A Internacionalização da Marca Melissa Autoria: Sylvia Therezinha de Almeida Moraes, Melissa Senra, Angela Maria Cavalcanti da Rocha Este estudo de caso descreve a trajetória de internacionalização da Melissa, uma marca de sandálias de plástico, que embora inspirada em sandálias de pescadores, se tornou um produto ícone de moda, não só no Brasil, como no mercado internacional. O caso se propõe a atender a alguns objetivos de ensino: (a) proporcionar compreensão de como se dá o processo de internacionalização de uma empresa da indústria de calçados brasileira; (b) estimular a reflexão sobre os principais desafios enfrentados pelos gerentes de marca na consolidação do posicionamento de um produto em mercados externos; (c) desenvolver a capacidade de avaliar diversas opções que se apresentam no desenvolvimento de uma estratégia de marketing para lançamento de uma marca no mercado internacional. O caso descreve os principais fatos ocorridos desde a idealização da sandália Melissa pelos irmãos Alexandre e Pedro Grendene, em 1979, inspirada nas sandálias usadas pelos pescadores da Riviera Francesa até a atualidade. A Grendene iniciou suas exportações em 1979, mas, já em 1984, a marca Melissa podia ser compradas em alguns dos principais mercados calçadistas do mundo. No início, as exportações aconteciam de forma esporádica, levadas apenas pelo sucesso de alguns modelos no mercado interno. Mas, a partir de 2004, a Grendene investiu no desenvolvimento de uma estratégia de internacionalização, com a intenção de posicionar a Melissa como produto diferenciado, associando a sandália a um conceito de marca único e valioso. A direção da empresa desejava aumentar as exportações, mas também sentia necessidade de melhorar seus custos internos, para fazer frente à concorrência internacional e à valorização do real frente ao dólar. O gerente de operações da marca considerava significativos os avanços obtidos com relação a essas questões, mas ainda não estava satisfeito. Considerava necessário reconsiderar as ações de marketing empreendidas pela marca, de modo a aumentar a diferenciação e a exposição da marca. Ele tinha plena consciência de que novas ações seriam necessárias para proteger a marca de incursões de imitadores. Até o momento, os imitadores chineses tinham tido pouco sucesso em se apropriar do brand equity da Melissa, graças à estratégia adotada. Deveria a Melissa manter o posicionamento apenas como sandália de moda, garantindo seu valor alto, ou seria conveniente investir também no mercado de massa, buscando aumento de receita? A empresa deveria lançar uma marca de combate no segmento de preço médio-baixo? O caso faz refletir sobre os desafios enfrentados por gerentes de marketing quando se deparam com a necessidade de vender seus produtos em mercados externos, enfrentando a concorrência de imitadores de baixo custo. O caso pode ser aplicado em cursos formais de Marketing Internacional e Estratégia Competitiva em programas de pós-graduação stricto e lato sensu. Além disso, o caso pode ser utilizado em programas de treinamento de executivos e gestores públicos envolvidos com atividades de exportação. 1 A Internacionalização da Melissa O gerente de operações da marca Melissa, Paulo Pedó Filho, se preocupava com o desenvolvimento de um posicionamento sólido e de uma estratégia de marketing que reforçassem a imagem da marca Melissa no mercado internacional. Ele entendia que apesar de a Melissa ser brasileira, seu conceito era internacional. Paulo observou: “A Melissa não é uma marca souvenir do Brasil como cachaça e a fitinha do Senhor do Bonfim. Ela é uma marca com linguagem internacional”. Paulo Pedó tinha plena consciência dos problemas que a empresa enfrentava, e do importante papel desempenhado pela marca Melissa nos negócios da Grendene. Esses problemas podiam ser resumidos em dois: a concorrência de produtos asiáticos e a valorização cambial. Ambos tinham o potencial de deterioram a posição internacional da marca. No entanto, trava-se de problemas externos à empresa, sobre os quais ela não exercia nenhum controle. A concorrência dos calçados asiáticos, especialmente chineses, vinha desde os anos 1990, mas era agravada pela forte valorização do real em relação ao dólar. A Grendene, uma das