Neurociências
Revista
ISSN 0104-3579
Volume 15 Número 4
2007
Artigos
Antecedentes sócio-econômicos de pacientes neurológicos atendidos em
serviços privados e públicos em São Paulo
Influência do Shiatsu sobre a pressão arterial sistêmica
Teste da Ação da Extremidade Superior como medida de
comprometimento após AVC
Análise do equilíbrio em crianças com visão normal e com deficiência
visual congênita
Adequações posturais em cadeira de rodas — prevenção de deformidades
na paralisia cerebral
Desempenho funcional de crianças com Síndrome de Down e a qualidade
de vida de seus cuidadores
Efeitos da prática mental combinada à cinesioterapia em pacientes
pós-acidente vascular encefálico: uma revisão sistemática
Neuroinfecção por Naegleria Fowleri: aspectos clínico-terapêuticos,
epidemiológicos e ecológicos
Regulação neural do sistema cardiovascular: centros bulbares
A síndrome pós-pólio e o processo de reabilitação motora: relato de caso
Duas imagens distintas na ressonância magnética de crânio após
transplante autólogo de medula óssea – relato de caso
Síndrome de Guillain-Barré na infância: relato de caso
Notas Editoriais
Agradecimento aos Avaliadores
www.revistaneurociencias.com.br
UNITER-SONO
Distúrbios de Sono em Crianças, Adolescentes e Adultos
Neurologia e Psicologia
Equipe Clínica: Dr. Gilmar Fernandes do Prado; Dra. Lucila
B.F. Prado; Dr. Luis Fabiano Marin; Dr. William A.C. Santos;
Dra. Luciane B. Coin de Carvalho; Dr. Afonso Carlos Neves; Dr. João Eduardo C. Carvalho
Rua Cláudio Rossi, 394. São Paulo-SP. Fone/Fax: (11) 5081.6629
E-mail: [email protected]
Neuro-Sono
Setor da Disciplina de Neurologia da Unifesp
Laboratório de Sono Hospital São Paulo
Distúrbios de sono em crianças, adolescentes e adultos
Coordenador: Prof. Dr. Gilmar Fernandes do Prado
Equipe interdisciplinar: neurologia, pediatria, otorrinolaringologia, cardiologia, neuropediatria,
odontologia, psicologia, fonoaudiologia, nutrição, fisioterapia, educação física, terapia ocupacional.
Rua Napoleão de Barros, 737. São Paulo-SP. Fone: (11) 3487.9532
E-mail: [email protected]
Policlínica AMEGE Assistência Médica Geral
Medicina do Sono: Dr. Cesar O. de Oliveira, Dr. Edilson Zancanella
Rua dos Pintassilgos, 75. Vinhedo/SP, tel. (19) 3876-6465
OTOS – Centro Diagnóstico em Otorrinolaringologia
Rua Tuiuti, 521. Indaiatuba/SP, tel. (19) 3875-5599/(19) 3875-3793
www.otoscentro.com.br
REVISTA NEUROCIÊNCIAS
Editor Chefe / Editor in chief
Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD
Unifesp, SP
Editora Executiva / Executive Editor
Luciane Bizari Coin de Carvalho, PhD
Unifesp, SP
Editor Administrativo / Managing Editor
Marco Antonio Cardoso Machado, PhD
Unifesp, SP
Co-editor / Co-editor
José Osmar Cardeal, MD, PhD
Unifesp, SP
Editores Associados / Associated Editors
Alberto Alain Gabbai, MD, PhD, Unifesp, SP
Esper Abrão Cavalheiro, MD, PhD, Unifesp, SP
Sergio Cavalheiro, MD, PhD, Unifesp, SP
Indexações / Indexations
1. Latindex – Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América
Latina, el Caribe, España y Portugal, www.latindex.org, desde 2006.
2. Psicodoc, desde 2007.
Indexada noIndexada
Latindex
— Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Cientificas de
no Latindex — Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Cientificas
América Latina,
el Caribe,
España
y Portugal.
de América
Latina,
el Caribe,
España ywww.latindex.org
Portugal. www.latindex.org
Citação: RevCitação:
Neurocienc
Rev Neurocienc
Rev Neurocienc 2007;15/4
260
Data de efetiva circulação deste número / Actual date of circulation of the present number
Dezembro de 2007
Publicações da Revista Neurociências
1993, 1: 1 e 2
1994, 2: 1, 2 e 3
1995, 3: 1, 2 e 3
1996, 4: 1, 2 e 3
1997, 5: 1, 2 e 3
1998, 6: 1, 2 e 3
1999, 7: 1, 2 e 3
2000, 8: 1, 2 e 3
2001, 9: 1, 2 e 3
2002, 10: 1, 2 e 3
2003, 11: 1
2004, 12: 1, 2 , 3 e 4
2005, 13: 1, 2, 3, 4 e suplemento (versão eletrônica exclusiva)
2006, 14: 1, 2, 3, 4 e suplemento (versão eletrônica exclusiva)
2007, 15: 1, 2, 3 e 4
Revista Neurociências — vol 15, n.4 (2007) — São Paulo: Grámmata Publicações e Edições
Ltda, 2004–
Quadrimestral até 2003. Trimestral a partir de 2004.
ISSN 0104–3579
1. Neurociências;
261
Rev Neurocienc 2007;15/4
Editores Fundadores / Founder Editors
José Geraldo de Carmargo Lima, MD, PhD, Unifesp, SP
Editores Científicos / Scientific Editors
1993-1995: José Geraldo de Camargo Lima, MD, PhD, Unifesp, SP.
1996-1997: Luiz Augusto Franco de Andrade, MD, PhD, Unifesp, SP
e Dr. Eliova Zukerman, MD, PhD, Unifesp, SP
1998-2003: José Osmar Cardeal, MD, PhD, Unifesp, SP
2004- : Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD, Unifesp, SP
Assinaturas / Subscription
Revista trimestral, assinatura anual. Preços e informações disponíveis em http://www.revistaneurociencias.com.br
Fone/fax: (11) 3487-9532
Versão online dos artigos completos / Version of the complete articles
http://www.revistaneurociencias.com.br
Correspondências / Letters
Todas as correspondências devem ser encaminhadas ao Editor Chefe da Revista Neurociências A/C Gilmar Fernandes do
Prado – Rua Claudio Rossi 394, Jd. da Glória, São Paulo-SP, CEP 01547-000. Fone/fax: (11) 3487-9532
E-mail: [email protected]
http://www.revistaneurociencias.com.br
Tiragem / Circulation
3.000 exemplares
Editoração, Publicação / Editorial, Publication
Grámmata Publicações e Edições Ltda.
[email protected]
http://www.grammata.com.br
Jornalista Responsável / Journalist in Charge
Fausto Piedade, Mtb12.375
Entidade Mantenedora / Financial Support
Associação Neuro-Sono
Revisão técnica / Technical review
Revista Neurociências – Corpo Editorial
Apoio / Sponsorship
Associação Neuro-Sono, UNIFESP
A Revista Neurociências (ISSN 0104-3579) é um periódico com volumes anuais e números trimestrais, publicados em
março, junho, setembro e dezembro. É o Jornal Oficial do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP e
foi fundada em 1993 pelo Prof. Dr. José Geraldo de Camargo Lima; tem como Editor Chefe o Prof. Dr. Gilmar Fernandes
do Prado, desde 2004, e é administrada pela Associação Neuro-Sono. Publica artigos de interesse científico e tecnológico,
voltada à Neurologia e às ciências afins, realizados por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com
ênfase em temas de cunho prático, específicos ou interdisciplinares. Todos os artigos são revisados por pares (peer review) e
pelo Corpo Editorial. Os artigos aprovados são publicados na versão impressa em papel e na versão eletrônica. A linha
editorial da revista publica preferencialmente artigos de pesquisas originais (inclusive Revisões Sistemáticas), mas também
são aceitos para publicação artigos de Revisão de Literatura, Atualização, Relato de Caso, Resenha, Ensaio, Texto de
Opinião e Carta ao Editor, desde que aprovado pelo Corpo Editorial. Trabalhos apresentados em Congressos ou Reuniões
Científicas de áreas afins poderão constituir-se de anais em números ou suplementos especiais da Revista Neurociências.
Rev Neurocienc 2007;15/4
262
Editor Chefe / Editor in Chief
Gilmar F Prado, MD, PhD, Unifesp, SP
Editora Executiva / Executive Editor
Luciane BC Carvalho, PhD, Unifesp, SP
Editor Administrativo / Manager Editor
Marco AC Machado, SSD, PhD, Unifesp, SP
Co-Editor / Co-Editor
José O Cardeal, MD, PhD, Unifesp, SP
Editores Associados / Associate Editors
Alberto A Gabbai, MD, PhD,
Unifesp, SP
Esper A Cavalheiro, MD, PhD,
Unifesp, SP
Sergio Cavalheiro, MD, PhD,
Unifesp, SP
Corpo Editorial / Editorial Board
Desordens do Movimento / Movement
Disorders
Henrique B Ferraz, MD, PhD,
Unifesp, SP
Francisco Cardoso, MD, PhD,
UFMG, MG
Sônia MCA Silva, MD, PhD, HSPE, SP
Egberto R Barbosa, MD, PhD,
FMUSP, SP
Maria SG Rocha, MD, PhD, CSSM, SP
Vanderci Borges, MD, PhD,
Unifesp, SP
Roberto CP Prado, MD, PhD,
UFC-CE/ UFS-SE
Epilepsia / Epilepsy
Elza MT Yacubian, MD, PhD,
Unifesp, SP
Américo C Sakamoto, MD, PhD, Unifesp, SP
Carlos JR Campos, MD, PhD,
Unifesp, SP
Luiz OSF Caboclo, MD, PhD,
Unifesp, SP
Alexandre V Silva, MD, PhD,
Unifesp, SP
Margareth R Priel, MD, PhD, CUSC, Unifesp, SP
Henrique Carrete Jr, MD, PhD,
IAMSP, SP
Neurofisilogia / Neurophysiology
João AM Nóbrega, MD, PhD,
Unifesp, SP
Nádia IO Braga, MD, PhD, Unifesp, SP
José F Leopoldino, MD, UFS, SE
José MG Yacozzill, MD,
USP Ribeirão Preto, SP
Francisco JC Luccas, MD, HSC, SP
Gilberto M Manzano, MD, PhD, Unifesp, SP
Carmelinda C Campos, MD, PhD, Unifesp, SP
Reabilitação / Rehabilitation
Sissy V Fontes, PhD, UMESP, SP
Jefferson R Cardoso, PhD, UFPR, PR
Márcia CB Cunha, PhD, UNIB, SP
Ana LML Chiappetta, PhD, Unifesp, SP
Carla G Matas, PhD, USP, SP
Fátima A Shelton, MD, PhD, UOCH, USA
Luci F Teixeira-Salmela, PhD, UFMG, MG
Fátima VRP Goulart, PhD, UFMG, MG
Patricia Driusso, PhD, UFSCar, SP
Distúrbios do Sono / Sleep Disorders
Lucila BF Prado, MD, PhD, Unifesp, SP
Maria Ligia Juliano, SSD, Unifesp, SP
Flávio Aloe, MD, USP, SP
Stela Tavares, MD, HIAE, SP
Dalva Poyares MD, PhD, Unifesp, SP
Ademir B Silva, MD, PhD, Unifesp, SP
Alice H Masuko, MD, Unifesp, SP
Maria Carmen Viana, MD, PhD, EMESCAM, ES
Virna G Teixeira, MD, PhD, FMUSP, SP
Geraldo Rizzo, MD, HMV, RS
Rosana C Alves, MD, PhD, USP, SP
Robert Skomro, MD, FRPC, Canadá
Sílvio Francisco, MD, Unifesp, SP
Doenças Cerebrovasculares /
Cerebrovascular Disease
Ayrton Massaro, MD, PhD, Unifesp, SP
Aroldo Bacelar, MD, PhD, UFBA, BA
Alexandre Longo, MD, PhD,
UNIVILLE, SC
Carla HC Moro, MD, PhD, UNIVILLE, SC
Cesar Raffin, MD, PhD, UNESP, SP
Charles Andre, MD, PhD, UFRJ, RJ
Gabriel Freitas, MD, PhD, UFRJ, RJ
Jamary Oliveira Filho, MD, PhD,
UFBA, BA
Jefferson G Fernandes, MD, PhD, RS
Jorge AK Noujain, MD, PhD, RJ
Márcia M Fukujima, MD, PhD, Unifesp, SP
Mauricio Friedrish, MD, PhD, RS
Rubens J Gagliardi, MD, PhD, SP
Soraia RC Fabio, MD, PhD,
USP Ribeirão Preto, SP
Viviane HF Zétola, MD, PhD, UFPR, PR
Oncologia / Oncology
Suzana MF Mallheiros, MD, PhD,
Unifesp, SP
Carlos Carlotti Jr, MD, PhD, FMUSP, SP
Fernando AP Ferraz, MD, PhD, Unifesp, SP
Guilherme C Ribas, MD, PhD, Unicamp, SP
João N Stavale, MD, PhD, Unifesp, SP
Beatriz H Kyomoto, MD, PhD, Unifesp, SP
Célia H Tengan, MD, PhD, Unifesp, SP
Maria JS Fernandes, PhD, Unifesp, SP
Mariz Vainzof, PhD, USP, SP
Iscia L Cendes, PhD, Unicamp, SP
Débora A Scerni, PhD, Unifesp, SP
João P Leite, MD, PhD,
USP Ribeirão Preto, SP
Luiz EAM Mello, MD, PhD, Unifesp, SP
Líquidos Cerebroespinhal /
Cerebrospinal Fluid
João B Reis Filho, MD, PhD, FMUSP, SP
Leopoldo A Pires, MD, PhD, UFJF, MG
Sandro LA Matas, MD, PhD, UNIBAN, SP
José EP Silva, PhD, UF Santa Maria, RS
Ana Maria Souza, PhD,
USP Ribeirão Preto, SP
Neurologia do Comportamento /
Behavioral Neurology
Paulo HF Bertolucci, MD, PhD, Unifesp, SP
Ivan Okamoto, MD, PhD, Unifesp, SP
Thais Minetti, MD, PhD, Unifesp, SP
Rodrigo Schultz, MD, PhD, UNISA, SP
Sônia D Brucki, MD, PhD, FMUSP, SP
Neurocirurgia / Neurosurgery
Mirto N Prandini, MD, PhD, Unifesp, SP
Antonio PF Bonatelli, MD, PhD, Unifesp, SP
Oswaldo I Tella Júnior, MD, PhD,
Unifesp, SP
Orestes P Lanzoni, MD, Unifesp, SP
Ítalo C Suriano, MD, Unifesp, SP
Samuel T Zymberg, MD, Unifesp, SP
Neuroimunologia / Neuroimmunology
Enedina M Lobato, MD, PhD, Unifesp, SP
Nilton A Souza, MD, Unifesp, SP
Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas /
Pain, Headache, and Autonomic Function
Deusvenir S Carvalho, MD, PhD, Unifesp, SP
Angelo AV Paola, MD, PhD, Unifesp, SP
Fátima D Cintra, MD, Unifesp, SP
Paulo H Monzillo, MD, HSCM, SP
José C Marino, MD, Unifesp, SP
Marcelo K Hisatugo, MD, Unifesp, SP
Doenças Neuromusculares /
Neuromuscular disease
Acary SB Oliveira, MD, PhD, Unifesp, SP
Edimar Zanoteli, MD, PhD, Unifesp, SP
Helga CA Silva, MD, PhD, Unifesp, SP
Leandro C Calia, MD, PhD, Unifesp, SP
Luciana S Moura, MD, PhD, Unifesp, SP
Interdisciplinaridade e História da
Neurociência / Interdisciplinarity and
History of Neuroscience
Afonso C Neves, MD, PhD, Unifesp, SP
João EC Carvalho, PhD, UNIP, SP
Flávio RB Marques, MD, INCOR, SP
Vinícius F Blum, MD, Unifesp, SP
Rubens Baptista Jr, MD, UNICAMP, SP
Márcia RB Silva, PhD, Unifesp, SP
Eleida P Camargo, FOC, SP
Dante MC Gallian, PhD, Unifesp, SP
Laboratório e Neurociência Básica /
Laboratory and Basic Neuroscience
Maria GN Mazzacoratti, PhD, Unifesp, SP
Neuropediatria / Neuropediatrics
Luiz CP Vilanova, MD, PhD, Unifesp, SP
Marcelo Gomes, SP
Os pontos de vista, as visões e as opiniões políticas aqui emitidas, tanto pelos autores quanto pelos anunciantes, são de responsabilidade única e exclusiva de seus proponentes.
263
Rev Neurocienc 2007;15/4
índice
Revista Neurociências 2007
volume 15, número 4
editoriais
Desempenho funcional de crianças com Síndrome de Down e a qualidade de vida de seus cuidadores
Clarisse Potasz
265
Antecedentes sócio-econômicos de pacientes neurológicos atendidos em serviços privados e públicos em São Paulo
Jaime Seráfico de Carvalho
266
originais
Antecedentes sócio-econômicos de pacientes neurológicos atendidos em serviços privados e públicos em São Paulo
Socio-economic background requests of neurological patients cared in private and public services in Sao Paulo
Fernando Morgadinho Santos Coelho, Márcia Pradella-Hallinan, José Renato Monteiro de Oliveira, Paulo Corrêa Abud, Sérgio Tufik
267
Influência do Shiatsu sobre a pressão arterial sistêmica
Influence of the shiatsu on blood pressure
Caio Imaizumi,Teresa Cristina de Carvalho Silva, Adriana Domingues Anselmo, Andreia de Oliveira Joaquim, Carlos Mendes Tavares, Luiz Carlos de Abreu
271
Teste da Ação da Extremidade Superior como medida de comprometimento após AVC
Action Research Arm Test as a measure of impairment post stroke
Leonardo Petrus da Silva Paz, Guilherme Borges
277
Análise do equilíbrio em crianças com visão normal e com deficiência visual congênita
Analyzes of balance in children with normal vision and with congenital visual deficiency
Mariana de Oliveira Figueiredo, Cristina Iwabe
284
Adequações posturais em cadeira de rodas — prevenção de deformidades na paralisia cerebral
Postural adjustment in wheelchairs — deformities prevention in Cerebral Palsy
Moisés Veloso Fernandes, Antonio de Olival Fernandes, Renata Calhes Franco, Marina Ortega Golin, Lígia Abram dos Santos,
Chrystianne de Mello Setter, Julyana Mayara Biasi Tosta
292
Desempenho funcional de crianças com Síndrome de Down e a qualidade de vida de seus cuidadores
Functional performance of children with Down syndrome and the quality of life of their caregivers
Ana Carolina Pazin, Marielza R. Ismael Martins
297
Efeitos da prática mental combinada à cinesioterapia em pacientes pós-acidente vascular encefálico:
uma revisão sistemática
Effects of mental practice combined with kinesiotherapy in post stroke patients: a systematic review
Mariana Pacheco, Sergio Machado, José Eduardo Lattari, Cláudio Elidio Portella, Bruna Velasques, Julio Guilherme Silva, Victor Hugo Bastos, Pedro Ribeiro
304
revisões
Neuroinfecção por Naegleria Fowleri: aspectos clínico-terapêuticos, epidemiológicos e ecológicos
Neuroinfection by Naegleria Fowleri: clinical, therapeutical, epidemiological, and ecological aspects
Rodrigo Siqueira-Batista, Andréia Patrícia Gomes, David Oddó B, Luiz Eduardo de Oliveira Viana, Renata Cristina Teixeira Pinto,
Bernardo Drummond Braga, Giselle Rôças, Mauro Geller, Vanderson Esperidião Antonio
310
Regulação neural do sistema cardiovascular: centros bulbares
Neural regulation of cardiovascular system: brain stem areas
Vitor Engrácia Valenti, Mônica Akemi Sato, Celso Ferreira, Luiz Carlos de Abreu
317
relatos de caso
A síndrome pós-pólio e o processo de reabilitação motora: relato de caso
Post-polio symptoms and the motor rehabilitation process: case report
Marco Antonio Orsini Neves, Mariana Pimentel de Mello, Jhon Petter B Reis, Jardel Rocha, Alexandre Magno Rei, Reny de Souza Antonioli,
Osvaldo JM Nascimento, Marcos RG de Freitas
321
Duas imagens distintas na ressonância magnética de crânio após transplante autólogo de medula óssea – relato de caso
Two different images at magnetic resonance of brain after autologous bone marrow transplantation – case report
Patricia Imperatriz Porto Rondinelli,Carlos Alberto Martinez Osório
326
Síndrome de Guillain-Barré na infância: relato de caso
Guillain-Barré syndrome in childhood: case report
Marco Antonio Orsini Neves, Mariana Pimentel de Mello, Jhon Petter Botelho Reis, Reny de Souza Antonioli, Viviane Vieira dos Santos, Marcos RG de Freitas
329
Notas Editoriais
334
335
Agradecimento aos Avaliadores
Rev Neurocienc 2007;15/4
264
editorial
Desempenho funcional de crianças com
Síndrome de Down e a qualidade de vida
de seus cuidadores
Ana Carolina Pazin, Marielza RI Martins
Segundo a World Federation of Occupational Therapists (2004), a terapia ocupacional é a profissão que promove a saúde e o bem estar através da ocupação. Os terapeutas ocupacionais passam por longo processo educacional que os equipa com
habilidades e conhecimentos para trabalhar indivíduos ou grupos de pessoas. Esses indivíduos geralmente apresentam algum
impedimento da estrutura do corpo ou de seu funcionamento devido a uma condição de saúde, e de certa forma experimentam
barreiras para sua participação ativa na sociedade.
A terapia ocupacional pode interferir numa ampla faixa de ambientes, incluindo hospitais, centros de saúde, casas de pacientes, escolas,
instituições e asilos para idosos. Em qualquer um dos campos de atuação, há um envolvimento ativo dos pacientes nos processos terapêuticos.
Devido a essa ampla atuação dos terapeutas ocupacionais, a necessidade de ensaios clínicos e evidências1 para a tomada de
decisões mostra-se, hoje, um imperativo básico seguindo a tendência mundial das áreas da saúde.
A pesquisa, publicada neste número, “Desempenho funcional de crianças com Síndrome de Down e a Qualidade de Vida de
seus cuidadores” reforça e completa as idéias descritas acima. O estudo mostra a maior competência do terapeuta ocupacional, os seja,
avaliar e restaurar ou criar a FUNÇÃO. Comparando crianças portadoras de Síndrome de Down com controles normais, comprovamse dados da literatura sobre o desempenho dos portadores dessa síndrome. Mas neste caso, esse estudo vai muito além quando examina
a qualidade de vida dos cuidadores dessas crianças e associa esses resultados, de alguma forma, ao desempenho funcional das mesmas.
As autoras da pesquisa mostram verdadeiro conhecimento sobre a noção de função, que deveria ser adotada por todos os seus colegas
de profissão. Quando examinam os fracos resultados na qualidade de vida dos cuidadores, estão na realidade inferindo que essas pessoas
não estão “funcionando” direito. A pobreza dos contatos sociais e as necessidades de maiores envolvimentos mostram áreas que estão
funcionando de maneira inadequada e que, portanto, afetarão todo o entorno, incluindo a criança que recebe seus cuidados.
A literatura internacional está repleta de dados que reforçam a necessidade de estimulação adequada do meio ambiente para
um melhor desenvolvimento das crianças portadoras de deficiências, como bem lembram as autoras. O cuidador é o primeiro e mais
importante contato dessa criança com o mundo. É através dele que ela conhecerá e reconhecerá novas experiências aumentando e
melhorando suas capacidades funcionais2,3. Se esse cuidador não está funcionando na sua melhor forma, então esses contatos, essa estimulação tão necessária para a superação de dificuldades já estará a priori comprometida.
A terapia ocupacional pode ser considerada uma profissão flexível o suficiente para trabalhar em diferentes culturas,
épocas, ambientes de cuidados de saúde e seguir diferentes filosofias quanto à natureza do ser humano 4. Essa adaptabilidade
permite que os profissionais adotem diversos modelos e múltiplas referências para guiar a terapêutica ocupacional pelas diferentes populações, em diferentes cenários. No entanto, o fator comum é a síntese das formas ocupacionais destinadas a facilitar um
desempenho ocupacional significativo.
O artigo aqui publicado abraça os conceitos descritos acima e lembra aos colegas profissionais a importância de manter um
olhar holístico sobre aquele indivíduo que tratamos. Observar e considerar o paciente como um “todo” não significa avaliar apenas
sua motricidade ou atuação nesta ou naquela área. Tratar o paciente de maneira completa envolve avaliar o ambiente no qual ele está
inserido, tanto físico como psicossocial. Avaliar o cuidador e considerá-lo também para tratamento, melhorando sua função, facilitará
o desempenho do paciente. Isso auxiliará os terapeutas ocupacionais e demais profissionais da equipe de tratamento a obterem êxito,
conduzindo de maneira mais eficiente aquele indivíduo portador de deficiência a um nível mais alto e eficaz de independência.
Referências Bibliográficas
1. Dysart AM, Tomlin GS. Factors related to evidence-based practice among U.S. occupational therapy clinicians. Am J Occup Ther
2002;56(3):275-84.
2. Raina P, O’Donnell M, Rosenbaum P, Brehaut J, Walter SD, Russell
D, et al. The health and well-being of caregivers of children with cerebral palsy. Pediatrics 2005;115:626-36.
3. Schor EL. Family pediatrics: report of the Task Force on the Family.
Pediatrics 2003;11(6Pt2):1541-71.
4. Nelson DL. Why the profession of occupational therapy will flourish in the 21st century. The 1996 Eleanor Clarke Slagle Lecture. Am J
Occup Ther 1997;51(1):11-24.
265
Clarisse Potasz
Doutoranda do Setor Neuro-Sono das Disciplinas de Neurologia e
Medicina de Urgências e Baseada em Evidências da UNIFESP e
Terapeuta Ocupacional do Hospital Cândido Fontoura.
Rev Neurocienc 2007;15/4: 265
editorial
Antecedentes sócio-econômicos de
pacientes neurológicos atendidos em
serviços privados e públicos em São Paulo
Fernando MS Coelho, Márcia Pradella-Hallinan, José RM Oliveira, Paulo C
Abud, Sérgio Tufik
O exercício da Medicina no Brasil, aí incluído o da Neurologia, sofre grande influência dos processos pelos quais são obtidos
meios de diagnóstico e tratamento, segundo a origem do paciente e seu meio provedor. Nem sempre é fácil alcançar a resolução de boa
parte dos problemas de saúde dos que demandam a especialidade, que, por si só, representa árdua tarefa, vistos os complexos e muitos
ainda pouco explicados mecanismos neurais do corpo humano, especialmente quando perturbados pelos mais diversos processos mórbidos. Prover condições para restaurar — ou a tentativa de — a saúde demanda recursos financeiros e de assistência social que, na maioria
das vezes, passa ao largo da possibilidade da maioria dos brasileiros. São do conhecimento da maioria as desigualdades que corroem as
relações entre os habitantes de nosso país. Em todos os âmbitos, sociais, econômicos, culturais etc., uma observação mesmo superficial
mostra-nos que as oportunidades que uns se dão ao luxo de desprezar, para outros se mostram inatingíveis de todo.
Essa desigualdade encontra sua face mais cruel quando mostrada no espelho da necessidade de se buscar assistência médica,
quando vemos a saúde ameaçada. Enquanto uma parte dos pacientes, melhor aquinhoados, tem os processos de diagnóstico e tratamento relativamente facilitados — ainda mais quando ajudados por possível conhecimento pessoal dos que detêm o poder de decisão ao se
utilizarem dos serviços dos diversos Planos de Saúde privados existentes em nosso País — a grande maioria, desprovida de recursos e
de oportunidades, tem como única opção recorrer aos serviços da rede pública, providos pelo SUS. E aí é que as dificuldades, de todos
conhecidas, para a obtenção de meios, às vezes os mais simples, para o diagnóstico e tratamento mostram-se presentes, entravando,
quando não impedindo, o processo de cura ou alívio.
E é uma pequena amostra dessas diferenças que vemos relatada no trabalho de Coelho e colaboradores. Com muita propriedade e metodologia simples, os autores demonstram as diferenças que encontramos entre os pacientes atendidos num e noutro âmbito, o
que, de resto, representa bem o que ocorre em todos os quadrantes do Brasil. É sabido que quanto mais precárias as condições de parto,
mais prevalente é a epilepsia; nos países em desenvolvimento, como o Brasil, estima-se que atinge cerca de 2%. Como ficou patente no
trabalho dos autores da Unifesp, exatamente entre a clientela do SUS essa síndrome foi mais freqüente, refletindo condições sócio-econômicas, provavelmente. Para piorar a situação, além das crises, o preconceito, um dos males maiores que enfrentam esses pacientes,
leva-os à perda de emprego, de condição social e de oportunidades que acabam por lhes empurrar a buscar auxílio no benefício ±
parco, diga-se — que a Previdência Social, muito difícil e burocratizadamente oferece. Muitas vezes, pacientes que apresentam crises
raras que, por si só, em nada reduzem suas funções cognitivas ou sua capacidade laboral, acabam, vítimas do preconceito, relegadas ao
abandono e à discriminação, não encontrando alternativa a não ser buscar no auxílio-doença sua única fonte de renda para garantir-lhe
subsistência.
Certamente, as diferenças não se esgotam nos itens investigados pelos autores. Mas estes abrem um campo extenso a ser explorado.
Esta realidade brasileira precisa ser modificada. Isto envolve trabalho coletivo dos profissionais da Medicina, Assistência Social,
Enfermagem, enfim, de todos os que diariamente lidam com as agruras por que passam os necessitados da atenção médica no Brasil.
O grande mérito do trabalho de Coelho e colaboradores é trazer à baila o tema que, se bem aproveitado, até mais detalhado,
em futuras publicações, poderá redundar no desenho de uma rotina de atendimento mais adequada e satisfatória para cada um que a
ele tiver de recorrer. No que tange à Neurologia, o apoio à implantação de programas específicos, multiprofissionais, para o atendimento
de portadores de epilepsia, por exemplo, em serviços públicos, pelo menos nas grandes cidades, seria uma grande conquista, merecedora
de nosso incentivo.
Jaime Seráfico de Carvalho
Mestre em Neurologia pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP)
Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia
Prof. Assistente de Neurologia da Universidade do Estado do Pará (UEPA)
Belém-Pará
Rev Neurocienc 2007;15/4: 266
266
original
Antecedentes sócio-econômicos de
pacientes neurológicos atendidos em
serviços privados e públicos em São Paulo
Socio-economic background requests of neurological patients cared in private and public
services in Sao Paulo
Fernando Morgadinho Santos Coelho1, Márcia Pradella-Hallinan2, José
Renato Monteiro de Oliveira1, Paulo Corrêa Abud3, Sérgio Tufik4
RESUMO
SUMMARY
Introdução. Este artigo traz uma análise do perfil sócio-econômico, tipos de doenças e número de solicitações de benefício entre
pacientes atendidos em ambulatório de neurologia geral do sistema privado de saúde (convênio) e de ambulatório de neurologia do
Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de São Paulo. Método.
Estudo transversal com 149 pacientes atendidos no ambulatório de
neurologia geral de convênio e 140 pacientes no ambulatório de
neurologia do Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de São
Paulo, que preencheram um questionário sobre salário e número de
pessoas que moravam em casa. O médico incluiu dados relacionados ao diagnóstico, relatórios periciais e intervenções medicamentosas prescritas a cada paciente. Resultados. Como esperado, os
pacientes atendidos em convênio possuem uma renda maior que os
pacientes atendidos no SUS (p < 0,00001). Os pacientes atendidos
no SUS apresentaram maior prevalência de epilepsia (p < 0,00001)
e também solicitam um número maior de laudos para benefícios (p
= 0,002). Conclusão. Neste estudo preliminar, as duas amostras
estudadas diferiram quanto à prevalência de epilepsia e necessidade
de laudo técnico para benefício previdenciário, sugerindo que os 2
grupos apresentam doenças e necessidades diferentes, justificandose futuros estudos para facilitar o entendimento e ações específicos
de saúde às duas populações.
Introduction. This article aims to offer an analysis of socio-economic backgrounds, diseases type, and number of illness-related benefit requests of neurological patients cared
in private and public (Serviço Único de Saúde — SUS) services in Sao Paulo. Methods. This is a cross sectional study
enrolling 149 neurological patients from a private service
and 140 neurological patients from SUS in Sao Paulo, SP,
Brazil. All patients answered a questionnaire about family
income and number of people in the household. Attending
physicians informed the diagnosis, medical reports, and prescribed medications for each patient. Results. As expected
patients from the private service had a greater income than
those from SUS (p < 0.00001). Epilepsy was more prevalent
in SUS patients (p < 0.00001) and demanded more medical
reports for social assistance (p < 0.002). Conclusion. This
preliminary study showed differences associated to epilepsy
prevalence and medical report requirements between the
two groups, suggesting that these two groups have different
diseases and demands, which grants future studies to understand and to direct specific health care actions to those
populations.
Unitermos: Saúde Pública. Neurologia. Epilepsia.
Keywords: Public Health. Neurology. Epilepsy.
Citação: Coelho FMS, Pradella-Hallinan M, Oliveira JRM, Abud
PC, Tufik S. Antecedentes sócio-econômicos de pacientes neurológicos atendidos em serviços privados e públicos em São Paulo.
Citation: Coelho FMS, Pradella-Hallinan M, Oliveira JRM, Abud
PC, Tufik S. Socio-economic background requests of neurological
patients cared in private and public services in Sao Paulo.
Trabalho realizado na UNIFESP.
1. Neurologista. Mestrado pela Disciplina do Sono, UNIFESP.
2. Neurologista. Doutorado. Coordenadora do ambulatório de Hipersonolência, UNIFESP
3. Cardiologista, UNIFESP
4. Médico. Doutorado, Professor responsável pela Disciplina de Medicina do Sono e Biologia, UNIFESP.
267
Endereço para correspondência:
Fernando Morgadinho Santos Coelho
Rua Xavier Curado, 351/204
04210-100 São Paulo, SP
Email: [email protected]
Recebido em: 16/10/2006
Revisão: 17/10/2006 a 18/12/2007
Aceito em: 19/12/2007
Conflito de interesses: não
Rev Neurocienc 2007;15/4:267–270
original
INTRODUÇÃO
As populações atendidas em serviços públicos
de saúde e em serviços de convênio aparentemente
possuem características distintas. Diferenças sócioeconômicas e culturais refletem peculiaridades nas
queixas e nas patologias clínicas atendidas. Facilidade de exames complementares, bem como maiores
facilidades de acesso aos melhores tratamentos são
características de pacientes atendidos em convênios
que não se repetem no serviço público de saúde.
As exigências do atendimento neurológico são
diferentes entre serviço de convênio e atendimento
do Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto os pacientes de convênio procuram o neurologista para
resolução de problemas de saúde onde se encontra
implícito um processo (mesmo que complexo), os
pacientes do SUS, além do atendimento médico, necessitam aguardar e mesmo competir dentro de uma
demanda de exames muitas vezes de difícil e demorada realização, além de terem acesso somente a medicamentos por processos constantes e trabalhosos.
Muitas doenças neurológicas levam à invalidez temporária ou permanente. O neurologista
tem a função de avaliar o estado de saúde geral do
paciente e a evolução de sua doença. Depende da
avaliação do neurologista e do perito, o afastamento
profissional de seus pacientes, bem como a possibilidade de retorno ao trabalho junto ao INSS através
de laudos freqüentes e perícias constantes1.
Em populações atendidas em convênios e SUS,
a necessidade de laudos e perícias é comum, porém
se existem diferenças quanto ao número de pedidos e
doenças implicadas, as mesmas não foram estudadas.
O objetivo deste trabalho foi estudar as diferenças entre o perfil de populações atendidas em ambulatório de neurologia Geral em convênio e SUS,
assim como comparar a necessidade de laudos médicos e visitas às perícias do INSS.
MÉTODO
Foram estudados 149 pacientes atendidos no
Centro Médico Alvorada pelo convênio Medial Saúde em São Miguel Paulista (SP) e 140 pacientes atendidos pelo SUS no Hospital Estadual de Diadema,
em Diadema, SP.
Os dados foram coletados em consultas do período de abril de 2003 até fevereiro de 2005. Os dados sobre doenças neurológicas, sexo, idade, número
de dependentes, números de laudos para perícia e
renda foram tabulados e o rendimento, equiparado
pelo salário mínimo vigente no período.
Rev Neurocienc 2007;15/4:267–270
Os pacientes que não concordaram em participar do estudo, que não souberam algum dos dados
perguntados ou que não possuíam diagnóstico definido não foram incluídos no estudo.
Análise estatística
Para verificação da distribuição das variáveis,
foi usado o teste de Kolgomorov-Smirnof, com valores apresentados em média e desvio-padrão. Foi
utilizado o teste do Qui-Quadrado para verificar diferença entre os grupos de pacientes atendidos no
convênio e no SUS quanto à idade, sexo e doenças
neurológicas. Quando necessário, utilizou-se o teste
de Fisher. Para comparação dos resultados de renda e do número de dependentes entre os grupos, foi
empregado o teste t de Student para amostras independentes. Significância estatística foi atribuída a p
< 0,05. Foi usado programa estatístico “Statistica”,
Stafsoft 1984–1997.
RESULTADOS
Os dois grupos foram semelhantes quanto à
idade (tabela 1), porém diferiram quanto ao sexo,
com um predomínio do sexo masculino no grupo de
pacientes atendidos no SUS (62 SUS; 27 convênio;
p = 0,002).
Os pacientes atendidos no convênio, como
esperado, possuíam uma renda maior do que aqueles atendidos no SUS (R$ 1.594,00 ± 1.122,96; R$
924,00 ± 961,25; p < 0,00001). Não foi notada diferença na quantidade de dependentes entre os pacientes atendidos no convênio e os pacientes atendidos no SUS (3,72 ± 1,68; 3,78 ± 1,88; p = 0,77).
Houve uma maior prevalência de pacientes
com epilepsia em pacientes atendidos no SUS quando comparados com os pacientes atendidos no convênio (18 convênio; 35 SUS; p < 0,001). Não houve diferença nas demais doenças atendidas nos dois
grupos (tabela 2).
Os pacientes atendidos no SUS necessitaram
de um maior número de laudos (figura 1) para perícia quando comparados com o grupo de pacientes
atendidos no convênio (62 x 20; p = 0,002).
Tabela 1. Dados demográficos de pacientes atendidos.
Convênio
SUS
p
38,66 ± 15,29
38,95 ± 15,52
0,77
M
27
62
F
123
79
Idade
Sexo
0,002
268
original
DISCUSSÃO
Os dois grupos diferiram em relação ao gênero, havendo um maior número de pessoas do sexo
masculino utilizando o serviço de neurologia do SUS.
A dificuldade de acesso aos empregos (mercado de
trabalho) por problemas de saúde pode explicar esse
predomínio de atendimento do sexo masculino no
SUS2,3. Portadores de doenças neurológicas, dentre
outras, muitas vezes são impossibilitados de acessar o
mercado formal de trabalho com conseqüente piora
das condições de vida e conseqüente piora da doença. Os pacientes atendidos no convênio estão na sua
maioria empregados e teoricamente saudáveis, o que
poderia explicar uma menor necessidade de atendimento neurológico no grupo de pacientes atendidos
no convênio. Ou seja, pacientes com doenças neurológicas ficam fora do mercado de trabalho e portanto
sem os benefícios de atendimento médico em serviços privados, impondo-lhes a necessidade de procurar atendimento no SUS. Não foi possível avaliar a
quantidade de exames complementares nos dois sistemas de saúde, o que pode interferir no diagnóstico
da doença e seu tratamento, fazendo com que os pacientes do SUS permaneçam nos ambulatórios.
Os dois grupos diferem sócio-economicamente, o que foi verificado pela diferença da renda. A
população atendida no SUS se caracteriza por exclusão de empregos em mercados informais ou por
diminuição do poder aquisitivo com impossibilidade
Tabela 2. Diagnósticos de pacientes atendidos por convênio e SUS.
Diagnósticos
Convênio
SUS
Cefaléias
69
46
Epilepsia
18
35*
Lombalgia Cervicalgia
11
10
Doenças vasculares encefálicas
9
13
Depressão
11
4
Encefalopatia não evolutiva
2
6
Malformação arterio-venosa
1
1
Fibromialgia
7
4
Síndrome do túnel do carpo
3
3
Polineuropatias
2
3
Parkinson
6
9
Alzheimer
1
2
Hidrocefalia
1
0
Tontura
5
0
Tremor essencial
2
1
Paralisia facial
0
2
1
6
Traumatismo cranianno
* p < 0,05
269
140
120
100
80
Sem benefícios
60
Com benefícios
40
20
0
Convênio
SUS
Figura 1. Necessidade de laudos para pedidos de benefícios em atendimentos neurológicos.
* p < 0,0001
de acesso aos planos de saúde, principalmente em
casos de dependentes idosos. Não foi possível avaliar a escolaridade dos pacientes e, portanto, não há
condições de se avaliar a influência da mesma sobre
a renda dos pacientes. Entretanto já se sabe que a
renda está inversamente relacionada ao nível de escolaridade na maioria da população.
O maior número de pacientes com epilepsia
em pacientes atendidos no SUS pode representar
uma dificuldade de acesso ao mercado de trabalho
pelo não controle da doença, preconceito ou ambos.
Não foi possível avaliar, neste estudo, se o tempo
de doença e o controle da epilepsia tiveram algum
papel nessa diferença, porém pacientes epilépticos,
como já referido, tendem a não estar empregados e,
por se tratar de doença crônica, permanecerão desempregados por muito tempo, engrossando as filas
dos serviços do SUS.
Estudos em nosso meio evidenciam uma diminuição da produtividade de pacientes epilépticos com
migração para aposentadoria4,5. Outra explicação
pode ser dada por motivos de preconceito ou aspecto
cultural, quando familiares e o próprio paciente optam pelo afastamento4,5. Com a diminuição da produtividade e conseqüente perda de poder aquisitivo,
o paciente com epilepsia fica restrito ao atendimento
do SUS. Além disso, muitos epilépticos não controlam
suas crises por falta do uso correto dos medicamentos,
seja por dificuldade do acesso aos processos da Secretaria de Saúde, por efeitos colaterais, desinformação
ou preconceito. Conseqüentemente, os pacientes acabam com um controle inadequado, gerando maior
número de crises, perpetuando o afastamento do trabalho1 e mais uma vez aumentando o contingente de
pessoas no serviço público.
Rev Neurocienc 2007;15/4:267–270
original
Por fim, uma maior necessidade de laudos e
visitas aos peritos do INSS para benefícios de pacientes atendidos no SUS foi demonstrada. Esse achado
sugere que parte dessa população possa se beneficiar
da sua doença neurológica para conseguir ou perpetuar benefícios3. Atualmente, pacientes com doenças neurológicas como epilepsia são responsáveis
por garantir o sustento de famílias inteiras de maneira precária por meio de benefícios. Outras vezes,
o paciente mantém-se recebendo benefício e, portanto, afastado de suas atividades no emprego, mas
realiza atividades laborais informais para aumentar
sua renda. Este modelo, a morosidade e os parcos
recursos do SUS, principalmente no que se referem
aos complexos procedimentos diagnósticos e terapêuticos neurológicos, e também a falta de neurologistas com adequado treinamento, os baixos salários
de profissionais especializados, tudo contribui para
a cronificação de pacientes no SUS, principalmente
dos epilépticos.
A estrutura da família não foi diferente nos 2
grupos, sendo, por exemplo, igual o número de dependentes. A renda familiar variou muito, havendo
pacientes no grupo convênio com renda semelhante
àqueles do SUS, o que se explica pelo modo como os
pacientes são beneficiados, o qual é dependente apenas do fato de o indivíduo encontrar-se trabalhando
em uma empresa que oferece o benefício de atendimento médico, e isto independe do salário, o qual
é semelhante aos pacientes do SUS para as funções
laborais menos qualificadas.
Em relação à renda ainda, quando verificamos
o extremo superior do ganho total familiar, detectamos uma diferença muito grande, sendo o maior
montante do grupo convênio praticamente o dobro
Rev Neurocienc 2007;15/4:267–270
do montante recebido pelo grupo SUS. Este aspecto
reflete uma importante diferença entre os dois grupos, a qual não pode ser explicada pela queda de
renda imposta pela doença neurológica, mas pelo
profundo hiato que separa aqueles que têm acesso
ao atendimento no convênio daqueles que são atendidos pelo SUS6.
