baculovírus anticarsia, por exemplo, desenvolvido pelo Centro Nacional de Pesquisa de Soja, da Embrapa, para o controle da lagarta da soja já vem sendo usado no Brasil há mais de dez anos, com muito sucesso em quase todo o país. Um outro exemplo de um bioinseticida bem-sucedido é o que foi desenvolvido pelo Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e 26 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Biotecnologia - Cenargen, também da Embrapa, para controlar o mosquito urbano, à base da bactéria Bacillus sphaericus. Existem no Brasil e no mundo inúmeros outros exemplos de bioinseticidas que vêm sendo utilizados com êxito para controlar pragas e doenças da agricultura. No caso da mosca-branca, as pesquisas de controle biológico ainda estão na fase inicial em todo o mundo. No Brasil, o Cenargen está desenvolvendo, desde 1997, um projeto liderado pela pesquisadora Maria Regina Vilarinho de Oliveira, para controle biológico da mosca-branca, que consiste principalmente em identificar e avaliar os seus principais inimigos naturais. Esses estudos estão sendo realizados em parceria com instituições públicas e privadas e têm ainda como objetivo desenvolver análises epidemiológicas da mosca-branca como inseto-vetor e da dinâmica de populações desse inseto. É importante frisar que o controle biológico isoladamente não apresentará uma solução definitiva para o controle da mosca-branca. À semelhança de outras pragas, o desenvolvimento de métodos biológicos desempenha um papel importante no manejo integrado de pragas da agricultura. Além dos estudos que vem desenvolvendo no Cenargen, a pesquisadora Maria Regina Vilarinho tem realizado palestras, conferências e cursos sobre a mosca-branca em todo o país, com o objetivo de treinar técnicos da extensão rural e pesquisadores na identificação da praga e no seu controle. No momento, já são conhecidas algumas técnicas de controle biológico bastante simples e que podem ser facilmente seguidas pelos produtores rurais: Deixar uma planta infestada longe da cultura, sem pulverização de produtos químicos, para observação e coleta de inimigos naturais; Observar a coloração das ninfas e a existência de aberturas arredondadas em vez de T invertido nas pupas da moscabranca. Esse sinal indica a presença de inimigos naturais, que são muito importantes na diminuição da densidade populacional da praga. Portas abertas A ciência está bastante empenhada em controlar a mosca-branca. Mas isso só não basta. De acordo com a pesquisadora Maria Regina Vilarinho, essa praga é um exemplo marcante da necessidade de rever o sistema de defesa fitossanitária no Brasil. Ela enfatiza que as "portas" do país estão abertas para a entrada de outras pragas tão nocivas quanto esta, como a cochonilha rosada, o bicudo do caroço da manga, entre outras, que podem causar sérios prejuízos à agricultura brasileira. Regina destaca ainda a necessidade de se implementar, no Brasil, para um controle efetivo desta praga, os seguintes tipos de manejo: Manejo Integrado de Praga (MIP); Manejo Integrado de Culturas (MIC); Manejo Integrado de Áreas de Cultivo (MIAC) e Manejo de Resistência de Inseticidas (MRI). Este ano, o Brasil deve gastar mais de US$ 2 bilhões com defensivos agrícolas, que poderiam ser parcialmente economizados se o país investisse maciçamente em medidas de prevenção e quarentena para impedir a entrada de pragas. Maria Regina Vilarinho finaliza lembrando que somente a combinação de práticas culturais com o uso de barreiras fitossanitárias e a utilização racional de defensivos agrícolas é que tornará possível a diminuição da incidência da mosca-branca e de outras pragas no Brasil.