maiores empresas calçadistas brasileiras, vinha procurando se adaptar a essa nova realidade, concretizando algumas iniciativas para redução de custos, como transferência de unidades fabris para o Nordeste, onde o custo era mais baixo, e implementando ações para reforçar a diferenciação do produto e a imagem global da marca. Após vários anos sem muitos investimentos na marca, a empresa iniciara o reposicionamento nacional da marca Melissa em 1994, com a realização de uma grande festa celebrando a nova fase da sandália. Nos anos seguintes, a empresa aumentou seus investimentos na imagem global da marca, organizando lançamentos com top models internacionais e criando modelos em parceria com designers renomados. A partir de 2004 ênfase maior foi dada às questões de diferenciação e imagem no mercado internacional, à medida que se agravavam as condições ambientais. Era nesse contexto que Paulo Pedó considerava a adequação das estratégias seguidas pela empresa e os caminhos futuros que se colocavam à mesma. Considerando que a situação competitiva e cambial não se alteraria, que ações de marketing poderiam ainda ser conduzidas para acelerar e ampliar o alcance global da marca e expandir as esportações? A Empresa A marca Melissa era utilizada em uma linha de sandálias de plástico idealizada e produzida pela Grendene. Apesar de a Grendene ter criado em 1998 uma divisão para cuidar apenas da marca Melissa, as principais decisões eram tomadas na empresa mãe, a Grendene. Em 2009, a Grendene era um dos maiores fabricantes de calçados do país, com um faturamento de R$ 1.819,4 milhões, sendo R$ 1.464,4 milhões no mercado interno e R$ 355 milhões no mercado externo, e 165,7 milhões de pares vendidos em 2009. No primeiro semestre de 2010, a Grendene obteve participação de 40% no volume de pares das exportações brasileiras de calçados. A Grendene possuía tecnologia proprietária e exclusiva na produção de calçados. 2 Totalmente verticalizada, a partir de matrizaria e fábricas próprias, contava com uma logística de distribuição que atingia desde distribuidores a varejistas tradicionais e não tradicionais em todo o território brasileiro e no exterior. A empresa era detentora de marcas reconhecidas e de sucesso, como Melissa, Rider, Grendha, Ilhabela, Ipanema Gisele Bündchen, Ipanema, Grendene Kids e Grendene Baby. Em 2008 lançou a marca Zaxy, com produtos inspirados nas principais tendências de moda mundial. Além disso, atuava também por meio de licenciamentos de celebridades e personagens do universo infantojuvenil. Em 2010, a Grendene era totalmente integrada em suas seis unidades industriais, compostas por 12 fábricas de calçados, com capacidade instalada total de 200 milhões de pares/ano, além de uma matrizaria e uma fábrica de PVC para consumo próprio na produção de calçados. As unidades industriais estavam distribuídas da seguinte forma: Estado do Ceará, nas cidades de Sobral (1993), matriz (sede social) e maior planta, com seis fábricas de calçados e uma de PVC; Fortaleza (1990), duas fábricas de calçados e componentes de PVC; Crato (1997), uma fábrica de calçados e de componentes em EVA; Estado do Rio Grande do Sul, nas cidades de Farroupilha (1971), duas fábricas de calçados e sede administrativa; e Carlos Barbosa (1980), matrizaria; e Estado da Bahia, uma unidade na cidade de Teixeira de Freitas (2007). A empresa vendia seus produtos por meio de representantes comerciais, distribuidores, exportações diretas e via subsidiárias no exterior - Grendene USA Inc. (EUA) e Grendene Argentina S.A. (Argentina), atingindo cerca de 20 mil pontos-de-venda em mais de 90 países e 60 mil no mercado brasileiro, além de uma área de vendas separada e distribuição seletiva para a marca Melissa. Todo distribuidor da marca, em qualquer país do mundo, que comercializasse os produtos Grendene se comprometia a contribuir para ações de marketing em prol das marcas da empresa. Histórico da Empresa A Grendene foi fundada em 1971, produzindo telas para os garrafões de vinho produzidos na Serra Gaúcha, para substituir as peças feitas em vime. Por conta disso, foi a primeira empresa a utilizar a poliamida como matéria-prima para componentes de calçados. Em 1980 foi inaugurada a matrizaria localizada em Carlos Barbosa, no Estado do