Concluímos que os pacientes atendidos em
ambulatório neurológico do SUS são predominantemente do sexo masculino, possuem menor renda familiar, igual número de dependentes, epilepsia como
doença mais freqüente e maior número de laudos
para perícia. Uma maior atenção precisa ser dada
aos pacientes neurológicos do SUS para melhorar a
integração social. Pacientes epilépticos e portadores
de doenças neurológicas necessitam de acompanhamento multidisciplinar para que o neurologista que
atende em serviços públicos possa desenvolver seu
trabalho visando recapacitar o paciente para o mercado de trabalho, através de melhores condições de
tratamento e acompanhamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Borges MA, Pissolatti AF. Migration in different sorts of work,
unemployment and retirement of 81 epileptic patients. 3 years of ambulatory follow-up. Arq Neuropsiquiatr 2000;58(1):107-11.
2. Cooper M. Epilepsy and employment—employers’ attitudes. Seizure 1995;4(3):193-9.
3. Lennox MA, Mohr J. Social and work adjustment in patients with
epilepsy. Am J Psychiatry 1951;107:257-63.
4. Udel M. The work performance of epileptics in industry. Arch Environm Health 1960;1:91-8.
5. Jacoby A. Impact of epilepsy on employment status: findings
from a UK study of people with well-controlled epilepsy. Epilep Res
1995;21:125-32.
6. Havashi AML, Nogueira VO. Escolha dos métodos contraceptivos
de um grupo de planejamento familiar numa UBS de Guarulhos. Saúde
Coletiva 2007;4(16):120-3.
270
original
Influência do Shiatsu sobre a pressão
arterial sistêmica
Influence of the shiatsu on blood pressure
Caio Imaizumi1,Teresa Cristina de Carvalho Silva2, Adriana Domingues Anselmo2,
Andreia de Oliveira Joaquim3, Carlos Mendes Tavares4, Luiz Carlos de Abreu5
RESUMO
SUMMARY
Introdução. Shiatsu é pressão com os dedos aplicados em pontos reflexos. O objetivo é verificar a influência do Shiatsu sobre a
pressão arterial sistêmica. Método. A população é constituída por
amostra de conveniência, com sete indivíduos de ambos os sexos,
idade entre 18 a 40 anos, sem histórico de variação de pressão arterial. A pressão arterial foi aferida em seis momentos, sendo três
antes e três após a aplicação do Shiatsu. Resultado. Houve variação da pressão arterial na 1a mensuração (p < 0,05), sendo que
nos demais momentos de mensuração não ocorreram mudanças na
pressão arterial. Conclusão. A terapêutica com Shiatsu produziu
alterações na primeira mensuração da pressão arterial.
Introduction. Shiatsu is pressure applied with the fingers on
reflex points. The objective is to verify the influence of the Shiatsu on blood pressure. Method. The population was composed
by seven subjects of both genders, aged between 18 and 40 years
old, without historic of significative blood pressure variation.
The blood pressure was measured at six moments, three before
and three after Shiatsu. Results. Blood pressure at first mensuration had variation (p < 0.05), however, on other moments
of measure there were no changes on blood pressure. Conclusion. Shiatsu produced alterations at the first mensuration of
blood pressure.
Unitermos: Acupressão. Massagem. Determinação da
Pressão Arterial.
Keywords: Acupressure. Massage. Blood Pressure Determination.
Citação: Imaizumi C, Silva TCC, Anselmo AD, Joaquim AO,
Tavares CM, Abreu LC. Influência do Shiatsu sobre a pressão
arterial sistêmica.
Citation: Imaizumi C, Silva TCC, Anselmo AD, Joaquim AO,
Tavares CM, Abreu LC. Influence of the shiatsu on blood pressure.
Trabalho realizado na Universidade Paulista.
1. Fisioterapeuta, Acupunturista, Escola de Terapias Orientais de São
Paulo - ETOSP, especialista em Fisiologia Humana pela Faculdade de
Medicina do ABC – FMABC.
2. Fisioterapeutas graduadas na Universidade Paulista – UNIP.
3. Supervisora do estágio de hidroterapia e professora do curso de fisioterapia da Universidade Paulista - UNIP, Especialista em Disfunção Músculo Esquelética pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP.
4. Estatístico, doutorando do Departamento de Saúde Materno Infantil
– Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP/USP.
5. Coordenador do Curso de Especialização em Fisiologia Humana.
Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina do ABC.
271
Endereço para correspondência:
Caio Imaizumi
ETOSP – Escola de Terapias Orientais de São Paulo
Av. Liberdade 113, 1º e 2º andares
01503-000 São Paulo, SP
E-mail: [email protected]
Recebido em: 4/12/2006
Revisão: 5/12/2006 a 8/4/2007
Aceito em: 9/4/2007
Conflito de interesses: não
Rev Neurocienc 2007;15/4:271–276
original
INTRODUÇÃO
Shiatsu é pressão com os dedos, e foi criado
no século XX, no Japão e, por seus resultados, tornou-se cada vez mais popular em sua terra natal,
ultrapassando fronteiras e chegando ao ocidente1,2.
Existem dois métodos distintos de Shiatsu: o desenvolvido por Tokujiro Namikoshi, que é a aplicação
da pressão em determinados pontos reflexos relacionados com o sistema nervoso central e sistema nervoso autônomo3-5, e o criado por Shizuto Masunaga,
que preconiza o uso da teoria dos cinco elementos da
medicina tradicional chinesa, relacionando-a com a
teoria utilizada na acupuntura4.
O sistema nervoso autônomo influi na pressão
arterial (PA), que é determinada diretamente por dois
fatores físicos principais, o volume arterial e a complacência arterial, e esses fatores físicos são afetados por
fatores fisiológicos como a freqüência cardíaca, débito
sistólico, débito cardíaco e a resistência periférica6,7.
Estudos recentes demonstram a eficácia da
acupressão e acupuntura na diminuição da PA8, o
Yoga, para a recuperação da hemodinâmica devido
ao stress mental9 e a massoterapia diminui a pressão
arterial, freqüência cardíaca e o estado de ansiedade10. O objetivo é verificar a influência do Shiatsu
sobre a pressão arterial sistêmica.
MÉTODO
População
Constitui-se uma amostra de conveniência,
por sete indivíduos de ambos os sexos, com idades
entre 18 e 40 anos, sem histórico de variação de
pressão arterial. Estudo do tipo série de casos, em
indivíduos escolhidos aleatoriamente. Este procedimento foi realizado a partir de uma lista prévia dos
freqüentadores do ambiente de uma Clínica-Escola
para a prática de ensino supervisionado em fisioterapia, em Instituição de Ensino Superior da Cidade
de São Paulo e que por ali permaneceriam por pelo
menos dois meses consecutivos. Foram selecionados
15 indivíduos; sete indivíduos foram selecionados
para compor efetivamente o grupo de estudo por se
adequarem ao período de intervenção terapêutica
dentro do horário proposto pelo pesquisador.
Os critérios de inclusão na pesquisa foram:
normotensos, idade entre 18 e 40 anos, sem história
prévia de doenças crônicas, que permaneceram por
um período de dois meses consecutivos na clínicaescola e que assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido.
Rev Neurocienc 2007;15/4:271–276
Os critérios de exclusão do estudo foram: hipertensos, hipotensos, idade menor que 18 anos e
maior que 40 anos, indivíduos com histórico de doenças crônicas, aqueles que não atendiam ao critério
tempo disponível para as sessões clínicas de massoterapia e os que não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Variáveis estudadas e critérios de medidas
Normotensão11: é a pressão arterial (PA) normal fisiológica. Consideramos indivíduo normotenso aquele
que apresenta PA > 140/90 mmHg em consultório.
Hipertensão11: é a elevação da PA acima dos níveis normais e que levam a uma série de conseqüências como aumento dos riscos de doenças cardiovasculares. Consideramos indivíduo hipertenso aquele
que apresenta PA ≥ 140/90 mmHg em consultório.
Hipotensão12: Consideramos hipotensão quando encontramos pressão arterial sistólica (PAS) < 90
mmHg, pressão arterial média (PAM) < 60 mmHg ou
queda maior que 40 mmHg na PAS, associada a sinais
e sintomas de inadequação da perfusão tecidual.
Pressão arterial média6 (PAM): é definida como a
média das PAS e PAD em relação ao tempo e pode
ser estimada de um registro da pressão sanguínea
arterial medindo-se a área sob a curva da pressão
e dividindo-se essa área pelo intervalo de tempo. Alternativamente pode-se utilizar a fórmula descrita
abaixo conseguindo uma aproximação satisfatória
desse dado: PAM = PAD + (PAS – PAD) / 3.
Pressão Arterial (PA)
A PA foi aferida sempre pelo mesmo pesquisador, em seis momentos diferentes, sendo que três
aferições foram feitas antes das sessões clínicas de
massoterapia (SCM) do tipo Shiatsu e três mensurações após as SCM. O tempo da SCM foi de 20
minutos. Os posicionamentos das mensurações da
PA foram os seguintes: ortostatismo, sedestação e decúbito dorsal. Procedeu-se da seguinte maneira: ao
chegar para a SCM, o indivíduo permanecia de pé
por 5 minutos. Após esse período foi aferido a PA. O
indivíduo mudava de posição, de ortostastismo para
sedestação. Assim permaneceu por 5 minutos, sendo
aferida sua PA. A seguir, passou para a posição de
decúbito dorsal (DD), ficando nesta por 5 minutos.
Após, procedeu-se à aferição da PA. Essa fase foi
chamada de pré-monitorização. Realizou-se o procedimento de SCM na região dorsal por 20 minutos
ininterruptos. A seguir, imediatamente aferiu-se a
PA nessa posição. O indivíduo passou para a posição
272
original
de sedestação e assim permaneceu por 5 minutos.
Procedeu-se a aferição da PA. Novamente, o indivíduo mudou de posicionamento, passando para o
ortostatismo, assim permanecendo por 5 minutos.
Procedeu-se a aferição da PA. Esses procedimentos
pós-SCM foram nominados de pós-monitorização.
Para aferir a PA, foi utilizado um esfigmomanômetro de marca Tycos Welch Allyn, que foi previamente
calibrado. A ausculta dos sons de Korotkoff6 foi realizada com o auxílio estetoscópio de marca Littmann, que
foi colocado sobre a pele no espaço antecubital, sobre a
artéria braquial. O esfigmomanômetro foi insuflado até
que a ponteiro do manômetro superasse a indicação de
180 mmHg, para a aferição da pressão arterial sistólica.
Essa variável foi mensurada com a técnica de palpação
da artéria radial até total atenuação do pico de onda
propagada, sempre com o mesmo pesquisador. Padronizou-se, nessa técnica, que na desinsuflação do manguito, ao som de Korotkoff6 se definiu o limite superior
da variação pressórica aferida e ao desaparecimento
(atenuação da onda sonora) dos sons de Korotkoff6, foi
definida a pressão diastólica.
Procedimento
Shiatsu
A aplicação da massagem Shiatsu (figura 1), estilo Namikoshi, com o paciente em decúbito ventral,
foi aplicada na região dorsal dos indivíduos tendo uma
seqüência única, iniciando com pressão com as palmas
das mãos na coluna vertebral, pressão com o dedo indicador e médio nas laterais da coluna vertebral, pressão
com os polegares sobre os músculos paravertebrais, es-
calenos e trapézio, ao redor da escápula e novamente
sobre os músculos paravertebrais, pressão com os polegares sobre a região glútea, posteriores de coxa e perna
e finalmente nos pés, sendo um hemicorpo de cada vez.
A freqüência foi de uma vez por semana durante quatro semanas, tendo duração de aproximadamente 20
a 25 minutos, e foi realizada na clínica de fisioterapia
da Universidade Paulista – campus Anchieta, por um
único terapeuta, formado em massagem shiatsu, gratuitamente.
A massagem foi aplicada em condições parecidas
àquelas em que são realizadas em quiosques de shopping centers, que possuem boxes com macas para realização de Shiatsu, além da opção de escolha do tempo
de massagem que varia entre 20 minutos a duas horas,
com ruídos característicos de locais movimentados por
pessoas em circulação, pois foi realizada na clínica de fisioterapia, e os indivíduos que receberam as massagens
ficavam livres para conversarem e se mexerem durante
a aplicação, que são situações que acontecem durante
as sessões. Os indivíduos participantes concordaram e
assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, fornecido anteriormente ao estudo.
Análise estatística
Os resultados são expressos em forma de tabela
e gráficos. Na análise estatística, utilizou-se o teste de
Mann-Whitney. Na mensuração da pressão arterial, os
indivíduos mantiveram-se no posicionamento de ortostatismo, sedestação e decúbito dorsal respectivamente.
Os dados foram compilados e analisados no software
MiniTab versão 15.0. Considerou-se como significante
p < 0,05.
Figura 1. Procedimento de aplicação da sessão clínica de massoterapia do tipo Shiatsu.
273
Rev Neurocienc 2007;15/4:271–276
original
Tabela 1. Diferença média das pressões arteriais dos indivíduos pré e
pós-Shiatsu.
Variáveis Pressóricas (mmHg)
N
Média
Pressão Arterial Sistólica
Ortostatismo
Pré
27
32,94
Pós
27
22,05
z
2,54
p
Pressão Arterial Sistólica
Sedestação
0,01
Pré
27
28,11
Pós
27
26,88
z
0,29
p
Pressão Arterial Sistólica
Decúbito Dorsal
0,77
Pré
27
27,29
Pós
27
27,70
z
-0,09
p
Pressão Arterial Diastólica
Ortostatismo
0,92
Pré
27
27,72
Pós
27
27,27
z
0,10
p
Pressão Arterial Diastólica
Sedestação
0,92
Pré
27
26,05
Pós
27
28,94
z
-0,67
p
Pressão Arterial Diastólica
Decúbito Dorsal
0,49
Pré
27
23,29
Pós
27
31,70
z
-1,96
p
Pressão Arterial Média
Ortostatismo
Pressão Arterial Média
Sedestação
0,05
Pré
27
30,64
Pós
27
24,35
z
1,47
p
0,14
Pré
27
27,18
Pós
27
27,81
z
-0,15
p
Pressão Arterial Média
Decúbito Dorsal
Valores
0,88
Pré
27
24,79
Pós
27
30,20
z
-1,26
p
0,21
Rev Neurocienc 2007;15/4:271–276
PAS pré e pós
105
104
103
102
mmHg
RESULTADOS
A faixa etária dos participantes no estudo variou de 23 a 33 anos, com média de 26 anos. O peso
corporal e a estatura não foram avaliados. A Pressão
Arterial Sistólica em ortostotismo (tabela 1, figura 2)
diminuiu de 32,94 para 20,05 mmHg após a SCM
(p < 0,05). A Pressão Arterial Sistólica em sedestação
e em decúbito dorsal e a Pressão Arterial Diastólica nas três posições não variaram significativamente
após SCM (tabela 1, figuras 2 e 3). A pressão arterial
média (PAM) também não apresentou variação significante após a SMC (figura 4).
101
100
99
98
97
96
PAS pré 1
PAS pós 1
PAS pré 2
PAS pós 2
PAS pré 3
PAS pós 3
Figura 2. Variação das três mensurações da pressão arterial sistólica
(PAS) pré e pós-Shiatsu.
DISCUSSÃO
O sistema nervoso autônomo, através das
conexões que existem na ponte e bulbo13, tem forte influência sobre o sistema cardiovascular, que em
situações de estresse prepara o organismo para um
estado chamado de “luta ou fuga” e, para tanto, o
organismo precisa se preparar para tal, aumentando
a freqüência cardíaca para aumentar o débito cardíaco, pois as células musculares precisam de substrato
para que possam executar suas funções (contração
muscular). A freqüência respiratória também se eleva para aumentar a troca gasosa, aumentando a oxigenação e lavagem de CO2, devido ao aumento do
metabolismo basal. O estresse causa vasoconstrição,
pela ativação do sistema simpático, aumentando a
resistência periférica total, que juntamente com o
aumento do débito cardíaco causa um aumento da
pressão arterial6. A massagem Shiatsu produz influência no sistema nervoso autônomo através da aplicação da técnica em pontos reflexos3,4. Parece haver
evidências de que ocorram indícios de diminuição
da estimulação simpática após acupressão14.
Hipotálamo, hipófise, glândula adrenal e o sistema simpático adrenomedular são os componentes
neuroendócrinos centrais em relação à resposta de
estresse. A liberação de cortisol e catecolaminas da
glândula adrenal preparam o indivíduo para enfrentar as demandas metabólicas, físicas e psicológicas do
estressor15,16. A estimulação cutânea pode produzir
mudanças metabólicas e fisiológicas no que se refere
ao sistema neuroendócrino e imunológico15,16.
A pele funciona como uma barreira biológica
metabolicamente ativa, separando a homeostase interna do ambiente externo6, e a estimulação cutânea
interage com o sistema neuroendócrino, fazendo com
que a pele metabolize, coordene e organize estímulos
externos, mantendo a homeostase interna e externa15.
274
original
PAD pré e pós
67
66
mmHg
65
64
63
62
61
PAD pré 1
PAD pós 1
PAD pré 2
PAD pós 2
PAD pré 3
PAD pós 3
Figura 3. Variação das três mensurações da pressão arterial diastólica
(PAD) pré e pós-Shiatsu.
275
PAM pré e pós
79
79
78
78
77
mmHg
O nível e a variabilidade da pressão arterial
(PA) sofrem importantes influências genéticas individuais em associação com fatores ambientais e, conforme o tipo de estresse, este indica ser um fator adicional
a ser considerado na avaliação da pressão arterial e,
aparentemente, na gênese da hipertensão arterial15.
A ansiedade é outro fator que influencia no
processo de estresse, porém não foram encontradas
diferenças estatisticamente significantes na correlação entre aumento da pressão arterial e aumento dos
níveis de ansiedade12.
A massagem Shiatsu é utilizada na prevenção
de doenças3, no relaxamento, no bem estar físico e
mental. Parece melhorar o fluxo linfático e sangüíneo, bem como diminuir dor, por alívio da tensão e
conseqüente liberação da tríade dor-tensão-dor4. O
Shiatsu deve ser a terapia de escolha por não trazer
desconforto para quem recebe, por ser de tratamento pessoal, individual, de aplicação única e não prover efeitos colaterais, pois não utiliza nenhum equipamento, material, bem como não há necessidade
de um ambiente físico especial, além de não utilizar
produtos químicos para ingestão3. O indivíduo, ao
receber o Shiatsu, passa a desenvolver uma filosofia
de compreender e praticar os ensinamentos, provendo meios para mudanças no seu estilo de vida, quer
seja profissional, pessoal ou social.
Os resultados obtidos não apresentaram alterações de pressão arterial antes e depois da aplicação do Shiatsu. Essa amostra foi constituída de
indivíduos saudáveis e sem doença prévia. Assim,
por estarem em harmonia biológica, em gozo pleno da homeostasia, sugere-se uma adaptação eficaz
dos moduladores de curto e longo prazo da pressão
arterial, evitando as variações bruscas e conseqüente
quadro de sonolência e hipotensão.
77
76
76
75
75
74
74
PAM pré 1 PAM pós 1
PAM pré 2 PAM pós 2
PAM pré 3
PAM pós 3
Figura 4. Variação das três mensurações da pressão arterial média
(PAM) pré e pós-Shiatsu.
A pressão arterial sistólica em ortostatismo evidenciou uma diferença estatisticamente significativa.
O modelo de estudo permite concordar com clássicos autores6 sobre a adaptação fisiológica durante o
manuseio de variáveis biológicas do controle da pressão arterial. Em razão de os indivíduos não terem
conhecimento prévio da seção clínica de massagem,
parece ser este o evento determinante da variação da
PA somente nesse momento. Não houve mudança
nas variáveis pressóricas posteriores. Como os indivíduos já possuíam conhecimento acerca do procedimento da sessão clínica de massoterapia (SCM), este
parece ser o evento desencadeador da adaptação
da resposta cardiovascular à SCM. Destaca-se que
a condição de desconhecimento acerca dos procedimentos da SCM parece influenciar nos resultados
da pressão arterial, denotando a variação da pressão arterial sistólica em ortostatismo e conseqüente
adaptação das demais variáveis.
Este estudo foi realizado somente com indivíduos sem alterações autonômicas ou endócrinas, como
hipertensão arterial sistêmica, ansiedade ou sintomas
de estresse psicológico e as mesmas não foram avaliadas. Novos estudos com estas variáveis serão importantes para elucidação dos resultados aqui descritos,
principalmente sobre a pressão arterial sistólica em
ortostatismo, bem como as demais variáveis.
O Shiatsu, na forma tradicional, é realizado
em sessões com duração média acima de 40 minutos,
e a escolha de um tempo limitado de 20 a 25 minutos
deve-se ao fato de que nos quiosques de shopping
centers são oferecidas massagens a partir desse tempo. De fato, a questão temporal da duração da SCM
dificulta comparações com outros estudos similares.
Rev Neurocienc 2007;15/4:271–276
original
CONCLUSÃO
O SCM influenciou a PAS na primeira mensuração e as demais mensurações mantiveram-se
constantes ao longo dos procedimentos de Shiatsu.
Outros estudos, como metodologia similar e progressiva na quantificação de variáveis, poderão reduzir
possíveis vieses na interpretação de resultados. É fato
que a SCM do tipo Shiatsu produziu efeito sobre o
sistema cardiovascular na variável pressão arterial
sistólica mensurada no primeiro momento.
Agradecimento
Agradecemos especialmente ao Prof. Dr. Daniel Alves Rosa pelas contribuições e sugestões dadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Martins EIS, Leonelli LB. A prática do Shiatsu na visão tradicionalista chinesa. São Paulo: Ed. Roca, 2002, 344 p.
2. Booth B. Shiatsu. Nurs Times 1993;89(46):38-40.
3. Yamada RM. A utilização do shiatsu como instrumento complementar para redução da fadiga física dos trabalhadores de enfermagem
em uma unidade hospitalar. Dissertação de Mestrado – Universidade de
Santa Catarina. Santa Catarina: 2002, pp. 1-106.
4. Jarmey C, Mojay G. Shiatsu – Um guia completo. 3a ed. São Paulo:
Editora Pensamento: 2001, 275 p.
Rev Neurocienc 2007;15/4:271–276
5. Masunaga S, Ohashi W. Zen Shiatsu – Como harmonizar o Yin/
Yang para uma saúde melhor. São Paulo: Editora Pensamento, 1997,
176 p.
6. Berne RM, Levy MN, Koeppen BM, Stanton BA. Fisiologia. 5a ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, 1082 p.
7. Krieger EM, Franchini KG, Krieger JE. Fisiopatogenia da hipertensão arterial. Med Ribeirão Preto 1996;29:181-92.
8. Lu B, Ren S, Hu X, Lichstein E. A randomized controlled trial of
Acupuncture and Acupressure Treatment for essential hypertension.
AJH 2000;13:185A-6.
9. Sung BH, Roussanov O, Nagubandi M, Golden L. Effectiveness of
various relaxation techniques in lowering blood pressure associated with
mental stress. AJH 2000;13:185A-6.
10. Moyer CA, Rounds J, Hannum JW. A meta-analysis of massage therapy. Res Psychol Bul 2004;130(1):3-18.
11. Rocha R, Porto M, Morelli MYG, Maestá N, Waib PH, Burini RC.
Efeito de estresse ambiental sobre a pressão arterial de trabalhadores.
Rev Saúde Pub 2002;36(5):568-75.
12. Chaves EC, Cade NV. Efeitos da ansiedade sobre a pressão arterial
em mulheres com hipertensão. Rev Lat Am Enferm 2004;12(2):162-7.
13. Sobrinho JBR. Fisiologia do sistema nervoso neurovegetativo. Act
Fisiatr 2003;10(3):122-32.
14. Tsay SL, Wang JC, Lin KC, Chung UL. Effects of acupressure therapy for patients having prolonged mechanical ventilation support. J Adv
Nurs 2005;52(2):142-50.
15. Fogaça MC, Carvalho WB, Verreschi ITN. Estimulação tátil-cinestésica: uma integração entre pele e sistema endócrino? Rev Bras Saúde
Mater Infant 2006;6(3):277-83.
16. Dullenkopf A, Schmitz A, Lamesic G, Weiss M, Lang A. The influence of acupressure on the monitoring of acoustic evoked potentials
in unsedated adult volunteers. Anesth Analg 2004;99:1147-51.
276
original
Teste da Ação da Extremidade Superior
como medida de comprometimento após
AVC
Action Research Arm Test as a measure of post-stroke impairment
Leonardo Petrus da Silva Paz1, Guilherme Borges2
RESUMO
SUMMARY
Introdução. O Teste da Ação da Extremidade Superior (ARAT)
foi concebido para avaliação funcional da extremidade superior,
entretanto sugere-se seu uso para avaliação de comprometimentos
motores após acidente cerebrovascular (AVC), tal qual a escala de
Desempenho Físico de Fugl-Meyer para os membros superiores
(UE-FMA). Objetivo. Verificar a aplicabilidade da escala ARAT
para avaliação do comprometimento motor após AVC. Métodos. Foram avaliados 28 pacientes hemiparéticos após AVC
atendidos no Hospital das Clínicas de Campinas, SP, com tempo
de lesão médio de 58,86 meses e idade de 49,46 anos por meio das
escalas ARAT e UE-FMA em estudo transversal de correlação.
Resultados. A análise de correlação de Spearman revelou alta
correlação entre o teste ARAT e a pontuação total da UE-FMA
– itens sensoriais e motores (r = 0,85), bem como entre a ARAT
e os itens motores da UE-FMA (r = 0,88), atingindo-se nível de
significância (p < 0,001). Além disso, a análise item-a-item revelou alta correlação entre as duas escalas. Conclusão. Esses dados
sugerem que a escala ARAT pode ser usada para avaliação do
comprometimento motor após AVC.
Introduction. The Action Research Arm Test (ARAT)
was conceived to evaluate the upper extremity function;
nevertheless its use to assess impairments has been suggested, much like the Upper Extremity Fugl-Meyer Assessment (UE-FMA). Objective. To verify the use of ARAT
to assess motor impairments in stroke patients. Methods.
Cross-sectional study correlation to evaluate 28 hemiparetic
stroke patients from the Clinical Hospital of Campinas – SP,
with mean lesional period of 58,86 months and mean age of
49,46 years using ARAT and UE-FMA. Results. Spearman
analysis of data showed strong correlation between ARAT
and sensorial and motor items of UE-FMA (r = 0.85), as well
as ARAT and motor items of UE-FMA (r = 0.88), reaching
a significance level (p < 0.001). Additionally, the item-peritem analysis showed strong correlation between ARAT and
UE-FMA scales. Conclusion. These results suggested the
use of ARAT to measure motor impaiments in stroke hemiparetic subjects.
Unitermos: Estudos de Avaliação. Paresia. Fisioterapia. Recuperação da Função Fisiológica. Acidente Cerebrovascular.
Keywords: Evaluation Studies. Paresis. Physical Therapy. Recovery of Function. Cerebrovascular Accident.
Citação: Paz LPS, Borges G. Teste da Ação da Extremidade
Superior como medida de comprometimento após AVC.
Citation: Paz LPS, Borges G. Action Research Arm Test as a
measure of post-stroke impairment.
Trabalho realizado na UNICAMP.
1. Fisioterapeuta, Mestre em Ciências Biomédicas – Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP.
2. Médico, Professor Associado do Departamento de Neurologia da
Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP; CNPq 302189/2004-1.
Endereço para correspondência:
Leonardo Petrus da Silva Paz
R. Vital Brasil, 251 – FCM 11
CEP 13076-415. Campinas -SP
E-mail: [email protected]
Recebido em: 6/2/2007
Revisão: 7/2/2007 a 17/10/2007
Aceito em: 18/10/2007
Conflito de interesses: não
277
Rev Neurocienc 2007;15/4:277–283
original
INTRODUÇÃO
O Acidente Cerebrovascular (AVC) é caracterizado pelo surgimento agudo de uma disfunção
neurológica, devido a uma anormalidade na circulação cerebral, tendo como resultado sinais e
sintomas que correspondem ao comprometimento
de áreas focais do cérebro1.
A cada ano, milhares de adultos em idade
produtiva se tornam parcial ou totalmente incapacitados após Acidente Cerebrovascular2. No
Brasil, estima-se que entre 1994 e 1997 o número absoluto de hospitalizações por AVC no Brasil
variou entre 198.705 e 295.596 por ano3. Sabe-se
que boa parte dos pacientes acometidos por AVC
necessita de intervenção fisioterapêutica por um
período variável para recuperar a capacidade funcional, especialmente da extremidade superior
comprometida4. Atualmente, existem diversas técnicas de tratamento, muitas delas desenvolvidas
especificamente para o tratamento das seqüelas
provocadas pelos AVCs, mas essas técnicas ainda
carecem de estudos utilizando procedimentos e
instrumentos válidos e confiáveis para comprovação de sua efetividade e custo-benefício5,6. O aprimoramento constante dos instrumentos de avaliação se faz necessário para permitir o entendimento
do processo de incapacitação, como também para
identificar a dimensão do modelo de incapacidade
contemplada pelos diferentes métodos permitindo
a melhoria das técnicas de tratamento e acelerando o processo de decisões clínicas dos profissionais
envolvidos em reabilitação7.
Nesse contexto, foi desenvolvida por FuglMeyer 8 uma escala para avaliação do nível de
comprometimento sensório-motor baseado no
conceito de que a recuperação motora após
AVC se dá em estágios seqüenciais previsíveis 9.
É amplamente utilizada para validação de novos
instrumentos e também para comprovação de
métodos de tratamento 10. Possui boa confiabilidade11 e seus itens e instruções para pontuação
estão disponíveis em língua portuguesa 11,12. Em
termos gerais, avalia a motricidade voluntária,
a coordenação, dois aspectos da sensibilidade
(tato e propriocepção), mobilidade passiva, dor
a mobilização e testes de equilíbrio, totalizando
226 pontos 13. A escala de Desempenho Físico de
Fugl-Meyer pode ser dividida em três partes que
também constituem escalas: itens relacionados
à extremidade superior (UE-FMA), à extremidade inferior (LE-FMA) e itens relacionados ao
Rev Neurocienc 2007;15/4:277–283
equilíbrio. Considera-se que sejam necessários
30 minutos para aplicar todos os itens da Escala
de Fugl-Meyer, e 10 minutos para aplicação dos
itens motores da UE-FMA 14.
Por outro lado, o Teste da Ação da Extremidade Superior (ARAT) é um teste funcional e
constitui uma versão resumida da escala “Função
da Extremidade Superior” elaborada em 1965
por Carroll15. A ARAT foi originalmente concebida16 com 19 itens e avalia as complexas atividades da extremidade superior sobre o pressuposto
de que todas as atividades funcionais podem ser
sintetizadas em quatro tipos básicos de função:
compressão, preensão, pinçamento e atividades
de alcance (função motora grossa). Nos sub-testes
compressão e pinçamento, o paciente sentado em
frente a uma mesa deve pegar e manter objetos
(por exemplo, cubos de tamanhos diferentes) e colocá-los em uma prateleira de 37,5 cm de altura
colocada sobre a mesa. Também são requisitadas
tarefas como passar água de um copo para outro e
tarefas de alcance, tais como colocar a mão atrás
da cabeça13. Foi desenvolvida para constituir quatro dimensões (três tipos de preensão e movimentos de função motora grossa), mas trata-se de uma
escala unidimensional (2002)17. Sua grande vantagem reside na ordenação hierárquica dos itens
em ordem crescente de dificuldade, de tal modo
que, se um escore “zero” é atingido em qualquer
um dos itens, a avaliação pode ser interrompida.
Com isso, o tempo de aplicação pode ser reduzido
e o paciente é poupado de testes desmotivantes, e
os quais não seria capaz de realizar. O exame de
alguns itens pode ser suficiente para determinar a
pontuação final desde que o examinador conheça
previamente o quadro funcional do paciente13.
Manuais de ambas as escalas foram recentemente desenvolvidos e testados para garantir a reprodutibilidade dos estudos e permitir a disseminação do uso das mesmas em ambiente clínico13,18.
Estudos prévios18-20 têm comparado as escalas ARAT e UE-FMA; entretanto, Platz et al.
(2005)13 sugeriram que somente uma análise entre
cada um dos itens dessas escalas poderia esclarecer se ambas estão destinadas à mesma finalidade,
isto é, ao exame dos comprometimentos motores
após AVC. Assim, a proposta do presente trabalho
é investigar a hipótese da correlação dessas escalas
ao nível de seus itens e aprimorar as evidências
para o uso da escala ARAT para exame do comprometimento motor resultante de AVC.
278
original
MÉTODO
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas –
Unicamp, em concordância com a resolução 196/96,
e os resultados são parte de pesquisa de mestrado em
Ciências Biomédicas do primeiro autor.
Os pacientes atendidos nos Ambulatórios de
Fisioterapia Neurológica e de Neurologia do Hospital das Clínicas de Campinas, SP, foram submetidos
a avaliação única aos testes propostos após assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram incluídos todos os pacientes pertencentes
a listagens dos Ambulatórios supracitados com idades
entre 20 e 60 anos, com diagnóstico clínico de AVC e
que compareceram ao Hospital para a avaliação.
Os critérios de exclusão adotados foram os seguintes: a) AVC cortical recorrente comprovado por
exames complementares ou pelo histórico do paciente; b) presença de co-morbidades ou doenças prévias
ao AVC que interferissem com o funcionamento físico
ou mental do indivíduo, tais como doenças psiquiátricas ou do sistema nervoso, insuficiência renal ou infarto agudo do miocárdio; c) história de incapacidade
prévia ao AVC ou de doenças músculo-esqueléticas
do membro superior relatadas pelo paciente ou pelos acompanhantes; d) função cognitiva e linguagem
que os tornassem incapazes de participar dos procedimentos do estudo; e) indivíduos institucionalizados;
e f) existência de medicações que alterassem o tônus
muscular ou o estado de vigília no momento da avaliação ou nos 12 meses que antecederam a coleta.
Finalmente, também foram excluídos aqueles que relataram dificuldades para comparecer à avaliação ou
que se recusaram a participar da pesquisa.
Todos foram avaliados por meio dos itens da
extremidade superior da escala de Fugl-Meyer (UEFMA) e pelo Teste da Ação da Extremidade Superior
(ARAT) (anexo 1), sendo orientados a realizar o teste
primeiro com o membro “não comprometido” (ou
“menos comprometido”) e em seguida com o membro
parético. Caso necessário, o teste era demonstrado aos
avaliados, de modo a permitir ao examinador utilizar
os instrumentos para o que se propõem, isto é, somente para avaliação das habilidades sensório-motoras.
O desempenho do membro “não comprometido” é
pontuado na escala ARAT independentemente do
membro parético, enquanto que na UE-FMA a pontuação é dada somente para o membro parético13.
Os dados analisados foram provenientes da
pontuação dessas escalas e constituem variáveis ordinais, onde cada item é pontuado de 0 a 3. Na escala
279
UE-FMA, esses pontos representam respectivamente:
nenhuma função, função incompleta ou função perfeita; enquanto que na escala ARAT, uma pontuação
de “zero” representa incapacidade para realizar qualquer parte da tarefa e “um” (1) quando o paciente
realiza partes da tarefa. A pontuação “dois” (2) na
escala ARAT deve ser atribuída se o paciente realiza
completamente a tarefa, mas com tempo excessivo,
dificuldade ou ainda com padrões anormais de movimento ou movimentos compensatórios de tronco, e,
finalmente, o escore “três” (3) foi assinalado quando a
tarefa foi realizada perfeitamente13,18.
Os equipamentos, os itens e os critérios de
pontuação das escalas usados nesta pesquisa foram
adquiridos e/ou confeccionados conforme as especificações do manual desenvolvido e testado no projeto
multicêntrico DRAMA (Developments in Rehabilitation of
the Arm), destinado a validar manuais padronizados de
instrumentos selecionados18. Assim, para aplicação da
escala ARAT foram confeccionados blocos de madeira de quatro tamanhos, bola de madeira de 7 cm,
plataformas de madeira com haste e tubos cilíndricos,
pedra, prateleira de madeira, entre outros. Todos os
sujeitos da pesquisa foram avaliados por um único
examinador, um fisioterapeuta com experiência no
uso da escala UE-FMA.
A versão de 15 itens da escala ARAT usada
no presente estudo constitui uma escala unidimensional17. Para fins de análise, os 15 itens da ARAT foram
nomeados conforme dimensão e sua posição hierárquica de 1 a 15 (anexo 1).
Anexo 1. Teste da Ação da Extremidade Superior para Pesquisa
(ARA)*.
Tarefas
Abreviação
1. Levar a mão à boca
ARA 1
2. Bloco de 2,5 cm
ARA 2
3. Tubo de 2,25
ARA 3
4. Colocar a mão no topo da cabeça
ARA 4
5. Bloco de 5 cm
ARA 5
6. Tubo de 1 cm
ARA 6
7. Pedra
ARA 7
8. Bloco de 7,5 cm
ARA 8
9. Bola de 7,5 cm
ARA 9
10. Colocar a mão atrás da cabeça
ARA 10
11. Bola de gude entre o primeiro dedo e o polegar
ARA 11
12. Passar a água de um copo ao outro
ARA 12
13. Colocar parafuso na porca
ARA 13
14. Colocar a bola entre o segundo dedo e o polegar
ARA 14
15. Bloco de 10 cm
ARA 15
* Itens descritos e ordenados em ordem crescente de dificuldade17.
Rev Neurocienc 2007;15/4:277–283
original
RESULTADOS
A amostra foi constituída de 28 pacientes recrutados conforme a disponibilidade de comparecimento ao Hospital das Clínicas e suas características
estão especificadas na tabela 1.
Como pôde ser observado, os pacientes pertencentes à amostra apresentaram altos níveis de
independência funcional e comprometimento motor
variável, com a maioria dos sujeitos sendo pertencentes às categorias I e II conforme a classificação
da escala ARAT, isto é, apresentaram comprometimento de moderado a grave. E, considerando-se os
itens motores da escala UE-FMA (UE-FMA motor),
houve uma distribuição homogênea entre as categoTabela 1. Características da amostra.
Sexo (F/M)
16/12
Idade – Média (DP)
49,46 (13,42) anos
Tempo de lesão médio (DP)
58,86 (48,36) meses
Lado parético (D/E/bilateral)
Coincidência lado da lesão/lateralidade
(sim/não)
19/9/0
8/20
Índice de Barthel (DP)
94,82 (4,19) pontos
UE-FMA motora (DP)
31,61 (17,89) pontos
ARAT (DP)
12,89 (15,9) pontos
Classificação conforme FMA (I/II/III/
IV/V)
(3/6/9/5/5) pontos
Classificação conforme ARAT (I/II/III/
IV/V)
(17/1/5/2/3) pontos
Rev Neurocienc 2007;15/4:277–283
50
ARAT
40
30
20
10
0
0
50
100
150
UE-FMA total
Figura 1. Distribuição dos valores totais das escalas Teste da Ação
da Extremidade Superior (ARAT) e itens da extremidade superior da
escala de Fugl-Meyer (UE-FMA) – itens sensoriais e motores.
50
40
ARAT
Foram realizadas análises de correlação entre a
pontuação total da ARAT com a pontuação total da
UE-FMA (somatório de itens sensoriais e motores) e
com os itens motores (UE-FMA motor). Foi realizada,
ainda, uma análise de correlação entre os sub-itens da
escala ARAT e da escala UE-FMA. A escala UE-FMA
é constituída dos sub-itens: movimento com e sem sinergia, sinergia flexora, sinergia extensora, atividade
reflexa, coordenação/velocidade, punho e mão10. Os
sub-itens da escala UE-FMA foram correlacionados a
cada um dos 15 itens da ARAT.
A amostra foi caracterizada de acordo com o nível de comprometimento de acordo com a pontuação
obtida em cada uma das duas escalas em cinco categorias21 para UE-FMA e adaptada para a versão de 15
itens da ARAT utilizada no presente estudo. O índice
de Barthel foi utilizado para caracterização da amostra
estudada quanto ao nível de independência funcional5.
Os dados foram tabulados e analisados com
uso do programa Statistica – versão 5.0, e para comprovação da relação entre as variáveis estudadas foi
usado o teste estatístico de Spearman (p < 0,05).
30
20
10
0
0
20
40
UE-FMA motor
60
80
Figura 2. Dados das pontuações das escalas ARAT e itens motores da
Escala de Fugl-Meyer de membros superiores (UE-FMA motor).
rias, caracterizando diferentes níveis de comprometimento da amostra.
A análise de correlação de Spearman revelou
alta correlação entre o Teste ARAT e a pontuação
total da UE-FMA (itens sensoriais e motores) da UEFMA (r = 0,85), bem como entre a ARAT e os itens
motores da UE-FMA (r = 88), atingindo-se o nível de
significância (p < 0,001). No gráfico 1 está apresentada a correlação entre a pontuação total da UE-FMA
(itens motores e sensoriais) e a ARAT, e, no gráfico 2, a
correlação entre a UE-FMA motor e a ARAT.
A escala ARAT foi altamente correlacionada com a pontuação total da extremidade superior
da escala de Fugl-Meyer, que inclui itens motores e
sensoriais (r = 85, com p < 0,001). Essa associação
direta e positiva aumentou quando se consideraram
apenas os itens motores da escala de Fugl-Meyer (r
= 0,89 com p < 0,001). A ARAT se correlacionou
com cada um dos sub-itens da UE-FMA motor: coordenação (r = 0,71), punho (r = 0,81), mão (r =
0,72), sinergia flexora (r = 0,62), sinergia extensora
(r = 0,70) e, finalmente, no item movimentos com e
sem sinergia (r = 0,91).
280
original
Por fim, foram correlacionados os sub-itens
das duas escalas. Na tabela 2 são apresentadas as
correlações item-a-item mais significativas entre
as escalas ARAT e UE-FMA (índice de correlação
superior a 0,70, ou seja, correspondentes a uma
alta correlação). Demais combinações de sub-itens
da ARAT e UE-FMA motor que atingiram índices moderados de correlação não foram apresentados.
Tabela 2. Correlação de Spearman item-a-item das escalas ARAT e
UE-FMA.
Spearman
Sub-Itens da UEFMA
Sub-Itens
da ARAT
R
p
UE-FMA motor
ARAT 1
0,714359
0,000020
UE-FMA motor
ARAT 2
0,728767
0,000011
UE-FMA motor
ARAT 3
0,701927
0,000031
UE-FMA motor
ARAT 4
0,771578
0,000002
UE-FMA motor
ARAT 5
0,770899
0,000002
UE-FMA motor
ARAT 6
0,740590
0,000007
UE-FMA motor
ARAT 7
0,757991
0,000003
UE-FMA motor
ARAT 8
0,753789
0,000004
UE-FMA motor
ARAT 9
0,757991
0,000003
UE-FMA motor
ARAT 10
0,744797
0,000005
UE-FMA punho
ARAT 1
0,724185
0,000013
UE-FMA punho
ARAT 2
0,767437
0,000002
UE-FMA punho
ARAT 3
0,817007
0,000000
UE-FMA punho
ARAT 5
0,788418
0,000001
UE-FMA punho
ARAT 6
0,797704
0,000000
UE-FMA punho
ARAT 7
0,758833
0,000003
UE-FMA punho
ARAT 8
0,748753
0,000005
UE-FMA punho
ARAT 9
0,758833
0,000003
UE-FMA punho
ARAT 10
0,732381
0,000009
UE-FMA sinergia extensora
ARAT 1
0,705916
0,000027
UE-FMA sinergia extensora
ARAT 5
0,705973
0,000027
UE-FMA sinergia extensora
ARAT 6
0,701736
0,000032
UE-FMA movimento c/ e s/
sinergia
ARAT 5
0,756635
0,000003
UE-FMA movimento c/ e s/
sinergia
ARAT 6
0,712819
0,000021
UE-FMA movimento c/ e s/
sinergia
ARAT 7
0,751928
0,000004
UE-FMA movimento c/ e s/
sinergia
ARAT 8
0,749646
0,000004
UE-FMA movimento c/ e s/
sinergia
ARAT 9
0,751928
0,000004
UE-FMA movimento c/ e s/
sinergia
ARAT 10
0,748095
0,000005
UE-FMA motor = somatório dos itens motores (punho, movimento com e sem sinergia, sinergia extensora, mão e sinergia flexora); ARAT 1-15 = sub-itens da escala ARAT (anexo 1). Não
constam na tabela as correlações com índice inferior a 0,70 de correlação.
281
DISCUSSÃO
Atualmente existem diversas escalas para
avaliação da extremidade superior, mas a falta
de detalhamento e padronização destas dificulta
o uso e a disseminação das mesmas em ambiente de pesquisa e clínico. Os autores investigam
as propriedades das escalas de avaliação sem se
preocupar com a descrição das escalas, o que
permitiria a reprodutibilidade dos procedimentos adotados 18. Não existe consenso sobre qual
teste deve ser usado na avaliação da extremidade
superior parética. Atualmente, considera-se mais
apropriado utilizar uma bateria de testes visando
abranger diferentes dimensões do modelo de incapacidade adotado 5.
As escalas UE-FMA 10,13 e ARAT 13 são amplamente usadas e aceitas como instrumentos de
avaliação da extremidade superior, sendo também recomendadas para uso em ensaios clínicos.
As características psicométricas de ambas foram
investigadas, incluindo a confiabilidade intra e
inter-avaliador 11,14,18,19,22-25, a validade8,18,24,26 e a
responsividade 12,14,17,26,27.
A UE-FMA é um dos instrumentos mais
usados para avaliação dos comprometimentos
sensório-motores em pacientes hemiparéticos
após AVC 10. O domínio sensorial vem sendo alvo
de críticas no exame de suas características psicométricas, sugerindo seu uso exclusivamente para
exame da disfunção motora após AVC18,28. Nesta pesquisa foi realizada a análise de correlação
tanto em relação à pontuação total da UE-FMA
(que inclui itens motores e sensoriais) quanto em
relação à parte motora da UE-FMA (UE-FMA
motor), observando-se uma maior correlação entre as escalas quando se comparando a ARAT
exclusivamente aos itens motores da UE-FMA. A
inspeção dos dados mostra que muitos pacientes
atingiram pontuação máxima nos itens relacionados à sensibilidade.
A escala ARAT envolve a interação do paciente com objetos de diferentes tamanhos e formas e envolve a avaliação simultânea dos componentes de alcance e preensão, fato este que a
define como uma avaliação funcional, o que está
de acordo com estudos que comprovaram uma
alta correlação da ARAT com outras escalas funcionais envolvendo testes de laboratório, a Escala
de Avaliação do Movimento (r = 92) e com o Índice de Motricidade (r = 0,87), assim como com
escalas de avaliação da atividade como a Box and
Rev Neurocienc 2007;15/4:277–283
original
Block test e o Inventário de Atividade Motora 13.
Portanto, difere da escala UE-FMA, que avalia
apenas a capacidade de realizar movimentos em
uma única articulação ou em múltiplas articulações simultaneamente, e manter uma posição
em outra articulação para alcançar e controlar
a posição inicial ou ainda pegar objetos e mantê-los em sua mão contra uma resistência. Outro
ponto a ser considerado é a inexistência de um
item para avaliação da função de dedos na escala
UE-FMA, tal qual o item de preensão em pinça
da ARAT14.
Ambas possuem vantagens e desvantagens
uma sobre a outra. A escala UE-FMA é muito extensa e complexa o suficiente para não permitir
sua utilização como ferramenta de acompanhamento sessão-a-sessão. Por outro lado, a ARAT
possui a grande vantagem da rapidez de aplicação, podendo levar de 3 a 10 minutos. Entretanto, sua aplicação depende de materiais especificamente construídos, o que limita sua utilização13.
O uso da ARAT em detrimento da UE-FMA tem
sido sugerido em razão da complexidade desta última18. Ambas apresentam similar responsividade
a mudanças no decorrer de intervenções14,20.
Entretanto, quando os pacientes são forçados a usar seu membro superior comprometido,
é possível que as duas medidas se tornem indistinguíveis uma da outra resultando em alta correlação entre as medidas; entretanto, ao nível do
item, poderiam fornecer informação específica
relacionada ao comprometimento ou limitação
funcional 19.
Comparando-se esses testes 14 em hemiparéticos agudamente comprometidos, foi sugerido
que as escalas poderiam mensurar, na verdade, o
mesmo fenômeno, isto é, o nível de comprometimento. Isto em razão das altas correlações observadas entre os instrumentos nas pesquisas que a
antecederam, o que corrobora com os dados evidenciados neste estudo pela alta correlação entre
a UE-FMA — um teste de exame dos comprometimentos amplamente aceito, e a ARAT.
A originalidade da presente pesquisa está
relacionada ao estudo da correlação item por item
das escalas. Novamente foi encontrada uma alta
correlação direta e positiva entre os sub-itens das
escalas ARAT e UE-FMA. Exceção feita ao subitem sinergia flexora da UE-FMA, que não esteve
correlacionado com qualquer um dos 15 sub-itens
da ARAT. Isso pode ser justificado pelo fato de que
Rev Neurocienc 2007;15/4:277–283
o item sinergia flexora representa os movimentos
mais rudimentares, os quais podem ser observados em pacientes em fases iniciais do processo de
recuperação motora29. Tais pacientes não foram
contemplados na amostra estudada, que foi constituída de pacientes em estágios intermediários de
recuperação, os quais foram capazes de realizar
com facilidade os testes deste sub-item e, deste
modo, atingido sua pontuação máxima.
Uma alta correlação entre essas escalas foi
relatada também nas primeiras seis semanas após
AVC, e sugere-se que ambas as escalas sejam ideais para avaliação de indivíduos hemiparéticos
com comprometimento moderado, mas observouse “efeito teto” (pontuações máximas) ou “efeito
piso” (pontuações mínimas) em uma parcela significativa dos avaliados em se verificando a recuperação em amostras constituídas de sujeitos
apresentando níveis de comprometimento leve e
grave17. Em concordância com esses achados na
população estudada, foi observado o efeito piso
em relação à escala ARAT. O efeito teto foi encontrado na avaliação dos pacientes com o Índice de Barthel, onde se observaram altos níveis de
independência para realização das atividades de
vida diária, apesar da existência de comprometimentos motores afetando a extremidade superior,
fato este justificado pela natureza unimanual de
muitas dessas atividades, que podem ser realizadas
utilizando-se o membro “mais forte”.
Os antecedentes da literatura foram confirmados no presente estudo, onde as escalas ARAT
e UE-FMA estiveram direta e positivamente correlacionadas tanto na comparação entre pontuações
totais quanto na comparação item-a-item. E, deste
modo, sugerem a confirmação da hipótese de que
a escala ARAT possa ser utilizada como método
de avaliação dos comprometimentos motores em
pacientes hemiparéticos após AVC com diferentes
níveis de comprometimento sensório-motor.
Agradecimentos
Aos pacientes participantes da pesquisa;
aos fisioterapeutas Núbia Vieira Lima, Viviane
Vohlers, ao Ms. Enio Walker Azevedo Cacho,
Mariângela Carvalho e à Ms. Tiaki Maki; ao médico Leonardo de Deus Silva; às enfermeiras e
pessoal técnico do Departamento de Enfermagem do Hospital das Clínicas que gentilmente
cedeu a sala para avaliação, e à Profa. Dra. Vera
Regina Fernandes da Silva Marães.
282
original
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Damasceno BP, Borges G. Acidentes vasculares cerebrais. Rev Bras
Med 1988;45(6):190-6.
2. American Heart Association. Heart Disease and Stroke Statistics 2004 Update. Dallas: American Heart Association, 2003, 47 p.
3. Lessa I. Epidemiologia das doenças cerebrovasculares no Brasil. Rev
Soc Cardiol Est S Paulo 1999;9:509-18.
4. Duncan PW, Zorowitz R, Bates B, Choi JY, Glasberg JJ, Graham
GD, et al. Management of Adult Stroke Rehabilitation Care: A Clinical
Practice Guideline. Stroke 2005;36:100-43.
5. Murphy MA, Roberts-Warrior D. A review of motor performance
measures and treatment interventions for patients with stroke. Topics
Ger Rehabil 2003;19:1-3.
6. Croarkin E, Danoff J, Barnes C. Evidence-based rating of upperextremity motor function tests used for people following a stroke. Phys
Ther 2004;84:62-74.
7. Duncan PW, Jorgensen HS, Wade DT. Outcome measures in acute
stroke trials: a systematic review and some recomendations to improve
the practice. Stroke 2000;31:1429-38.
8. Fugl-Meyer AR, Jaasko L, Leyman I, Olsson S, Steglind S. The
post-stroke hemiplegic patient. Scand J Rehabil Med 1975;7:13-31.
9. Brunnström S. Motor testing procedures in hemiplegia. J Am Phys
Ther Assoc 1966; 46:357-75.
10. Gladstone DJ, Dannells CJ, Black SE. The Fugl-Meyer assessment of
motor recovery after stroke. Neurorehabil Neural Repair 2002;16:232-40.
11. Maki T, Quagliato EMAB, Cacho EWA, Paz LPS, Nascimento NH,
Inoue MMEA, et al. Estudo de confiabilidade da aplicação da escala de
Fugl-Meyer no Brasil. Rev Bras Fisioter 2006;10(2):179-85.
12. Cacho EWA, Melo FRLV, de Oliveira R. Avaliação da recuperação
motora de pacientes hemiplégicos através do protocolo de desempenho
físico Fugl-Meyer. Rev Neurocienc 2004;12(2):94-100.
13. Platz T, Pinkowisk C, van Wijck GJ, Johnson G. Arm – Arm Rehabilitation Measurement: Manual for performance and scoring of the
Fugl-Meyer test (arm section), Action Research Arm Test, and the Box
and Block test. Deutscher Wissenschafts- Verlag, 2005, pp. 6-105.
14. Rabadi MH, Rabadi FM. Comparison of the Action Research Arm Test
and the Fugl-Meyer Assessment as Arch Phys Med Rehabil 2006;87:962-6.
15. Carroll D. A quantitative test of upper extremity function. J Chronic Dis 1965;18:479-91.
16. Lyle RC. A performance test for assessment of upper limb function in physical rehabilitation treatment and research. Int J Rehabil Res
1981;4:483-92.
283
17. van der Lee JH, Roorda LD, Beckerman H, Lankhorst GJ, Bouter
LM. Improving the Action Research Arm test: a unidimensional hierarchical scale. Clin Rehabil 2002;16:646-53.
18. Platz T, Pinkowisk C, Wijck FV, Kim I, di Bella P, Johnson G. Reliability and validity of arm function assessment with standardized guidelines for the Fugl-Meyer Test, Action Research Arm Test and Box and
Block Test: a multicentre study. Clin Rehabil 2005;19:404-11.
19. de Weerdt WJG, Harrison MA. Measuring recovery of armhand-function in stroke patients: a comparison of the BrunnstromFugl-Meyer test and Action Research Arm test. Physiother Can
1985;37:65-70.
20. Hsueh I, Hsieh C. Responsiveness of two upper extremity function
instruments for stroke inpatients receiving rehabilitation. Clin Rehabil
2002;16:617-24.
21. Broecks JG, Lankhorst GJ, Rumping K, Prevo AJH. The long-term
outcome of arm function after stroke: results of a follow-up study. Disabil Rehabil 1999;21(8):357-64.
22. Duncan PW, Propst M, Nelson SG. Reliability of the Fugl-Meyer
assessment of sensorimotor recovery following cerebrovascular accident.
Phys Ther 1983;63:1607-10.
23. Hsieh C, Hsueh I, Chiang F, Lin P. Inter-rater reliability and validity of the Action Research arm test in stroke patients. Age Ageing
1998;27:107-13.
24. van der Lee JH, de Groot V, Beckerman H, Wagenaar RC, Lankhorst GJ, Bouter LM. The intra- and interrater reliability of the Action
Research Arm test: a practical test of upper extremity function in patients with stroke. Arch Phys Med Rehabil 2001;82:14-9.
25. Sanford J, Moreland J, Swanson LR, Stratford PW, Gowland C. Reliability of the Fugl-Meyer assessment for testing motor performance in
patients following stroke. Phys Ther 1993;73:447-54.
26. Lang CE, Wagner JM, Dromerick AW, Edwards DF. Measurement
of upper-extremity function early after stroke: properties of the Action
Research Arm Test. Arch Phys Med Rehabil 2006;87:1605-10.
27. Barreca SR, Stratford PW, Lambert CL, Masters LM, Streiner DL.
Test-retest reliability, validity, and sensitivity of the Chedoke Arm and
Hand Activity Inventory: a new measure of upper-limb function for survivors of stroke. Arch Phys Med Rehabil 2005;86:1616-22.
28. Lin J, Hsueh I, Sheu C, Ching-Lin H. Psychometric properties of
the sensory scale of the Fugl-Meyer Assessment in stroke patients. Clin
Rehabil 2004;18:391-7.
29. Twitchell TE. The restoration of motor function following hemiplegia in man. Brain 1951;74:443-80.
Rev Neurocienc 2007;15/4:277–283
original
Análise do equilíbrio em crianças com
visão normal e com deficiência visual
congênita
Analyses of balance in children with normal vision and with congenital visual deficiency
Mariana de Oliveira Figueiredo1, Cristina Iwabe2
RESUMO
SUMMARY
Objetivo. O objetivo deste estudo foi analisar o equilíbrio de
crianças com cegueira total congênita, baixa visão congênita e
visão normal de 2,3–5 anos de idade. Método. Foram selecionados 9 sujeitos, sendo 3 de cada tipo de acuidade visual citada,
com uma criança de cada idade em cada grupo, avaliando-se o
equilíbrio estático e dinâmico, através da Escala de Equilíbrio e
Mobilidade de Tinetti (EQMT) e do Exame Neurológico Evolutivo (ENE). Resultados. Observou-se que os deficientes visuais
(cegos e baixa visão) apresentaram déficit de equilíbrio quando
comparados às crianças de visão normal, na faixa etária de 2 e 3
anos de idade, e aos 5 anos, todas as crianças apresentaram desempenho igual. Pelo ENE, o sujeito cego de 2 anos apresentou
atraso no equilíbrio dinâmico, da mesma forma que as crianças
com cegueira total, baixa visão e visão normal de 3 anos. As
crianças cegas e baixa visão de 5 anos apresentaram equilíbrio
estático e dinâmico correspondente à idade inferior. Conclusão. Conclui-se que crianças deficientes visuais congênitas apresentam déficit de equilíbrio estático e dinâmico quando comparadas às de visão normal da mesma idade, sendo que o déficit é
maior nas crianças cegas do que naquelas com baixa visão.
Objective. The study purpose was to analyze balance in
congenital blind infants, congenital low vision infants and
normal sight infants with 2, 3 and 5 years old. Method. The
sample included 9 subjects, 3 from each visual acuity mentioned, with one child of each age in each group, evaluating
static and dynamic balance using Tinetti’s Balance and Mobility Scale (TBMS) and Neurological Evolution Examination
(NEE). Results. TBMS showed that the visually impaired
(blinds and low vision) presented deficit balance in comparison with sighted children in age of 2 and 3 years old, all 5year-old children showed equal performance. At NEE, the
2-year-old blind child presented delayed dynamic balance,
the same as blind, low vision, and sighted 3-year-olds. Blind
and low vision infants with 5 years showed static and dynamic
balance appropriate to lower age. Conclusion. We concluded that congenitally visually impaired children present deficit
in static and dynamic balance compared with the same-age
sighted ones, and this deficit is greater in blinds than in low
vision children.
Unitermos: Portadores de deficiência visual. Cegueira. Baixa visão. Equilíbrio musculoesquelético.
Keywords. Visually Impairment Persons, Blindness,
Low Vision, Musculoskeletal Equilibrium.
Citação: Figueiredo MO, Iwabe C. Análise do equilíbrio em
crianças com visão normal e deficiência visual congênita.
Citation: Figueiredo MO, Iwabe C. Analyses of balance in children with normal vision and with congenital visual deficiency.
Trabalho realizado no Centro Universitário Hermínio
Ometto - Uniararas, com coleta de dados obtida no “Centro
Educacional João Fischer Sobrinho”, em Limeira.
1. Fisioterapeuta /UFSCar, Especialista em Fisioterapia Neurofuncional Adulto e Infantil/ Uniararas.
2. Fisioterapeuta/Usp, Especialista em Neurologia Infantil/Unicamp;
Mestre em Ciências Médicas/Unicamp; Doutoranda em Ciências Médicas/Unicamp; Docente do Curso de Fisioterapia/Uniararas; Supervisora de estágio em neurologia/Unip Campinas.
Endereço para correspondência:
Cristina Iwabe
Rua Sacramento 1091/32
CEP 13023-185, Campinas, SP
E mail: [email protected]
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
Recebido em: 2/7/2007
Revisão: 3/7/2007 a 16/10/2007
Aceito em: 17/10/2007
Conflito de interesses: não
284
original
INTRODUÇÃO
Cerca de 80% dos conhecimentos adquiridos
pelo ser humano são obtidos através do sentido da
visão1, o qual estabelece uma porta de entrada para
os estímulos que irão, principalmente nas primeiras
etapas da vida, motivar a criança a experiências e
vivências que nortearão o seu desenvolvimento2. O
sentido visual integra as diferentes modalidades sensoriais, relacionando um sentido com o outro e auxiliando a compreender as diversas informações provenientes dos demais sentidos3. Quando a deficiência
visual ocorre ao nascimento, pode afetar, portanto, o
desenvolvimento neuropsicomotor do indivíduo2.
Classifica-se como cegueira total a perda completa de visão nos dois olhos, mas com a possibilidade
ou não de percepção luminosa1, ou ainda, acuidade visual menor que 0,05 com a melhor correção óptica4.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), durante a 9a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças, ocorrida em 1975, reconheceu
a existência de uma vasta área entre a visão normal e
a cegueira denominada de baixa visão5. A pessoa com
baixa visão é aquela que possui um comprometimento de seu funcionamento visual, mesmo após tratamento e/ou correção de erros refracionais comuns, e
tem uma acuidade visual inferior a 0,3 ou um campo
visual inferior a 10 graus do seu ponto de fixação, mas
que utiliza ou é potencialmente capaz de utilizar a visão para o planejamento ou execução de uma tarefa6.
Uma criança é considerada deficiente visual congênita se nasceu assim ou adquiriu a deficiência no período neonatal7. As principais etiologias da deficiência
visual congênita são de origem genética ou infecciosa8, contudo, devido ao aumento da sobrevivência de
recém-nascidos de risco prematuros, a retinopatia da
prematuridade também se destaca dentre as causas de
baixa visão e cegueira congênitas9.
O desenvolvimento neuromotor de crianças
deficientes visuais está alterado em quase todos os casos de deficiência visual severa10. O desenvolvimento
da criança cega pode ser igual ao da criança vidente,
porém o ritmo é mais lento no que se refere à postura
e deslocamentos11. Contudo, se a criança cega não for
estimulada precocemente, tende a ser passiva e este
comportamento pode originar alterações no tônus, na
coordenação e no equilíbrio estático e dinâmico2.
O equilíbrio é um processo complexo que
envolve a recepção e a integração de estímulos sensoriais provenientes de 3 sistemas (somato-sensorial,
vestibular e visual) aliados ao planejamento e à execução do movimento para alcançar um objetivo, re-
285
querendo a postura ereta12. O sistema nervoso central deve organizar as informações dos receptores
sensoriais de todo o corpo antes que possa determinar a posição do corpo no espaço. Para tanto, é necessário que as informações periféricas dos sistemas
somato-sensorial, vestibular e visual estejam disponíveis para detectar o movimento e a posição do corpo
no espaço em relação à gravidade e ao ambiente13.
Visto que o sistema visual oferece referências pobres
ou nulas aos deficientes visuais congênitos, o desenvolvimento do equilíbrio nesses indivíduos passa a
depender dos outros 2 sistemas (somato-sensorial e
vestibular). Contudo, o sistema somato-sensorial está
organizado para um processamento mais lento das
informações no que diz respeito à sua atuação para
manter o equilíbrio14. Dessa forma, os deficientes visuais têm grande dependência da função do sistema
vestibular10.
Estimativas baseadas na população mundial
de 1996 indicavam a existência de 45 milhões de cegos e 135 milhões de pessoas com baixa visão15. No
Brasil, considerando a população brasileira em 160
milhões de habitantes no ano 2000, estimaram-se
640 mil cegos no país16. De acordo com esses dados, devem ser considerados de extrema importância programas de intervenção precoce, de modo a
“compensar” a deficiência visual e diminuir os possíveis atrasos neuromotores. A fisioterapia, através da
estimulação, poderá propiciar uma reorganização
sensorial logo nas primeiras etapas de vida, evitando
atraso motor e prevenindo alterações no equilíbrio
estático e dinâmico2.
Desse modo, a observação do grau de equilíbrio apresentado por indivíduos com deficiência
visual possibilitaria a reorganização e programação
eficaz do tratamento fisioterapêutico precoce. O objetivo deste estudo foi, portanto, analisar o equilíbrio
estático e dinâmico de crianças com cegueira total
congênita, baixa visão congênita e visão normal, na
faixa etária de 2 a 5 anos de idade.
MÉTODO
Caracterização do universo e plano de
amostragem
Fizeram parte do estudo 9 sujeitos, sendo
3 com cegueira total congênita, 3 com baixa visão
congênita e 3 com visão normal. Em cada subgrupo
citado, havia uma criança na faixa etária de 2 anos
de idade, uma com 3 anos de idade e outra com 5
anos de idade.
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
original
Local
As crianças deficientes visuais que participaram do estudo eram freqüentadoras do “Centro
Educacional João Fischer Sobrinho – área visual”,
projeto mantido pelo Centro de Promoção Social
Municipal da Prefeitura de Limeira, SP.
As crianças com visão normal da amostra
eram familiares de funcionários do referido Centro
Educacional.
Coleta de Dados
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
e Pesquisa do Centro Universitário Hermínio Ometto / Uniararas, de acordo com as Diretrizes e Normas Reguladoras do Conselho Nacional de Saúde
(Resolução no 196/96).
A coleta de dados foi realizada sob autorização prévia da Coordenação do Centro através de
uma Declaração de Consentimento, e dos responsáveis pelos sujeitos.
Os sujeitos foram previamente avaliados através de uma Ficha de Avaliação Fisioterapêutica, a
qual constou de anamnese para levantamento dos
antecedentes e exame físico para avaliação de possíveis fatores que pudessem interferir no exame do
equilíbrio, como presença de contraturas, deformidades, desvios posturais, déficits auditivos ou mentais. Em seguida, as crianças foram submetidas a
duas avaliações do equilíbrio estático e dinâmico,
utilizando a Escala de Equilíbrio e Mobilidade de
Tinetti17 (tabela 1) e o Exame Neurológico Evolutivo
(ENE)18 (tabela 2). Estas escalas não são específicas
para deficientes visuais. Assim, para não favorecer o
grupo de crianças videntes, os grupos de deficientes
visuais realizaram previamente o reconhecimento
tátil orientado do local e do material utilizado nos
testes, bem como lhes foi dada descrição verbal minuciosa a respeito das provas a serem realizadas.
Para a aplicação dos testes da Escala de Tinetti foram necessários: uma cadeira escolar infantil,
uma prateleira alta com objetos sonoros e/ou de alto
contraste para a criança alcançar e brinquedos sonoros e/ou de alto contraste para estimular a criança
na realização dos testes. A aplicação da avaliação do
equilíbrio utilizando o ENE foi realizada de acordo
com as orientações de Lefèvre (1972)18: demonstrar
previamente as provas até que a criança compreenda; realizar até 2 tentativas em cada prova; realizar
corretamente todas as provas correspondentes à sua
faixa etária para que se considere o equilíbrio adequado à sua idade; se a criança for mal sucedida em
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
alguma prova de sua idade, passar para aquelas correspondentes a idade inferior e assim sucessivamente
até que consiga realizar todas as provas de uma determinada faixa etária. Neste exame foram utilizados: cronômetro, régua, fita métrica e faixas adesivas
para marcar no solo as distâncias e a largura que
deveriam ser percorridas em determinadas provas
(para os deficientes visuais foi dada orientação verbal
durante as provas para que não saíssem da faixa), escada de pelo menos 6 degraus, corda, brinquedo sonoro ou de alto contraste, carrinho com cordão para
puxar. Para a aplicação dos testes de Tinetti foram
seguidas as mesmas orientações utilizadas no ENE
com relação à demonstração das provas e ao número
de tentativas.
No ENE, foram realizadas somente as provas
de equilíbrio aplicáveis na faixa etária analisada, e
excluídas aquelas que exigiam um guia para serem
executadas, como por exemplo correr e saltar obstáculos durante a corrida, visto que não seria possível
avaliar tal prova em crianças cegas.
Após a coleta de dados, os resultados foram
dispostos descritivamente e em tabelas, de acordo
com a faixa etária de cada criança e sua deficiência,
para posterior comparação.
RESULTADOS
Avaliação do equilíbrio através da Escala de
Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti
Nas provas equilíbrio sentado, equilíbrio em
pé imediato, equilíbrio em pé, equilíbrio com olhos
fechados, equilíbrio ao girar 360o e girar o pescoço,
tanto as crianças deficientes visuais (cegas e com baixa visão) quanto as crianças com visão normal de
todas as faixas etárias examinadas (2, 3 e 5 anos) obtiveram escore normal.
Na prova levantar da cadeira, as crianças
cegas de 2 e 3 anos apresentaram escore adaptável (usaram os braços para se levantar), enquanto
que as crianças de baixa visão e visão normal nas
mesmas faixas etárias obtiveram escore normal. Na
faixa etária de 5 anos, todas as crianças da amostra
(cega, baixa visão e visão normal) apresentaram escore normal.
Na prova empurrão no tórax, na faixa etária
de 2 anos, as crianças cega, de baixa visão e de visão
normal obtiveram escore adaptável (houve necessidade de mover os pés para manter o equilíbrio).
Contudo, nas faixas etárias de 3 e 5 anos todas as
crianças pesquisadas obtiveram escore normal.
286
original
Tabela 1. Avaliação do equilíbrio através de atividades orientadas17.
Manobra
Resposta
Normal
Adaptável
Anormal
Equilíbrio sentado
Firme, estável
Segura na cadeira para se apoiar
Levantar da cadeira
É capaz de se levantar em um único
movimento sem usar os braços
Uso dos braços (na cadeira ou em Várias tentativas são necessárias ou
algum apoio) para puxar ou se pu- é incapaz sem auxílio humano
xar; e/ou movimentar para frente
na cadeira antes de se levantar
Inclinar, escorregar na cadeira
Equilíbrio em pé imediato (primei- Firme sem apoio, com os pés jun- Firme, mas usa de auxilio de obje- Qualquer sinal de instabilidade
ros 3 a 5 seg.)
tos, sem se apoiar em objetos
tos para suporte
Equilíbrio em pé
Firme, capaz de ficar em pé com os
pés juntos, sem segurar em objetos
como apoio
Firme, mas, não consegue manter Qualquer sinal de instabilidade
os pés juntos
sem levar em consideração o apoio
ou se apoiar em um objeto
Equilíbrio com os olhos fechados Firme, sem se apoiar em qualquer Firme com os pés separados
(com os pés, mais próximos possí- objeto com os pés juntos
veis)
Equilíbrio ao girar (360º)
Qualquer sinal de instabilidade ou
necessidade de se apoiar em um
objeto
Sem se agarrar com força ou vaci- Passos são descontinuados (pacien- Qualquer sinal de instabilidade ou
lar; sem se apoiar em qualquer ob- te coloca um pé completamente no necessidade de se apoiar em um
jeto; passos contínuos (roda em um chão antes de levantar o outro pé)
objeto
movimento suave)
Empurrão no tórax (paciente em pé Firme, capaz de se opor a pressão
com os pés, o mais próximo possível, e o examinador empurra com
uma leve pressão sobre o esterno
(peito) 3 vezes, reflete a habilidade
de resistir a um deslocamento)
Necessidade de mover os pés, mas
capaz de manter o equilíbrio
Começa a cair, ou o examinador
tem que auxiliar para manter o
equilíbrio
Girar o pescoço (paciente é solicitado a girar a cabeça de um lado
para o outro e para cima, enquanto
mantém a postura em pé com os
pés os mais próximo possível)
Capaz de girar a cabeça, pelo menos até a metade, de um lado para
o outro e, capaz de curvar o pescoço para olhar para o teto; sem vacilar, apoiar com força ou qualquer
sintomas de instabilidade ou dor
Diminuição da habilidade de esten- Qualquer sinal de instabilidade ou
der e girar o pescoço de um lado sintomas quando girar a cabeça ou
para o outro, mas sem vacilar, se estender o pescoço
apoiar ou qualquer sintoma de instabilidade, ou dor
Equilíbrio com apoio de uma só
perna
Capaz de permanecer com o apoio
de uma só perna durante 5 seg., sem
se apoiar em objetos para apoio
------------------------------
Incapaz
Extensão do tronco (peça ao pa- Boa extensão sem se apoiar em obciente para estender o tronco o jeto ou vacilar
máximo possível, sem se apoiar em
objeto, se possível)
Tenta se estender, mas com am- Não tenta, ou não se vê a extensão,
plitude de movimento diminuída ou apresenta uma tontura/balan(compare com outros pacientes da ceio
mesma idade) ou necessita se apoiar
em objeto para tentar extensão
Alcançar (peça ao paciente para re- Capaz de retirar o objeto sem nemover um objeto de uma prateleira cessidade de se apoiar em outro
alta o suficiente para necessitar um objeto e sem ficar instável
alongamento ou ficar sobre os pés)
Capaz de retirar o objeto e permanecer em apoio único mas necessita
se segurar com os braços ou sobre
alguma coisa.
Sentar
Capaz de sentar em um único e su- Necessita utilizar os braços para se Cai na cadeira, não consegue ajusave movimento
guiar até a cadeira ou realiza o mo- tar a distância (senta fora do centro
vimento de forma brusca
Na prova de apoio em uma só perna, nas faixas etárias de 2 e 3 anos, tanto as crianças deficientes
visuais (cegos e baixa visão) quanto as crianças de
visão normal foram incapazes de realizar a prova
(escore anormal). Na faixa etária de 5 anos, todas as
crianças estudadas obtiveram escore normal.
Na prova de extensão de tronco, na faixa etária de 2 anos, tanto a criança cega quanto a de baixa
visão obtiveram escore anormal (não tenta ou não se
vê a extensão), enquanto que a criança de visão normal apresentou escore normal. Na faixa etária de 3
287
Incapaz de alcançar o objeto ou
incapaz de retirar o objeto após alcançá-lo ou necessita de múltiplas
tentativas
anos, a criança cega obteve escore anormal, a de baixa visão escore adaptável (amplitude de movimento
diminuída comparada à criança de visão normal de
mesma idade) e a de visão normal, escore normal.
Na faixa etária de 5 anos, todas as crianças estudadas
obtiveram escore normal.
Na prova alcançar, na faixa etária de 2 anos,
a criança cega obteve escore adaptável (usa os membros superiores para se segurar) e a de baixa visão e
visão normal, escore normal. As crianças de 3 e 5
anos analisadas obtiveram escore normal.
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
original
Tabela 2. Provas de equilíbrio estático e dinâmico do ENE utilizadas neste estudo .
18
EXAME DO EQUILÍBRIO ESTÁTICO
IDADE
PROVAS CORRESPONDENTES À IDADE
2 – 3 anos
Prova 8: Parado. Apoio plantar. Braços caídos ao longo do corpo. Pés juntos. Olhos abertos. Duração 30 segundos
4 anos
Prova 9: Igual a 8 com olhos fechados
5 anos
Prova 24: De pé. Apoio plantar. A ponta de um pé encostada no calcanhar do outro. Olhos abertos. Duração 10 segundos.
IDADE
PROVAS CORRESPONDENTES À IDADE
2 -3 anos
Prova 27: Andar 5 metros numa faixa de 1 metro de largura. A marcha deve ser coordenada e segura.
Prova 30: Andar pra trás puxando um carrinho por um cordão. Ocorre falha se a troca de passos alternada for imperfeita.
Prova 36 e 37: Subir (36) e descer (37) uma escada sem se apoiar no corrimão ou receber apoio do examinador. Não é necessário
alternar os pés nos degraus. Há falha quando perde o equilíbrio ou quando não é capaz de subir ou descer. Não é necessário mais
que 6 degraus. Estas provas não se aplicam a idade de 2 anos.
Prova 52: Apanhar um objeto no chão sem o auxílio da outra mão e entregar ao examinador.
4anos
Prova 33: Andar nas pontas dos pés por 5 metros numa faixa de 1 metro de largura. Há falha se pousar a planta do pé no chão, se
romper o equilíbrio ou se apresentar desvio para fora da faixa de 1 metro.
Prova 38 e 39: Semelhante a 36 e 37, exige-se apenas que alterne os pés ao subir (38) ou descer (39).
5 anos
Prova 31: Andar para frente, numa extensão de 2 metros, colocando o calcanhar de um pé encostado na ponta do outro. Há falha se
perde o equilíbrio durante a marcha ou se não é capaz de encostar o calcanhar corretamente na ponta do outro pé.
Prova 44: Saltar sobre corda esticada a 30 cm de altura estando a criança parada próxima a corda com os pés juntos. Saltar com os
2 pés ao mesmo tempo. Não é necessário que os pés permaneçam juntos durante o salto. Há falha se não puder saltar, derrubar a
corda ou se não saltar com os 2 pés.
Prova 46: Deslocar-se por 5 metros pulando com os pés juntos dentro de faixa com largura de 1 metro. Falha se perder o equilíbrio,
não saltar com os pés juntos ou sair fora da faixa.
Prova 47: Semelhante a 46 só que com um pé só (deixar escolher o pé). Falha se, não conseguir deslocar-se pulando, encostar o outro
pé no chão ou sair da faixa de 1 metro.
Prova 50 e 51: Dar um salto para o lado e cair parado. Deixar escolher o lado (50); mandar pular para o outro lado (51). O pulo
deve ser realizado com os pés juntos; tolera-se se estiverem encostados parcialmente. Falha se não pular ou se perder o equilíbrio ao
tocar o solo.
EXAME DO EQUILÍBRIO DINÂMICO
Na prova sentar, nas faixas etárias de 2 e 3
anos, as crianças cegas obtiveram escore adaptável
(utilizaram os membros superiores), enquanto que
as de baixa visão e de visão normal, escore normal.
Na faixa etária de 5 anos, todos os grupos analisados
obtiveram escore normal.
Avaliação do equilíbrio através do ENE
Os testes realizados foram de acordo com a faixa
etária de cada criança. Quando a criança não conseguiu realizar todas as provas de sua faixa etária, foram
realizadas as provas da idade imediatamente inferior.
Na avaliação do equilíbrio estático, observouse que todas as crianças de 2 e 3 anos de idade realizaram adequadamente a prova correspondente à
sua faixa etária. Na faixa etária de 5 anos, a criança
cega e a criança com baixa visão realizaram a prova
de equilíbrio estático de sua faixa etária de forma
inadequada ou não realizaram, conseguindo apenas
realizar adequadamente a prova de equilíbrio estático da idade imediatamente abaixo (tabela 3).
Na avaliação do equilíbrio dinâmico, observou-se que na faixa etária de 2 anos a criança cega
realizou inadequadamente ou não realizou as provas de sua idade. As crianças com baixa visão e a de
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
visão normal realizaram adequadamente as provas.
Na faixa etária de 3 anos, a criança cega não realizou adequadamente as provas de equilíbrio dinâmico de sua idade e também não conseguiu realizar
adequadamente todas as provas da idade imediatamente abaixo. A criança com baixa visão e a com
visão normal, de 3 anos, não conseguiram realizar
adequadamente todas as provas de sua idade, porém
realizaram adequadamente todas as provas da idade de 2 anos. Na faixa etária de 5 anos, as crianças
cegas e as com baixa visão não conseguiram realizar adequadamente todas as provas de acordo com
sua idade, realizando adequadamente todas as provas para a idade de 4 anos. Já a criança com visão
normal de 5 anos realizou adequadamente todas as
provas de sua idade (tabela 4).
DISCUSSÃO
Crianças de 1 a 6 anos de idade não conseguem se equilibrar em um só pé, mantendo tal
postura somente aos 7 anos, a qual atinge de olhos
fechados, aperfeiçoando-se conforme o avanço da
idade19. A visão, portanto, torna-se fator importante
no controle do equilíbrio de crianças pequenas, porém, na ausência da referência visual, os demais siste-
288
original
mas responsáveis pelo equilíbrio (somato-sensorial e
vestibular) vão refinando sua capacidade de resposta
de modo a auxiliar no controle do equilíbrio. Desse
modo, segundo a análise pela Escala de Tinetti, observou-se que as crianças deficientes visuais (cegos e
baixa visão) apresentaram déficit de equilíbrio quando comparadas às crianças de visão normal, na faixa
etária de 2 e 3 anos de idade. Nessas idades, a visão
é, portanto, fator principal no ajuste postural desses
indivíduos19. Já na faixa etária de 5 anos, o desempenho dos deficientes visuais nos testes de Tinetti foi
igual ao apresentado pelas crianças de visão normal,
sugerindo um refinamento dos demais sistemas sensoriais para controle de equilíbrio adequado.
Contudo, devemos considerar que a Escala
de Tinetti foi desenvolvida para avaliar o equilíbrio
através de atividades orientadas, e não para acompanhar a evolução motora de crianças pequenas.
Não há pesquisa científica aplicando essa escala em
crianças, e sim em indivíduos idosos, principalmente como preditor de quedas nessa população. Desta forma, devemos associar o mau desempenho das
crianças de 2 e 3 anos nas provas dessa escala ao
fato de não terem atingido ainda o nível adequado
de maturidade para esses testes.
A Escala de Tinetti contém testes complexos,
tanto do ponto de vista da compreensão como da
execução, principalmente em crianças na faixa etária
de 2 anos, fato observado na nossa casuística, onde
a criança cega e a de baixa visão realizaram menos
provas (6 e 9 provas, respectivamente) comparadas
à criança de visão normal (10 provas). Da mesma
forma, na faixa etária de 3 anos, a criança cega e a
de baixa visão realizaram menos provas com escore normal (8 e 10 provas, respectivamente), quando
comparadas à criança com visão normal (11 provas).
Aos 5 anos, não há diferença entre os resultados das
provas nos 3 grupos avaliados (visão normal, cegos e
baixa visão), demonstrando que a idade pode interferir mais do que o déficit visual.
Devido ao número limitado de crianças em
cada faixa etária e de cada patologia analisada, permitiu-se a análise qualitativa dos dados, sendo necessário aumentar o número de sujeitos, a fim de
possibilitar a análise estatística adequada, de modo a
verificar o real fator de interferência de execução das
tarefas: idade ou deficiência visual.
Na análise do ENE, observou-se que a criança
cega de 2 anos apresentou atraso no equilíbrio dinâmico, da mesma forma que a criança com baixa visão
e a de visão normal de 3 anos, as quais apresentaram
equilíbrio dinâmico correspondente à faixa etária inferior. A criança cega dessa idade não atingiu nem
mesmo esse nível. Na faixa etária de 5 anos, as crianças cegas e as com baixa visão apresentaram equilíbrio estático e dinâmico correspondentes à idade de
4 anos. O ENE apresenta testes de maior complexidade e especificidade que os de Tinetti, por isso têm
a capacidade de revelar mais apuradamente possíveis
déficits; isso explicaria o fato de os deficientes visuais
continuarem apresentando déficit de equilíbrio na faixa etária de 5 anos quando examinados com o ENE,
fato não revelado nos testes de Tinetti.
Estudos demonstraram, através de provas de
equilíbrio estático do ENE e da avaliação quantitativa utilizando Plataforma de Força Cybex Reactor, que a
criança cega apresentou um equilíbrio estático menor
em relação à criança vidente de idade semelhante20.
Outro trabalho analisou o ajuste postural de 2 grupos
de crianças (20 crianças cegas e 20 crianças com visão
normal, pareados por idade e sexo) através do ENE e
constatou que as crianças cegas apresentaram pior desempenho nas provas de equilíbrio estático e dinâmico
quando comparadas às crianças com visão normal21.
Tabela 3. Resultados da aplicação dos testes de equilíbrio estático do ENE.
Avaliação através do ENE
Exame do equilíbrio estático
Provas de acordo
com a idade
Crianças de 2 anos
Crianças de 3 anos
Cego total
Baixa visão
Visão
normal
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Crianças de 5 anos
Cego total
Baixa visão
Visão
normal
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Cego total
Baixa visão
2–3 anos
Prova 8
4 anos
Prova 9
Realização
adequada
Realização
adequada
5 anos
Prova
24
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
inadequada ou não
realiza
289
Visão
normal
Realização
adequada
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
original
Tabela 4. Resultados da aplicação dos testes de equilíbrio dinâmico do ENE na amostra.
Avaliação através do ENE
Exame do equilíbrio dinâmico
Provas de acordo com
a idade
2–3 anos
4 anos
5 anos
Crianças de 2 anos
Crianças de 3 anos
Cego total
Baixa
visão
Visão
normal
Prova 27
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Prova 30
Realização
inadequada ou não
realiza
Prova 36
(apenas 3
anos)
—
Crianças de 5 anos
Cego total
Baixa
visão
Visão
normal
Cego total
Baixa
visão
Realização
adequada
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Realização
adequada
—
—
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Realização
adequada
Prova 33
Realização
adequada
Realização
adequada
Prova 38
Realização
adequada
Realização
adequada
Prova 39
Realização
adequada
Realização
adequada
Prova 31
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Prova 44
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Prova 46
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Realização
adequada
Prova 47
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
inadequada ou não
realiza
Realização
adequada
Prova 50
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Prova 51
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Prova 37
(apenas 3
anos)
—
—
—
Realização
inadequada ou não
realiza
Prova 52
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Realização
adequada
Tais dados concordam com os nossos resultados, os
quais demonstraram achados semelhantes.
Em relação ao estudo do equilíbrio em crianças com baixa visão, não foram encontrados dados
na literatura, porém provavelmente pode-se sugerir
que o resíduo visual que esses indivíduos apresentam
pôde auxiliá-los, de forma que apresentaram desem-
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
Visão
normal
penho melhor nos testes de equilíbrio quando comparados aos cegos, mantendo, contudo, desempenho
inferior às crianças videntes.
A visão desempenha influência principal na
compensação do controle postural em crianças de
2 a 6 anos de idade, sendo a contribuição máxima
observada em crianças aos 6 anos22,23. Tal compen-
290
original
sação também é observada em neonatos cegos congênitos24. Diante desses achados, estratégias para
compensar a falta de calibração dos sistemas vestibular e proprioceptivo, promovidas pela visão, devem
ser adotadas em intervenções terapêuticas precoces
para crianças visualmente incapacitadas. Tais intervenções podem minimizar as alterações motoras em
deficientes visuais congênitos, os quais avaliaram e
trataram 12 crianças cegas e com baixa visão congênita com deambulação independente25.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos sugerem que crianças deficientes visuais congênitas de 2 a 5 anos de idade apresentam déficit de equilíbrio estático e dinâmico quando
comparadas a crianças de visão normal de mesma idade, sendo que o déficit é maior nas crianças cegas do
que nas com baixa visão da mesma faixa etária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Rocha H. Ensaio sobre a problemática da cegueira: prevenção e
reabilitação. Belo Horizonte: Fundação Hilton Rocha, 1987, 354 p.
2. Figueira MMA. Assistência fisioterápica a criança portadora de cegueira congênita. Benj Constant 2000;17:10–23.
3. Sanchez PA. Deficiencias visuales y psicomotricidad: teoria y prática. Madrid: Organizacion Nacional de Ciegos Españoles, 1994, 250 p.
4. Thylefors B, Négrel AD, Pararajasegaram R, Dadzie KY. Global
data on blindness. Bull World Health Organ 1995;73:115–21.
5. Colenbrander A, Fletcher DC. Basic concepts and terms for low
vision rehabilitation. Am J Occupat Ther 1995;49:865–9.
6. Organização Mundial da Saúde. O atendimento de crianças com
baixa visão. Programa para prevenção de cegueira da OMS. Bangkok:
OMS, 1994, 54 p.
7. Jan JE, Robinson GC, Kinnis ESC. Hipotonia in the blind children.
Dev Med Child Neurol 1975;17:35–40.
8. Tartarella MB, Castro CTM. Estimulação visual precoce. In: Castro
DDM. Visão Subnormal. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1994, pp. 94–107.
291
9. Jacobson L, Fernell E, Broberger V, Ek V, Gilbert C. Children with
blindness duo to retinopaty of prematurity: a population-based study,
perinatal data, neurological and ophthalmological outcome. Dev Med
Child Neurol 1998;4:155–9.
10. Hyvarinen L. La vision normal e anormal en los niños. Madrid:
Organizacion Nacional de Ciegos Españoles, 1988, 92 p.
11. Farias GC. Intervenção precoce: reflexões sobre o desenvolvimento
da criança cega até 2 anos de idade. Benj Constant 2003;26:3–11.
12. Allison L, Fuller K. Equilíbrio e desordens vestibulares. In: Umphred DA. Reabilitação neurológica. 4a ed. Barueri: Manole, 2004, pp.
648–95.
13. Shumway-Cook A, Woollacott MH. Controle Motor: teoria e aplicações práticas. 2a ed. Barueri: Manole, 2003, 592 p.
14. Guyton AC. Fisiologia Humana. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1988, 141 p.
15. Resnikoff S, Parajasegaram R. Blindness prevention programmes:
past, present and future. Bull World Health Organ 2001;79:222–6.
16. Kara-José N, Arieta CEL. South American programme: Brazil.
Com Eye Hlth 2000;13:55–6.
17. Tinetti ME. Performance-oriented assessment of mobility problems
in elderly patients. J Am Ger Soc 1986;34:119-26.
18. Lefèvre AB. Exame neurológico evolutivo do pré-escolar normal. 2a
ed. São Paulo: Sarvier, 1976, 182 p.
19. Gallahue DL, Ozmun JC. Understanding Motor Development: infants, children, adolescents, adults. New York: McGraw-Hill, 1998, 334
p.
20. Gomes CP, Bueno RO, Gagliardo HGRG. Estudo do equilíbrio
estático da criança deficiente visual. Temas sobre desenvolvimento
2004;13:47–53.
21. Navarro AS, Fukujima MM, Fontes SV, Matas SLA, Prado GF. Balance and motor coordination are not fully developed in 7-year-old blind
children. Arq Neuropsiquiatr 2004;62:654–7.
22. Hamilton ML. Effect of optokinetic stimulation on gait initiation
in children ages four to ten. In: Woollacoott MH, Horak F. Posture and
Gait: control mechanisms. Portland: University of Oregon Books, 1992,
pp. 255–8.
23. Assaiante A, Amblard B. Peripheral vision and age-related differences in dynamic balance. Human Mov Sci 1992;11:533–48.
24. Prechtl HFR, Cioni G, Einspieler C, Bos AF, Ferrari F. Role of vision on early motor development: lessons from the blind. Dev Med Child
Neurol 2001;43:198–201.
25. Lopes MCB, Kitadai SPS, Okai LA. Avaliação e tratamento fisioterapêutico das alterações motoras presentes em crianças deficientes visuais. Rev Bras Oftalmol 2004;63:155–61.
Rev Neurocienc 2007;15/4:284–291
original
Adequações posturais em cadeira de
rodas — prevenção de deformidades na
paralisia cerebral
Postural adjustment in wheelchairs — deformities prevention in Cerebral Palsy
Moisés Veloso Fernandes1, Antonio de Olival Fernandes2, Renata Calhes Franco1,
Marina Ortega Golin3, Lígia Abram dos Santos3, Chrystianne de Mello Setter3,
Julyana Mayara Biasi Tosta4
RESUMO
SUMMARY
Introdução. A Paralisia Cerebral (PC) é uma encefalopatia crônica
não evolutiva, estacionária, com distúrbio de motricidade e sensorial, resultante de uma lesão cerebral no início do desenvolvimento
neuromaturacional, que, de acordo com a severidade, pode evoluir
com deformidades ortopédicas. Objetivo. O objetivo deste estudo
foi avaliar as deformidades existentes em crianças portadoras de tetraplegia e associá-las ao uso precoce de cadeira de rodas adaptada.
Método. Foram avaliadas 10 crianças portadoras de PC tetraplégica
entre 5 e 13 anos, com tônus espástico, atetóide ou misto, que faziam
uso deste mobiliário. O estudo foi realizado na clínica de fisioterapia da Uninove, através de um questionário oferecido aos pais sobre adaptações existentes na cadeira de rodas, tempo de uso, órteses
utilizadas, deformidades associadas e recursos adotados para sentar
as crianças antes de adaptar a cadeira. Resultados. Os resultados
obtidos demonstraram que a grande maioria das crianças que iniciaram o uso tardio de cadeira de rodas, mesmo com as principais
adaptações e acessórios necessários, apresentou deformidades. Foi
verificado também que essas deformidades estão diretamente relacionadas ao tônus predominante espástico e ao mau posicionamento
precoce. Conclusão. Pode-se concluir que o uso da cadeira de rodas
adaptada é muito importante na prevenção de deformidades, principalmente quando associada ao seu uso precoce.
Introduction. The Cerebral Palsy (CP) is a chronic, stationary lesion of the central nervous system, with disturbance of
senses and movement, caused by cerebral injury at the beginning of the nervous maturation development which, depending on the severity, might develop with orthopedic deformities. Objective. The objective of this study was to evaluate
the deformities in children with quadriplegic CP and associate them with the early use of adapted wheelchairs. Method.
Ten 5- to 13-year-old children with quadriplegic CP and with
spastic, mixed, or athetoid tonicity, who used wheelchair,
have been analyzed. The study was carried out in the physiotherapy clinic of Uninove with a questionnaire sent to the
parents of the children about the existing adaptations in the
chair, time of use, the orthesis used, the deformities found
and resources applied to seat the children before adapting the
chair. Results. Most of the children that began late using the
chair, despite the main adaptations, displayed deformities. We
also observed that such deformities are directly related to predominant spastic tonicity and the bad precocious positioning.
Conclusion. We concluded that the use of adapted wheelchairs is essential to deformities prevention, mainly when associated with its early use.
Unitermos: Paralisia Cerebral. Deformidades Articulares Adquiridas. Cadeiras de Rodas. Reabilitação.
Keywords: Cerebral Palsy, Joint Deformities Acquired,
Wheelchairs, Rehabilitation.
Citação: Fernandes MV, Fernandes AO Franco RC, Golin MO,
Santos LA, Setter CM, Tosta JMB. Adequações posturais em cadeira de rodas - prevenção de deformidades na paralisia cerebral.
Citation: Fernandes MV, Fernandes AO, Franco RC, Golin
MO, Santos LA, Setter CM, Tosta JMB. Postural adjustment in
wheelchairs – deformities prevention in Cerebral Palsy.
Trabalho realizado no Centro Universitário Nove de Julho.
1. Fisioterapeuta, Professor e supervisor de estágio do Centro Universitário Nove de Julho-UNINOVE.
2. Fisioterapeuta, Coordenador do curso de Fisioterapia do Centro
Universitário Nove de Julho-UNINOVE.
3. Fisioterapeuta, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP. Professoras e supervisoras de estágio do Centro Universitário Nove de Julho-UNINOVE.
4. Aluna do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Nove de
Julho, São Paulo – SP.
Rev Neurocienc 2007;15/4:292–296
Endereço para correspondência:
Moisés Veloso Fernandes.
Rua Profª Maria José Baroni Fernandes, 300.
02117-020 São Paulo, SP
Fone: 6633-9301 / 9686-7229 Fax: 3667-5987
E-mail: [email protected]
Recebido em: 7/9/2007
Revisão: 8/9/2007 a 28/11/2007
Aceito em: 29/11/2007
Conflito de interesses: não
292
original
INTRODUÇÃO
A Paralisia Cerebral (PC) é uma encefalopatia
crônica não evolutiva, estacionária, com predominante distúrbio de motricidade e sensorial, resultante
de uma lesão cerebral no início do desenvolvimento
neuromaturacional1-3.
As causas etiológicas podem ser quaisquer condições que levem a uma anormalidade do Sistema Nervoso Central (SNC), como o desenvolvimento anormal
do cerebelo, anóxia cerebral perinatal associada à prematuridade, lesões traumáticas do SNC, trabalho de
parto prolongado ou uso de fórceps e infecções cerebrais na fase inicial do período pós-natal2,4-7.
O diagnóstico do quadro clínico da paralisia
cerebral baseia-se nas classificações das qualidades
topográfico-tônicas do paciente. A topografia mais
comum é a tetraplegia, onde todo o corpo é afetado
e, na maioria das vezes, resulta em uma assimetria de
postura e movimento5,6,8. Os padrões tônicos dessa topografia são divididos em: espasticidade, quando o músculo mostra uma resistência maior do que o esperado
no movimento passivo. Tal resistência diminui rapidamente (fenômeno do canivete), caracterizando uma
hipertonia, marcada pela presença de hiper-reflexia e
sinais de liberação piramidal; extrapiramidal como: atetóides, que são os movimentos involuntários em extremidades, lentos e serpenteantes, coréicos, que estão
presentes nas raízes dos membros e são muito rápidos,
e distônicos, que são os movimentos atetóides mantidos com posturas fixas que se modificam após algum
tempo, associados a movimentos torcionais; atáxico,
com incoordenação de movimentos pelo fato de ter
origem cerebelar. As formas mistas geralmente se apresentam pela combinação de movimentos distônicos e
coreo-atetóides1,2,5,6,9,10.
Dentre as deformidades relacionadas ao tronco
de pacientes espásticos, são observadas as escolioses
neuropáticas graves, com freqüência em região tóracolombar, de início precoce com rápida progressão10,11.
A obliqüidade pélvica associada às curvas neuropáticas impede que a pelve mantenha sua horizontalidade
na posição sentada e a associação com a rotação pélvica pode ser causada por contratura dos músculos que
se fixam acima e abaixo da pelve11.
Em relação aos membros superiores, observa-se outra freqüente deformidade estática, que é
a adução do polegar. Já as deformidades dinâmicas
são as que mostram a flexão e o desvio ulnar do punho. O tônus aumentado da musculatura adutora e
do primeiro interósseo dorsal gera a deformidade do
polegar. Esse posicionamento leva à luxação da arti-
293
culação metacarpofalangeana, dificultando a correção da deformidade2,10,12.
As deformidades de quadril também são bastante comuns, sendo que a luxação coxofemoral é
uma das principais, ocorrendo por uma limitação da
abdução passiva e ativa9,10,12-14. A deformidade em
varismo dos pés é conseqüência da espasticidade do
tibial posterior. Já o valgismo está freqüentemente
associado à espasticidade dos fibulares e ao eqüinismo do pé, seguindo-se outras como o “hallux valgus”
e os artelhos em garras2,15.
Além do tratamento da PC baseado nos principais métodos de reeducação neurológica, pode-se
citar o posicionamento da criança em um mobiliário, como a cadeira de rodas, que é uma órtese móvel
utilizada para propiciar sustentação, retificar, corrigir e/ou prevenir uma deformidade9,16.
O exame físico do paciente que fará uso da
cadeira de rodas deve incluir a avaliação ortopédica
dos membros inferiores, a fim de identificar encurtamentos e deformidades e adaptar a criança de maneira adequada ao sistema encosto/assento. Alguns
testes podem ser realizados, como o Thomas para
encurtamento de iliopsoas, o Ângulo Poplíteo para isquiostibiais, ou o Elly Ducan para reto femoral13,17,18.
O sistema de sustentação é composto de assento e de
quaisquer componentes adicionais, como suportes
para tronco, cintas para adutores, abdutores e colo,
necessários para a manutenção do alinhamento postural. Nesse caso, o contato total entre a superfície
inferior da coxa e a superfície do assento favorecerá
a habilidade de sentar-se ao propiciar uma base estável de sustentação. Em pacientes com alterações
neuromusculares, o assento pode necessitar de uma
“sela” abdutora para a manutenção do alinhamento dos membros inferiores. Quanto mais firme for a
superfície de assento, maior será a simetria proporcionada ao paciente10,11. Pacientes que possuem um
bom controle de tronco necessitam de uma superfície
de encosto até o meio da escápula. No caso da paralisia cerebral, os encostos devem ser altos, com apoio
para a cabeça. Pode ser utilizado um cinto de segurança para a proteção do paciente e para auxiliar
no controle postural. Os descansos para os braços
com altura ajustável são importantes também para
o posicionamento de uma prancha para colo, que
é outro dispositivo que auxilia na obtenção de um
posicionamento simétrico dos membros superiores e
no controle postural. O tipo e a posição do apoio
para os pés são importantes considerações na avaliação para a prescrição da cadeira. É necessário que se
Rev Neurocienc 2007;15/4:292–296
original
obtenha uma postura vertical, com quadris e joelhos
em flexão de 90º, neutralizando a pelve18-20.
O objetivo deste estudo foi avaliar as deformidades existentes em crianças portadoras de Paralisia
Cerebral tetraplégica e associá-las com o tratamento preventivo através de orientações de adequações
posturais nas cadeiras de rodas recebidas.
MÉTODO
Este trabalho foi realizado com 10 crianças
portadoras de Paralisia Cerebral com idades entre 5
e 13 anos, de ambos os sexos, sendo crianças tetraplégicas espásticas, atetóides ou mistas, que fazem uso
de cadeira de rodas. O estudo foi realizado na Clínica de Fisioterapia da Uninove, no ambulatório de
neuropediatria, durante o mês de agosto do ano letivo
de 2006. Os critérios de exclusão foram crianças diplégicas e/ou hemiplégicas e crianças que não apresentaram a idade solicitada para inclusão na pesquisa.
A pesquisa teve sua aprovação pelo Comitê de Ética
do Centro Universitário Nove de Julho em março de
2006 e os pais e/ou cuidadores assinaram o termo de
consentimento para participação na pesquisa.
As crianças foram avaliadas através de um questionário (anexo 1) sobre início do uso da cadeira de rodas, tipos de adaptações utilizadas, recursos utilizados
para sentar a criança antes da cadeira e deformidades
apresentadas. As deformidades foram relacionadas
com as possíveis causas como o uso tardio da cadeira,
a falta de adaptações e o mau posicionamento.
cientes atetóides. Essa relação demonstra que 80%
dos pacientes avaliados apresentavam, de alguma
maneira, certo grau de espasticidade, seja ela característica principal ou um componente tônico.
Quanto ao tipo de adaptação utilizada em
cadeira de rodas, o apoio para tronco e a faixa estabilizadora de tronco foram os mais utilizados (figura 2). Todos os pacientes (100%) apresentaram
essas adaptações, seguidas do assento anatômico e
do apoio para os pés (90% cada). Encosto cervical
e apoio para os braços foram relatados em 80% dos
casos, e, por último, o cavalo de abdução, que era
utilizado por 50% dos pacientes.
Os resultados demonstraram que os recursos
mais utilizados para sentar as crianças antes da cadeira de rodas foram os carrinhos de bebê e o próprio
colo dos pais e/ou cuidadores, sendo 30% para cada
um, seguidos de cadeira comum e “bebê conforto”,
com 20% para cada. Observa-se que 70% dos pacientes apresentavam a cifose como principal deformidade encontrada em tronco (figura 3), seguida da
escoliose funcional com convexidade torácica (40%
cada uma) e da escoliose estrutural com convexidade
lombar (10% cada uma). Em relação às deformidades dos membros, 80% dos pacientes apresentavam
a deformidade dos pés em eqüino varo, 70% apresentavam deformidade de punho em flexão, 20%
apresentavam luxação da articulação do quadril e
10% apresentavam pé em eqüino valgo e luxação da
primeira articulação metacarpofalangeana.
RESULTADOS
A grande maioria dos pacientes (80%) iniciou
o uso da cadeira de rodas entre 5 e 7 anos (figura 1),
seguido de 20% que iniciaram entre 8 e 10, e entre
11 e 13. Nenhuma criança iniciou o uso da cadeira
de rodas acima dos 13 anos. A figura também demonstra a distribuição quanto à classificação tônica
dos pacientes, que foi de 40% tanto para os espásticos quanto para os mistos, e de 20 % para os pa-
DISCUSSÃO
Este estudo demonstra algumas relações que
estão de acordo com as demais literaturas, principalmente no que diz respeito às deformidades relacionadas ao tônus espástico, mau posicionamento, uso
tardio da cadeira de rodas adaptadas e, provavelmente, ao fato de a cadeira não apresentar um bom
resultado se não relacionada ao uso de alguma órtese
de posicionamento e início precoce2,9.
100
80
Mobiliário ou recurso
anterior à cadeira de rodas
60
40
Idade (anos)
Adaptações/cadeira
de rodas
20
Tipo de tônus
Misto
Figura 1. Distribuição em percentual dos pacientes por faixa etária de
acordo com o início do uso da cadeira de rodas e pelo tipo de classificação tônica.
Rev Neurocienc 2007;15/4:292–296
Be
co
de
bê beb
co ê
n
sto fort
ce o
rv
ica
l
Ap
C
oi
ol
os
o
As
de
s
tro
Ap ent
nc
o
oi
o
an
o
at
de
pé ômi
c
C
av s reg o
al
ul
o
áv
Ap de
el
oi abd
o
pa uçã
Fa
o
ra
ix
b
a
pa raço
ra
s
tro
nc
o
Espástico Atetóide
En
> 13
ho
eir
11 a 13
C
ad
8 a 10
C
ar
5a7
rin
a
co
m
um
0
Figura 2. Distribuição quanto ao tipo de “mobiliário” mais utilizado
para sentar os pacientes antes da cadeira de rodas e os tipos de adaptações utilizados posteriormente na mesma.
294
original
100
80
60
Deformidades/Tronco
40
Deformidades/Membros
20
Es
co
lio
se
n
C
ão
ifo
es
Es
tru se
co
tu
lio
ra
se
da
C
es
on
tru
ve
tu
xi
r
d
al
ad
C
on
et
ve
or
xi
da ácic
de
a
lo
Lu
m
ba
xa
r
çã
o
qu
ad
Pé
r
i
eq
l
ü
Pé inov
ar
eq
o
üi
no
Pu
va
lg
nh
o
o
em
fle
Lu
xã
xa
o
çã
o
po
leg
ar
0
Figura 2. Distribuição de acordo com as deformidades encontradas
em tronco e nos membros dos pacientes.
As deformidades relacionadas ao tronco de
pacientes tetraparéticos espásticos são observadas
com freqüência e têm início precoce com rápida
progressão. Neste estudo, observa-se essa importante
relação, pois 80% dos pacientes iniciaram o posicionamento em uma cadeira de rodas adaptada entre 5
e 7 anos de idade, o que não impediu, mesmo com as
adaptações do encosto da cadeira (100% dos pacientes fazendo uso do apoio de tronco adaptado e faixa
estabilizadora), o surgimento de cifoses (70%) e de
escolioses funcionais (40%). Outro fator que pode ter
desencadeado o surgimento das deformidades foi o
mau posicionamento precoce dos pacientes, através
de recursos como o colo ou carrinho de bebê, por
exemplo, favorecendo o aparecimento das deformidades encontradas tardiamente11.
No presente estudo, verificou-se que 80% dos
pacientes avaliados apresentavam algum grau de espasticidade, sendo que 40% possuíam hipertonia como
tônus predominante e, em 40% desses, a hipertonia
aparecia como componente tônico. Além do posicionamento, a qualidade tônica pode ter sido um fator
predisponente para o surgimento dessas deformidades.
Estudos relatam que, no caso da PC, os encostos altos com apoio cervical e os suportes para o
tronco com uso de um cinto servem para a manutenção de um melhor alinhamento de tronco, auxiliando um posicionamento mais simétrico com melhor
controle postural e prevenindo algumas deformidades de tronco que podem aparecer20. Um ponto positivo observado foi que as adaptações em cadeira
de rodas, como o encosto cervical e o apoio para o
tronco, demonstram um aspecto preventivo em relação às escolioses estruturadas, indicando um baixo
índice para esse tipo de deformidade (10%).
As deformidades de quadril como a luxação,
são muito comuns em pacientes com PC, devido à
limitação da abdução passiva e ativa do quadril. A
indicação do assento anatômico promove um maior
295
contato entre a superfície inferior da coxa e o assento, favorecendo uma base estável de apoio que, em
conjunto com o cavalo de abdução, promove um
maior alinhamento dos membros inferiores, prevenindo assim esse tipo de deformidade2. Observa-se
essa relação em nosso estudo, pois 90% dos pacientes utilizavam o assento anatômico e 50%, o cavalo
de abdução, favorecendo a abdução e a rotação externas do quadril.
Para alguns autores, a principal causa do varismo dos pés é conseqüência da espasticidade dos
músculos tibial anterior e posterior15. Verificou-se
que o fato de 90% dos pacientes utilizarem o apoio
regulável dos pés não foi suficiente para evitar a presença de deformidade em eqüino varo, mostrando
que a importância da prevenção dessa deformidade
está mais relacionada ao uso preventivo e específico
de órteses de membros inferiores, a fim de manter a
estabilidade do tornozelo em 90º.
Anexo 1.
Questionário
Data: ___/___/___
Nome: __________________________________ Sexo: ___________
Data de Nascimento: __/__/__ Diagnóstico: ____________________
Acompanhante (entrevistado): ________________________________
Grau de parentesco: _______________________ Idade: ___________
1. Já fez uso de cadeira de rodas adaptadas?
( ) SIM
( ) NÃO
2. Se SIM, em que idade utilizou?
( ) 5–7 anos
( ) 8–10 anos
( ) 11–13 anos
( ) acima de 13 anos
Obs: (se ainda utiliza, e se deixou de usar, há quanto tempo e porque):
_________________________________________________________
3. Quais adaptações foram utilizadas?
( ) encosto cervical
( ) apoios para o tronco
( ) assento anatômico
( ) apoios reguláveis para os pés
( ) cavalo
( ) apoio para os braços com bandeja
( ) faixa em H para estabilizar o tronco
4. Se NÃO, qual foi o mobiliário utilizado para sentar a criança? Descrever:
_________________________________________________________
5. Quais as principais deformidades apresentadas?
( ) cifose torácica
( ) escoliose funcional
( ) escoliose estrutural
( ) convexidade torácica
( ) convexidade lombar
( ) luxação de quadril
( ) pés eqüino-varos
( ) pés valgo-planos
( ) deformidade de punho em flexão
( ) luxação da 1ª metacarpo falengeana
_____________________
____________________
Pesquisador
Responsável
Rev Neurocienc 2007;15/4:292–296
original
A adução do polegar e a flexão com desvio ulnar do punho associadas ao aumento do tônus levam
às principais deformidades encontradas em membros superiores dos pacientes portadores de PC2. Em
nosso estudo, o uso de descanso para os braços com
altura ajustável auxilia na obtenção de um posicionamento simétrico dos membros superiores, porém
observa-se que o apoio dos braços da cadeira de rodas não foi suficiente para evitar as deformidades
flexoras de punho, presentes em 70% dos pacientes,
sendo que esse recurso não conseguiu impedir, só
com a simetria proximal dos membros, a hipertonia
flexora dos membros superiores distalmente.
CONCLUSÃO
Neste estudo, verificou-se que o uso tardio da
cadeira de rodas adaptadas, em crianças acima de
5 anos de idade, contribuiu para o surgimento de
deformidades de tronco como cifoses e escolioses
funcionais, prevenindo apenas o aparecimento das
escolioses estruturadas através do posicionamento
apropriado. Além disso, observou-se que as deformidades estão diretamente relacionadas ao quadro
tônico espástico dos pacientes avaliados.
O uso da cadeira de rodas adaptada sem associação à órteses de posicionamento não foi suficiente para prevenir as deformidades encontradas em
membros superiores e inferiores. Portanto, o mau
posicionamento precoce aumenta o risco para o surgimento de deformidades, principalmente de tronco,
dos pacientes avaliados em questão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Rosemberg S. Neuropediatria. São Paulo: Editora Sarvier, 1992,
330 p.
2. Souza AMC, Ferraretto I. Paralisia Cerebral: aspectos práticos. 2ª
ed. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 1998, 390 p.
Rev Neurocienc 2007;15/4:292–296
3. Paralisia Cerebral e aprendizagem: um estudo de caso inserido no
ensino regular. Florianópolis: Tafner MA , Fischer J. (Atualização: 2000;
citado em: dez/2005). Disponível em: <http://www.icpg.com.br>.
4. Durigon OFS, Sá CSC. Intervenção fisioterápica facilitatória em
paciente com encefalopatia não progressiva crônica da infância. Rev Fisioter USP 1996;3(1/2):54-64.
5. Leite JMRS, Prado GF. Paralisia cerebral aspectos fisioterapêuticos
e clínicos. Rev Neurocienc 2004;12(1):33-40.
6. Mancini MC, Alves ACM, Schaper C, Figueiredo EM, Sampaio
RF, Zac C, et al. Gravidade da paralisia cerebral e desempenho funcional. Rev Bras Fisioter 2004;8(3):253-60.
7. Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Brasília, responsável não
informado (atualização: não informada; citado em: dez/2005). Disponível em: <http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_01_paralisia_cerebral.htm>.
8. Allegretti ALC, Mancini MC, Schwartzman JS. Estudo do desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral diparética espástica
utilizando o pediatric evaluation of disability inventory (PEDI). Tem Desenvol
2002;11(64):5-11.
9. Bobath B, Bobath K. Desenvolvimento motor nos diferentes tipos
de paralisia cerebral. São Paulo: Editora Manole, 1989, 124 p.
10. Shepherd RB. Fisioterapia em pediatria. 3ª ed. São Paulo: Editora
Santos, 1995, 421 p.
11. A escoliose na paralisia cerebral. São Paulo: Sanchez SDLG (atualização: mês/ano; citado em: nov/2005). Disponível em: <http://www.
centrodesaopaulo.com.br/artigos_05.html>.
12. Volpon JB. Avaliação e princípios do tratamento ortopédico do paciente com seqüela de paralisia cerebral. Act Ortop Bras 1997;5(1):35-42.
13. Fucs PMMB, Svartman C, Assumpção RMC. Luxação anterior do
quadril na paralisia cerebral. Rev Bras Ortop 2002;37(1/2):45-50.
14. Sathler M. Tratamento da contratura em extensão da articulação
do quadril na paralisia cerebral. Rev Bras Ortop 1994;29(1/2):55-9.
15. Barros EMKP, Paula A. Tratamento do pé eqüino espástico na paralisia cerebral. Act Ortop Bras 1996;4(3):93-4.
16. Stokes M. Neurologia para fisioterapeutas. São Paulo: Editora Premier, 2000, 300 p.
17. Seating: adequação postural ao usuário de cadeira de rodas.
São Paulo: Cerqueira A, Roseane E (atualizado em 2004, citado em:
nov/2005). Disponível em: <http://www.fisionet.com.br/materias/imprimir.asp?cod=63>.
18. Almeida VR. Adequação postural na cadeira de rodas para portadores de deficiências físicas. In: Moura EW, Silva PAC (eds). Fisioterapia
– aspectos clínicos e práticos da reabilitação. São Paulo: Editora Artes
Médicas Ltda, 2005, pp. 595-611.
19. Meana NV, Grandal A, Cifone J, Hümmel IE. Enfoque actual de las
indicaciones y características técnicas de la silla de ruedas en pacientes
con parálisis cerebral. Rev Prát Ped 2000;42(187):105-8.
20. O’Sullivan SB, Schmitz TJ. Fisioterapia avaliação e tratamento. 2ª
ed. São Paulo: Editora Manole, 1993, 1200 p.
296
original
Desempenho funcional de crianças com
Síndrome de Down e a qualidade de vida
de seus cuidadores
Functional performance of children with Down syndrome and the quality of life of their
caregivers
Ana Carolina Pazin1, Marielza R. Ismael Martins2
RESUMO
SUMMARY
Introdução. Na Síndrome de Down (SD), o processo de aprendizagem é complexo e exige um grau de suporte familiar e social.
Os cuidadores podem enfrentar problemas e interferências na
sua qualidade de vida. Objetivo. Este estudo de corte transversal objetivou avaliar o desempenho funcional de crianças com
SD e a percepção da qualidade de vida de seus cuidadores. Método. Selecionaram-se 20 crianças com SD e seus cuidadores
e, para comparação, outras 20 crianças com desenvolvimento
normal, idades cronológicas de 2 a 8 anos, divididas em 2 subgrupos etários (2 a 4 e 5 a 8 anos), pertencentes à Equipe Ding
Down — Funfarme/Famerp. Utilizaram-se como instrumentos:
entrevista semi-estruturada, Inventário de Avaliação Pediátrica
de Disfunção e Escala de Sobrecarga dos Cuidadores. Resultados. As crianças com SD de ambos os grupos apresentaram
desempenho significativamente inferior nas três áreas de habilidades funcionais; entretanto, no grupo etário de 5 a 8 anos, essas
diferenças não foram observadas na habilidade de mobilidade.
Nos cuidadores, evidenciou-se que as variáveis Isolamento e Envolvimento emocional obtiveram os menores escores. Conclusão. O desempenho funcional das crianças com SD é limitado e
os aspectos emocionais neste grupo de cuidadores estavam alterados, sendo um preditivo de sobrecarga, fazendo-se necessárias
intervenções.
Introduction. In Down syndrome (DS) the learning process
becomes more complex requiring the social/familial support.
Caregivers can face problems due to taking care and, consequently, interfere in the quality of their child and their own.
Objective. This is a cross sectional study aiming to evaluate
functional performance of children with DS and their caregivers’ quality of life. Method. 20 children with DS and their caregivers were selected and, for comparison, 20 children with normal development; chronological age from 2 to 8 years, divided
into 2 age sub-groups (2 to 4 and 5 to 8 years), belonging to the
Ding Down — Funfarme/Famerp group. The instruments used
were semi-structured interview, Pediatric Evaluation of Disability Inventory, and Caregiver Burden Scale. Results. Children
with DS of both age groups presented performance significantly
lower in the three areas of functional abilities: self-care, mobility, and social role compared to children with normal development. However, in the age group from 5 to 8 years significant
differences were not observed for mobility ability. For caregivers, it was evidenced that the variables isolation and emotional
involvement presented the lowest scores. Conclusion. These
children’s functional performance is reduced and the emotional
aspects in this group of caregivers were impaired, some interventions being necessary.
Unitermos: Transtornos das Habilidades Motoras.
Síndrome de Down. Qualidade de Vida.
Keywords: Motor Skills Disorders. Down Syndrome.
Quality of Life.
Citação: Pazin AC, Martins MRI. Desempenho funcional de
crianças com Síndrome de Down e a qualidade de vida de seus
cuidadores.
Citation: Pazin AC, Martins MRI. Functional performance of
children with Down syndrome and the quality of life of their
caregivers.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Rio Preto.
1. Aprimoranda de Terapia Ocupacional pela FUNDAP, Hospital de
Base/FUNFARME /FAMERP.
2. Terapeuta Ocupacional, Departamento de Ciências Neurológicas e
Supervisora de Aprimoramento da Faculdade de Medicina de Rio Preto- FAMERP.
297
Endereço para correspondência:
Ana Carolina Pazin
R. dos Bombeiros, 255
CEP 15025-420, São José do Rio Preto-SP
Fone: 17 32331980 ou 17 96018243
E-mail: [email protected]
Recebido em: 7/9/2007
Revisão: 8/9/2007 a 28/11/2007
Aceito em: 29/11/2007
Conflito de interesses: não
Rev Neurocienc 2007;15/4:297–303
original
INTRODUÇÃO
A Síndrome de Down (SD), ou trissomia do
21, é sem dúvida o distúrbio cromossômico mais
comum e bem conhecido, e a causa genética mais
encontrada de retardamento mental. Geralmente
pode ser diagnosticada ao nascimento ou logo depois por suas características dismórficas, que variam entre os pacientes mas, apesar disso, produzem um fenótipo distintivo1.
As estatísticas em torno do número preciso
de quantas pessoas têm a síndrome no Brasil são
nebulosas2, e cerca de 8 mil bebês nascem com SD
por ano no Brasil3.
Segundo os resultados do Censo 2000 do
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 14,5% da população têm alguma
deficiência física ou mental, ou seja, trata-se de
uma população de 24,5 milhões de pessoas. Dentro desse grupo, estima-se que haja, entre os 170
milhões de brasileiros, cerca de 300 mil pessoas
que nasceram com a SD, sendo que esses números
variam drasticamente de país para país4.
No que se refere ao comportamento e padrão de desenvolvimento que a criança apresentará, é importante salientar que não há um
padrão estereotipado e previsível em todas as
crianças afetadas, uma vez que tanto o comportamento quanto o desenvolvimento da inteligência não dependem exclusivamente da alteração
cromossômica, mas também do restante do potencial genético, bem como das importantíssimas
influências derivadas do meio 5.
Alguns estudos revelam evidências sobre
as características do desempenho funcional e
cognitivo dessas crianças. Estes verificam que o
comprometimento dessas habilidades é influenciado não só pelas propriedades intrínsecas da
criança, mas pelas demandas específicas de tarefas e pelas características ambientais onde a
mesma está inserida, demonstrando, assim, a
importância da estimulação do cuidador no seu
desempenho futuro 2,4.
Atualmente, muitos profissionais conscientizaram-se do potencial da criança com SD e sua
condição de ser educada; assim, os pais também
podem esperar mais de seus filhos. A criança com
SD possui limitações, principalmente no aspecto
intelectual; porém, quando bem estimulada, pode
vir a ter uma vida de maior independência, participando das atividades do grupo em todos os aspectos, dentro das suas limitações4,6.
Rev Neurocienc 2007;15/4:297–303
Para isso, os profissionais de saúde têm se
baseado em informações sobre a síndrome e suas
conseqüências para definirem estratégias de intervenção. Contudo, tal procedimento se caracteriza
com um pressuposto clínico, e não se deve esquecer que nem sempre existe uma forma linear e direta entre a condição clínica e os resultados de um
tratamento.
As crianças com SD seguem a mesma
seqüência do desenvolvimento das crianças
normais, passando pelos mesmos marcos motores,
entretanto pode haver diferenças quanto ao ritmo
em que tais marcos são alcançados5.
A cada nova fase de desenvolvimento, a
criança necessita aprender a fazer coisas que antes não podia, e aprender à custa de suas próprias
habilidades.
O fato de a mãe (ou cuidador) não mantê-la
dependente objetiva que ela alcance um estágio de
desenvolvimento social em que necessite e aprecie a companhia de outros, não estando mais tão
emocionalmente presa a seus pais6,7.
É consenso que doenças e condições crônicas afetam não só a vida dos pacientes como
também repercute na família como um todo, alterando o estilo de vida, relações interpessoais e
finanças8-10.
Em vários países, o conceito emergente
de que pessoas com doença mental teriam mais
oportunidades de reabilitação e reintegração vivendo na comunidade, associado à restrição da
quantidade de dias de internação hospitalar,
questões econômicas, estímulos a desinstitucionalização, gerou o aumento do número de pessoas
com doenças crônicas necessitando de cuidados
em casa 11,12.
Em relação à SD, a literatura disponibiliza
evidências sobre as limitações conseqüentes dessa
condição genética em termos das funções de órgãos e sistemas que compõem a estrutura do corpo
dessas crianças (i.e. capacidades motoras e cognitivas), porém informações sobre o impacto dessas
limitações internas no desempenho de atividades
diárias desse grupo são menos freqüentes12. Entretanto, esse tipo de informação funcional é extremamente relevante para profissionais da área
da saúde, uma vez que as expectativas dos pais de
crianças portadoras de SD estão mais relacionadas à informação funcional do que à informação
sobre sintomatologia e componentes específicos de
desempenho13.
298
original
Vislumbra-se, então, a necessidade de conhecimento não só do desempenho funcional dessas crianças, para que intervenções mais eficazes
sejam feitas, como também da sobrecarga que as
pessoas a eles vinculadas possam vir a ter pela demanda de ações a eles imposta13,14.
Nesse contexto, observam-se escassos relatos sobre a sobrecarga e a qualidade de vida desses cuidadores que convivem rotineiramente com
a expectativa do desempenho funcional dessas
crianças, buscando sempre a aquisição de uma
autonomia.
Estudos relacionados aos cuidadores começaram a surgir após o trabalho de Grad & Sainsbury8, que chamaram a atenção para as conseqüências da doença mental na vida das pessoas da
família que prestavam cuidados. Desde então, os
números de pesquisas sobre cuidadores têm crescido, em especial na área geriátrica9.
Alguns estudos demonstram que quanto
maior a duração do cuidado, pior a qualidade de
vida do cuidador8,9, enquanto outros evidenciam o
fato de que alguns cuidadores, com o tempo, descobrem nova capacidade de lidar com a situação,
encontrando um sentido diferente para a vida7.
Essas duas formas de respostas do cuidador refletem explicações competitivas geradas pelo impacto prospectivo do cuidado: teoria do desgaste e
teoria da adaptação9,10.
Observa-se que os problemas enfrentados
pelos cuidadores em decorrência do ato de cuidar
podem alterar a qualidade de vida dos pacientes.
O cuidador é fundamental para manter o paciente na comunidade, assim como a prevenção e o
tratamento dos possíveis problemas desenvolvidos
por eles8,10.
No Brasil, pouca atenção tem sido dada aos
cuidadores de crianças com SD. Em nosso meio, é
provável que a evolução do desempenho funcional
e, conseqüentemente, a autonomia dessas crianças
estejam relacionadas ao grau de suporte social-familiar que elas recebem. Portanto, o objetivo deste
estudo é contribuir para o fornecimento de informações sobre o desempenho funcional de crianças
com SD de 2 a 8 anos comparadas com crianças
com desenvolvimento normal, e a qualidade de
vida de seus cuidadores também comparados com
cuidadores de crianças com desenvolvimento normal. Esses dados exploratórios traçariam questões
que nos remetem a indagações de que a qualidade
de vida de cuidadores poderia influenciar no me-
299
lhor ou pior desempenho funcional dessas crianças. Portanto, a geração de conhecimentos sobre
o cuidador poderá auxiliar no estabelecimento de
intervenções para melhorar sua qualidade de vida
e, conseqüentemente, influenciar de modo positivo as crianças a eles vinculadas.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal sobre o
desempenho funcional de crianças com SD de 2 a
8 anos e a percepção da qualidade de vida de seus
respectivos cuidadores, realizado com 20 crianças
e seus cuidadores que fazem parte da Equipe Ding
Down — Funfarme/Famerp, período de maio a
outubro de 2006.
Essa equipe, dentre os vários segmentos,
possui o Grupo de Pais, onde se caracteriza por
reuniões mensais freqüentadas por pais, familiares,
vizinhos e profissionais com o objetivo de troca de
experiências e palestras com diferentes profissionais que convivem ou queiram conhecer melhor
sobre Síndrome de Down.
Os critérios adotados para inclusão das
crianças foram: diagnóstico confirmado de SD,
idade cronológica entre 2 e 8 anos, e estarem incluídas na Equipe Ding Down. Para comparação,
selecionaram-se outras 20 crianças com desenvolvimento normal, sem problemas clínicos, que
freqüentam as atividades recreativas da Equipe
Ding Down. Cada um desses grupos foi subdividido em 2 sub-grupos etários, sendo um deles composto por crianças de idade cronológica de 2 a 4
anos (n = 10) e outro constituído de crianças de 5
a 8 anos (n = 10), para que o efeito diferenciado
que períodos específicos impõem em áreas distintas de desempenho sejam diminuídos (a literatura
descreve que há uma predominância dos déficits
motores no período referente à primeira infância
e uma predominância dos déficits cognitivos na
idade escolar11).
A inclusão dos cuidadores baseou-se em: ser
cuidador primário, que se trata de o membro da
família que arca com a principal responsabilidade
do cuidado12-14 estar em condições físicas e mentais para fornecer os dados necessários, e concordar em participar do estudo.
A abordagem ética inicial foi encaminhar o
projeto ao Comitê de Ética e Pesquisa da Famerp,
e, após sua análise, aprovação e consentimento dos
cuidadores através do Termo de Consentimento
pós-esclarecido, realizaram-se as entrevistas semi-
Rev Neurocienc 2007;15/4:297–303
original
estruturadas aos cuidadores, onde foram obtidos
dados como nome, sexo, data de nascimento e
idade, endereço, profissão e situação atual, estado
civil, grau de instrução escolar, grau de parentesco
à criança e se possuía algum problema de saúde.
As crianças foram avaliadas pelo teste funcional norte-americano Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI)15, traduzido para o português
e adaptado para contemplar as especificidades
socioculturais do Brasil. O PEDI é um teste padronizado baseado no julgamento, realizado por
meio de entrevista estruturada com o cuidador da
criança que possa informar sobre seu desempenho
funcional em atividades da rotina diária, e visa caracterizar aspectos funcionais da criança, na faixa etária entre 6 meses e 7 anos e meio de idade.
Esse teste pode ser usado em crianças com idades
cronológicas superiores ao limite indicado, desde
que o desempenho funcional das mesmas esteja
aquém desse limite. É dividido em três partes distintas: a primeira parte documenta as habilidades
funcionais da criança nas áreas de auto-cuidado
(73 itens), mobilidade (59 itens) e função social (65
itens). Cada item recebe escore 1 se a criança é
capaz de realizar e 0 se não consegue. A somatória
desses escores resulta em um escore bruto de cada
uma das três áreas das habilidades funcionais. A
segunda parte do PEDI quantifica o auxílio do
cuidador em tarefas de auto-cuidado, mobilidade
e função social. A parte III constitui-se de uma
série de modificações usadas pela criança para realizar as tarefas funcionais. O manual fornece critérios específicos para pontuação de cada item. As
partes II e III não foram utilizadas neste estudo.
As avaliações foram realizadas por uma
terapeuta ocupacional. Cada entrevista durou
cerca de 50 minutos. Para análise da QV dos cuidadores, foi aplicada a Escala de Sobrecarga dos
Cuidadores — CB Escala (Caregiver Burden Scale)16.
Esse instrumento foi adaptado e validado para a
cultura brasileira e avalia a percepção subjetiva
dos cuidadores, que pode ser utilizado no estudo
do impacto de doenças mentais e físicas nos cuidadores primários ou secundários de adultos ou
crianças. Inclui áreas da saúde do cuidador tais
como: bem estar, rede social e de relações, esforço físico e aspectos ambientais mais importantes.
Consiste de 22 questões divididas em 5 dimensões:
tensão geral (8 questões), isolamento (3 questões),
decepção (5 questões), envolvimento emocional (3
questões) e ambiente (3 questões). Os escores de
Rev Neurocienc 2007;15/4:297–303
cada questão variam de 1 a 4 (nunca, raramente,
algumas vezes e freqüentemente). O escore para
cada índice é obtido pela média aritmética dos valores de cada item que compõe aquele índice, e o
escore global é alcançado calculando-se a média
aritmética dos 22 itens, podendo variar de 1 a 4,
sendo tanto maior quanto maior o impacto pelo
cuidador nas diferentes dimensões.
Análise Estatística
Os dados deste estudo foram analisados através do teste t de Student para grupos independentes. Foram comparadas as médias dos escores obtidos pelas crianças dos diferentes grupos, nas áreas
do desempenho funcional de auto-cuidado, mobilidade e função social. Para cada análise foi considerado nível de significância de 95% (p < 0,05).
RESULTADOS
As características sociodemográficas dos
pacientes e seus cuidadores estão apresentadas na
tabela 1.
A média de idade dos pacientes é de 4 ½ anos,
sendo 60% meninos. Com relação aos cuidadores, a
média de idade é de aproximadamente 38,9 anos, sendo todos do sexo feminino, 13 casadas e 9 trabalham
em tarefas domésticas. 100% são cuidadores primários dos pacientes, sendo 18 correspondentes à mãe
biológica. O tempo médio de cuidado é de 4 anos.
Características adicionais estão listadas na tabela 1.
Tabela 1. Dados sóciodemográficos dos pacientes com Síndrome de
Down e seus respectivos cuidadores.
CARACTERISTICAS
PACIENTES
CUIDADORES
Média 4,6 anos
Média 38,9 anos
Sexo: feminino
09
20
Masculino
11
0
Estado Civil: Casado
—
13
Solteiro
—
0
Outros
—
7
Ocupação: Empregado
—
6
Desempregado
—
5
Tarefas Domésticas
—
9
Tipo de relacionamento:
Mãe
—
18
Pai
—
0
Outros
—
2
Nível Educacional:
Ensino Fundamental
3
10
Ensino Médio
—
6
Ensino Superior
—
4
Idade
300
original
Tabela 2. Medidas descritivas das pontuações obtidas no PEDI aplicadas aos grupos controle e crianças com SD de 2 a 8 anos e resultados do teste da
comparação dos grupos.
Medidas descritivas
Área
Auto-cuidado
Mobilidade
Função Social
Grupo
Valor Mínimo
Mediana
Valor Máximo
Média ± DP
Controle
65
72
73
71 ± 2,1
SD — 2 a 4 a
54
61
68
62 ± 5,6
Controle
67
72
78
74 ± 3,4
SD — 5 a 8 a
62
67
70
69,2 ± 5,7
Controle
57
60
65
62 ± 3,5
SD — 2 a 4 a
49
53
55
57 ± 4,2
Controle
74
82
85
79 ± 2,2
SD — 5 a 8 a
69
73
75
70 ± 6,3
Controle
42
58
64
58 ± 5,4
SD — 2 a 4 a
37
53
63
54 ± 7,3
Controle
55
63
79
67 ± 4,3
SD — 5 a 8 a
46
48
61
51 ± 6,4
p
0,006*
0,04*
0,03*
0,08
0,04*
0,008*
* p < 0,05
Na tabela 2, observam-se resultados das
comparações entre as médias dos escores dos 4
grupos, nas três áreas de habilidade funcional. As
crianças com SD apresentaram desempenho significativamente inferior ao das crianças do grupo
controle na habilidade funcional de autocuidado
(p < 0,05), nos dois sub-grupos etários (2 a 4 anos
e 5 a 8 anos), quando comparados ao grupo controle. No item mobilidade, apenas o sub-grupo de
2 a 4 anos de crianças com SD apresentou diferença significativamente inferior (p < 0,05). A média
dos escores da função social apresentou significância estatística nos dois grupos.
Com relação aos escores obtidos nas dimensões do CB Escala, a média global foi de 1,23 ±
0,05, e os valores médios dos 5 componentes do
questionário variaram de 1,03 ± 0,07 a 1,79 ±
0,06 (tabela 3). As dimensões que apresentaram
grandes efeitos foram o isolamento e o envolvimento emocional quando comparados aos cuidadores de crianças com desenvolvimento normal
(DN). Os dados mostraram que os itens mais comprometidos apresentados pelos cuidadores foram
isolamento e envolvimento emocional.
DISCUSSÃO
Este estudo, além de dar suporte às evidências de que crianças com SD têm pior desempenho
em áreas de habilidades funcionais, acrescenta um
dado novo, ainda pouco discutido na literatura,
que é a percepção que seu cuidador tem e que
pode interferir na busca de uma conquista maior
por parte desses indivíduos.
301
Com relação ao desempenho funcional, as
crianças deste estudo obtiveram escores inferiores
às crianças com desenvolvimento normal nas três
áreas de função. Estes achados confirmam evidências na literatura quanto ao atraso neuropsicomotor em SD14,17. Porém, este estudo apresenta novas
evidências que vêm contribuir com as informações
existentes na literatura.
Observou-se que, apesar da diferença entre
os desempenhos, há a modificação desses ao longo
do desenvolvimento, visto que a área de mobilidade não é significativamente comprometida nas
crianças SD da faixa etária de 5 a 8 anos como nas
crianças com SD de 2 a 4 anos18.
O crescimento e o desenvolvimento de
crianças com SD se aproximam daqueles apresentados por crianças normais, no que se refere
às habilidades motoras globais19. Esses resultados
sugerem que, à medida que a criança com SD vai
adquirindo habilidades na área de mobilidade,
essas habilidades parecem ser incorporadas nas
atividades diárias da mesma, ganhando também
independência nessa área de função e recebendo
menor assistência do seu cuidador.
Tais resultados chamam atenção para a
importância do acompanhamento sistemático
do desenvolvimento de recém-nascidos até a
idade escolar e inserção social. Porém, alguns
estudos revelam que, embora haja um desempenho funcional inferior confirmado, sugere-se
que fatores ambientais (atitudes do cuidador)
podem influenciar diretamente nesse desempenho 20,21.
Rev Neurocienc 2007;15/4:297–303
original
Diante desse fato, buscamos verificar a sobrecarga de quem cuida dessas crianças para verificar se há algum comprometimento e se este sugere interferência no desempenho das crianças por
ele cuidadas.
No contexto familiar, a pessoa que assume
o papel de cuidador está sujeita à produção de
demandas de cuidados que afetam sua dimensão
física, mental e social. No grupo pesquisado, os
cuidadores assumiram totalmente a carga de cuidados das crianças e eram, na sua maioria, mulheres, casadas, conforme dados da tabela 1. Os cuidadores preferencialmente são as mães que vivem
junto à criança e que têm proximidade afetiva,
dados também observados em outros estudos21,22.
A sobrecarga imposta à mãe, uma vez que
se trata de um filho com SD, indiscutivelmente requer mais tempo, atenção e cuidados do que uma
criança não especial17,23. Esses estudos sugerem
que a divisão das tarefas com o pai e os demais
familiares proporcionará melhor relacionamento
entre eles, minimizando, assim, os sentimentos de
ciúmes e competição.
Este trabalho também constatou que as
dimensões mais comprometidas na qualidade de
vida desses cuidadores foram o isolamento e o
envolvimento emocional. Estudos evidenciaram
que o cuidador dessas crianças, ao assumir sozinho os cuidados, manifestam freqüentemente seu
desconforto e sentimento de solidão, quando não
sentem apoio de outros membros da família24-26. A
necessidade de dividir com outras pessoas o desgaste provocado pelas situações de enfrentamento
de eventos negativos indica a vontade de suavizar
o impacto provocado pela carga de tarefas22.
É importante que o cuidador possa receber
apoio de pessoas da família, pois a exposição prolongada a uma situação potencialmente geradora
de estresse contribui fortemente para o esgotamento
geral do indivíduo e seu conseqüente sentimento de
sobrecarga pelos efeitos psicossociais da síndrome.
Os resultados deste estudo informam que as
alterações apresentadas por crianças com SD se
manifestam funcionalmente, influenciando na capacidade de desempenhar de forma independente
diversas atividades e tarefas da rotina diária. Além
disso, este estudo acrescenta novas informações referentes à percepção da qualidade de vida de seus
cuidadores. Tais informações podem ser úteis aos
profissionais que trabalham com essa clientela, sugerindo áreas de ênfase nos processos de avaliação
e intervenção em diferentes idades e suporte aos
seus familiares.
Portanto, deve-se considerar em um trabalho
de estimulação não apenas características intrínsecas desses indivíduos, mas também aspectos extrínsecos (fatores ambientais), limitando ou ampliando
as possibilidades de desempenho da rotina diária
dessas crianças.
Uma limitação deste estudo foi à utilização
de métodos quantitativos empregados na coleta e
análise dos dados, não sendo possível aprofundar
os motivos que os levaram a referir o isolamento e o
envolvimento emocional.
Nesta investigação, os resultados ilustram
que outros estudos com procedimentos qualitativos
se fazem necessários para verificar se crianças com
comprometimento no repertório funcional têm a
influência do ambiente, podendo, assim, nortear
profissionais que trabalham com essa clientela à
atuação mais adequada.
CONCLUSÃO
A alteração na percepção da qualidade de
vida dos cuidadores, comprometendo principalmente as dimensões de isolamento e envolvimento emocional, sugere efeito no ambiente social
das crianças por eles assistidas com conseqüências
na participação social e no funcionamento dessas
crianças em seu ambiente.
Verificou-se, neste estudo, as limitações significantes apresentadas por crianças com Síndrome
Tabela 3. Medida descritiva das pontuações obtidas no CB Escala aplicada aos grupos de cuidadores de crianças com desenvolvimento normal (DN) e
de crianças com Síndrome de Down (SD) e, resultados do teste da comparação dos grupos.
Dimensão
Média ± DP
Cuidadores de SD
Média ± DP
Cuidadores de DN
P
Tensão Geral
1,54 ± 0,08
2,04 ± 0,07
0,08
Isolamento
1,09 ± 0,06
2,42 ±0,06
0,006*
Decepção
1,64 ± 0,05
2,06± 0,05
0,07
Envolvimento Emocional
1,03 ± 0,07
2,07 ±0,08
0,04*
1,79 ± 0,06
2,05 ± 0,06
0,08
Ambiente
*p < 0,05
Rev Neurocienc 2007;15/4:297–303
302
original
de Down relacionadas ao seu desempenho funcional, manifestadas principalmente nas áreas de autocuidado e função social. Esses resultados remetem a
reflexões de que os cuidadores dessas crianças e seu
contexto ecológico devam ser melhores estudados,
pois a compreensão e o conhecimento do impacto
na qualidade de vida dessas pessoas e a conseqüência deste na assistência às crianças por eles cuidadas
podem estabelecer, para a equipe interdisciplinar,
planejamento terapêuticos mais eficazes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Otto PG, Otto PA, Peno OF. Genética humana e clínica. São Paulo:
Roca, 2004, pp. 285-94.
2. Nascimento RA, Magalhães VCSO. Estimulação precoce do desenvolvimento motor da criança de 0 a 2 anos com Síndrome de Down:
Revisão da literatura. Fisio Neurol 2003;1:8-11.
3. Aquino R. Normal é ser diferente. Época, São Paulo, Globo
2006;435:70-8.
4. Mari JD. Além dos limites. Veja, São Paulo, Abril 2000;13:172-3.
5. Scwartzman JS. Síndrome de Down. Volume 1. São Paulo: Memnon, 2003, pp. 82-127.
6. Santos LR, Pinto VL. Síndrome de Down – A mãe pode ser uma
co-terapeuta, 1993, pp. 33-54.
7. Brown M, Gordon WA. Impact or impairment on activity patterns
of children. Arch Phys Med Rehabil 2001;68:828-31.
8. Grad J, Sainsbury P. Caregiver burden in relatives of persons
with schizophrenia: an overview of measure instruments. Encephale
2003;29(2):137-47.
9. Garcia MAA, Frigerio RM, Miyamoto DA, Merlin SS. Idosos e cuidadores fragilizados. Mundo Saúde 2005;29(4):645-52.
10. Neri AL. Qualidade de vida e idade madura. Campinas: Papirus,
1993, 288 p.
11. Garcias GL, Roth MGM, Mesko GE, Boff TA. Aspectos do desenvolvimento neuropsicomotor na síndrome de Down. Rev Bras Neurol
1995;31:245-8.
12. Fink SV. The influence of family resources and family demands on the strains and well being of care giving families. Nurs Res
1995;44(3):139-46.
303
13. Regen M, Krynski S, Assunção JFB, Assunção FB, Oliveira JSM,
Sandreschi SD, et al. Mães e filhos especiais: Relato de experiências
com grupos de mães de crianças com deficiência. Brasília: CORDE,
1993;40(2):1-70.
14. Kasari C, Freeman SFN. Task-related social behavior in children
with Down syndrome. Am J Ment Retard 2001;106:253-64.
15. Haley SM, Coster WJ, Ludlow LH, Haltiwanger JT, Andrelhor PJ.
Inventário de Avaliação Pediátrica de Disfunção (PEDI) – versão brasileira. Tradução e adaptação cultural: Mancini MC. Belo Horizonte:
Laboratórios de Atividade e Desenvolvimento Infantil, Departamento
de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, 2000,
120 p.
16. Medeiros MMC, Ferraz MB, Quaresma MR. The Caregiver Burden Scale a Brazilian Cultural adaptations and validation in Brazil. J
Rheumatol 1998;38:193-9.
17. Cunningham C. Parents telling their offspring about Down syndrome and disability. J Apl Res Intel Disabil 2000;13:47-61.
18. Mancini MC, Silva PC, Gonçalves SC, Martins SM. Comparação
do desempenho funcional de crianças portadoras de síndrome de Down
e crianças com desenvolvimento normal aos 2 e 5 anos de idade. Arq
Neuropsiquiatr 2003;61(2B):409-15.
19. Ramalho CMJ, Pedremônico MR, Perissinoto J. Síndrome de
Down: avaliação do desempenho motor, coordenação e linguagem (entre dois e cinco anos). Tem Desenvol 2000;9:11-4.
20. Baumgarten M, Batista RN, Infante-Rivard C. The psychological
and physical health of family members caring for a elderly person with
dementia. J Clin Epidemiol 1992;45:61-70.
21. Silva NL, Dessen MA. Crianças com Síndrome de Down e suas
Interações Familiares. Psicologia: Reflexão e Crítica 2003;16(3):503-51.
22. Leonard S, Bower C, Petterson B, Leonard H. Survival of infants
born with Down’s syndrome: 1980–96. Paediatr Perinat Epidemiol
2000;14:163-71.
23. Magnificat S, Dazord A. Évaluation de la qualité de vie de l’enfant:
validation d’un questionnaire, premiers résultats. Neuropsychiatr Enfance Adolesc 1997;45:106-14.
24. Allegretti ALC, Mancini MC, Schwatzman JS. Estudo do desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral diparética espástica
utilizando o PEDI. Arq Bras Paralis Cereb 2004;1:35-40.
25. Shaughnessy PW, Kramer AM. The increased needs of patients in
nursing homes and patients receiving home health care. N Eng J Med
1990;322:21-7.
26. Musolf JM. Easing, the impact of family caregivers role. Rehabil
Nurse 1991;16(2):82-4.
Rev Neurocienc 2007;15/4:297–303
original
Efeitos da prática mental combinada à
cinesioterapia em pacientes pós-acidente
vascular encefálico: uma revisão sistemática
Effects of mental practice combined with kinesiotherapy in post stroke patients: a
systematic review
Mariana Pacheco1, Sergio Machado2, José Eduardo Lattari3, Cláudio Elidio
Portella4, Bruna Velasques5, Julio Guilherme Silva6, Victor Hugo Bastos6,
Pedro Ribeiro7
RESUMO
SUMMARY
Introdução. A prática mental (PM) consiste na simulação mental de repetidos movimentos, com a intenção de promover aprendizagem de uma
habilidade motora. Objetivo. Investigar se a PM, quando combinada à
cinesioterapia, é eficaz na recuperação dos déficits motores de membros superiores de pacientes pós-AVE. Método. Foi realizada revisão sistemática
nas bases de dados PubMed/Medline, Cochrane Database of Systematic
Reviews, Lilacs e SciELO. A busca foi realizada com as palavras-chave:
prática mental, imagética motora, fisioterapia, reabilitação e atividades da
vida diária, em inglês, português e espanhol. Deveriam avaliar pacientes
hemiparéticos/hemiplégicos, pós-AVE, sem déficits cognitivos, com idade
superior a 45 anos e intervenção através da PM e cinesioterapia. Resultados. Foram encontrados 4 ensaios clínico randomizados e controlados
(ECRC) e 2 relatos de caso. Os ECRC mostraram evidências e os relatos de
caso, tendência de que a PM combinada à cinesioterapia foi eficaz. De acordo com recentes achados, a PM combinada à cinesioterapia promoveu a
reaprendizagem por reforçar processos corticais induzindo a reorganização
cortical, levando à melhora da função. Conclusão. PM e cinesioterapia
foram eficazes na melhora de déficits motores e na reorganização neural de
pacientes pós-AVE. No entanto, mas ECRC são necessários para se estabelecer critérios para freqüência e duração da intervenção.
Introduction. Mental practice (MP) consists of mental simulation of
repetitive movements with the intention of promoting the learning of a
motor ability. Objective. To investigate if MP, when combined to kinesiotherapy, is efficient in the motor deficit recovery in upper limbs of post
stroke patients. Method. We realized Systematic Review throughout
Data Bases PubMed/Medline, Cochrane Database of Systematic Reviews, Lilacs, and SciELO. The keywords searched were mental practice, motor imagery, phisical therapy, rehabilitation, activities of daily
living, and stroke, in three languages: English, Portuguese, and Spanish.
We included hemiparetic/hemiplegic patients, post stroke, without cognitive deficits, 45 years old or more, treated with MP and kinesiotherapy.
Results. We found 4 clinical trials randomized and controlled (CTRC)
and 2 case reports. The CTRC showed evidences and the case reports
showed a trend that MP combined with kinesiotherapy was efficient.
MP and kinesiotherapy promoted re-learning by reinforcing cortical
processes and inducing the cortical reorganization, leading to functioning improvement. Conclusion. MP and kinesiotherapy were efficient
to the improvement of motor deficits and cortical reorganization of post
stroke patients.
Unitermos: Acidente cerebrovascular. Reabilitação. Recuperação. Revisão.
Keywords: Stroke. Rehabilitation. Recovery. Review.
Citação: Pacheco M, Machado S, Lattari JE, Portella CE, Velasques B, Silva
JG, Bastos VH, Ribeiro P. Efeitos da prática mental combinada à cinesioterapia em pacientes pós acidente vascular encefálico: uma revisão sistemática.
Citation: Pacheco M, Machado S, Lattari JE, Portella CE, Velasques
B, Silva JG, Bastos VH, Ribeiro P. Effects of mental practice combined
with kinesiotherapy in post stroke patients: a systematic review.
Trabalho realizado no Instituto Brasileiro de Biociências Neurais
(IBBN), Rio de Janeiro-RJ.
1. Fisioterapeuta do Instituto Brasileiro de Biociências Neurais (IBBN), Rio de
Janeiro-RJ.
2. Educador Físico. Mestrando em Saúde Mental, Laboratório de Mapeamento
Cerebral e Integração Sensório-Motora (IPUB/UFRJ), Instituto Brasileiro de Biociências Neurais (IBBN), Rio de Janeiro-RJ, Bolsista Capes.
3. Educador Físico. Mestrando em Saúde Mental, Laboratório de Mapeamento
Cerebral e Integração Sensório-Motora (IPUB/UFRJ), Rio de Janeiro-RJ.
4. Fisioterapeuta. Mestrando em Saúde Mental - Laboratório de Mapeamento
Cerebral e Integração Sensório-Motora - (IPUB/UFRJ), Rio de Janeiro-RJ.
5. Psicóloga. Mestranda em Saúde Mental, Laboratório de Mapeamento Cerebral e Integração Sensório-Motora (IPUB/UFRJ). Instituto Brasileiro de Biociências Neurais (IBBN), Rio de Janeiro-RJ;
6. Fisioterapeuta. Doutorando em Saúde Mental, Laboratório de Mapeamento
Cerebral e Integração Sensório-Motora (IPUB/UFRJ). Instituto Brasileiro de Biociências Neurais (IBBN), Rio de Janeiro-RJ.
7. Educador Físico. Professor Adjunto Doutor do Departamento de Biociências
da Atividade Física, Escola de Educação Física e Desportos (EEFD/UFRJ); Professor
do Laboratório de Mapeamento Cerebral e Integração Sensório-Motora (IPUB/
UFRJ), Instituto Brasileiro de Biociências Neurais (IBBN), Rio de Janeiro-RJ.
Rev Neurocienc 2007;15/4:304–309
Endereço para correspondência:
Sergio Eduardo de Carvalho Machado
Rua Professor Sabóia Ribeiro, 69/104
22430-130 Rio de Janeiro, RJ
E-mail: [email protected]
Recebido em: 7/9/2007
Revisão: 8/9/2007 a 28/9/2007
Aceito em: 29/9/2007
Conflito de interesses: não
304
original
INTRODUÇÃO
O acidente vascular encefálico (AVE) é uma
das maiores causas de limitação funcional no mundo1. Devido ao envelhecimento da população mundial, o número de pessoas acometidas pelo AVE vem
aumentando substancialmente ao longo dos anos2.
O AVE é causador de algumas alterações, tais como
as motoras, causando habitualmente hemiplegia ou
hemiparesia2. Sendo assim, na tentativa de atenuar
os déficits e acelerar o processo de recuperação funcional, alguns pesquisadores começaram a investigar
a adição da técnica prática mental à recuperação
neurológica3-7.
A prática mental (PM) consiste em um método
de treinamento pelo qual a reprodução interna de um
dado ato motor (simulação mental) é repetida extensivamente com a intenção de promover aprendizagem
ou aperfeiçoamento de uma habilidade motora. Essa
simulação mental (imagética motora) corresponde a
um estado dinâmico durante a representação de uma
ação específica reativada internamente na memória
de trabalho na ausência de qualquer movimento. A
PM representa o resultado do acesso consciente à intenção de um movimento, o qual é geralmente executado de forma inconsciente durante a preparação
motora8,9, estabelecendo uma relação entre eventos
motores e percepções cognitivas4.
Quando indivíduos são requeridos a realizar a
PM, podem utilizar duas diferentes estratégias, através
de imagens internas ou externas. A imagem interna
tem caráter cinestésico com a perspectiva na primeira
pessoa, onde a pessoa realiza uma simulação mental
tentando sentir o movimento sem que este ocorra10,11.
Esse tipo de imagem envolve a representação cinestésica para a ação interna. Já a imagem externa é
predominantemente visual com a perspectiva tanto
para a primeira como para a terceira pessoas, onde
o indivíduo visualiza o movimento sendo realizado
ou por outra pessoa ou por segmentos do seu próprio
corpo. Tal tipo de imagem envolve a representação
visuo-espacial da ação ou representação visual de um
membro em movimento10,11.
Estudos têm demonstrado que há similaridade nas funções psicofísicas e fisiológicas entre movimentos executados e imaginados, com indícios de
que estas se baseiam em um mesmo processo12,13.
Experimentos utilizando ressonância magnética
funcional (fMRI) demonstram que não somente as
áreas motora suplementar, pré-motora e cerebelo
foram ativadas durante movimentos imaginados de
mão e dedos, mas também o córtex motor primário
305
contra-lateral5,14,15. A fMRI e estimulação magnética transcraniana (TMS) indicam que a área motora
primária contra-lateral é ativada durante a tarefa de
PM de movimentos complexos, corroborando com
achados prévios que apresentaram um envolvimento
mais proeminente da área motora primária com a
performance de seqüências motoras complexas16,17.
Quanto à similaridade das áreas corticais ativadas engajadas na performance e imaginação de
movimentos, foi verificado que tais semelhanças na
atividade cerebral ocorreram durante o movimento
dos dedos da mão18. A partir desta premissa, diversas
investigações tentam aplicar esses achados no processo de reabilitação física, em especial no que tangem os processos de recuperação das áreas envolvidas com a motricidade, pós-lesão do sistema nervoso
central3,6. A PM aplicada de forma isolada alcança
resultados menos expressivos do que a prática física
isoladamente em paciente saudáveis e também em
pacientes neurológicos. Mesmo com tal constatação,
a associação de ambas as técnicas (PM e prática física) aponta para maior eficácia do que as duas técnicas quando aplicadas separadamente19-22. Apesar
desses indícios, a literatura é escassa no assunto,
principalmente nas vertentes de tratamento fisioterapêutico no AVE que utilizam a PM com ferramenta
no processo de recuperação funcional. Sendo assim,
o presente estudo teve como objetivo investigar se o
método combinado de prática mental e cinesioterapia é eficaz na recuperação dos déficits motores de
membros superiores em pacientes pós-AVE.
MÉTODO
O presente estudo caracteriza-se por revisão
sistemática da literatura, que tem por objetivo reunir, avaliar criticamente e conduzir uma síntese de
evidências científicas23.
Fontes de dados
Foi realizada revisão nas bases de dados PubMed/Medline, Cochrane Database of Systematic
Reviews, Lilacs, e SciELO. A busca de artigos foi
realizada em três idiomas: inglês, espanhol e português. Foram utilizadas como keywords: mental practice,
motor imagery, physical therapy, rehabilitation, activities of
daily living, and stroke, como palabras clave: práctica mental,
imagética motora, fisioterapia, rehabilitación, actividades de la
vida diaria y accidente vascular encefálico, e como palavraschave: prática mental, imagética motora, fisioterapia,
reabilitação e atividades da vida diária. O período estabelecido para a busca de estudos foi janeiro de 1994
Rev Neurocienc 2007;15/4:304–309
original
a maio de 2007. A partir das próprias referências encontradas nas bases eletrônicas, foi realizada também
uma busca manual nessas referências.
Tipos de estudos
Foram selecionados estudos do tipo ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRC), estudos
de coorte, estudos de caso controle e relatos de caso.
Nosso foco foi em ECRC, cujos estudos demonstram
maior e melhor evidência científica. Porém, os resultados dos estudos das outras classes também foram
relatados e levados em consideração de forma complementar. Tal fato teve como objetivo gerar uma
visão mais completa das possíveis evidências em relação à combinação das técnicas de tratamento na
recuperação dos déficits motores de membros superiores em pacientes pós-AVE.
Participantes
Para que os estudos fossem incluídos, os pacientes deveriam ser de ambos os gêneros e com
média de idade a partir de 45 anos. Deveriam ser
hemiparéticos e/ou hemiplégicos; poderiam estar
enquadrados em qualquer fase pós-AVE (aguda,
sub-aguda e crônica) e não poderiam ter déficits cognitivos. Poderiam apresentar espasticidade em níveis
1 ou 2 segundo a classificação da escala de Ashworth;
não deveriam sentir dores e nem deveriam ter déficits motores no membro superior; e não deveriam ter
recebido nenhum tipo protocolo de fisioterapia.
Intervenções
Para que os estudos fossem incluídos, estes deveriam relatar como método de intervenção o uso
da prática mental combinada à cinesioterapia na
recuperação dos déficits motores de membros superiores em pacientes pós-AVE. Além disso, os estudos
deveriam apresentar um protocolo com freqüência
mínima de 2 sessões com duração média de 10 minutos de aplicação de prática mental e 30 minutos de
cinesioterapia, e um total de no mínimo 4 semanas
de realização do protocolo.
RESULTADOS
Foram encontrados 66 estudos na base PubMed/Medline, 1 artigo na base Cochrane e 2 na base
SciELO. Deste montante foram selecionados 5 estudos na base PubMed/Medline e 1 através de busca
manual nas referências bibliográficas de um dos estudos. Desses 6 estudos, 4 são ECRC e 2, relatos de caso.
Os estudos não aceitos para esta revisão (n = 63; 61
Rev Neurocienc 2007;15/4:304–309
PubMed/Mediline, 1 Cochrane e 2 SciELO) tiveram
como razão para sua exclusão os seguintes fatores: tiveram como objetivo a recuperação funcional de pacientes pós-AVE utilizando somente a prática mental
como intervenção (21 PubMed/Medline; 1 Cochrane), a recuperação funcional de pacientes com outras
doenças neurológicas utilizando somente a PM como
intervenção (2 PubMed/Medline), o aumento de performance de habilidades motoras (30 PubMed/Medline; 2 SciELO) e força muscular (8 PubMed/Medline) em sujeitos saudáveis através da PM.
Os ECRC24-27 atenderam ao objetivo do estudo, mostrando evidências de que a prática mental
combinada à cinesioterapia é eficaz na recuperação
funcional de déficits motores de membros superiores
em pacientes pós-AVE, conforme mostra o quadro
1. Já os estudos relatos de caso28,29 demonstraram
uma tendência favorável à eficácia da combinação
das técnicas, conforme pode ser visto no quadro 2.
DISCUSSÃO
O presente estudo teve como objetivo investigar se o método combinado de prática mental e cinesioterapia é eficaz na recuperação dos déficits motores de membros superiores em pacientes pós-AVE.
Desde suas primeiras aplicações no contexto da recuperação neurológica, somente seis experimentos
foram realizados combinando tais técnicas de tratamento a fim de se investigar se essa combinação é
realmente eficaz24-29. Devido a esse fator, ainda não
foi possível padronizar a utilização da PM como conduta fisioterapêutica na recuperação neurológica de
pacientes pós-AVE. Sendo assim, ainda não se atingiu um consenso quanto à freqüência (quantos dias
por semana e quantas semanas), o tempo de duração
(minutos por sessão), o tipo (visual ou cinestésica) e o
momento apropriado de aplicação da prática mental
(fases de recuperação da patologia). Contudo, conforme visto em nossos resultados, tais investigações
demonstraram evidências de que a prática mental
(baseada nos exercícios de cinesioterapia) associada
à cinesioterapia (baseada em atividades da vida diária) mostrou-se mais eficaz que o tratamento fisioterapêutico convencional utilizado, por si só24-27. Além
disso, de forma complementar os estudos de Crosbie
et al.28 e Page et al.29 indicaram uma tendência favorável à eficácia das técnicas combinadas.
De acordo com Jeannerod30, a PM é realizada
pelo engajamento consciente de regiões do cérebro
freqüentemente ativadas de maneira inconsciente
durante a preparação de um movimento. Entretan-
306
original
Quadro 1. Estudos do tipo Ensaio Clínico Randomizado e Controlado incluídos na Revisão Sistemática.
Autor
Amostragem
Tipo de estudo
Intervenção
Resultados
Page et al.24
n = 16
(grupo experimental)
n = 16
(grupo controle)
Estudo clínico randomizado
Grupo Experimental:
- Cinesioterapia (5 exerc. p/braço + afetado)
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
- Prática mental (baseada em atividades da vida diária -p/ braço + afetado)
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total : 6 sem.
Grupo Controle:
- Cinesioterapia (5 exerc. p/braço + afetado)
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
- Exerc. de relaxamento
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
Redução dos déficits
sensório-motores e melhora da função do braço
mais afetado, verificadas
pelas escalas FMS e
ARA respectivamente
e desenvolvimento de
novas habilidades.
Page et al.25
n=6
(grupo experimental)
n=5
(grupo controle)
Estudo clínico randomizado
Grupo Experimental:
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço + afetado)
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
- Prática mental (baseada em atividades da vida diária - p/ braço + afetado)
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
Grupo Controle:
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço + afetado)
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
- Exerc. de relaxamento
Duração: 30 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
Melhora da função do
braço mais afetado verificada pela escala ARA.
Page et al.26
n=8
(grupo experimental)
n=5
(grupo controle)
Estudo clínico randomizado
Grupo Experimental:
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço + afetado)
Duração: 1 h
Freqüência: 3x sem.
Total: 6 sem.
- Prática mental (baseada em atividades da vida diária - p/ braço + afetado)
Duração: 10 min.
Freqüência: 3x sem.
Total : 6 sem.
Grupo Controle:
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço + afetado)
Duração: 1 h
Freqüência: 3x sem.
Total: 6 sem.
- Exerc. de relaxamento
Duração: 10 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
Redução dos déficits sensório-motores e melhora
da função do braço mais
afetado, verificadas pelas
escalas FMS e ARA
respectivamente.
Page et al.27
n=8
(grupo experimental)
n=8
(grupo controle)
Estudo clínico randomizado
Grupo Experimental:
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço)
Duração: 1 h
Freqüência: 3x sem.
Total: 4 sem.
- Prática mental (exerc. p/ braço + afetado)
Duração:10 min.
Freqüência: 3x sem.
Total: 4 sem.
Grupo Controle:
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço)
Duração: 1 h
Freqüência: 3x sem.
Total: 4 sem.
- Exerc. de relaxamento
Duração:10 min.
Freqüência: 3x sem.
Total: 4 sem.
Redução dos déficits sensório-motores do braço
mais afetado, verificada
pela escala FMS
Exerc. = exercício, min. = minuto, h = hora, sem. = semana, ARA = Action Research Arm Test, FMS = Fugl-Meyer Scale.
307
Rev Neurocienc 2007;15/4:304–309
original
Quadro 2. Estudos do tipo Relato de Caso incluídos na Revisão Sistemática.
Autor
Amostragem
Tipo de estudo
Crosbie et al.28
n = 10
Relato de casos
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço)
Duração: 30–40 min.
Freqüência: 7x sem.
Total: 2 sem.
- Prática mental (após cinesioterapia – braço + afetado)
Duração:10 min.
Freqüência: 7x sem.
Total: 2 sem.
Intervenção
Redução dos déficits
motores e melhora da
função do braço mais
afetado verificados
pela escala MI
Resultados
Page et al.29
n=1
Relato de caso
- Cinesioterapia (exerc. p/ braço)
Duração: 1 h
Freqüência: 3x sem.
Total: 6 sem.
- Prática mental (20 min. após cinesioterapia – braço + afetado)
Duração:10 min.
Freqüência: 2x sem.
Total: 6 sem.
Redução dos déficits
motores e melhora da
função do braço mais
afetado verificados
pelas escalas FMS e
ARA respectivamente.
Exerc. = exercício, min. = minuto, h = hora, sem. = semana, ARA = Action Research Arm Test, FMS = Fugl-Meyer Scale, MI = Motricity index.
to, o processo de imaginação não é dependente da
habilidade de executar um movimento, mas bastante dependente do processamento de mecanismos
centrais. Sendo assim, parece possível que o uso freqüente da PM facilite a organização de comandos
motores centrais.
Baseando-se na teoria de que existem “redes
neurais” já estabelecidas para determinados atos
motores, estudos relatam que essas “redes neurais”
envolvidas no gesto motor executado são reforçadas
durante a prática mental12,13. Sendo assim, a melhora
da performance do gesto executado ocorre pelo reforço da coordenação de padrões motores responsáveis
pelo desenvolvimento da habilidade executada. Tal
fato ocorre desde que as “redes neurais” permaneçam
intactas apesar dos danos físicos, sugerindo-se que
pacientes pós-AVE poderiam beneficiar-se do uso da
prática mental ativando “redes neurais” parcialmente
danificadas. Tais achados vêm de encontro com nossos resultados24-29 e de estudos que relatam mudanças
de funções motoras correlacionadas a mudanças corticais quando utilizados diversos protocolos específicos
de tarefas motoras31, inclusive a prática mental32. Tal
fato é atribuído a um mecanismo de reorganização
cerebral, no qual novas áreas são recrutadas para assistir os movimentos do braço afetado31,32.
Jeannerod30 salientou a importância do papel
da prática mental de forma prévia à execução motora. Esta representaria uma técnica complementar
ou adicional à realização de movimentos reais, mas
não a substituiria33. Uma vez que a capacidade dos
pacientes em realizar a PM é avaliada, o foco pode
então ser dirigido à severidade da lesão e ao momento em que a PM deve ser introduzida no tratamento.
Rev Neurocienc 2007;15/4:304–309
Nos casos onde a condição neurológica não permite
que os pacientes realizem movimentos, o ensaio de
uma habilidade se faz necessário para ajudar a manter o programa motor ativo19,20,22,34 e também possivelmente a promover a reorganização cortical4,35,36,
assim essa preparação facilitaria futuras execuções
de movimentos específicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a PM, quando combinada à
cinesioterapia, mostrou-se um método bastante útil
e eficaz, apresentando resultados significativos na
melhora dos déficits motores em pacientes pós-AVE.
Sendo assim, recomenda-se que novos estudos sejam
realizados com o objetivo de determinar parâmetros
específicos, tais como número e freqüência semanal,
tempo de duração (minutos por sessão), tipo (visual
ou cinestésica) e momento apropriado da aplicação
prática mental (fases de recuperação da patologia),
com o intuito de criar protocolos específicos para
cada fase de tratamento, buscando assim resultados
mais evidentes. Além disso, é necessário também
que sejam realizados novos estudos utilizando essa
combinação aliada a exames de neuroimagem, a fim
de se obter maiores informações sobre os padrões de
ativação e reorganização do córtex.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Cicerone KD, Dahlberg C, Malec JF, Langenbahn DM, Felicetti
T, Kneipp S, et al. Evidence-based cognitive rehabilitation: updated review of the literature from 1998 through 2002. Arch Phys Med Rehabil
2005;86:1681-92.
2. Stewart DG. Stroke rehabilitation. 1. Epidemiologic aspects and
acute management. Arch Phys Med Rehabil 1999;80:S4-7.
308
original
3. Van Leeuwen R, Inglis JT. Mental practice and imagery: a potential
role in stroke rehabilitation. Phys Ther Rev 1998;3:47-52.
4. Jackson PL, Doyon J, Richards CL, Malouin F. Potential role of
mental practice using motor imagery in neurological rehabilitation.
Arch Phys Med Rehabil 2001;82:1133-41.
5. Nair DG, Purcott KL, Fuchs A, Steinberg F, Kelso JA. Cortical and
cerebellar activity of the human brain during imagined and executed
unimanual and bimanual action sequences: a functional MRI study.
Cogn Brain Res 2003;15:250-60.
6. Jackson PL, Lafleur MF, Malouin F, Richards CL, Doyon J. Functional cerebral reorganization following motor sequence learning through
mental practice with motor imagery. Neuroimage 2003;20:1171-80.
7. Malouin F, Richards CL, Jackson PL, Dumas F, Doyon J. Brain activations during motor imagery of locomotor-related tasks: a PET study.
Hum Brain Mapp 2003;19:47-62.
8. Decety J, Grèzes J. Neural mechanisms subserving the perception of
human actions. Trends Cogn Sci 1999;3:172-8.
9. Lotze M, Cohen LG. Volition and imagery in neurorehabilitation.
Cogn Behav Neurol 2006;19:135-40.
10. Deiber MP, Ibanez V, Honda M, Sadato N, Ramans R, Hallett M.
Cerebral processes related to visuomotor imagery and generation of finger movements studied with positron emission tomography. NeuroImage
1998;7:73-85.
11. Ruby P, Decety J. Effect of subjective perspective taking during
simulation of action: a PET investigation of agency. Nat Neurosci
2001;4:546-50.
12. Michelon P, Vettel JM, Zacks JM. Lateral somatotopic organization during imagined and prepared movements. J Neurophysiol 2006;95:811-22.
13. Jeannerod M. Neural simulation of action: a unifying mechanism
for motor cognition. NeuroImage 2001;14:103-9.
14. Lotze M, Montoya P, Erb M, Hulsmann E, Flor H, Klose U, et
al. Activation of cortical and cerebellar motor areas during executed and imagined hand movements: an fMRI study. J Cogn Neurosci
1999;11:491-501.
15. Gerardin E, Sirigu A, Lehericy S, Poline JB, Gaymard B, Marsault
C, et al. Partially overlapping neural networks for real and imagined
hand movements. Cereb Cortex 2000;10:1093-104.
16. Kuhtz-Buschbeck JP, Mahnkopf C, Holzknecht C, Siebner H, Ulmer S, Jansen O. Effect or independent representations of simple and
complex imagined finger movements: a combined fMRI and TMS study. Eur J Neurosci 2003;18:3375-87.
17. Gerloff C, Corwell B, Chen R, Hallett M, Cohen LG. The role of
the human motor cortex in the control of complex and simple finger
movement sequences. Brain 1998;121:1695-709.
18. Li S, Kamper DG, Stevens JA, Rymer WZ. The effect of motor
imagery on spinal segmental excitability. J Neurosci 2004;24:9674-80.
309
19. Pascual-Leone A, Nguyet D, Cohen LG, Brasil-Neto JP, Cammarota
A, Hallett M. Modulation of muscle responses evoked by transcranial
magnetic stimulation during the acquisition of new fine motor skills. J
Neurophysiol 1995;74:1037-45.
20. Miltner R, Simon U, Netz J, Hömberg V. Motor imagery in the therapy of patients with central motor deficit. Neurol Rehabil 1999;5:66-72.
21. Stevens JA, Stoykov MEP. Using motor imagery in the rehabilitation
of hemiparesis. Arch Phys Med Rehabil 2003;84:1090-2.
22. Weiss T, Hansen E, Rost R, Beyer L, Merten F, Nichelmann C, et al.
Mental practice of motor skills used in post-stroke rehabilitation has own
effects on central nervous activation. Int J Neurosci 1994;78:157-66.
23. Dixon-Woods M, Agarwal S, Jones D, Sutton A. Synthesising qualitative and quantitative evidence: a review of possible methods. J Health
Sci Res Policy 2005;10:45-53.
24. Page SJ, Levine P, Leonard A. Mental practice in chronic stroke: results of a randomized, placebo-controlled trial. Stroke 2007;38:1293-7.
25. Page SJ, Levine P, Leonard AC. Effects of mental practice on affected limb use and function in chronic stroke. Arch Phys Med Rehabil
2005;86:399-402.
26. Page SJ, Levine P, Sisto S, Johnston M. A randomized, efficacy and
feasibility study of imagery in acute stroke. Clin Rehabil 2001;15:233-40.
27. Page SJ. Imagery improves motor function in chronic stroke patients
with hemiplegia: a pilot study. Occ Ther J Res 2000;20:200-15.
28. Page SJ, Levine P, Sisto AS, Johnston MV. Mental practice combined with physical practice for upper-limb motor deficit in subacute
stroke. Phys Ther 2001;81:1455-62.
29. Crosbie JH, Mcdonough SM, Gilmore DH, Wiggam MI. The adjunctive role of mental practice in the rehabilitation of the upper limb
after hemiplegic stroke: a pilot study. Clin Rehabil 2004;18:60-8.
30. Jeannerod, M. The representing brain: neural correlates of motor
intention and imagery. Brain Behav Sci 1994;17:187-245.
31. Szaflarski JP, Page SJ, Kissela B, Levine P, Lee J, Strakowski S.
Cortical reorganization following modified constraint-induced therapy:
a study of four patients with chronic stroke. Arch Phys Med Rehabil
2006;87:1052-8.
32. Lafleur MF, Jackson PL, Richards C, Malouin F, Doyon J. Motor
learning produces parallel dynamic functional changes during the execution and the imagination of sequential foot movements. NeuroImage
2002;16:142-57.
33. Mulder T. Motor imagery and action observation: cognitive tools
for rehabilitation. J Neural Transm 2007, in press.
34. Lotze M, Halsband U. Motor imagery. J Physiol Paris 2006;99:386-95.
35. Van Leeuwen R, Inglis JT. Mental practice and motor imagery: a
potential role in stroke rehabilitation. Phys Ther Rev 1998;3:47-52.
36. Johnson SH. Imagining the impossible: intact motor representations
in hemiplegics. Neuroreport 2000;11:729-32.
Rev Neurocienc 2007;15/4:304–309
revisão
Neuroinfecção por Naegleria fowleri:
aspectos clínico-terapêuticos,
epidemiológicos e ecológicos
Neuroinfection by Naegleria fowleri: clinical, therapeutical, epidemiological, and ecological aspect
Rodrigo Siqueira-Batista1, Andréia Patrícia Gomes2, David Oddó B3, Luiz
Eduardo de Oliveira Viana4, Renata Cristina Teixeira Pinto4, Bernardo
Drummond Braga4, Giselle Rôças5, Mauro Geller6, Vanderson Esperidião Antonio7
RESUMO
SUMMARY
As amebas de vida livre são seres vivos que se distribuem amplamente no planeta e, em determinadas circunstâncias, podem
provocar infecções em animais, dentre os quais o Homo sapiens
sapiens. Neste âmbito, vem merecendo destaque a espécie Naegleria fowleri, capaz de desencadear quadros extremamente graves,
habitualmente de difícil abordagem diagnóstica e terapêutica, o
que culmina, no mais das vezes, em alta letalidade. Com base
nessas premissas, revisar os principais aspectos da infecção humana por N. fowleri é escopo do presente artigo.
Free-living amoebae are widespread throughout the planet
and may, in certain circumstances, infect animals, including
Homo sapiens sapiens. Among amoebae, Naegleria fowleri outstands itself as capable of causing extremely severe conditions, of difficult diagnosis and treatment and of high lethality outcomes. Based on these premises, the main scope of
this article is to review the primary aspects of human infection by N. fowleri.
Unitermos: Naegleria fowleri. Infecções Protozoárias
do Sistema Nervoso Central. Enceflite de St. Louis. Patologia. Ecologia.
Keywords: Naegleria fowleri. Central Nervous System.
Protozoal Infections. Meningoencephalitis. Pathology.
Ecology.
Citação: Siqueira-Batista R, Gomes AP, Oddó BD, Viana LEO,
Pinto RCT, Braga BD, Rôças G, Geller M, Antonio VE. Neuroinfecção por Naegleria fowleri: aspectos clínico-terapêuticos, epidemiológicos e ecológicos.
Citation: Siqueira-Batista R, Gomes AP, Oddó BD, Viana
LEO, Pinto RCT, Braga BD, Rôças G, Geller M, Antonio VE.
Neuroinfection by Naegleria fowleri: clinical, therapeutical, epidemiological, and ecological aspects.
Trabalho realizado no Centro Universitário Serra dos Órgãos,
na Pontificia Universidad Católica de Chile e no Centro
Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis.
1. Médico infectologista. Doutor em Ciências, Professor Titular do
Curso de Graduação em Medicina e do Curso de Graduação em Ciências da Computação, Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), UNIFESO; Professor Adjunto do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Química de Nilópolis (CEFETEQ-RJ).
2. Médica infectologista. Doutoranda em Ciências, Professora Titular
do Curso de Graduação em Medicina, Centro Universitário Serra dos
Órgãos; Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil, RJ.
3. Profesor Auxiliar de la Escuela de Medicina, Pontificia Universidad
Católica de Chile. Jefe de la Unidad de Anatomía Patológica del Instituto Nacional del Cáncer. Santiago de Chile.
4. Médico, Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO).
5. Doutora em Ciências Biológicas, Professora Adjunta do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis (CEFETEQ-RJ).
6. Médico imunologista. Doutor em Clínica Médica, Professor Titular do Curso de Graduação em Medicina e do Curso de Graduação em
Odontologia, Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO). Professor Colaborador da New York University (NYU). Coordenador do Setor
de Genodermatoses do Serviço de Genética, Instituto de Puericultura e
Pediatria (IPPMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
7. Médico anatomista. Mestre em Ciências Morfológicas, Professor Adjunto do Curso de Graduação em Medicina, do Curso de Graduação em
Odontologia e do Curso de Graduação em Fisioterapia, UNIFESO. Professor
Assistente da Disciplina de Fisiologia, Faculdade de Medicina de Petrópolis.
Endereço para correspondência:
Rodrigo Siqueira-Batista
UNIFESO
Coordenação do Curso de Graduação em Medicina
Disciplina de Clínica Médica
Av. Alberto Torres 111
25964-000 Teresópolis, RJ
Rev Neurocienc 2007;15/4:310–316
Recebido em: 30/11/2006
Revisão: 1/12/2006 a 23/5/2007
Aceito em: 24/5/2007
Conflito de interesses: não
310
revisão
INTRODUÇÃO
As infecções do sistema nervoso central (SNC)
provocadas por amebas de vida livre são condições
pouco usuais na prática clínica. A despeito disso, têm
importância devido à dificuldade diagnóstica, que se associa, muitas vezes, ao atraso na instituição terapêutica,
fator responsável por substantiva morbi-letalidade1-3.
É precisamente nesse contexto que se destaca
o protozoário Naegleria fowleri, considerado o principal
agente etiológico da meningoencefalite amebiana primária (MAP)4,5. Mais de trinta espécies de Naegleria já foram
identificadas – muitas das quais implicadas em infecções
em animais, como Naegleria andersoni, Naegleria australiensis,
Naegleria jadini e Naegleria lovaniensis6-9, mas apenas N. fowleri
foi isolada em infecções de humanos10.
Desde a descrição do primeiro caso humano
da infecção e de denominação do agente infeccioso Naegleria fowleri, em 1965 e 1970 respectivamente – por Malcolm Fowler e Rodney F. Carter – até
o ano de 2004, foram relatados aproximadamente
200 casos de MAP por N. fowleri11. Embora mais da
metade desses episódios tenha ocorrido nos Estados
Unidos, têm sido notificadas infecções em países de
todos os continentes11,12. O protozoário distribui-se
em fontes hídricas de todo o planeta, tendo predileção por águas quentes, na medida em que pode
tolerar temperaturas entre 40 e 45ºC13.
A infecção ocorre via trato olfatório, através
da penetração do microrganismo pela lâmina cribiforme, resultando em infecção direta do encéfalo, a
qual determina manifestações de meningoencefalite
aguda14-16. Por sua gravidade e crescente importância ecoepidemiológica, o objetivo do presente artigo
é apresentar os principais aspectos clínicos, diagnósticos, terapêuticos, epidemiológicos e ecológicos da
infecção humana por N. fowleri.
Aspectos Biológicos
Naegleria fowleri é uma ameba de vida livre pertencente ao reino Protozoa (quadro 1), sendo considerado um
protozoário muito arcaico3. No ciclo vital desse microrganismo, distinguem-se três formas evolutivas17-19:
•trofozoítos, uninucleados com 8 a 15 μm
de diâmetro nos tecidos infectados, que multiplicamse por divisão binária simples;
•cistos, medindo de 7 a 12 μm; e
•formas flageladas, medindo de 12 a 18
μm, nas quais se observam dois flagelos de aparecimento fugaz – que se movimentam livremente na
água – responsáveis, provavelmente, pela capacidade
de o microorganismo se dispersar20.
311
Quadro 1. Taxonomia de Naegleria fowleri.
Reino
Filo
Subfilo
Superclasse
Classe
Ordem
Família
Gênero
Espécie
Protista
Protozoa
Sarcodina
Rhizopoda
Lobosa
Amoebida
Vahlkampfidae
Naegleria
Naegleria fowleri
O microrganismo é considerado termofílico
e termotolerante – conseguindo manter-se viável
em temperaturas elevadas, mesmo acima de 45ºC,
o que torna a espécie apta a sobreviver nos tecidos
de mamíferos21, sendo freqüentemente encontrado
em coleções de águas aquecidas22, natural ou artificialmente, e em frascos de água mineral engarrafada23. O protista é sensível às diferentes condições do
meio, como ambientes secos, pHs extremos, além de
não conseguir viver na água do mar9.
Trabalhos recentes têm demonstrado que algumas cepas de N. fowleri possuem efeito citopatogênico in vitro sobre as células de mamífero em cultivo,
fenômeno não observado em todos os espécimes do
protozoário.
Patogênese e Patologia
Há, na literatura, várias descrições de meningoencefalite aguda primária causada por N. fowleri,
sendo esta a principal manifestação clínica nas infecções pelo protozoário24. Entretanto, recentemente, descreveu-se um caso de ceratite por Naegleria,
clinicamente indistinguível do acometimento de
córnea provocado Acanthamoeba spp25.
Acredita-se que o protozoário invada a mucosa nasal, atravessando a lâmina cribiforme do etmóide pela bainha do nervo olfatório, penetrando
e invadindo o encéfalo26-29 (figura 1). Não é descrita
Figura 1. Meningoencefalite amebiana primária (MAP). Aspecto
macroscópico de uma meningoencefalite necrótica e hemorrágica da
base do cérebro.
Rev Neurocienc 2007;15/4:310–316
revisão
transmissão entre humanos e, tampouco, disseminação por via hematogênica11. Instala-se, a partir
de então, quadro de meningoencefalite purulenta,
com áreas hemorrágicas e necrosantes30. As regiões
mais acometidas, inicialmente, são o lobo frontal e
o bulbo olfatório, devido à proximidade da “porta
de entrada” para o SNC. Outras áreas atingidas
incluem a base do cérebro, o tronco encefálico e o
cerebelo31,32.
Nas infecções por N. fowleri é descrita desmielinização, principalmente nas zonas adjacentes à inflamação da substância cinzenta. Esse fenômeno não se
deve a alterações vasculares ou circulatórias, as quais
cursam com tromboses, como ocorre em outras encefalites. A desmielinização observada nas infecções
por N. fowleri é produzida por um efeito direto sobre
a mielina3. Recentes investigações têm demonstrado
que a destruição celular não se deve isoladamente à
lise por ação enzimática, estando também a fagocitose pela própria ameba envolvida1.
À necropsia, o cérebro encontra-se congesto e
com edema leve a intenso. As meninges estão difusamente hiperemiadas, com escasso exudato purulento, especialmente na base do cérebro. Os bulbos
olfatórios estão friáveis e necróticos, com evidência
de herniação do uncus do hipocampo. O córtex cerebral possui uma superfície petequial e zonas com
hemorragias maiores associadas a pequenas áreas
de destruição e necrose33.
No exame post mortem da cavidade nasal aparece inflamação no epitélio neuro olfatório, a qual se
estende até o cérebro através da lâmina cribiforme
do etmóide, associado a um intenso edema; rinite
edematosa com exudato leucocitário polimorfonuclear foi encontrada em alguns pacientes. Ademais,
a invasão pode causar úlceras na mucosa olfatória
e faríngea, e também neurite e necrose dos nervos
olfatórios34.
Freqüentemente, os protozoários são observados
ao redor dos vasos sangüíneos, penetrando no tecido
cerebral e seguindo os espaços de Virchow-Robin. Necrose de pequenos vasos sangüíneos – com destruição
de suas paredes, formação de trombos e hemorragias
petequiais – são achados habituais na MAP3.
Aspectos Clínicos
O período de incubação é usualmente de sete
dias. A MAP manifesta-se, clinicamente, por início
abrupto com sinais e sintomas de acometimento
meningoencefálico, tais como febre alta, cefaléia
intensa, vômitos “em jato”, sinais de irritação meníngea, alteração do sensório e convulsões, os quais
evoluem rapidamente (em torno de uma semana)
para coma e óbito, caso o enfermo não seja tratado
rapidamente35,36. Alguns pacientes apresentam manifestações similares às observadas nas infecções do
trato respiratório superior, como hiperemia nasal e
coriza11. Já foram descritos, em alguns casos, envolvimento cerebelar37 e medular38 nas infecções por
N. fowleri39.
Diagnóstico
O diagnóstico é firmado a partir da análise
do líquor, o qual deve ser remetido para avaliação
citológica (leucócitos aumentados, em geral mais
de 500 células/mm3, com predomínio de polimorfonucleares — 90%; e hemácias, as quais aumentam
progressivamente no liquor, podendo chegar a mais
de 20.000 células/mm3), bioquímica (glicorraquia
em torno de 10 mg/dl, proteinorraquia elevada),
bacteriológica (bacterioscopia e cultura negativas),
micológica (exame direto e cultura negativos) e parasitológica (presença de amebas que podem ser
visualizadas através da coloração por hematoxilina
férrica, Giemsa e Gram)40.
O material pode ser semeado em meio ágar
não-nutriente com bactérias vivas ou mortas (Escherichia coli ou Enterobacter aerogenes) ou em meio
de infusão de soja e ágar, conforme preconizado
por Foronda41,42. Após o isolamento, realiza-se a
caracterização, utilizando-se, para isso, o teste de
flagelação17.
Pesquisa pode ser feita, também, por avaliação
histopatológica obtida por biópsia cerebral estereotáxica e corada pela hematoxilina-eosina (HE). Testes sorológicos não são empregados por sua pouca
utilidade clínica, sobretudo pela morte do paciente
ocorrer, geralmente, antes de ser evocada a resposta
imunológica43.
Quadro 2. Doses, efeitos adversos e observações em relação ao uso da anfotericina B59,60.
Fármaco
Efeitos Adversos Principais
Doses habituais
Observações
Anfotericina B
Nefrotoxicidade, hipocalemia (que
pode ser grave), anemia, febre,
calafrios e flebites.
Dose usual: 0,5 a 1 mg/kg/dia,
por via intravenosa, 24/24 h (máximo 50 mg/dia)*.
Diluir a dose em 500 ml de soro glicosado (5%) e
associar, no mesmo frasco 1.000 U de heparina e 50
mg de hidrocortisona; infundir em 4 a 6 horas.
* Esta é a dose habitual do fármaco; para o tratamento das infecções por Naegleria fowleri pode ser útil a consulta à Comissão de Controle de Infecção Hospitalar ou a um
infectologista.
Rev Neurocienc 2007;15/4:310–316
312
revisão
A correta identificação de N. fowleri no ambiente é difícil devido aos inúmeros gêneros de amebas encontradas no mesmo ecótopo, muitas das quais
possuidoras de morfologia semelhante44.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com
infecções do SNC por outras etiologias, principalmente meningoencefalite bacteriana aguda (MBA)
pelos agentes mais usuais (Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae). Na maioria das vezes, a meningoencefalite por N. fowleri é
diagnosticada equivocadamente como tal entidade,
o que implica, conseqüentemente, na inadequação
do tratamento11. Os enfermos típicos com MAP são
adultos jovens, do sexo masculino, com história de
recreação em fontes de água – especialmente termais
– e quadro sugestivo de MBA45.
Terapêutica
Foram poucos os pacientes nos quais o tratamento da infecção obteve sucesso. Estimam-se doze sobreviventes dos aproximadamente duzentos casos confirmados, o que caracteriza letalidade próxima a 95%.
O tratamento da MAP por N. fowleri deve ser
instituído o mais precocemente possível. Vários medicamentos já foram testados contra essa espécie de
ameba, como anfotericina B, rifampicina, ornidazol,
miconazol, sulfametoxazol e cloranfenicol17,29,46-48,
com os melhores resultados sendo descritos com o
uso de anfotericina B49 (quadro 2), tanto em termos
experimentais quanto clínicos46. O microrganismo é
altamente sensível a esse antifúngico, o qual tem sido
usado em todos os casos de MAP. Demonstrou-se,
em estudos in vitro, que a concentração inibitória mínima eficaz situa-se entre 0,02–0,078 μg/ml em três
estudos clínicos testados in vitro50.
Um exame ultra-estrutural de N. fowleri tratada
com anfotericina B revelou distorções na superfície das
membranas celulares, incluindo o envoltório nuclear,
o retículo endoplasmático rugoso e liso e a membrana
plasmática51. O fármaco age através da ligação ao ergosterol dessas estruturas com conseqüente produção
de poros, provocando perda de pequenas moléculas52.
Essas alterações tornam-se mais pronunciadas quanto
maior o tempo de duração da exposição e mais elevada a concentração da anfotericina B53.
Outros antimicrobianos como tetraciclina,
clotrimazol, itraconazol e cetoconazol têm variável
ação in vitro contra o protozoário, ainda que sua ação
in vivo não seja plenamente conhecida17. A azitromicina é efetiva contra N. fowleri in vitro, mas penetra
pobremente no fluido cerebroespinhal54,55. Estudos
313
utilizando soro imune anti-Naegleria e um anticorpo
monoclonal anti-Naegleria por via intratecal, mostraram uma maior sobrevivência em experimentos realizados com coelhos infectados pelo protozoário56.
Mais recentemente, o diagnóstico precoce e o
tratamento com terapia tripla utilizando anfotericina B, fluconazol por via intravenosa e rifampicina
por via oral, parecem resultar em melhor desfecho57.
Investigação publicada no ano de 2006 demonstrou
que, na inibição de reprodução in vitro de N. fowleri,
os fármacos mais efetivos são cetoconazol e anfotericina B, seguidos de trifluoroperazina, miconazol e
metronidazol. Entre os menos efetivos estão a rifampicina e a pentamidina58.
O caso descrito de maior sucesso foi precocemente diagnosticado e tratado com anfotericina B e
miconazol, ambos por vias intravenosa e intratecal,
associados à rifampicina por via oral, sendo este um
dos esquemas preferidos para o tratamento de MAP
por N. fowleri. A despeito disso, a maioria dos autores
recomenda a associação dos dois anti-fúngicos – um
dos quais, sempre, a anfotericina –, sem acréscimo
de rifampicina59,60.
Na MAP por N. fowleri, provavelmente não
existe indução de resposta protetora celular ou humoral, sendo, portanto, a precocidade do diagnóstico essencial para o sucesso do tratamento59.
Epidemiologia e Ecologia
Os aspectos epidemiológicos da MAP por N.
fowleri são indissociáveis da compreensão das questões
ecológicas relativas ao protozoário. A história ecológica desse gênero é bastante conhecida, tendo sido iden-
Figura 2. Meningoencefalite amebiana primária (MAP). Aspecto
microscópico de uma meningoencefalite necrótica, hemorrágica e
purulenta da base do cérebro (hematoxilina-eosina, aumento de 32x).
Rev Neurocienc 2007;15/4:310–316
revisão
tificada inicialmente por Alexeieff no ano de 1912.
Originalmente, foi enquadrada como uma Dimastigamoeba, em função do número de flagelos observados.
Os estudos sobre o gênero continuaram sendo aprofundados devido à patogenicidade de algumas espécies e pela sua utilização como um dos modelos para
o entendimento da diferenciação eucariótica10.
O protozoário Naegleria fowleri, à semelhança
de outras amebas de vida livre, é ubíquo, podendo
ser isolado a partir de fontes de água doce (rios, lagos, pequenas coleções hídricas, estâncias minerais,
rede pública de abastecimento, piscinas aquecidas
ou não)61,62, poluídas ou não, além de unidades ventiladas e quentes, piscinas pouco cloradas, lagos artificiais e áreas aquecidas próximas à desembocadura de
usinas elétricas e aparelhos de ar condicionado23,34,6365
. O protozoário é descrito igualmente em vegetais66
e animais (peixes, répteis, aves e mamíferos, incluído
o homem – cavidade nasal, faringe e intestino)42,67. Já
foram isoladas amebas de vida livre potencialmente
patogênicas de numerosas piscinas e açudes do Rio
de Janeiro e São Paulo e, inclusive, de poeira coletada de hospitais29,42,68. Ademais, cabe mencionar
a possibilidade de associação entre amebas de vida
livre – incluída N. fowleri – e bactérias, especialmente Pseudomonas aeruginosa, Vibrio cholerae, Legionella spp
e Listeria monocytogenes69. Tais agentes são observados
no interior das amebas, estimando-se que tal interação possa ter papel na disseminação desses microrganismos, mormente nos ambientes hospitalares68.
De modo similar, investigação realizada em piscinas
públicas da capital chilena evidenciou presença de
Figura 3. Meningoencefalite amebiana primária (MAP). Aspecto microscópico de uma meningoencefalite necrótica, hemorrágica e purulenta com inúmeros trofozoítos de Naegleria fowleri no espaço meníngeo
(hematoxilina-eosina, aumento de 400x).
Rev Neurocienc 2007;15/4:310–316
amebas de vida livre em 62% das mesmas, sendo N.
fowleri um dos agentes encontrados.
O primeiro caso latino-americano de MAP
por N. fowleri foi relatado em 1977 por Campos e
colaboradores70. A despeito disso, o impacto das infecções por esse protozoário é desconhecido, dada
a provável baixa freqüência diagnóstica nos diferentes países. Do ponto de vista epidemiológico, o risco
de adquirir a meningoencefalite por N. fowleri cresce
proporcionalmente ao aumento da temperatura da
água. Existem alguns casos não relacionados a banhos em rio ou piscina, como um relatado na Tailândia, onde houve exposição durante o lançamento
de jatos de água entre pessoas11. Há maior incidência
em crianças e jovens com história recente de natação em piscinas aquecidas21. Consideram-se saltos e
mergulhos na água fatores de risco, já que podem
ser responsáveis por trauma direto na mucosa nasal,
resultando em invasão facilitada.
Em relação às técnicas para detectar o microrganismo no ambiente, têm sido descritas técnicas
imunológicas e moleculares que identificam especificamente N. fowleri no ambiente, podendo-se mencionar a reação de polimerase em cadeia (PCR) multiplex que detecta simultaneamente N. fowleri e outras
espécies de Naegleria no meio ambiente71,72. Estudos
recentes objetivando a monitoração da água, realizados na França, concluíram ser imprópria para banho a água contendo quantidades maiores ou iguais
a 100 unidades de ameba por litro, caso em que haveria aumento na probabilidade de infecção73.
As recomendações em relação à profilaxia e
ao controle da MAP por N. fowleri ainda estão por ser
definitivamente estabelecidas, devendo-se atentar, de
todo o modo, para as medidas visando à satisfatória
limpeza e higiene de piscinas, especialmente dos filtros, do fundo e das bordas, para remoção de acúmulo de matéria orgânica59. Nesse sentido, a resistência
de N. fowleri ao hipoclorito e a outros produtos de
desinfecção dessas coleções artificiais é característica
importante a ser relatada. Especificamente no que se
refere ao hipoclorito, descreve-se que doses elevadas
podem inativar trofozoítas de N. fowleri, ainda que os
cistos sejam mais resistentes11,59,74.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O adoecimento por amebas de vida livre, especialmente N. fowleri, pode ser bem caracterizado como
um problema das relações do homem com o meio
ambiente. De fato, a enfermidade ocorre nas situações
nas quais o Homo sapiens sapiens “invade” os ecótopos
314
revisão
do protozoário, os quais, muitas vezes, são também
resultado do derrame de dejetos e poluentes nas coleções hídricas. Acrescente-se a isso as diferentes previsões de que, mantido o atual nível de poluição ambiental – ou seja, se a produção e emissão de gases na
atmosfera não forem diminuídas – a temperatura global deverá aumentar de 0,8º a 3,5ºC até o ano 2100.
Esse aumento na temperatura resultará em ampliação
dos nichos ideais para a termofílica N. fowleri12.
Com efeito, similarmente ao descrito para inúmeras moléstias infecciosas, há necessidade de pensar a
neuroinfecção por N. fowleri no âmbito da ecologia – do
grego óikos = morada; lógos = discurso –, ou seja, levando-se em consideração as inter-relações possíveis entre
todos os seres inscritos em determinadas coordenadas
espaço-temporais. Há que se pensar que, em ambientes
naturais, nos quais o equilíbrio ecológico é mantido, o
número de indivíduos das diferentes espécies raramente ultrapassa a capacidade suporte do ambiente, devido aos sistemas internos de regulação populacional. As
espécies consideradas patogênicas começam a causar
problema para o homem, a partir do instante em que
o seu ambiente natural é modificado, causando assim
um desequilíbrio ecológico com alteração dos índices
de abundância das espécies. Dessa forma, o que originalmente poderia não ser reconhecido como um problema de saúde pública, passa a ter tal conotação face
às ações antrópicas desmedidas.
Tal premência é ainda mais significativa ao se
considerar a ampliação, atualmente, do horizonte da
ecologia, conforme caracterização de Leonardo Boff:
“De um discurso regional como subcapítulo da biologia, passou a ser atualmente um discurso universal, quiçá o de maior força mobilizadora do futuro milênio”75.
Esse modo de tratar os diferentes elementos da teia ecoepidemiológica da infecção por N. fowleri é solidário aos
referenciais da Ecologia Profunda, proposta em 1973 pelo
filósofo norueguês Arne Naess — incluído na tradição
de pensamento ecológico-filosófico de Henry Thoreau
e de Aldo Leopold —, como alternativa ao modelo he-
gemônico de vigilância epidemiológica e controle das
doenças (quadro 3). De fato, para Capra (2001)76:
[...] a ecologia profunda não separa seres humanos — ou qualquer outra coisa — do meio ambiente natural. Ela vê o mundo não como uma coleção de
objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que
são fundamentalmente interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida.
Com base nessas considerações, torna-se possível propor que a prevenção da MAP por N. fowleri
dependerá, em última análise, de uma substantiva
redução na agressão ao planeta compartilhado com
os demais seres. Quaisquer outras medidas que se
proponha terão possibilidades mais remotas de êxito
por se tratarem de ações incapazes de considerar a
real natureza do problema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Siqueira Batista R, Gomes AP, Santos SS, Almeida LC, Figueiredo CES, Pacheco SJB. Manual de Infectologia. Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2003, 578 p.
2. Siqueira Batista R, Gomes AP, Igreja RP, Hugins DW. Medicina Tropical
– abordagem atual das doenças infecto parasitárias. Rio de Janeiro: Editora
Cultura Médica, 2001, 1042 p.
3. Oddó D. Infecciones por amebas de vida libre. Comentários históricos, taxonomia y nomenclatura, protozoologia y cuadros anátomo-clínicos. Rev Chil
Infectol 2006;23(3):200-14.
4. Carter RF. Description of a Naegleria sp isolated from cases of primary
amoebic meningoencephalitis, and a experimental pathologic changes induced
by it. J Pathol 1970;100:217-44.
5. Dos Santos JG. Fatal primary amebic meningoencephalitis. A retrospective study in Richmond, Virginia. Am J Clin Pathol 1970;54:737-42.
6. Butt CG, Baro C, Knorr RW. Naegleria (sp) identified in amebic encephalitis. Am J Clin Pathol 1968;50:568-74.
7. Ma P, Visvesvara GS, Martinez AJ. Naegleria and Acanthamoeba sclerokeratitis. Determining diagnostic criteria. Rev Infect Dis 1990;12:490-513.
8. Martinez AJ, Duma RJ, Nelson EC. Experimental Naegleria meningoencephalitis in mice. Lab Invest 1973;29:121-33.
9. Jonckheere JF. Molecular definition and the ubiquity of species in the genus Naegleria. Protist 2004;155:89-103.
10. De Jonckheere JF. A century of research on the amoeboflagellate genus
Naegleria. Acta Protozool 2002;41:309-42.
11. Wiwannitkit V. Review of clinical presentations in Thai patients with primary amoebic meningoencephalitis. Med Gen Med 2004;6(1):2.
12. Cogo PA, Scaglia M, Gatti S. Fatal Naegleria fowleri meningoencephalitis,
Italy. Emerg Infect Dis 2004;10:1835-7.
13. Schuster FL, Visvesvara GS. Free living amoebae as opportunistic
and non-opportunistic pathogens of humans and animals. Int J Parasitol
2004;34:1001-27.
14. Anderson K, Jamieson A. Primary amoebic meningoencephalitis. Lancet
1972;i:902-3.
15. Kidney DD, Kim SH. CNS infections with free-living amebas: neuroimaging findings. Am J Roentgenol 1998;171:809-12.
Quadro 3. Comparação entre a visão de mundo hegemônica e a ecologia profunda77.
VISÃO DE MUNDO HEGEMÔNICA
ECOLOGIA PROFUNDA
Domínio da Natureza
Harmonia com a Natureza
Ambiente natural como recurso para os seres humanos
Toda a Natureza tem valor intrínseco
Seres humanos são superiores aos demais seres vivos
Igualdade entre as diferentes espécies
Crescimento econômico e material como base para o crescimento humano
Objetivos materiais a serviço de objetivos maiores de auto-realização
Crença em amplas reservas de recursos
Planeta tem recursos limitados
Progresso e soluções baseados em alta tecnologia
Tecnologia apropriada e ciência não dominante
Consumismo
Fazendo com o necessário e reciclando
Comunidade nacional centralizada
Biorregiões e reconhecimento de tradições das minorias
315
Rev Neurocienc 2007;15/4:310–316
revisão
16. Szenasi Z, Endo T, Yagita K, Nagy E. Isolation, identification and increasing importance of ‘free-living’ amoebae causing human disease. J Med
Microbiol 1998;47:5-16.
17. Jain R, Prabhakar S, Modi M, Bhalia R, Sehgal R. Naegleria meningoencephalitis: a rare survival. Neurol India 2002;50:470-2.
18. John DT. Primary amebic meningoencephalitis and the biology of Naegleria fowleri. Annu Rev Microbiol 1982;36:101-23.
19. Schuster FL. Ultrastructure of cysts of Naegleria spp: A comparative study.
J Protozool 1975;22:352-9.
20. Faust EC, Russel PF, Hung RC. Craig and Faust’s Parasitologia Clínica.
Barcelona: Salvat Editores, 1974, 674 p.
21. Jonckheere JF, Van de Voorde H. The distribution of Naegleria fowleri in
man-made thermal waters. Am J Trop Med Hyg 1977;26:10-5.
22. Rohr U, Weber S, Michel R, Selenka F, Wilhelm M. Comparison of freeliving amoebae in hot water systems of hospitals with isolates from moist sanitary areas by identifying genera and determining temperature tolerance. Appl
Environm Microbiol 1998;64:1822-4.
23. De Jonckheere J, van de Voorde H. The distribution of Naegleria fowleri in
man-made thermal waters. Am J Trop Med Hyg 1977;26:10-5.
24. Sugita Y, Fujii T, Hayashi I, Aoki T, Yokoyama T, Fukuma T, et al. Primary
amebic meningoencephalitis due to Naegleria fowleri: an autopsy case in Japan.
Pathol Intern 1999;49:468-70.
25. Dua HS, Azuara-Blanco A, Hossain M, Lloyd J. Non-Acanthamoeba
amebic keratitis. Cornea 1998;17:675-7.
26. Butt CG. Primary amebic meningoencephalitis. N Eng J Med
1966;274:1473-6.
27. Kuroki T, Yagita K, Sugiyama H, Yamai S, Fukuma T, Katsube Y, et al.
Experimental infection of Naegleria fowleri in mice. Kansenshogaku Zasshi
1998;72:1064-9.
28. Marciano-Cabral F, Cline MC, Bradley SG. Specificity of antibodies from
human sera for Naegleria species. J Clin Microbiol 1987;25:692-7.
29. Wang A, Kay R, Poon WS, Ng HK. Successful treatment of amoebic
meningoencephalitis in a Chinese living in Hong Kong. Clin Neurol Neurosurg
1993;97:249-52.
30. Cursons RTM, Brown TJ, Keys EA. Immunity to pathogenic free-living
amoeba. Lancet 1977;2:875-6.
31. Martinez AJ. Free-living amebas: natural history, prevention, diagnosis,
pathology, and treatment of disease. Florida: CRC Press, 1985, 156 p.
32. Anzil AP, Chandrakant R, Wrzolek AA. Amebic meningoencephalitis in a
patient with AIDS caused by a newly recognized opportunistic pathogen. Arch
Pathol Lab Med 1991;115:21-5.
33. Butt CG. The pathology of amebic encephalitis. Bulletin Pathol 1968;9:83.
34. Jeong SR, Lee SC, Song KJ, Park S, Kim K, Kwon MH, et al. Expression
of the nfa1 gene cloned from pathogenic Naegleria fowleri in nonpathogenic N.
Gruberi enhances cytotoxicity against CHO target cells in vitro. Infect Immun
2005;73(7):4098-105.
35. Callicott JH Jr, Nelson EC, Jones MM. Meningoencephalitis due to pathogenic free-living amoebae. Report of two cases. JAMA 1968;206:579-82.
36. Martinez AJ. Free-living amebas: infection of the central nervous system.
Mount Sinai J Med 1993;60:271-8.
37. Scaglia M. Human pathology caused by free-living amoebae. Ann Ist Super Sanita 1997;33:551-66.
38. Viriyavejakul P, Rochanawutanon M, Sirinavin S. Naegleria meningomyeloencephalitis. Southeast Asian J Trop Med Pub Health 1997;28:237-40.
39. Rodriguez R, Mendez O, Molina O, Luzardo G, Martinez AJ, Visvesvara
GS, et al. Central nervous system infection by free-living amebas: report of 3
Venezuelan cases. Rev Neurol 1998;26:1005-8.
40. Sotelo-Avila C. Naegleria and Acanthamoeba. Free-living amebas pathogenic
for man. Perspec Ped Pathol 1987;10:51-85.
41. Foronda AS. Crescimento de amebas de vida livre em meios semeados com líquor cefalorraquidiano humano. Nota Prévia. Rev Paulista Med
1976;87:140.
42. Foronda AS. Observações sobre amebas de vida livre potencialmente patogênicas (Tese de Doutoramento). Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, 1979.
43. Marciano-Cabral F, Petri Jr WA. Free-living amebae. In: Mandell GL,
Bennett JE, Dolin R. Principles and Practice of Infectious Diseases. New York:
Churchill Livingstone, 1995, 2122 p.
44. Cabral FM, MacLean R, Mensah A, Polasko LLP. Identification of Naegleria fowleri in domestic water sources by Nested PCR. Applied Environm Microbiol 2003;69(10):5864-9.
45. Ginsberg L. Difficult and recurrent meningitis. J Neurol Neurosurg
Psychiatr 2004;75:16-21.
46. Brown RL. Successful treatment of primary amebic meningoencephalitis.
Arch Intern Med 1991;151:1201-2.
47. Apley J, Clarke SKR, Roome APCH, Sandry AS, Saygi G, Silk B, et al.
Primary amoebic meningoencephalitis in Britain. Br Med J 1970;1:596-9.
48. Seidel JS, Harmatz P, Visvesvara GS, Cohen A, Edwards J, Turner J.
Successful treatment of primary amebic meningoencephalitis. N Engl J Med
1982;306:346-8.
Rev Neurocienc 2007;15/4:310–316
49. Culbertson CG. Amebic meningoenchepalitis. Antimicrobial Agents Chemotherapy 1980;30:28.
50. Duma RJ, Rosenblum WI, McGehee RF, Jones MM, Nelson EC. Primary
amoebic meningoencephalitis caused by Naegleria. Two new cases, response to
amphotericin B, and a review. Ann Int Med 1971;74:923-31.
51. Schuster FL, Rechthand E. In vitro effects of amphotericin B on growth
and ultrastructure of the amoeboflagellates Naegleria gruberi and Naegleria fowleri.
Antimicrob. Agents Chemother 1975;8:591-605.
52. Sande MA, Mandell GL. Antimicrobial agents: antifungal and antiviral
agents. In: Gilman AG, Goodman LS, Rall TW, Murad F (eds). Goodman and
Gilman’s The Pharmacological Basis. New York: Macmillan Publishing CO,
1985. pp. 1219-39.
53. Duma RJ, Finley R. In vitro susceptibility of pathogenic Naegleria and
Acanthamoeba species to a variety of therapeutic agents. Antimicrob Ag Chemother 1976;10:370-6.
54. Schuster FL, Dunnebacke TH, Visvesvara GS. Activity selected antimicrobials against clinical isolates of pathogenic free living amebas. In: Billot-Bonef S, Cabanes PA, Marciano Cabral F, Pernin P, Pringuez E (eds). Ixth Internacional Meeting on the Biology and Pathogenicity of Free Living Amoebae.
Paris: Proceedings John Libbey Eurotext, 2001, 45-8.
55. Goswick SM, Brenner GM. Activities of azithromycin and amphotericin
B against Naegleria fowleri in vitro and in a mouse model of primary amebic
meningoencephalitis. Antimicrob Agents Chemother 2003;47:524-8.
56. Lallinger GJ, Reiner SL, Cooke DW. Efficacy of immune therapy in early
experimental Naegleria fowleri meningitis. Infect Immun 1987;55:1289-93.
57. Zepeda JV, Alcalá AVG, Morales JAV. Successful treatment of Naegleria
fowleri meningoencephalitis by using intravenous Amphotericin B, Fluconazole
and Rifampicin. Arch Med Research 2005;36:83-6.
58. Ondarza RN, Iturbe A, Hernandez E. In vitro antiproliferative effects of
neuroleptics, antimycotics and antibiotics on the human pathogens Acanthamoeba polyphaga and Naegleria fowleri. Arch Med Research 2006;37:723-9.
59. Foronda AS. Infecções por amebas de vida livre. In: Veronesi R, Focaccia R. Tratado de Infectologia, vol. 2, 3ª ed, São Paulo: Atheneu, 2005. pp.
1461-70.
60. Foronda AS. Infecção por amebas de vida livre. In: Tavares W, Marinho
LAC. Rotinas de Diagnóstico e Tratamento das Doenças Infecciosas e Parasitárias. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2007. pp. 560-4.
61. Warhurst DC, Carman JA, Mann PG. Survival of Naegleria fowleri cysts at
4ºC for eight months with retention of virulence. Trans R Soc Trop Med Hyg
1980;74:832.
62. Wellings FM, Amuso PT, Chang SL. Isolation and identification of pathogenic Naegleria from Florida lakes. Appl Environm Microbiol 1977;34:661-7.
63. Pernin P, Pelandakis M, Rouby Y, Faure A, Siclet F. Comparative recoveries of Naegleria fowleri amoebae from seeded river water by filtration and
centrifugation. Applied Environm Microbiol 1998;64:955-9.
64. Sykora JL, Keleti G, Martinez AJ. Occurrence and pathogenicity of Naegleria fowleri in artificially heated waters. Appl Environm Microbiol 1983;45:974-9.
65. Shenoy S, Wilson G, Prashanth HV. Primary meningoencephalitis by Naegleria fowleri: first reported case from Mangalore, South India. J Clin Microbiol
2002;40:309-10.
66. Visvesvara GS, Stehr-Green JK. Epidemiology of free-living ameba infections. J Protozool 1990;37:25S-33S.
67. Wang SS, Feldman HA. Isolation of Hartmanella species from human throats. N Engl J Med 1967;277:1174-9.
68. Silva MA, Rosa JA. Isolamento de amebas de vida livre potencialmente
patogênicas em poeira de hospitais. Rev Saúde Pub 2003;37(2):242-6.
69. Walochnik J, Picher O, Aspock C, Ullmann M, Sommer R, Aspock H. Interacions of Limax amoebae and gram-negative bacteries: experimental studies
and review of current problems. Tokai J Exp Clin Med 1999;23:273-8.
70. Campos R, Gomes MCD, Pringenzi LS, Stecca J. Meningoencefalite por
amebas de vida livre. Apresentação do primeiro caso latino-americano. Rev
Inst Med Trop S Paulo 1977;19:349-51.
71. Cermeño JR, Hernández I, El Yasin H, Tinedo R, Sánchez R, Pérez G, et
al. Meningooencephalitis by Naegleria fowleri. Epidemiological study in Anzoategui State, Venezuela. Rev Soc Bras Med Trop 2006;39(3):264-8.
72. Pélandakis M, Pernin P. Use of multiplex PCR and PCR restriction enzyme
analysis for detection and exploration of the variability in the free-living amoeba Naegleria in the environment. Appl Environm Microbiol 2002;68(4):2061-5.
73. Cabanes PA, Wallet F, Pringuez E, Pernin P. Assessing the risk of primary
amoebic meningoencephalitis from swimming in the presence of environmental Naegleria fowleri. Appl Environm Microbiol 2001;67:2927-31.
74. Esterman A, Roder DM, Cameron AS, Robinson BS, Walters RP, Lake
JA, et al. Determinants of the microbiological characteristics of South Australian swimming pools. Appl Environm Microbiol 1984;47:325-8.
75. Boff L. Ética da vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2005, 176 p.
76. Capra F. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos. 6ª ed. São Paulo: Cultrix, 2001, 256 p.
77. Goldim JR. Ecologia profunda. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/
bioetica/ecoprof.htm>.
316
revisão
Regulação neural do sistema
cardiovascular: centros bulbares
Neural regulation of cardiovascular system: brain stem areas
Vitor Engrácia Valenti1, Mônica Akemi Sato2, Celso Ferreira3, Luiz Carlos de Abreu4
RESUMO
SUMMARY
Introdução. O sistema cardiovascular dispõe de mecanismos refinados de ajuste da pressão arterial, atuando momento a momento (controle neural) e em longo prazo (controle humoral). Objetivo. Descrever as estruturas bulbares moduladoras do sistema
cardiovascular. Método. Foram revisados estudos referentes ao
controle neural da circulação pelo bulbo, entre dezembro de 2005
e julho de 2006, nas bases de dados: Lilacs, PubMed, Medline e
Periódicos Capes. Cruzaram-se as palavras: “Núcleos do Trato
Solitário” (NTS), “Medula Caudoventrolateral” (CVL), “Medula
Rostroventrolateral” (RVL), ”Área Depressora Gigantocelular”
(GiDA) e “hipertensão”; os artigos situaram-se entre os anos de
1964 e 2006. Resultados. O NTS é composto por sítios primários das integrações dos reflexos cardiovasculares. Lesões no NTS
podem resultar em elevações na pressão arterial. Neurônios do
CVL fazem parte do circuito do barorreflexo e a inibição destes
também ocasiona hipertensão. Quanto ao RVL, seus neurônios
recebem uma maior intensidade de excitação, estimulando a atividade simpática, porém são tonicamente inibidos por projeções
GABAérgicas oriundas do CVL. A GiDA é uma possível área
vasodepressora envolvida no controle cardiovascular, e seus neurônios parecem ter projeções para os neurônio pré-ganglionares
simpáticos. Conclusão. As interações entre NTS, CVL e RVL,
juntamente com GiDA, desempenham funções essenciais para a
modulação do sistema cardiovascular.
Introduction. The cardiovascular system use refined mechanisms for adjustment of blood pressure, acting moment to moment (neural control) and in long term (humoral control). Objective. To describe brain stem structures for modulation of the
cardiovascular system. Method. Research on neural control
of circulation by medulla oblongata centers has been reviewed,
between the months of December 2005 and July 2006, in the
following databases: Lilacs, PubMed, Medline, and Periódicos
Capes. The following words have been crossed: “Nucleus of
Solitary Tract” (NTS), “Caudoventrolateral Medulla” (CVL),
“Rostroventrolateral Medulla” (RVL), “Gigantocellular Depressor Area” (GiDA), and “hypertension”; the articles examined have been written between 1964 and 2006. Results. NTS
has the primary sites of cardiovascular reflex integration. NTS
lesions may result in blood pressure elevation. CVL neurons are
part of the baroceptor circuitry and the impairment of its inhibition can cause hypertension too. RVL neurons receive a greater
excitation and thus stimulate the sympathetic activity, they are
tonically inhibited by GABAergic inputs from CVL. The GiDA
is a possible vasodepressor area involved in cardiovascular control and its neurons seem to have projections to sympathetic preganglionics neurons. Conclusion. Interactions among NTS,
CVL, RVL, and GiDA exhibit essential roles to the control of
hypertension.
Unitermos: Bulbo. Hipertensão. Ratos endogâmicos
SHR. Barorreflexo.
Keywords: Medulla Oblongata. Hypertension. Rats
inbred SHR. Baroreflex.
Citação: Valenti VE, Sato MA, Ferreira C, Abreu LC. Regulação neural do sistema cardiovascular: centros bulbares.
Citation: Valenti VE, Sato MA, Fereira C, Abreu LC. Neural
regulation of cardiovascular system: brain stem areas.
Trabalho realizado no Curso de Pós-graduação em Fisiologia,
Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina do ABC.
Endereço para correspondência:
Vitor Engrácia Valenti
Departamento de Fisiologia
Av. Príncipe de Gales, 821
09060-650, Santo André-SP.
Fone: (11) 4993.5403 / Fax: (11) 4993.5427
E-mail: [email protected]
1.Fisioterapeuta. Pesquisador em nível de Doutorado. Departamento
de Cardiologia da UNIFESP e Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina do ABC.
2.Farmacêutica. Doutora. Departamento de Fisiologia. Faculdade de
Medicina do ABC.
3.Médico. Livre Docente. Departamento de Cardiologia da UNIFESP.
Professor Titular. Disciplina de Cardiologia da Faculdade de Medicina
do ABC.
4.Fisioterapeuta. Doutor. Departamento de Fisiologia da Faculdade
de Medicina do ABC e Departamento de Saúde Materno Infantil da
Faculdade de Saúde Pública da USP.
317
Recebido em: 26/1/2007
Revisão: 27/1/2007 a 13/4/2007
Aceito em: 14/4/2007
Conflito de interesses: não
Rev Neurocienc 2007;15/4:317–320
revisão
INTRODUÇÃO
O sistema cardiovascular contribui de maneira fundamental para a manutenção da homeostasia
do organismo. Para exercer esta função, dispõe-se de
processos refinados de ajuste da pressão arterial, atuando momento a momento (controle neural) e em
longo prazo (controle humoral)1.
A modulação cardiovascular pelo sistema neural abrange a ativação de receptores periféricos (barorreceptores, quimiorreceptores e receptores cardiopulmonares), cujas aferências se projetam para o sistema
nervoso central via nervos vagos e glossofaríngeos. O
processamento dessas informações aferentes no sistema nervoso central produz uma conseqüente regulação das vias autonômicas eferentes, havendo, assim, o
ajuste das variáveis cardiovasculares (freqüência cardíaca, volume sistólico e resistência periférica)2.
A hipertensão é definida como uma elevação
dos padrões normais da pressão arterial por um período contínuo acima de 24 horas, sendo considerada como um dos distúrbios de maior incidência na
população mundial3. Na última década, houve um
aumento em evidências indicando que o sistema nervoso central possui função essencial para a regulação
e manutenção da pressão arterial3,4. Em virtude da
importância para a qualidade de vida de considerável parcela da população mundial, torna-se interessante o aprofundamento desse assunto.
Assim, o objetivo desta revisão é relatar as
principais estruturas bulbares reguladoras da pressão arterial e descrever como o não funcionamento
desses centros bulbares contribui para o desenvolvimento da hipertensão.
MÉTODO
Realizou-se um estudo de revisão no período
de dezembro de 2005 a julho de 2006, de artigos dos
periódicos publicados entre os anos de 1964 e 2006,
nas bases de dados do Lilacs, Medline, SciELO e Periódicos Capes.
Utilizou-se a estratégia de cruzamento das
palavras-chave “Núcleos do Trato Solitário” (NTS),
“Medula Caudoventrolateral” (CVL), “Medula Rostroventrolateral” (RVL), “Área Depressora Gigantocelular” (GiDA) e “hipertensão”.
RESULTADOS
Nas estruturas bulbares, destaca-se o NTS,
que recebe projeções oriundas de aferências barossensitivas, enquanto que o CVL atua como uma área
vasodepressora. Esses eventos fisiológicos ocorrem
Rev Neurocienc 2007;15/4:317–320
em razão da vasodilatação decorrente da redução da
atividade simpática. Por outro lado, a desinibição do
núcleo RVL resulta em elevação da pressão arterial
por meio da resistência periférica (figura 1), e pode
resultar no aumento de catecolaminas da medula da
adrenal por ocorrer aumento da atividade dos neurônios pré-ganglionares simpáticos. Já a área depressora gigantocelular (GiDA) participa na modulação
da homeostase cardiovascular através de suas projeções para os neurônios simpáticos pré-ganglionares.
Os dados coletados relativos às funções dos núcleos
bulbares estão apresentados na tabela 1.
Baroreceptors
FOREBRAIN
NTS
Chemoreceptors
RVLM
CVLM
IML
* Heart
* Adrenal medulla
Figura 1. Representação dos núcleos bulbares
envolvidos na regulação
* Blood vessels
da pressão arterial. Adaptado de Colombari et al.2
Tabela 1. Caracterização das estruturas envolvidas na regulação da
padronização do sistema cardiovascular.
Estruturas relacionadas com a
regulação da circulação
Caracterização da função
Núcleos do Trato Solitário (NTS) Principal local de terminações
das fibras aferentes baroceptoras.
Medula Caudoventrolateral
(CVL)
Região depressora reduz a atividade simpática devido a sua ação
vasodilatadora.
Medula Rostroventrolateral
(RVL)
Eleva a resistência periférica e
também a secreção de catecolaminas.
Área Depressora Gigantocelular
(GiDA)
Centro vasodepressor envolvido
nos ajustes de fluxo sangüíneo,
provavelmente através de projeções diretas para os neurônios
simpáticos pré-ganglionares.
DISCUSSÃO
Núcleos do Trato Solitário (NTS)
O NTS é constituído por grupos heterogêneos de neurônios, situados na porção dorsomedial do
bulbo. Estende-se rostrocaudalmente como uma coluna bilateral, desde a porção caudal do núcleo facial,
local onde as duas estruturas fundem-se para formar
uma estrutura mediana que continua caudalmente
318
revisão
até aproximadamente o nível caudal da decussação
piramidal5. Divide-se em rostral, intermediário e comissural, de acordo com a proximidade da área postrema. É um importantíssimo centro de integração
do controle cardiovascular4.
As regiões intermediária e comissural do NTS
podem ser consideradas como os subnúcleos envolvidos com o controle cardiovascular, pois recebem
as aferências dos baroceptores e quimioceptores respectivamente6-10. O neurotransmissor liberado por
essas aferências é o L-glutamato11-13.
Possivelmente, o NTS esteja alterado em ratos espontaneamente hipertensos (Spontaneously Hypertensive Rats — SHR), um modelo animal muito
utilizado para o estudo da hipertensão14. Em SHR,
lesões no NTS comissural causam redução da pressão arterial6. A ação de GABA na linha média do
NTS comissural diminui a atividade simpática do
nervo esplânico e, conseqüentemente, produz queda
da presão arterial em SHR anestesiados, porém isso
não ocorre em ratos normotensos15.
Acredita-se que a pressão arterial reduzida após
a inibição do NTS comissural possa ter ocorrido, possivelmente, devido a comprometimentos nas vias envolvidas com o quimiorreflexo, mais sensíveis em SHR,
sugerindo que o NTS comissural esteja envolvido na
hiperestimulação das eferências simpáticas2,16-18.
Região Caudoventrolateral do Bulbo (CVL)
O CVL é uma área vasodepressora do bulbo,
cujos neurônios se encontram dispersos ao longo do
eixo rostrocaudal do bulbo, desde a borda do RVL
até a junção da medula oblonga com a medula espinhal. Uma notável observação capaz de demonstrar
que essa área é funcionalmente heterogênea é o fato
de que possui pelo menos dois ou mais tipos de diferentes agrupamentos celulares envolvidos com vários
componentes reguladores cardiovasculares19.
Estimulações elétricas no CVL provocam bradicardia e hipotensão, devido à redução da atividade
simpática, de maneira tal que ocasiona vasodilatação renal e mesentérica2,19-21. Os neurônios do CVL
inibem o tônus simpático e lesões no CVL produzem hipertensão por induzirem excitação do sistema
nervoso autônomo simpático, sendo que essa hipertensão aguda é capaz de produzir uma insuficiência
ventricular e edema pulmonar4,21.
As respostas cardiovasculares a lesões ou excitações do CVL são mediadas através dos neurônios do RVL22. Estudos indicam que os neurônios
do CVL inibem a excitação simpática pelas fibras
319
neuronais do RVL. O CVL contém células que se
projetam para o RVL e essas fibras formam sinapses
inibitórias com neurônios adrenérgicos e não-adrenérgicos no RVL23. O CVL recebe aferências provindas do NTS que, por sua vez, recebe informações
oriundas dos baroceptores carotídeos13.
Região Rostroventrolateral do Bulbo (RVL)
A desinibição dos neurônios do RVL ocasiona
elevação da pressão arterial mediada por aumento
da resistência periférica e secreção de catecolaminas19,24. Eferências simpáticas barossensíveis parecem ser reguladas principalmente pelo RVL25, ao
passo que a circulação subcutânea é regulada predominantemente pela medula ventromedial rostral e
rafe medular4,25-30.
Uma expressão elevada de óxido nítrico sintetase endotelial no RVL induz reduções da pressão
arterial, provavelmente ocasionada pela inibição
GABAérgica dos neurônios barossensíveis. O efeito vasodepressor do excesso da expressão de óxido
nítrico sintetase endotelial é muito menor em SHR
quando comparados a ratos normotensos30.
Outros estudos indicam que a substância P no
RVL participa no controle da freqüência cardíaca em
ratos normotensos e em SHR, pois eleva a sensibilidade
do barorreflexo, contribuindo de maneira fundamental
para a modulação dos reflexos cardiovasculares31.
Área Depressora Gigantocelular (GiDA)
A GiDA, localizada na região ventral e medial da medula oblonga, quando estimulada quimicamente por L-glutamato, provoca redução da
atividade simpática e redução da pressão arterial,
sendo, portanto, caracterizada como uma região vasodepressora32. Tem-se sugerido que a atividade dos
neurônios localizados na GiDA seja extremamente
importante para a inibição do tônus vasomotor. No
entanto, outras evidências indicam que a GiDA seja
diferente, quanto à sua funcionalidade, de outras
áreas bulbares cujas funções se relacionam com a
modulação do sistema cardiovascular33-36.
A GiDA possui conexões com outros núcleos
bulbares, entre eles os núcleos reticulares parvocelular, rafe pallidus, rafe obscurus, NTS e também com
o núcleo reticular ventral, além de serem encontradas algumas fibras no RVL21.
Eferências da GiDA se dirigem para a coluna
intermediolateral dos segmentos torácicos. Evidências indicam que a GiDA mantém relações sinápticas inibitórias diretas com neurônios simpáticos pré-
Rev Neurocienc 2007;15/4:317–320
revisão
ganglionares, responsáveis pela inervação das células
cromafins da medula adrenal21,37.
As interações entre NTS, CVL e RVL, juntamente com GiDA, desempenham funções essenciais para a modulação do sistema cardiovascular.
Os conceitos referentes ao controle neural do sistema cardiovascular constituem-se em requisitos
fundamentais para a compreensão da regulação
cardiovascular. Por outro lado, o desvendamento de
estruturas bulbares conectadas ao controle do sistema cardiovascular corrobora para o entendimento
dos mecanismos fisiológicos inerentes ao processo
de modulação da pressão arterial, destacando que a
compreensão da função dessas interações fisiológicas
vislumbra perspectivas para novas estratégias terapêuticas para o tratamento da hipertensão arterial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Machado BH, Mauad H, Chianca DA, Haibara AS, Colombari E.
Autonomic processing of the cardiovascular reflexes in the nucleus tractus solitarii. Braz J Med Biol Res 1997;30(4):533-43.
2. Colombari E, Sato MA, Cravo SL, Bergamaschi CT, Campos RR,
Lopes OU. Role of the Medulla Oblongata in Hypertension. Hypertension 2001;38:549-54.
3. Guyenet PG. The sympathetic control of blood pressure. Nat Rev
2006;7:335-46.
4. Blessing WW. The Lower Brainstem and BodilyHomeostasis. New
York: Oxford Univ. Press, 1997, 165 p.
5. Blessing WW, Sved AF, Reis DJ. Destruction of noradrenergic neurons in rabbit brainstem elevates plasma vasopressin, causing hypertension. Science 1982;217:661-3.
6. Sato MA, Menani JV, Lopes OU, Colombari E. Lesions of the comissural nucleus of the solitary tract reduce arterial pressure in spontaneously hypertensive rats. Hypertension 2001;38:560-4.
7. Cardoso LLM, Colombari DS, Menani JV, Chianca DA, Colombari
E. Respostas cardiovasculares ao peróxido de hidrogênio injetado no núcleo do trato solitário intermediário e comissural de ratos anestesiados.
Anais do X Simpósio Brasileiro de Fisiologia Cardiovascular 2006;42.
8. Colombari E, Menani JV, Talman WT. Comissural NTS contributes to pressor responses to glutaminic injected into the medial NTS of
awake rats. Am J Physiol 1996;270:R1220-5.
9. Cottle MA. Degeneration studies of the primary afferents of ixth
and xth cranial nerves in cat. J Comp Neurol 1964;122:329-45.
10. Nathan MA, Reis DJ. Chronic labile hypertension produced by lesions of the nucleus tractus solitarii in the cat. Circ Res
1977;40:72-81.
11. Reis DJ, Talman WT. Brain lesions and hypertension. New York:
Elsevier, 1984, pp. 451-73.
12. Crill WE, Reis DJ. Distribution of carotid sinus and depressor nerves in the cat brainstem. Am J Physiol 1968;214:269-76.
13. Gordon FJ, Leone C. Non-NMDA receptors in the nucleus of the
tractus solitarius play the predominant role in mediating aortic baroreceptor reflexes. Brain Res 1991;568(1-2):319-22.
14. Sato MA, Colombari E, Morrinson SF. Inhibition of comissural
nucleus of the solitary tract reduces sympathetic nerve activity (SNA) in
spontaneously hypertensive rats (SHR). Physiologist 2000;43:264.
15. Franchini KG, Krieger EM. Cardiovascular responses of conscious
rats to carotid body chemoreceptor stimulated by intravenous KCN. J
Auton Nerv Syst 1993;42:63-9.
Rev Neurocienc 2007;15/4:317–320
16. Cyzyk-Krzeska MF, Trzebski A. Respiratory-related discharge pattern of sympathetic nerve activity in the spontaneously hypertensive rat.
J Physiol 1990;426:355-68.
17. Fukuda Y, Sato MA, Trzebski A. Carotid chemoreceptor discharge
responses to hypoxia and hypercapnia in normotensive and spontaneously hypertensive rats. J Auton Nerv Syst 1987;19:1-11.
18. Miura M, Reis DJ. Termination and secondary projections of carotid sinus nerve in the cat brainstem. Am J Physiol 1969;217:142-53.
19. Blessing WW, Reis DJ. Inhibitory cardiovascular function of
neurons in the caudal ventrolateral medulla of the rabbit: relationship to the area containing A1 noradrenergic cells. Brain Res
1982;253:161-71.
20. Blessing WW, Reis DJ. Evidence that GABA and glycine-like inputs
inhibit vasodepressor neurons in the caudal ventrolateral medulla of the
rabbit. Neurosci Lett 1983;37:57-62.
21. Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, FerreiraNeto ML, et al. Os núcleos vasomotores do bulbo e a regulação cardiovascular: novas evidências e novas questões. Medicina, Ribeirão Preto
2006;39:89-100.
22. Granata AR, Numao Y, Kumada M, Reis DJ. A1 noradrenergic
neurons tonically inhibit sympathoexcitatory neurons of C1 area in rat
brainstem. Brain Res 1986;377:127-46.
23. Aicher SA. The gigantocellular depressor area revisited. Cell Mol
Neurobiol 2003;23:479-90.
24. Feldberg W, Guertzenstein PG. A vasodepressor effect of pentobarbitone sodium. J Physiol 1972;224:83-103.
25. Dampney RAL, Coleman MJ, Fontes MA, Hirooka Y, Horiuchi
J, Li YW, et al. Central mechanisms underlying short- and long-term
regulation of the cardiovascular system. Clin Exp Pharmacol Physiol
2002;29:261-8.
26. Blessing WW, Nalivaiko E. Regional blood flow and nociceptive
stimuli in rabbits: patterning by medullary raphe, not ventrolateral medulla. J Physiol 2000;524:279-92.
27. Doba N, Reis DJ. Acute fulminating neurogenic hypertension produced by brainstem lesions in the rat. Circ Res 1973;32:584-93.
28. Erbsberger P, Meeley MP, Mann JJ, Reis DJ. Clonidine binds to
imidazole binding sites as well as α2–adrenoceptors in the ventrolateral
medulla. Eur J Pharmacol 1987;134:1-13.
29. Miura M, Reis DJ. The role of solitary and paramedium reticular
nuclei in mediating cardiovascular reflex responses from carotid baroand chemoreceptors. J Physiol 1972;223:525-48.
30. Morrison SF, Reis DJ. Responses of sympathetic preganglionic
neurons to rostral ventrolateral medullary stimulation. Am J Physiol
1991;261:R1247-56.
31. Dugaigh APC, Oliveira-Sales EB, Abreu NP, Boim MA, Bergamaschi CT, Campos RR. Papel do sistema nervoso simpático e dos receptores de angiotensina II na região RVL na hipertensão renal. Anais do X
Simpósio Brasileiro de Fisiologia Cardiovascular. 2006, 45.
32. Etelvino GM, Santos RAS, Haibara AS. Efeito da microinjeção de
substância P no RVL sobre o barorreflexo em ratos hipertensos nãoanestesiados. Anais do X Simpósio Brasileiro de Fisiologia Cardiovascular. 2006, 28.
33. Aicher SA, Reis DJ, Ruggiero DA, Milner TA. Anatomical characterization of a novel reticulospinal vasodepressor area in the rat medulla
oblongata. Neuroscience 1994;60:761-79.
34. Aicher AS, Reis DJ. Gigantocellular vasodepressor area is tonically
active and distinct from caudal ventrolateral vasodepressor area. Am J
Physiol 1997;272:R731-42.
35. Aicher SA. The gigantocellular depressor area revisited. Cell Mol
Neurobiol 2003;23:479-90.
36. Bousquet P, Feldman J, Bloch R, Schwartz J. The nucleus reticularis lateralis — a region highly sensitive to clonidine. Eur J Pharmacol
1981;69:389-92.
37. Aicher SA, Reis DJ, Nicolae R, Milner TA. Monosynaptic projections from the medullary gigantocellular reticular formation to sympathetic preganglionic neurons in the thoracic spinal cord. J Comp Neurol
1995;363:563-80.
320
relato de caso
A síndrome pós-polio e o processo de
reabilitação motora: relato de caso
Post-polio symptoms and the motor rehabilitation process: case report
Marco Antonio Orsini Neves1, Mariana Pimentel de Mello2, Jhon Petter B.
Reis2, Jardel Rocha2, Alexandre Magno Rei2, Reny de Souza Antonioli2,
Osvaldo J.M. Nascimento3, Marcos R.G. de Freitas4
RESUMO
SUMMARY
A Síndrome Pós-Polio (SPP) é uma entidade caracterizada por
um episódio de fraqueza muscular e/ou fadiga muscular anormal em indivíduos que apresentaram poliomielite aguda no mínimo 15 anos antes. Relatamos o caso de SPP em um paciente,
31 anos, que trinta anos após haver tido poliomielite paralítica
desenvolveu novos sintomas de fadiga, atrofia muscular, dificuldades na deambulação e dores articulares e musculares. O objetivo das intervenções na SPP é fornecer aos pacientes métodos
para o gerenciamento de seu corpo e efetuar mudanças no seu
estilo de vida que reduzam a carga metabólica excessiva sobre os
grupamentos musculares.
The Post-Polio Syndrome (PPS) is an entity characterized by
an episode of muscular weakness and/or abnormal muscular
fatigue in individuals that had presented acute polio at least 15
years before. We report the case of PPS in a patient, 31 years,
that thirty years after had had paralytic poliomyelitis, developed new symptoms of fatigue, muscular atrophy, difficulties
in deambulation and muscular and joint pain. The goal of interventions in PPS is to provide affected people with methods
leading to body management and lifestyle changes, which are
capable of reducing the excessive metabolic load over muscular groups.
Unitermos: Síndrome Pós-Poliomielite. Poliomielite.
Doenças Neuromusculares. Reabilitação.
Keywords: Post-Poliomyelitis Syndrome. Poliomyelitis. Neuromuscular Diseases. Rehabilitation.
Citação: Neves MAO, Mello MP, Reis MPB, Rocha J, Rei AM,
Antonioli RS, Nascimento OJM, Freitas MRG. A síndrome
pós-polio e o processo de reabilitação motora: relato de caso.
Citation: Neves MAO, Mello MP, Reis MPB, Rocha J, Rei AM,
Antonioli RS, Nascimento OJM, Freitas MRG Post-polio symptoms and the motor rehabilitation process: case report.
Trabalho realizado no Serviço de Reabilitação Neurológica
da Fundação Educacional Serra dos Órgãos – FESO.
1. Fisioterapeuta. Professor Adjunto de Neurologia Clínica – Fundação Educacional Serra dos Órgãos – FESO, Assistente Voluntário do
Ambulatório de Doenças Neuromusculares – Universidade Federal
Fluminense – UFF.
2. Graduandos em Fisioterapia e Estagiários do Serviço de Reabilitação
Neurológica – FESO.
3. Professor Titular de Neurologia Clínica – UFF.
4. Professor Titular de Neurologia e Chefe do Ambulatório de Doenças
Neuromusculares – UFF.
321
Endereço para correspondência:
Marco Antonio Orsini Neves
R. Prof Miguel Couto, 322/1001
24230240, Niterói-RJ
E-mail: [email protected]
Recebido em: 28/07/2006
Revisão: 29/07/2006 a 22/10/2006
Aceito em: 23/10/2206
Conflito de interesses: não
Rev Neurocienc 2007;15/4:321–325
relato de caso
INTRODUÇÃO
A poliomielite anterior aguda (PAA) é uma
doença causada por um enterovírus que afeta predominantemente os neurônios motores inferiores,
causando paralisia muscular flácida, em geral assimétrica e predominante nos membros inferiores1-3.
Inúmeros pacientes que desenvolveram a doença durante as epidemias nas décadas de 1940 e
1950 passaram a apresentar os efeitos tardios da PAA,
que incluem um novo quadro de fraqueza muscular
associada a fadiga, atrofia e dor, caracterizando uma
condição conhecida como síndrome pós-poliomielite
(SPP)1,3,4. Esses efeitos estão relacionados aos danos
causados pelo vírus na fase aguda e à relativa atividade física durante a fase de estabilidade, provocando a
degeneração dos brotamentos axonais das unidades
motoras gigantes que se desenvolveram durante a
recuperação da PAA5. A incidência e prevalência da
SPP são desconhecidas no mundo e no Brasil. Estima-se a existência de 12 milhões de pessoas em todo
o mundo (OMS) com algum grau de limitação física
causada pela poliomielite6.
Programas de treinamento envolvendo a prática de exercícios em indivíduos com SPP provocam
controvérsias. Existe um consenso, entretanto, que
está relacionado à intensidade, freqüência e duração
das atividades físicas7. Com relação à terapia medicamentosa, estudos apontam a imunoglobulina intravenosa como uma opção terapêutica de suporte
para esses pacientes8,9.
O presente artigo relata o caso de um indivíduo vítima de SPP, e apresenta estratégias para o
gerenciamento dessa doença, no intuito de fornecer
um embasamento mais específico aos profissionais
que lidam diretamente com essa clientela.
MÉTODO
Os materiais reunidos para a revisão de literatura do presente artigo foram extraídos de diferentes
fontes de pesquisa. Realizou-se uma extensa pesquisa
na Bireme e Medline (1966–2006), usando-se a seguinte combinação de palavras: síndrome pós-pólio
(post-polio syndrome), terapia física (physical therapy), exercícios (exercises). Após a extração das referências, avaliou-se relevância e especificidade dos estudos. Para
a formulação do histórico referente à poliomielite e
a campanhas de vacinação, foram coletados artigos
da SciELO e de periódicos obtidos na biblioteca da
Fundação Oswaldo Cruz. As palavras utilizadas para
a busca foram: erradicação (erradication), poliomielite
(poliomyelitis), Fundação Oswaldo Cruz, Brasil (Brazil).
Rev Neurocienc 2007;15/4:321–325
Para o relato de caso, submetemos o paciente
em questão a uma avaliação neurológica com duração de 50 minutos. Enfatizou-se o exame de força
muscular e análise dos reflexos. Não houve necessidade de utilização de recursos especiais. As demais
informações necessárias para a pesquisa foram obtidas por meio de consulta ao prontuário. Um termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado
pelo paciente. O estudo foi realizado no Serviço de
Reabilitação Neurológica da Fundação Educacional
Serra dos Órgãos – FESO, Teresópolis, RJ.
RELATO DE CASO
AMCD, sexo masculino, 31 anos, lavrador,
apresentou, aos 8 meses de idade, quadro de PAA
que comprometeu parcialmente sua força no membro inferior esquerdo; após a recuperação da doença permaneceu com acentuada atrofia desse mesmo
membro. No primeiro semestre de 2006, foi encaminhado para o serviço de fisioterapia queixando-se
que, há 1 ano, começou a sentir fortes dores, fraqueza muscular e fadiga em ambos os membros inferiores ao caminhar, associados à instabilidade articular
no joelho esquerdo. Relatou realizar exercícios físicos intensos, devido à sua atividade laboral, durante
aproximadamente 15 anos, o que condiz com a fase
de estabilidade da doença. À eletroneuromiografia,
mostrou comprometimento eletrofisiológico de ambos os membros, enquanto o exame de ressonância
magnética apontou acentuado comprometimento
do corno anterior da medula lombar. Em julho de
2006, recebeu o diagnóstico de SPP.
Ao exame clínico, apresentava paresia assimétrica nos membros inferiores e arreflexia profunda,
com exceção do reflexo patelar à esquerda (hiporreflexia). Não foram observadas fasciculações.
Nas figuras 1 e 2, mostramos o paciente com
acentuada atrofia em praticamente todos os grupamentos musculares do membro inferior esquerdo. O
quadro 1 aponta os graus variados de fraqueza nos
membros inferiores10. Elaboramos, para o paciente
em questão, um programa composto por exercícios
terapêuticos voltados para a melhora dos padrões de
marcha e prevenção de retrações musculares à base
de alongamentos, sempre respeitando a fadiga anormal e evitando possíveis danos por uso excessivo. As
atividades foram intercaladas por pequenos períodos
de repouso e relaxamento. O treinamento de marcha deu-se em ambiente aquático, para redução da
sobrecarga ao sistema músculo-esquelético. Orientamos ao paciente a utilização de um equipamento
322
relato de caso
Figura 1. Padrão assimétrico e desproporcional da Poliomielite Anterior Aguda.
Figura 2. Grave atrofia no membro inferior esquerdo.
de assistência (órtese) em membro inferior esquerdo
para melhor estabilidade das articulações tibiotársica e femorotibial, promovendo um maior controle
postural e transferência de peso.
DISCUSSÃO
A SPP é uma doença lentamente progressiva,
com início geralmente insidioso, que pode levar a
deficiências e incapacidades acarretando restrições
funcionais nas atividades diárias, sendo caracterizada pelo desenvolvimento de novos sintomas neuromusculares, no mínimo 15 anos de estabilidade após
a recuperação do episódio de PAA1,11,12. O intervalo
médio entre a PAA e as primeiras manifestações da
SPP é de aproximadamente 35 anos13.
As manifestações clínicas mais comumente encontradas são fraqueza muscular, fadiga e dor11-12. A
fadiga é definida como uma exaustão profunda que
piora com atividade física mínima e melhora com o
repouso, sendo o maior e mais incapacitante sinto-
323
ma, ocorrendo em quase 90% dos pacientes3,12-14. Os
indivíduos em geral sentem-se dispostos pela manhã,
com piora do sintoma no decorrer do dia12.
A nova fraqueza muscular, que pode ser
acompanhada de atrofia, pode ocorrer não somente nos músculos afetados anteriormente pela PAA,
como também em grupamentos clinicamente não
envolvidos originalmente; também foi observada nos
músculos do membro inferior direito do paciente em
questão13,15. Indivíduos que perderam 50% de seus
neurônios motores ainda são capazes de manter uma
função muscular clinicamente normal, entretanto
muitos depositam carga excessiva em membros que
julgavam não afetados pela poliomielite, mas com
evidências eletrofisiológicas de desnervação5,16. Em
geral, a fraqueza é progressiva e assimétrica, podendo ser proximal ou distal12,15. O comprometimento
muscular também pode ser observado pela presença
de fasciculações, cãibras e elevação do nível de enzimas musculares no sangue5.
A dor é apontada como um sintoma predominante por muitos pacientes, como o do presente estudo, podendo ser de origem muscular ou articular12,17.
É mais freqüente nos membros inferiores e no dorso
daqueles capazes de deambular, e maior nos membros superiores dos que utilizam cadeiras de rodas ou
muletas, estando geralmente associada ao uso excessivo18. Pacientes com dor podem limitar suas atividades físicas, o que pode levar a fraqueza e atrofia por
desuso15. Outros sintomas menos freqüentes e não
relatados por nosso paciente incluem insuficiência
respiratória, distúrbios do sono, intolerância ao frio,
disartria, disfagia e deformidades articulares1,13.
Apesar de ser considerada uma doença de etiologia desconhecida, várias hipóteses foram propostas15,19. Entretanto, a mais provável faz relação ao uso
excessivo das unidades motoras remanescentes ao longo dos anos, resultando em uma demanda metabólica
intensa. O vírus pode danificar até 95% dos neurônios
motores do corno anterior da medula, comprometendo totalmente pelo menos 50% deles. Com a lesão
Quadro 1. Diminuição de força nos músculos dos membros inferiores
decorrente do comprometimento da ponta anterior da medula.
Músculos
Esquerdo
Direito
Íliopsoas
2
3
Quadríceps Femoral
2
4
Tibial Anterior
0
5
Extensor Longo do
Hálux
0
5
Flexores Plantares
2
5
Rev Neurocienc 2007;15/4:321–325
relato de caso
desses neurônios, os músculos de sua área de atuação ficam desnervados, ocasionando paresia e atrofia. Embora danificados, os neurônios remanescentes
compensam o dano enviando ramificações para ativar
os músculos antes desnervados. Com isso, a função
neuromuscular é recuperada, parcial ou totalmente,
dependendo do número de neurônios envolvidos no
processo. Um único neurônio pode lançar derivações
para conectar 5 a 10 vezes mais neurônios do que
fazia originalmente. Assim, um neurônio inerva um
número muito maior de fibras neuromusculares do
que ele normalmente faria, formando uma unidade
motora gigante e restabelecendo a função motora; porém, sobrecarregado, após muitos anos de estabilidade funcional, começa a degenerar-se surgindo o novo
quadro sintomatológico20,21.
A fadiga é provavelmente causada pelo processo de degeneração distal das unidades motoras
que pode produzir falhas na junção neuromuscular;
já a fraqueza é resultado da desnervação das fibras
musculares22. Os possíveis fatores de risco para o desenvolvimento da SPP seriam o grau de severidade
da PAA, o sexo feminino, a idade avançada na época
do episódio, as deficiências permanentes após a recuperação, o ganho recente de peso e a maior atividade física durante o período de estabilidade23,24.
O indivíduo apresentado realizou intensa atividade
física durante a fase de estabilidade, fato que é apontado como o principal agente etiológico envolvido na
gênese da SPP. Outros fatores de risco, como, por
exemplo, ganho recente de peso e idade avançada na
época da PAA, não foram observados neste caso.
Os principais critérios para se estabelecer o
diagnóstico são: história confirmada de PAA, período de recuperação parcial ou completa, seguido de
um período de estabilidade clínica de pelo menos 15
anos, início gradual, ou raramente abrupto, de nova
fraqueza muscular ou fadiga anormal, e a exclusão
de outras condições neurológicas ou ortopédicas25.
Estudos envolvendo exercícios físicos têm sido
realizados em pacientes que apresentaram PAA e
que posteriormente desenvolveram a SPP por meio
de medidas quantitativas e testes aeróbicos modificados na utilização de aparelhos com esteiras específicas26 e bicicletas ergométricas27. No primeiro,
não ocorreram mudanças na capacidade cardiorrespiratória dos indivíduos, provavelmente devido à
alteração da intensidade do exercício, que teve como
objetivo minimizar a dor e a fadiga apresentadas pelos pacientes. Entretanto, houve uma diminuição do
gasto energético e, ao final do treinamento aeróbico
Rev Neurocienc 2007;15/4:321–325
modificado, ocorreu uma melhora da resistência e
redução da fadiga (subjetiva) durante as atividades
da vida diária no grupo experimental. O segundo
trabalho examinou a resposta cardiorrespiratória
em 16 indivíduos com SPP, por meio de uma bateria
de exercícios aeróbicos com duração de 16 semanas
ininterruptas, mostrando um aumento de 15% no
consumo máximo de oxigênio. Não ocorreram alterações relacionadas à pressão sangüínea e freqüência
cardíaca, as quais se mostraram dentro dos padrões
normais após os exercícios. Embora a intensidade do
protocolo tenha sido reduzida em alguns pacientes,
nenhum interrompeu as atividades por causa de sintomas de uso excessivo e verificou-se que os mesmos
respondem ao treinamento de maneira semelhante
aos adultos saudáveis27. Alguns autores alertam que
tais atividades, quando realizadas de forma acentuada, podem levar a uma sobrecarga dos neurônios
remanescentes ocasionando uma piora da fraqueza
muscular e fadiga28,29.
Estudos não-controlados envolvendo exercícios isotônicos, isocinéticos e isométricos mostraramse eficazes na redução da fadiga e fraqueza muscular
em pacientes portadores da SPP. Programas terapêuticos controlados, incluindo treino ergométrico em
membros superiores e inferiores, condicionamento
de marcha e atividades aquáticas, também forneceram resultados significativos após a prática de exercícios aeróbicos nessa mesma população30-33.
Recomendou-se ao paciente em questão o ingresso em atividades físicas baseadas em exercícios
de intensidade e freqüência reduzidas, evitando dessa forma o supertreinamento. O gerenciamento da
fadiga excessiva deve incluir a utilização de técnicas
de conservação de energia (meios mais fáceis de reduzir o trabalho dos músculos sem perda de função),
mudanças no estilo de vida, períodos regulares de
descanso durante o dia e melhora na qualidade do
sono por meio de técnicas de relaxamento. As órteses e os equipamentos de assistência e suporte foram indicados no gerenciamento da fraqueza, nas
dificuldades relacionadas ao equilíbrio, nas dores e
deformidades articulares5.
CONCLUSÃO
As deficiências causadas pelo surgimento dos
novos sintomas, somadas às deficiências primárias
provocadas pela PAA, levam a grande restrições,
além das repercussões psicológicas causadas por novas e inesperadas deficiências e/ou incapacidades.
As intervenções terapêuticas na SPP têm como obje-
324
relato de caso
tivo fornecer ao paciente princípios e métodos para o
auto-cuidado, efetuando mudanças no estilo de vida
e reduzindo a carga metabólica excessiva sobre os
músculos. As condutas terapêuticas adotadas devem
preconizar a utilização de técnicas de conservação
de energia, orientações sobre períodos regulares de
repouso, perda de peso e prática de exercícios em
níveis que evitem o uso excessivo, além de indicação
para o uso de órteses, quando necessário. O pontochave do tratamento é prevenir o uso excessivo e a
deterioração subseqüente, por meio do equilíbrio
entre a atividade e o repouso. Acreditamos que as
estratégias de reabilitação propostas no presente estudo, embasadas em processos neurofisiológicos, sirvam para direcionar os profissionais envolvidos com
essa clientela e orientar com relação a possíveis danos atribuídos ao supertreinamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Howard RS. Poliomyelitis and the postpolio syndrome. BMJ
2005;330:1314-8.
2. Oliveira ASB. Síndrome pós-poliomielite: aspectos neurológicos.
Rev Neurocienc 2002;10(1):31-4.
3. Sunnerhagen KS, Grimby G. Muscular effects in late polio. Acta
Physiol Scand 2001;171:335-40.
4. Rekand T, Kõrv J, Farbu E, Roose M, Gilhus NE, Langeland N, et
al. Long-term outcome after poliomyelitis in different health and social
conditions. J Epidemiol Commun Health 2003;57:368-72.
5. Smith LK, Kelly C. A síndrome pós-polio. In: Umphred DA. Reabilitação neurológica. São Paulo: Manole, 2004, 1118 p.
6. Quadros AAJ. Síndrome pós-poliomielite (SPP): Uma nova doença
velha. Tese (Mestrado). São Paulo: UNIFESP, 2005, 219 p.
7. Dalakas MC. The post-polio syndrome as an evolving clinical entity.
In: The post-polio syndrome: advances in the pathogenesis and treatment. An NY Acad Sci 1995;68:80.
8. Gonzalez H, Sunnerhagen KS, Sjöberg I, Kaponides G, Olsson T,
Borg K. Intravenous immunoglobulin for post-polio syndrome: a randomised controlled trial. Lancet Neurol 2006;5(6):493-500.
9. Kaponides G, Gonzalez H, Olsson T, Borg K. Effect of intravenous
immunoglobulin in patients with post-polio syndrome — an uncontrolled pilot study. J Rehabil Med 2006;38(2):138-40.
10. Medical Research Council. Aids to the examination of the peripheral nervous system. Edinburgh: WB Saunders, 2000, pp. 1-2.
11. Dalakas MC, Illa I. Post-polio syndrome: concepts in clinical diagnosis, pathogenesis and etiology. Adv Neurol 2005;56:495-511.
12. Trojan DA, Cashman NR. Post-poliomyelitis syndrome. Muscle
Nerve 2005;31:6-19.
325
13. Jubelt B, Cashman NR. Neurological manifestations of the postpolio syndrome. CRC Crit Rev Neurobiol 1987;3:199-220.
14. Halstead LS, Rossi D. Post-polio syndrome: clinical experience with
132 consecutive outpatients. Birth Defects 1987;23:13-26.
15. Jubelt B, Agre JC. Characteristics and management of postpolio
syndrome. JAMA 2000;284(4):412-4.
16. Lin KH, Lim YW. Post-poliomyelitis syndrome: case report and review of the literature. Ann Acad Med Singap 2005;34:447-9.
17. Kidd D, Howard RS, Williams AJ, Heatley FW, Panayiotopoulos
CP, Spencer GT. Late functional deterioration following paralytic poliomyelitis. Q J Med 1997;90:189-96.
18. Smith LK, McDermott K. Pain in post-poliomyelitis: addressing
causes versus treating effects. In: Halstead LS, Wiechers DO (eds). Research and clinical aspects of the late effects of poliomyelitis. NY: March
of Dimes Birth Defects Foundation, 1987, pp. 121-34.
19. Julien J, Lepart-Goffart I, Lina B. Postpolio syndrome: poliovirus
persistence is involved in the pathogenesis. J Neurol 1999;246:472-6.
20. Wiechers DO, Hubbell SL. Late changes in the motor unit after
acute poliomyelitis. Muscle Nerve 1981;4:524-8.
21. Cashman NR, Maselli R, Wollman RL, Roos R, Simon R, Antel JP.
Late denervation in patients with antecedent paralytic poliomyelitis. N
Engl J Med 1987;317:7-12.
22. Trojan DA, Gendron D, Cashman NR. Electrophysiology and electrodiagnosis of the post-polio motor unit. Orthopedics 1991;14:1353-61.
23. Windebank AJ, Litchy WJ, Daube JR, Kurland LT, Codd MB, Iverson R. Late effects of paralytic poliomyelitis in Olmsted County, Minnesota. Neurology 1991;41:501-7.
24. Ragonese P, Fierro B, Salemi G, Randisi G, Buffa D, D’Amelio M,
et al. Prevalence and risk factors of post-polio syndrome in a cohort of
polio survivors. J Neurol Sci 2005;236:31-5.
25. Halstead LS. Assessment and differential diagnosis for post-polio
syndrome. Orthopedics 1991;14(11):1209-17.
26. Dean E, Ross J. Effect of modified aerobic training on movement
energetics in polio survivors. Orthopedics 1991;14:1243-6.
27. Jones DR, Speier J, Canine K, Owen R, Stull GA. Cardiorespiratory responses to aerobic training by patients with postpoliomyelitis sequelae. JAMA 1989;261:3255-9.
28. Allen GM, Gandevia SC, Neering IR. Muscle performance, voluntary activation and perceived effort in normal subjects and patients with
prior poliomyelitis. Brain 1994;117:661-70.
29. Borg K, Borg J, Dhoot G, Edstrom L, Grimby L, Thornell LE.
Motoneuron firing and isomyosin type of muscle fibers in prior polio. J
Neurol Neurosurg Psychiatr 1989;52:1141-8.
30. Fillyaw MJ, Badger GJ, Goodwin GD, Bradley WG, Fries TJ, Shukla
A. The effects of long-term non-fatiguing resistance exercise in subjects
with post-polio syndrome. Orthopedics 1991;14:1253-6.
31. Agre JC, Grimby G, Rodriguez AA, Einarsson G, Swiggum Er,
Franke TM. A comparison of symptoms between Swedish and American post-polio individuals and assessment of lower limb strength — a
four year cohort study. Scand J Rehabil Med 1995;27:183-92.
32. Kriz JL, Jones DR, Speier JL, Owen RR, Serfass RC. Cardio-respiratory responses to upper extremity aerobic training by post-polio subjects. Arch Phys Med Rehabil 1992;73:49-54.
33. Prins JH, Hartung H, Merritt DJ, Blanq RJ, Goebert DA. Effect of
aquatic exercise training in persons with poliomyelitis disability. Sports
Med Training Rehabil 1994;5:29-39.
Rev Neurocienc 2007;15/4:321–325
relato de caso
Duas imagens distintas na ressonância
magnética de crânio após transplante
autólogo de medula óssea – relato de caso
Two different images at magnetic resonance of brain after autologous bone marrow
transplantation – case report
Patricia Imperatriz Porto Rondinelli1,Carlos Alberto Martinez Osório1
RESUMO
SUMMARY
Descrevemos o caso clínico de uma paciente do sexo feminino
portadora de meduloblastoma recidivado sete anos após o primeiro tratamento. A paciente foi submetida a um transplante
autólogo de medula óssea como condicionamento do protocolo
ICE (ifosfamida, carboplatina, etoposide) apresentando completa remissão. Em avaliação no segundo mês após o transplante, a
ressonância magnética de crânio da paciente demonstrou duas
imagens cerebrais distintas, sugerindo uma lesão de baixo grau
de malignidade em tronco cerebral, provavelmente radioinduzida, e uma imagem hipercaptante, em vermis cerebelar, possivelmente uma recidiva de meduloblastoma.
We describe the clinical case of a female patient with recurrent
medulloblastoma seven years after the first treatment. The patient was submitted to autologous bone marrow transplantation
after the use of six cycles of ICE protocol (ifosfamide, carboplatin, etoposide). The tumor reached complete remission. Two
months after the procedure, magnetic resonance imaging of the
brain showed two distinct images suggesting a lesion in the brain
stem of low degree of malignancy, probably radioinduced, and
a hypercaptanting image in the cerebelar vermis, possibly representing recurrence of the medulloblastoma.
Unitermos: Meduloblastoma. Quimioterpia. Recidiva
Local de Neoplasia. Transplante Autólogo.
Keywords: Medulloblastoma. Drug Therapy. Neoplasm Recurrence Local. Transplantation Autologous.
Citação: Rondinell PIP, Osório CAM. Duas imagens distintas
na ressonância magnética de crânio após transplante autólogo
de medula óssea – relato de caso.
Citation: Rondinell PIP, Osório CAM. Two different images
at magnetic resonance of brain after autologous bone marrow
transplantation – case report.
Trabalho realizado no Departamento de Pediatria, Hospital
AC Camargo, São Paulo, Brasil.
1. Oncologista Pediátrico, Ex-Titular do Hospital AC Camargo, São
Paulo.
Endereço para correspondência:
Patricia I. Porto Rondinelli / Hospital Nove de Julh
R. Peixoto Gomide, 625
CEP 01409-902, São Paulo-SP
Fone/fax 31479999
[email protected]
Recebido em: 2/8/2006
Revisão: 3/8/2006 a 8/4/2007
Aceito em: 9/4/2007
Conflito de interesses: não
Rev Neurocienc 2007;15/4:326–328
326
relato de caso
INTRODUÇÃO
Meduloblastoma é um tumor embrionário
do cerebelo e o tumor intracraniano maligno mais
comum da infância. Apesar dos avanços significantes no tratamento deste tipo de paciente, a
sobrevida em 5 anos é ainda um pouco inferior a
70%1.
O diagnóstico do meduloblastoma depende
de dados clínico-epidemiológicos, neuroimagem e
das características histopatológicas da neoplasia. A
tomografia de crânio com contraste mostra uma
imagem bem delimitada em fossa posterior freqüentemente sem calcificações. Porém, a ressonância
magnética de crânio é o exame ideal em crianças,
e a imagem, ao contrário dos adultos, é de uma lesão heterogênea em vermis cerebelar, que apresenta
hiposinal em T1 e hipersinal em T2, com marcada
captação de contraste2.
O tratamento padrão para pacientes portadores de meduloblastoma acima de 3 anos de idade
é baseado idealmente em cirurgia com ressecção
total da lesão, radioterapia de crânio e neuroeixo
e quimioterapia. A escolha dos quimioterápicos e
as doses de radiação sofrem pequenas variações
de acordo com os protocolos de tratamento de diversos países. Mais recentemente, a temozolamida,
aprovada para uso a partir de 1999, começa a ser
utilizada em estudos fases 2 e 3, prometendo avanços nos pacientes portadores de meduloblastoma3.
Mesmo assim, crianças menores de 3 anos ou pacientes portadores de meduloblastoma em segunda
remissão podem se beneficiar de altas doses de quimioterapia seguidas por um transplante autólogo
de medula óssea. O grande objetivo é oferecer uma
dose alta de quimioterapia que penetre a barreira
hemato-encefálica e destrua as eventuais células
tumorais remanescentes. A recomposição hematológica pode ser feita com o oferecimento das células tronco do próprio paciente4-7. De forma mais
intensa, em alguns centros de tratamento, a partir
da última década, o transplante de medula óssea
começou a ser feito com mais fre­qüência para esse
grupo distinto de pacientes.
Os resultados avaliados pela sobrevida do
paciente após o procedimento dependem de vários
fatores, dentre eles do tratamento antineoplásico
prévio, da escolha do esquema de segunda linha de
tratamento, da experiência da Instituição, da situação clínica do paciente e da agressividade do tumor,
entre outros. A sobrevida desses pacientes em 5 anos
é freqüentemente inferior a 30%6.
327
CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino admitida aos 17
anos em nosso serviço com diagnóstico de meduloblastoma desmoplásico tratado há 7 anos com
ifosfamida (dose acumulada de 27 g/m2), etoposide (dose total de 1,4 g/m2), cisplatina (dose total de
300 mg/m2), vincristina e radioterapia de crânio e
neuroeixo na dose de 36 Gy com reforço na fossa
posterior com mais 20 Gy. A paciente apresentava
quadro neurológico compatível com recidiva tumoral com hemiparesia à esquerda, ataxia, nistagmo
horizontal e evidência de acometimento de terceiro
para craniano à esquerda. A ressonância magnética
de crânio com contraste mostrava lesão captante em
cerebelo com infiltração da ponte. Devido à impossibilidade de ressecção completa da lesão, optamos
por iniciar quimioterapia com o intuito de complementar o tratamento com uma eventual radiocirurgia após o 2o ciclo de ICE (ifosfamida, carboplatina
e etoposide). Nos exames de reavaliação após dois
ciclos, a paciente estava em remissão completa e
não foi feita a complementação radioterápica local.
Optamos, então, pela coleta de células tronco periféricas após mobilização com fator de crescimento
de colônia, procedimento este que foi de extrema
dificuldade devido a radioterapia prévia. Coletamos, então, as células tronco diretamente da medula
óssea em centro cirúrgico, conseguindo um número de células de 3,0 x 106. Após 6o ciclo do ICE, a
paciente foi submetida a um condicionamento com
ciclofosfamida 1500 mg/m2/dia por 4 dias (D-8, D7, D-6, D-5) e melphalan 60 mg/m2/dia (D-4, D-3,
D-2), conforme o esquema POG#9430, e seguido
por transplante autólogo de medula óssea (TAMO).
Figura 1. Área com hiposinal em T1 e T2 sofrendo paramagnético na
projeção da ponte à direita com ausência de realce meníngeo, sugerindo lesão de baixo grau de malignidade.
Rev Neurocienc 2007;15/4:326–328
relato de caso
Figura 2. Lesão com área heterogênea hipointensa em T1 e hiperintensa em T2 medindo 26 x 14 mm envolvendo a margem cirúrgica
cerebelar direita sugerindo lesão de alto grau de malignidade. Na
ponte, há uma lesão com ausência de realce meníngeo, sugerindo lesão
de baixo grau de malignidade.
Em 70 dias após TAMO, a paciente apresentou uma
crise convulsiva vista pelos pais em sua residência
e foi submetida, no Hospital, a uma avaliação com
imagem (figura 1) que mostrava uma lesão em tronco cerebral com características de uma lesão de baixo grau de malignidade que não justificava a crise
convulsiva. A lesão em tronco poderia ser uma lesão
radioinduzida devido a radioterapia feita há 7 anos.
Em 15 dias, repetimos a ressonância e observamos,
surpresos, a manutenção da mesma lesão de baixa
captação em tronco e o aparecimento de uma lesão
distinta de alta captação em vermis cerebelar, muito compatível com uma recidiva de meduloblastoma no local primário. Após várias intercorrências, a
paciente faleceu por comprometimento neurológico
grave em 25 dias da última ressonância e a 180 dias
do TAMO, infelizmente antes que pudéssemos submetê-la a uma maior investigação com PET scan.
DISCUSSÃO
Este é o primeiro estudo de que temos conhecimento que reporta o surgimento de duas lesões cerebrais distintas à ressonância magnética, detectadas
após 70 e 85 dias do TAMO, respectivamente. As
más condições clínicas da paciente, as dificuldades
técnicas da abordagem neurocirúrgica em tronco
cerebral e a falta de opções terapêuticas ainda a oferecer a essa família tornaram inviável, dentro dos
limites da prática médica, comprovar a natureza histológica dessas duas lesões. A paciente veio a falecer
com quadro neurológico de disfagia e irregularidades do ritmo respiratório em meses após o diagnóstico da recidiva.
Rev Neurocienc 2007;15/4:326–328
Este caso ilustra uma raridade. Não encontramos relato na literatura médica sobre o aparecimento de imagens caracteristicamente distintas
em tão curto intervalo de tempo, sugerindo que
os processos subjacentes ao desenvolvimento das
referidas características tenham sido praticamente simultâneos, o que nos faz supor, ainda, que tal
associação deva possivelmente representar duas lesões intracranianas completamente distintas após
transplante autólogo de medula óssea de um meduloblastoma.
Constatando a inexistência de relatos semelhantes na literatura, procuramos obter opiniões de
oncologistas e radiologistas experientes e envolvidos
no cuidado de pacientes com diagnóstico de meduloblastoma e TAMO, e tais profissionais também se mostraram surpresos com a imagem intracraniana acima
descrita, dentro do período reportado e no particular
contexto clínico apresentado, o que nos motivou a relatar este achado na literatura médica, ainda que sem
a comprovação histológica, para alertarmos sobre a
possibilidade de ocorrência, embora rara, de neuroimagens semelhantes em situações parecidas com as
de nosso paciente, e para estimularmos pesquisadores e profissionais, envolvidos no cuidado desse grupo de pacientes, a relatarem experiências semelhantes à nossa. É provável que, com o número crescente
de pacientes submetidos à imunossupressão causada
pelo transplante autólogo de medula, mais pacientes
sobrevivam e que o aumento dessa sobrevida permita
que lesões intracerebrais como essas possam tornar-se
um achado mais freqüente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Giangaspero F, Wellek S, Masuoka J, Gessi M, Klerhues P, Ohgaki
H. Stratification of medulloblastoma on the basis of histopathological
grading. Acta Neuropathol 2006;112:5-12.
2. Net AC, Gasparetto EL, Ono SE, Bertoli GA, Gomes AF. Adult
cerebellar medulloblastoma. CT and MRI findings in eight cases. Arq
Neuropsiq 2003;61(2-A):199-203.
3. Van den Bent MJ, Hegi ME, Stupp R. Recent developments in the
use of chemotherapy in brain tumors. Eur J Cancer 2006;42:582-8.
4. Pilkington GJ. Cancer stem cells in the Mammalian Central Nervous System. Cell Prolif 2005;38:423-33.
5. Reya T, Morrison SJ, Clarke MF, Weissman IL. Stem cells, cancer,
and cancer stem cells. Nature 2001;414:105-11.
6. Strother D, Ashley D, Kellie SJ, Patel A, Jones-Wallace D, Thompson
S, et al. Feasibility of four consecutive high-dose chemotherapy cycles
with stem cell rescue for patients with newly diagnosed medulloblastoma or supratentorial PNET after craniospinal radiotherapy: results of a
collaborative study. J Clin Oncol 2001;19(10):2696-704.
7. Rutkowski S, Bode U, Deinlein F, Ohensmeier H, Warmuth-Metz
M, Sorensen N, et al. Treatment of early childhood medulloblastoma. N
Engl J Med 2005;352:978-86.
328
relato de caso
Síndrome de Guillain-Barré na infância:
relato de caso
Guillain-Barré syndrome in childhood: case report
Marco Antonio Orsini Neves1, Mariana Pimentel de Mello2, Jhon Petter
Botelho Reis2, Reny de Souza Antonioli2, Viviane Vieira dos Santos3, Marcos
R.G. de Freitas4
RESUMO
SUMMARY
A síndrome de Guillain-Barré é uma polineurorradiculopatia
inflamatória desmielinizante aguda ou sub-aguda, caracterizada
clinicamente por paralisia flácida, arreflexia profunda e dissociação albumino-citológica no líquor. Entre as polineuropatias
adquiridas, a SGB é uma afecção que pode ocorrer em crianças,
devendo ser lembrada após a instalação aguda ou sub-aguda de
paralisia de caráter ascendente, freqüentemente precedida por
infecção respiratória ou gastrointestinal. Relatamos o caso de
um paciente, 4 anos, sexo masculino, com diagnóstico de Síndrome de Guillain-Barré e comprometimento eletrofisiológico
residual do nervo fibular comum bilateralmente.
Guillain-Barré syndrome can be defined as an acute or subacute inflammatory demyelinating polyradiculoneuropathy,
characterized clinically for tetraparesis or tetraplegia, areflexia,
and albumino-cytological dissociation in cerebrospinal fluid. It
is an acquired polyneuropathy, that may occur in children,
with an ascending manner, frequently preceded by respiratory
or gastrointestinal infection. We reported a case of a patient,
4 years old, male, with Guillain-Barré syndrome diagnosis and
bilateral eletrophysiological residual impairment of common
fibular nerve.
Unitermos: Síndrome de Guillain-Barré. Polineuropatias. Criança.
Keywords: Guillain-Barré Syndrome. Polyneurophaties. Child.
Citação: Neves MAO, Mello MP, Reis JPB, Antonioli RS, Santos VV, Freitas MRG. Síndrome de Guillain-Barré na infância:
relato de caso.
Citation: Neves MAO, Mello MP, Reis JPB, Antonioli RS, Santos VV, Freitas MRG. Guillain-Barré syndrome in childhood:
case report.
Trabalho realizado no Serviço de Reabilitação Neurológica
do Centro Universitário Serra dos Órgãos, UNIFESO,
Teresópolis.
1. Professor Adjunto de Neurologia Clínica – UNIFESO e Assistente
Voluntário do Ambulatório de Doenças Neuromusculares, Universidade Federal Fluminense–UFF.
2. Graduandos em Fisioterapia e Estagiários do Serviço de Reabilitação
Neurológica, UNIFESO.
3. Pós-Graduanda em Fisioterapia Neurofuncional pela Escola Superior de Ensino Helena Antipoff–ESEHA.
4. Professor Titular de Neurologia Clínica e Chefe do Serviço de Neurologia, Universidade Federal Fluminense–UFF.
329
Endereço para correspondência:
Marco Antonio Orsini Neves
R. Prof. Miguel Couto, 322/1001
CEP 24230240, Niterói–RJ.
Fone 21 81257634
E-mail: [email protected]
Recebido em: 1/9/2006
Revisão: 2/9/2006 a 17/12/2006
Aceito em: 18/12/2006
Conflito de interesses: não
Rev Neurocienc 2007;15/4:329–333
relato de caso
INTRODUÇÃO
A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma
polineuroradiculopatia desmielinizante aguda ou
subaguda, caracterizada por paralisia flácida, arreflexia profunda, alterações sensitivas discretas e
dissociação albumino-citológica no líquor1. Estudos
eletrofisiológicos e patológicos têm dividido a SGB
em 2 tipos: um predominantemente desmielinizante (polirradiculoneurite desmielinizante inflamatória
aguda — PDIA) e outro predominantemente axonal (neuropatia axonal motora aguda — NAMA)2.
As lesões fisiopatológicas predominantes resultam da
infiltração multifocal da bainha de mielina por células inflamatórias mononucleares ou da destruição da
bainha de mielina mediada por anticorpos autoimunes3. Dentre as polineuropatias adquiridas, a SGB
é uma afecção que pode ocorrer em qualquer faixa
etária, porém é rara em crianças. Entretanto, deve
ser considerada quando ocorrer uma instalação aguda ou sub-aguda de paralisia de caráter ascendente,
freqüentemente precedida por infecções respiratória
ou gastrointestinal, e acompanhada de dor, podendo
impedir a deambulação4,5. A incidência da SGB em
menores de quinze anos é de 0,46/100.000, ocorrendo na maioria dos casos entre zero e quatro anos,
com pico de incidência na idade de dois anos6.
Relatamos o caso de um paciente, 4 anos,
sexo masculino, com diagnóstico de Síndrome de
Guillain-Barré e comprometimento eletrofisiológico
residual do nervo fibular comum bilateralmente.
RELATO DE CASO
IPF, sexo masculino, quatro anos, deu entrada no Hospital das Clínicas Costantino Otaviano,
Teresópolis, RJ, com quadro de paresia em membro
inferior esquerdo evoluindo em 24 horas para uma
tetraparesia generalizada, sem história de infecção
de vias aéreas superiores ou gastroenterite prévias.
Ao exame neurológico, apresentou tetraparesia, hipotonia generalizada e abolição dos reflexos profundos. Três dias após a admissão, progrediu para um
quadro de insuficiência respiratória, necessitando de
suporte ventilatório por duas semanas. Fez uso de
imunoglobulina intravenosa (2 g/Kg), apresentando
melhora progressiva do déficit neurológico. Durante
o período de intubação, desenvolveu infecção pulmonar, para a qual foi administrada antibioticoterapia. À punção liquórica, demonstrou albumina de
39,41 mg/dL. O exame eletroneuromiográfico evidenciou redução dos potenciais de ação musculares
compostos, velocidade de condução motora normal
Rev Neurocienc 2007;15/4:329–333
e ausência de alterações nos potenciais de ação sensitivos, indicando neuropatia axonal motora aguda.
No momento da alta hospitalar, cerca de 2
meses após o início da síndrome, encontrava-se sem
sinais de infecção e com controle de tronco e pescoço
normal. Os membros inferiores apresentavam força
muscular 2 (MRC) e arreflexia profunda, enquanto os
superiores, 3 (MRC) e hiporreflexia7. Os grupamentos
musculares inervados pelos núcleos dos nervos abducente, glossofaríngeo e hipoglosso à direita estavam
paréticos. Após um ano de estabilidade clínica, observaram-se alterações na força muscular e nos reflexos
relacionados ao nervo fibular comum, as quais foram
evidenciadas nas tabelas 1 e 2. Na figura 1, podemos
observar a incapacidade do paciente em realizar os
movimentos de dorsiflexão e eversão dos pés.
DISCUSSÃO
A SGB foi descrita em 1916 por Guillain, Barré e Strohl, que relataram os casos de dois soldados
franceses com fraqueza arreflexia e dissociação albuminocitológica no líquor1. Mais recentemente, as
manifestações eletrofisiológicas foram anexadas aos
critérios diagnósticos. Atualmente, é considerada a
primeira causa de paralisia flácida aguda nos países
desenvolvidos8,9.
Os sintomas iniciais consistem em parestesias
nas mãos e pés, e ocasionalmente dor nos membros
inferiores, seguida de fraqueza muscular com início
nos membros inferiores. Essa fraqueza é progressiva e
afeta sucessivamente pernas, braços, músculos respiratórios e os núcleos dos nervos cranianos, configurando
um quadro clínico de paralisia ascendente. Os reflexos
profundos encontram-se hipoativos ou abolidos9-11. Em
aproximadamente 70% dos casos esses sintomas são
precedidos semanas antes por um quadro infeccioso,
que pode ser de origem respiratória ou gastrointestinal.
Os agentes etiológicos mais freqüentemente documentados são a Campylobacter jejuni, o cytomegalovirus e o
Epstein-Barr vírus, estando o primeiro associado a formas mais graves, como a axonal8.
Tabela 1. Comprometimento dos reflexos tendíneos (membros superiores e inferiores) após a recuperação5.
Reflexos
Biciptal
Estilo-radial
Triciptal
Direito
Esquerdo
++
++
+
+
++
++
Flexor dos dedos
+
+
Patelar
+
+
Aquileu
0
0
330
relato de caso
A afecção dos núcleos de nervos cranianos
ocorre em torno de 25% dos casos, sendo a paresia
facial bilateral a mais característica. Em associação,
pode ocorrer paresia dos músculos da deglutição, fonação e mastigação. Os sinais de disfunção autonômica (arritmias, hipotensão ortostática, hipertensão
arterial, ílio paralítico, disfunção vesical e sudorese)
estão presentes em cerca de 30 a 50% dos indivíduos12. Aproximadamente 15% das crianças com SGB
desenvolvem falência respiratória e requerem ventilação mecânica13. O comprometimento da musculatura respiratória pode ocasionar taquipnéia (>
35 incursões respiratórias por minuto), redução do
volume corrente (< 4 ml/Kg), movimento paradoxal abdominal e alternância respiratória (alternância
entre os movimentos predominantemente abdominais e torácicos durante a inspiração)14.
Os pacientes que necessitam de suporte ventilatório levam mais tempo para iniciar a marcha
independente do que aqueles que não precisaram
do ventilador. Um dos fatores mais importantes na
determinação do prognóstico de crianças com SGB
é a avaliação da força muscular nos primeiros dias de
instalação. Sabe-se que a gravidade do déficit motor
está associada a um prognóstico mais reservado. A
quadriplegia no décimo dia é um importante fator
preditivo para um tempo de recuperação motora
prolongado. Por outro lado, entre os pacientes com
algum grau de atividade muscular nesse período,
não se observam diferenças significativas na evolução clínica dos casos15.
Apesar de alguns pacientes terem um progresso fulminante com paralisia máxima em 1 ou 2 dias,
Tabela 2. Comprometimento da força muscular nos membros superiores e inferiores após a recuperação5.
Músculos
Direito
Esquerdo
Bíceps
5
5
Extensor Radial do
Carpo
5
5
Tríceps
5
5
Flexor dos Dedos
5
5
Interósseos Dorsais e
Palmares
5
5
Iliopsoas
5
5
Quadríceps
5
5
Tibial Anterior
0
0
Extensor Longo do
Hálux
0
0
Fibular longo e curto
0
0
Flexores Plantares
5
5
331
50% dos pacientes alcançam o ponto de maior gravidade dentro de uma semana. Em alguns casos, o
processo de aumento da fraqueza continua por até 1
mês. O início da recuperação é variado, com a maioria dos indivíduos apresentando recuperação gradual da força muscular 2 a 4 semanas após o início do
quadro. Cerca de 50% dos pacientes apresentam
deficiências neurológicas menores, ou seja, reflexos
tendinosos ausentes ou diminuídos, e 15% debilidades residuais persistentes na função. As deficiências a
longo prazo mais comuns são a fraqueza do músculo
tibial anterior e as menos freqüentes, o comprometimento dos músculos quadríceps, glúteos e intrínsecos
das mãos e dos pés16. O paciente em questão, após
um ano de estabilidade da doença, apresentava lesão
bilateral do nervo fibular comum, responsável pela
inervação dos grupamentos muscular anterior e lateral da perna, resultando na incapacidade de realizar
os movimentos de dorsiflexão e eversão, gerando um
padrão de marcha escarvante17.
Algumas das complicações clínicas apresentadas pelos pacientes com SGB são: infecção urinária,
pneumonia, atelectasia e septicemia. A prevenção da
infecção nosocomial é fundamental no tratamento
desses pacientes, já que aproximadamente 30% deles desenvolvem infecção urinária e 25%, pneumonia9. Os exames laboratoriais são de pouca ajuda no
início do processo. Depois da 1a semana do início dos
primeiros sintomas, o estudo do líquor detecta uma
elevação de proteínas (maior que 50 mg/dL) máxima entre a 2a e 4a semanas, com células escassas (menos de 10 células mononucleares/dl), o que constitui
a chamada dissociação albuminocitológica. Alguns
pacientes também apresentam anticorpos antigangliosídicos, especialmente anti-GM1 e anti-GM1b,
que, entretanto, carecem de especificidade18,19. Em
alguns casos, os níveis de IgG podem estar elevados,
porém os de IgM e IgA encontram-se normais. Os
níveis elevados de IgG no líquor resultam predominantemente de sua passagem através da barreira hematoliquórica lesada e não da síntese intratecal20. O
estudo eletrofisiológico é o exame mais sensível e específico para o diagnóstico, demonstrando inúmeras
alterações que indicam desmielinização multifocal
que incluem a lentificação da velocidade de condução nervosa, bloqueio parcial da condução motora
e latências distais prolongadas ou disfunção axonal,
como ocorreu em nosso caso18. Os achados sugestivos de SGB são ausência do reflexo H, aumento
da latência ou ausência da onda F. A velocidade de
condução geralmente diminui em fases mais tardias
Rev Neurocienc 2007;15/4:329–333
relato de caso
Figura 1. Incapacidade na realização dos movimentos de dorsiflexão
e eversão.
da doença. Na forma motora pura axonal, estão ausentes alterações sensitivas, porém podem ser encontrados sinais de desnervação, indicativos de um prognóstico mais grave, como o presente estudo8,15,21,22.
Atualmente, o tratamento indicado para esses
pacientes é o uso da imunoglobulina endovenosa ou
da plasmaférese. Ambas parecem estar relacionadas com evolução clínica mais rápida e uma menor
quantidade de complicações e seqüelas. Para o uso
da plasmaférese, é necessário que o paciente esteja
compensado do ponto de vista hemodinâmico. A sua
efetividade estaria relacionada com menor tempo de
uso de ventilação mecânica e retorno à aquisição
dos padrões de deambulação. Por sua vez, o uso de
imunoglobulina é seguro, fácil, de rápida avaliação
e não oferece os riscos da circulação extracorpórea.
Embora seu mecanismo de ação ainda não esteja totalmente esclarecido, sabe-se que essa droga altera
diretamente a imunidade dos pacientes. Alguns autores têm observado que o uso da imunoglobulina
endovenosa em crianças com SGB está associado
com menor tempo de uso de ventilação mecânica,
menor permanência em UTI e internação hospitalar menos prolongada16,23-26. Embora fosse esperado
que o tratamento com corticoesteróides reduzisse a
inflamação e conseqüentemente os danos nervosos,
estudos anteriores realizados, além de não promoverem resultados eficazes, apontaram para um aumento dos riscos de complicações secundárias, como
maior susceptibilidade a infecções, principalmente
em pacientes submetidos a ventilação mecânica.
Sendo assim, o emprego do corticóide perdeu sua
justificativa nos dias atuais27.
Independentemente da terapêutica empregada para esses casos, a necessidade de cuidados
intensivos é evidente. Todos os pacientes admitidos
em UTI devem receber medidas gerais como fisiote-
Rev Neurocienc 2007;15/4:329–333
rapia motora e respiratória, monitorização cardiorrespiratória invasiva e não-invasiva, umidificação de
conjuntivas, suporte ventilatório, nutrição enteral
ou parenteral, sedação da dor e manejo psicológico.
Quanto ao manejo farmacológico, deve-se ter extremo cuidado com o uso de anestésicos e sedativos e
evitar os agentes relaxantes musculares despolarizantes, como a succinilcolina9.
A atuação da fisioterapia em casos de SGB
visa a reabilitação funcional do paciente, utilizando estratégias terapêuticas como mobilização passiva para a manutenção da amplitude de movimento articular, alongamentos com objetivo de evitar
contraturas articulares e encurtamentos musculares
e mudanças periódicas de decúbito na prevenção
de úlceras. Devem-se evitar exercícios extenuantes,
uma vez que estes podem retardar a recuperação e
aumentar a fraqueza28,29.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Guillain G, Barré JA, Strohl A. Sur un syndrome de radiculoneurite
avec hyperalbuminose du liquide cephalo-rachidien sans reaction cellulaire; remarques sur les caracteres cliniques et graphiques des reflexes
tendineux. Bull Soc Med Hop Paris 1916;40:462.
2. Buompadre MC, Gáñez LA, Miranda M, Arroyo HA. Variantes
inusuales del síndrome de Guillain-Barré en la infancia. Rev Neurol
2006;42(2):85-90.
3. Honavar M, Tharakan KJ, Hughes RAC. A clinicopathological
study of the Guillain-Barré syndrome: nine cases and literature review.
Brain 1991;114:1245-69.
4. North K. New perspectives in pediatric neuromuscular disorders. J
Child Neurol 1999;14:26-57.
5. Korinthenberg R, Schessl J, Kirschner J, Mönting JS. Intravenously
administered immunoglobulin in the treatment of childhood GuillainBarré syndrome: A randomized trial. Pediatrics 2005;116:8-14.
6. Dias-Tosta E, Kückelhaus CS. Guillain-Barré Syndrome in a population less than 15 years old in Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2002;60(2B):367-73.
7. Aids to the examination of the peripheral nervous system. 4th ed.
Edinburgh: WB Saunders, 2000, pp. 1-2.
8. Monteiro JP, Fonseca S, Proença J, Calhau P, Braga M, Fonseca
MJ. Síndrome de Guillain-Barré en edad pediátrica. Experiencia de
la Unidad de Neuropediatría de un hospital portugués. Rev Neurol
2006;42(3):144-9.
9. Santana JCB, Garcia PCR, Einloft PR, Kipper DJ, Chiapin NL,
Skrsypcsak F. Distúrbios autonômicos na Síndrome de Guillain-Barré:
experiência de 13 anos em UTI pediátrica. J Pediatr 1996;72(1):20-6.
10. Royden-Jones H. Childhood Guillain-Barré syndrome: clinical presentation, diagnosis and therapy. J Child Neurol 1996;11:4-12.
11. Ryan MM. Guillain-Barre syndrome in childhood. J Paediatr Child
Health 2005;41:237-421.
12. Evans OB, Vedanarayanan V. Guillain-Barré syndrome. Pediatr
Rev 1997;18:10-6.
13. Sladky JT. Guillain-Barre syndrome in children. J Child Neurol
2004;19(3):191-200.
14. Cohn CA, Zagelbaun GC. Clinical manifestation of inspiratory
muscle fatigue. Am J Med 1983;73(6):308-15.
15. Nguyen DK, Agenarioti-Bélanger S, Vanasse M. Pain and the
Guillain-Barré syndrome in children under 6 years old. J Pediatr
1999;134:773-6.
16. Ortiz-Corredor F. Factores que influyen en el pronóstico del síndrome de Guillain-Barré infantil. Rev Neurol 2004;38:518-23.
332
relato de caso
17. Ropper AH. Current concepts: the Guillain-Barré Syndrome. N
Engl J Med 1992;326:1130-6.
18. Willians PL. Gray’s Anatomy. 38th ed. Edinburgh: Churchill Livingstone, 1999, 1634 p.
19. Schessl J, Funakoshi K, Susuki K, Gold R, Korinthenberg R. AntiGT1a IgG antibodies in a child with severe Guillain-Barré syndrome.
Pediatr Neurol;35(4):277-9.
20. Takayanagui OM, Menezes RF, Barbosa JE, Jardim E. Líquido cefalorraquiano (LCR) na síndrome de Guillain-Barré: análise de 62 casos.
Rev Bras Neurol 1993;29(5):152-5.
21. Nagasawa K, Kuwabara S, Misawa S, Fujii K, Tanabe Y, Yuki N,
et al. Electrophysiological subtypes and prognosis of childhood GuillainBarré syndrome in Japan. Muscle Nerve 2006;33(6):766-70.
22. Hung PL, Chang WN, Huang LT, Huang SC, Chang YC, Chang
CJ, et al. A clinical and electrophysiologic survey of childhood GuillainBarré syndrome. Pediatr Neurol 2004;30(2):86-91.
23. Nascimento OJM, Freitas MRG, Escada TM, Araújo E, Araújo APQC, Araújo AQC. Síndrome de Guillain-Barré na criança: tra-
333
tamento com altas doses de imunoglobulina endovenosa. J Pediatr
1992;68:352-6.
24. Raphael JC, Chastang C, Gadjos P. Intravenous immune globulin versus plasma exchange in Guillain-Barré syndrome. N Engl J Med
1992;327:816-7.
25. Hughes RAC. Ineffectiveness of high-dose intravenous methylprednisolone in Guillain-Barré syndrome. Lancet 1991;338:1142.
26. Hughes RAC, Swan AV, van Koningsveld R, van Doorn PA. Corticosteroids for Guillain-Barré syndrome (Cochrane Review). In: The
Cochrane Library, Issue 2. Oxford: Update Software, 2006.
27. Hughes RAC, van der Meché FGA. Corticosteroids for GuillainBarré syndrome (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 1.
Oxford: Update Software, 2006.
28. Newswanger DL, Warren CR. Guillain-Barré Syndrome. Am Fam
Physician 2004;69:2405-10.
29. Hughes RAC, Wijdicks EF, Benson E, Cornblath DR, Hahn AF,
Meythaler JM, et al. Supportive care for patients with Guillain-Barré
syndrome. Arch Neurol 2005;62:1194-8.
Rev Neurocienc 2007;15/4:329–333
Agradecimento aos Avaliadores
O Corpo Editorial da Revista Neurociências agradece a todos os colegas que altruística e anonimamente colaboraram com a avaliação dos artigos submetidos, revisando o conteúdo científico e técnico, durante o ano de 2007.
Abelardo de Queiroz Campos Araujo – UFRJ, RJ
Eliane Malheiro Ferraz de Carvalho – UNIFESP, SP
Marilia de Morais Rezende – UNIFESP, SP
Abrahão Augusto J Quadros – UNIFESP, SP
Elias Ferreira Porto – INCOR, SP
Marina Brito – UNIFESP, SP
Acary de Souza Bulle de Oliveira – UNIFESP, SP
Elisabete Carrara-Angelis – FAP / São Camilo, SP
Nilton Amorim de Souza – UNIFESP, SP
Adiana S de Araújo – Faculdade Medicina ABC, SP
Enio WA Cacho – UNICAMP, SP
Octávio Junqueira Gonzaga Neto – UNIFESP, SP
Afonso Carlos Neves – UNIFESP, SP
Evandro Penteado Villar Felix – UNINOVE, SP
Osvaldo Nascimento – UFRJ, RJ
Alan L Eckeli – FMUSP Ribeirão Preto, SP
Fabio Jakaitis – UNIBAN, SP
Paulo Toshio Abe – UNILAVRAS, MG
Alba Fernandes – UFERJ, RJ
Fabíola Pereira Rebouças – UNIMES Santos, SP
Paulo Caramelli – UFMG, MG
Alexande Pieri – HI Albert Einstein, SP
Fabricio R Araújo – FM UNIMES Santos, SP
Raquel Rodigues Brito – UFMG, MG
Ana Laura Almeida – HU UFJF, MG
Fernando Cesar I Marcucci – UEL, PR
Reginaldo de Carvalho Silva Filho – UNIFESP, SP
Ana Lucia Leal Chiappetta – UNIFESP, SP
Fernando AP Ferraz – UNIFESP, SP
Ricardo L Smith – UNIFESP, SP
Ana Paula Rocha Oliveira – UNIFRAN, SP
Jamary de Oliveira Filho – UFBA, BA
Rita de Cássia dos Reis Moura – UNIFMU, SP
Andrea Cavinato – USP, SP
Jean Carlos Shimazaki – Neurologia, PR
Rodrigo Rizek Schultz – UNISA, SP
Andrea S Navarro – HIAE e UNIBAN, SP
João Eduardo Coin de Carvalho – UNIP, SP
Francis Meire Favero – UNIFESP / FIBRA, SP
Antonio Lucio Teixeira Jr. – UFMG, MG
Joci KD Pereira Ribeiro – UNIFESP, SP
Francisco Cardoso – UFMG, MG
Beatriz Hitomi Kyomoto – UNIFESP, SP
José Fabio Leopoldino – UFSE, SE
Gisele Sampaio Silva – UNIFESP, SP
Camila Torriani – FMU, SP
Katia Luzia Ferreira G de Alencar – UNIFESP, SP
Glenda CB Lacerda – UF Fluminense, RJ
Carlos Bandeira de Mello Monteiro – UNIFMU, SP
Katyana Rocha Mendes da Silva – USF, SP
Helga Cristina Almeida e Silva – UNIFESP, SP
Carlos R de Mello Rieder – UFRS, RS
Laiz Helena CT Guimarães – UNILAVRAS, MG
Humberto Correa – UFMG, MG
Celia Harumi Tengan – UNIFESP, SP
Lázaro J Teixeira – Sec de Saúde PB Camboriú, SC
Izilda Malta Torres – UNIP, SP
Cesar Osorio de Oliveira – UNIFESP, SP
Leticia Moraes de Aquino – HIAE UNIFESP, SP
Jacqueline MR Silveira Leite – UNILAVRAS, MG
Christian I Lenz Dunker – USP/UNIMARCOS, SP
Leonardo J Mello – SCM/HNSM São João del Rei, MG
Rosana Cardoso Alves – USP, SP
Clarisse Potasz – UNIFESP, SP
Leopoldo A Pires – UFJF, MG
Rubens J Gagliardi – FCM Santa Casa, SP
Clecio de Oliveira Godeiro Jr. – UNIFESP, SP
Lucila Bizari Fernandes do Prado – UNIFESP, SP
Sabrina Chiogna Lopes – UNIFESP, SP
Conrado Ramos – UNIP, SP
Lucíola Mondenesi – Hospital Cândido Fontoura, SP
Sergio Cavalheiro – UNIFESP, SP
Christiane Ricaldoni Giviziez – UNILAVRAS, MG
Luis Fabiano Marin – UNIFESP, SP
Sergio Machado – IBBN, RJ
Cristiane Fiquene Conti – UNIFESP, SP
Mara Renata Fernandes – AACD, SP
Sheila Gemelli de Oliveira – UPF Passo Fundo, RS
Cristiane SNB Garcia – UNIFESO, RJ
Marcelo Annes – UNISA, SP
Suzana Corrêa França Valente – UNIP, SP
Cristiane S Gomes – UNICID, SP
Marcelo Maroco Cruzeiro – UFJF, MG
Suzana Maria Fleury Malheiros – UNIFESP, SP
Dayane Nunes de Oliveira – UCG, GO
Marcia Maiumi Fukujima – UNIFESP, SP
Sueli Rizzutti – UNIFESP, SP
Debora Amado Scerni – UNIFESP, SP
Marcio Bezerra – Rio de Janeiro, RJ
Thais Soares Cianciarullo Minett – UNIFESP, SP
Debora Cristina de A Galdino – UNILAVRAS, MG
Marcio Moyses de Oliveira – UNIFESP, SP
Valeria Santoro Bahia – HC FMUSP, SP
Denis Bichuetti – UNIFESP, SP
Marco Antonio F Alves – UNIMES UNISANTA, SP
Vanderci Borges – UNIFESP, SP
Denise Campos – UNICAMP, SP
Marco Antonio Orsini Neves – UFRJ, RJ
Vanessa C Monteiro – AACD UNIFESP, SP
Douglas Martins Braga – UNIFESP, SP
Marco Tulio de Mello – UNIFESP, SP
Vanessa Regina dos Santos – UNIMARCOS, SP
Edgard Morya – UNIFESP, SP
Marcos RG Freitas – UFRJ, RJ
Vicente Leitão – HSM de Messejana, CE
Edmar Zanoteli – UNIFESP, SP
Maria Durce C Gomes – HU Oswaldo Cruz, PE
Vidigal A Gasperini – FI Guarulhos, SP
Elaine Maria Silva Barbosa – UFJF, MG
Maria Fernanda Mendes – Sta. Casa de São Paulo, SP
Rev Neurocienc 2007;15/4
334
Notas Editoriais
O Corpo Editorial da Revista Neurociências parabeniza o Dr. Fernando Cesar I. Marcucci pelo 3o lugar
obtido no 1o Prêmio TopFisio 2007, realizado pela Revista Fisio Brasil, na categoria de melhor artigo publicado. Dr Fernando concorreu com o artigo “Método de investigação funcional no cérebro e suas implicações na
prática da Fisioterapia Neurológica”, publicado na Revista Neurociências, volume 14, número 4, página 198,
de 2006.
335
Rev Neurocienc 2007;15/4
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista Neurociências é voltada à Neurologia e às ciências
afins. Publica artigos de interesse científico e tecnológico, voltada à Neurologia e às ciências afins, realizados por profissionais
dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com ênfase em
temas de cunho prático, específicos ou interdisciplinares. São
aceitos artigos em inglês, português ou espanhol. Seus volumes
são anuais e os números trimestrais, publicados em março, junho, setembro e dezembro. A linha editorial da revista publica
preferencialmente Artigos de pesquisa Originais (inclusive Revisões sistemáticas), mas também são aceitos para publicação artigos de: Revisão de Literatura, de Atualização, Relato de Caso,
Resenha, Ensaio, Texto de Opinião e Carta ao Editor, desde
que aprovado pelo Corpo Editorial. Trabalhos apresentados
em Congressos ou Reuniões Científicas de áreas afins poderão
constituir-se de anais em números ou suplementos especiais da
Revista Neurociências.
Os artigos devem ser inéditos, isto é, não publicados em outros
periódicos, exceto na forma de Resumos em Congressos e não
devem ser submetidos a outros periódicos simultaneamente,
com o quê se comprometem seus autores. Os artigos devem
ser submetidos eletronicamente, via e-mail para o endereço:
[email protected]. Recebido o manuscrito, o Corpo
Editorial verifica se o mesmo encontra-se dentro dos propósitos do
periódico e de acordo com as Normas de Publicação, recusando
aqueles que não cumprirem essas condições. O Corpo Editorial
emite Protocolo de Recebimento do Artigo e envia a Carta
de Autorização, a ser assinada por todos os autores, mediante
confirmação de que o artigo é inédito e compromisso de declarar
eventuais Conflitos de Interesse pessoais, comerciais, políticos,
acadêmicos ou financeiros de cada autor. O Corpo Editorial
envia, então, o artigo para, pelo menos, dois revisores dentro da
área do tema do artigo, no sistema de arbitragem por pares, que
em até 60 dias devem avaliar o conteúdo e forma do texto. O
Corpo Editorial analisa os pareceres e encaminha as sugestões
para os autores, para aprimoramento do conteúdo, da estrutura,
da redação e da clareza do texto. Os autores têm 30 dias para
revisar o texto, incluir as modificações sugeridas, cabendo-lhes
direito de resposta. O Corpo Editorial, quando os revisores
sugerirem a adição de novos dados, e a depender do estudo,
poderá prover tempo extra aos autores, para cumprimento
das solicitações. O Corpo Editorial verifica as modificações
realizadas no texto e se necessário, sugere correções adicionais. O
Corpo Editorial aceita o artigo para publicação ou pode recusálo se for inadequado. Para publicação, será observada a ordem
cronológica de aceitação dos artigos e distribuição regional. Os
artigos aceitos estão sujeitos à adequações de gramática, clareza
do texto e estilo da Revista Neurociências sem prejuízo ao seu
conteúdo. Fica subentendido que os autores concordam com a
exclusividade da publicação do artigo no periódico, transfere
os direitos de cópia e permissões à publicadora. Provas são
fornecidas em condições especiais. Separatas são impressas sob
encomenda e os autores respondem por seus custos. Os artigos
são de responsabilidade de seus autores.
INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES
http://www.revistaneurociencias.com.br
Submissão do artigo: os artigos devem ser encaminhados ao
Editor Chefe via e-mail: [email protected] e poderão
ser utilizados editores de texto, preferencialmente “Word”, no
formato “doc”, espaço duplo, Times New Roman, fonte 12.
Rev Neurocienc 2007;15/4
Categoria de artigos: Editorial, Originais, Revisão Sistemática, Revisão de Literatura, de Atualização, Relato de Caso, Resenha, Ensaio, Texto de Opinião e Carta ao Editor. O número de
palavras inclui texto e referências bibliográficas (não devem ser
considerados folha de rosto com título, autores, endereço de correspondência, resumo e summary e tabelas, figuras e gráficos).
Adotar as recomendações abaixo.
Editorial: a convite do Editor, sob ema específico, deve conter
no máximo 2000 palavras.
Artigos Originais, Revisões Sistemáticas, e Relato de
Caso: resultado de pesquisa de natureza empírica, experimental
ou conceitual (6000 palavras).
Título: em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos
informativos.
Autor(es): referir nome(es) e sobrenome(s) por extenso. Referir
a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo. Referir formação acadêmica, títulação máxima e vínculo
profissional de cada autor, ex.: 1- Neurologista, Livre Docente,
Professor Adjunto da UNIFESP, 2- Neurologista, Pós-graduando na UNICAMP, 3- Neurologista, Residente no Hospital São
Paulo - UNIFESP. Referir suporte financeiro. Identificar o autor
e endereço para correspondência.
Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica
do trabalho. Para os Artigos Originais o resumo deve ser estruturado em objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder 200 palavras.
Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o
Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte
descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br).
Corpo do Artigo: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução e objetivo; método (sujeitos ou relato de caso,
Comitê de Ética, Consentimento Informado, procedimento ou
intervenção e análise estatística) com detalhes suficientes para a
pesquisa poder ser duplicada, resultados (apresentados de forma
clara e concisa), discussão (interpretação dos resultados comparados à literatura), conclusões, agradecimentos, referências
bibliográficas. As abreviações devem vir acompanhadas do seu
significados na primeira vez que aparecerem no texto. Nomes
comerciais e marcas registradas devem ser utilizadas com parcimônia, devendo-se dar preferência aos nomes genéricos.
Quadros, Gráficos e Tabelas: até 5, apresentadas em páginas separadas e no final do texto. Em cada uma, devem constar
seu número de ordem, título e legenda.
Figuras: até 2 ilustrações com tamanho não superior a 6 cm
x 9 cm cada uma, com alta resolução. As fotos devem ser em
preto e branco contrastadas com eventuais detalhes como setas,
números ou letras. Identificar cada ilustração com seu número
de ordem e legenda, devem ser encaminhadas em outro arquivo com nome do autor e do artigo. Ilustrações reproduzidas de
textos já publicados devem ser acompanhadas de autorização de
reprodução, tanto do autor como da publicadora.
Ilustrações em cores podem ser publicadas; dado seu custo elevado, será de responsabilidade dos autores, assim como o custo por
número de tabelas e ilustrações acima dos mencionados e desde
que sua publicação seja autorizada pela editora. O material recebido não será devolvido aos autores. Manter os negativos destas.
Referências: Até cerca de 30 (as Revisões Sistemáticas deverão
solicitar o aumento do número de referências ao Editor, conforme a necessidade), restritas á bibliografia essencial ao conteúdo
336
do artigo. Todos os autores e trabalhos citados no texto devem
constar na listagem de referências bibliográficas. No texto, as
citações devem seguir o sistema numérico, isto é, são numerados
por ordem de sua citação no texto, utilizando-se números arábicos sobrescritos segundo o estilo Vancouver (www.icmje.org). Por
exemplo: “....o horário de ir para a cama e a duração do sono na
infância e adolescência6-12,14,15.”
As referências devem ser ordenadas consecutivamente na ordem
na qual os autores são mencionados no texto. Mais de 6 autores,
listar os 6 primeiros seguidos de “et al.”.
a) Artigos: Autor(es). Título do artigo. Título do periódico
(abreviados de acordo com o Index Medicus) ano; volume: página inicial – final.
Ex.: Wagner ML, Walters AS, Fisher BC. Symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder in adults with restless legs
syndrome. Sleep 2004;27:1499-504.
b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição, se não
for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação:
editora, ano, total de páginas.
Ex.: Ferber R, Kriger M. Principles and practice of sleep
medicine in the child. Philadelphia: W.B. Saunders Company,
1995, 253p.
c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do capítulo. In: Editor(es) do livro. Título do livro. Edição, se não for a
primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora, ano, página inicial e página final.
Ex.: Stepanski EJ. Behavioral Therapy for Insomnia. In: Kryger MH; Roth T, Dement WC (eds). Principles and practice of
sleep medicine. 3rd ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company,
2000, p.647-56.
d) Resumos: Autor(es). Título. Periódico ano; volume (suplemento e seu número, se for o caso): página(s). Quando não publicado em periódico: Título da publicação. Cidade em que foi
publicada: editora, ano, página(s).
Ex.: Carvalho LBC, Silva L, Almeida MM, et al. Cognitive
dysfunction in sleep breathing disorders children. Sleep 2003;
26(Suppl):A135.
e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas no texto entre parênteses.
f) Tese: Autor. Título da obra, seguido por (tese) ou (dissertação). Cidade: instituição, ano, número de páginas.
Ex.: Fontes SV. Impacto da fisioterapia em grupo na qualidade de vida de pacientes por AVCi (Tese). São Paulo: UNIFESP,
2004, 75p.
g) Documento eletrônico: Título do documento (Endereço
na Internet). Local: responsável (atualização mês/ano; citado
em mês/ano). Disponível em: site.
Ex.: The pre-history of cognitive science (endereço na
Internet). Inglaterra: World Federation Neurology. (última
atualização 12/2005; citado em 01/2006). Disponível em:
http://www.wfneurology.org/index.htm.
Artigos de Revisão de Literatura e Atualização: revisão crítica de literatura ou atualização relativo à neurociências, com
ênfase em causa, diagnóstico, prognóstico, terapia ou prevenção
(8000 palavras).
Título: em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos
informativos.
Autor(es): referir nome(es) e sobrenome(s) por extenso. Referir
a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo. Referir formação acadêmica, títulação máxima e vínculo
337
profissional de cada autor, ex.: 1- Neurologista, Livre Docente,
Professor Adjunto da UNIFESP, 2- Neurologista, Pós-graduando na UNICAMP, 3- Neurologista, Residente no Hospital São
Paulo - UNIFESP. Referir suporte financeiro. Identificar o autor
e endereço para correspondência.
Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica
do trabalho. Para os Artigos Originais o resumo deve ser estruturado em objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder 200 palavras.
Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o
Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte
descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br).
Corpo do Artigo: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução, conclusão e referências bibliográficas.
Referências: até 100 referências, seguindo o sistema numérico
por ordem de sua citação no texto segundo o estilo Vancouver.
Quadros e Tabelas: até 2, apresentadas em páginas separadas
e no final do texto. Em cada uma, devem constar seu número de
ordem, título e legenda.
Artigos de Resenha: análise crítica de livros publicados, teses e
dissertações dos últimos dois anos (3000 palavras).
As Resenhas de livros, teses ou dissertações devem seguir os itens:
título em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito
ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos
informativos; nome do(s) revisor(es), com formação, titulação
acadêmica e vínculo profissional, instituição onde o trabalho foi
realizado, endereço para correspondência; referência completa
da obra seguindo estilo Vancouver; corpo do texto contendo:
tema, hipótese ou idéia central; argumentos; evidências científicas; avaliação pessoal quanto à organização da obra, pontos
fortes e fracos, bibliografia utilizada, benefícios, trabalhos semelhantes; conclusão, críticas e comentários.
Ensaios: pesquisas, análises e avaliações de tendência teórico-metodológicas e conceituais da área das neurociências
(3000 palavras). Deverão conter: título em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas
contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos informativos;
nome do(s) autor(es), com formação, titulação acadêmica e
vínculo profissional, instituição onde o trabalho foi realizado,
endereço para correspondência; e no máximo 10 referências
bibliográficas.
Texto de Opinião e Carta ao Editor: devem conter opinião
qualificada sobre um tema na área de neurociências, nota curta, crítica sobre artigo já publicado na Revista Neurociências ou
relato de resultados parciais ou preliminares de pesquisa (1000
palavras).
Deverão conter: título em inglês e em português ou espanhol,
sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista
prefere títulos informativos; nome do(s) autor(es), com formação, titulação acadêmica e vínculo profissional, instituição onde
o trabalho foi realizado, endereço para correspondência; e no
máximo 10 referências bibliográficas.
Modelo de Carta de Autorização e Declaração de Conflito de
Interesse: http://www.revistaneurociencias.com.br
Instructions for authors: http://www.revistaneurociencias.com.br
Rev Neurocienc 2007;15/4
Download

Influência do Shiatsu sobre a pressão arterial sistêmica (PDF