Rio Grande do Sul, para produzir matrizes próprias para a fabricação de calçados de plástico. Em 2009, a matrizaria da Grendene era a maior do mundo, detendo tecnologia proprietária desenvolvida para atender os tipos de produtos que produzia. No início da década de 1990, buscando melhorias na produção e redução de custos, a Grendene iniciou a transferência de sua produção para o Nordeste do Brasil. Em 1990, foi instalada em Fortaleza a primeira unidade fabril, no Estado do Ceará, que passou a se denominar Grendene do Nordeste S.A., com capacidade anual de produção de cinco milhões de pares. Em 1993 deu-se a inauguração da fábrica em Sobral, também no Estado do Ceará, que passou a se denominar Grendene Sobral S.A. Benefícios fiscais, menor custo de mão-de-obra e localização estratégica para acesso ao mercado internacional motivaram a transferência das operações fabris, até então localizadas em Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Dando continuidade à estratégia de 3 transferência da fabricação para o Nordeste, em 1997 deu-se o início das operações da terceira unidade localizada no Ceará, no município de Crato, como Indústria de Calçados Grendene Ltda., com capacidade de produção de 12 milhões de pares anuais de produtos de EVA (Estireno Vinil Acetato). Em 2007, mais uma unidade industrial, a MHL Calçados Ltda. foi inaugurada na cidade de Teixeira de Freitas, no Estado da Bahia. Em 2001, a empresa promoveu uma reestruturação societária, com a incorporação da Indústria de Calçados Grendene Ltda. pela Grendene Calçados S.A. Em 2003 ocorreu outra mudança societária, quando a Grendene Calçados S.A. foi incorporada à Grendene S.A., como parte da preparação da abertura de capital da empresa. A companhia passou de holding para uma sociedade operacional, com apenas uma subsidiária integral, a Saddle Corporation, baseada no Uruguai, que controlava duas subsidiárias integrais: Grendha Shoes, nos Estados Unidos, e Saddle Calzados, na Argentina. Em seguida, a Grendene promoveu a abertura do capital em 29 de outubro de 2003, que passou a ter ações ordinárias negociadas no Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo. Em 2005 ocorreu nova reestruturação societária com a Saddle Corporation e Saddle Calzados passando a subsidiárias diretas da Grendene S.A. Em 2009 a Grendene superou a marca histórica de 150 milhões de pares produzidos inteiramente no Brasil ao mesmo tempo em que a marca Melissa comemorava 30 anos de vida. A Marca Melissa Foi pela observação das sandálias de tiras dos pescadores da Riviera Francesa, que Pedro Grendene Bartelle teve, em 1979, a ideia que daria à empresa um de seus principais produtos e marcas: a sandália Melissa Aranha. Nesse mesmo ano, a Grendene inaugurou o merchandising de calçados nas telenovelas da Rede Globo, de grande audiência no Brasil: a partir dos pés de Júlia, personagem vivida pela atriz Sônia Braga, ícone do cinema brasileiro, na novela Dancing Days, a sandália Melissa se tornou conhecida no mercado brasileiro, passando, de um simples calçado de plástico injetado, a um símbolo de moda. Esta primeira ação de marketing da empresa estabeleceu a diferenciação da marca no mercado brasileiro. A sandália Melissa foi introduzida no mercado externo em 1983, utilizando-se, para os modelos da marca o trabalho de grandes designers internacionais como Jean-Paul Gaultier, Thierry Mugler, Jacqueline Jacobson e Elisabeth De Seneville. Graças a essa estratégia, a sandália Melissa obteve boa penetração no mercado internacional, sendo nas vitrines de várias lojas famosas. Em outubro de 1983, as coleções desenvolvidas por esses designers foram apresentadas em desfiles de prêt-à-porter de Paris, seguindo-se desfiles em São Paulo. A sandália Melissa passou a ser exportada para os principais mercados calçadistas do mundo, juntamente com a marca Karina, também da Grendene. Quatro anos depois, em 1987, ocorreu o início das exportações dos produtos da Grendene sob a marca Rider, que também foram conquistando espaço no mercado externo. Depois de alguns anos sem desenvolver novos modelos, em 1994 a Grendene revitalizou a marca Melissa, promovendo novos lançamentos. Em novembro, uma grande festa celebrou esta nova fase da sandália. Em 1996, foi contratada a top model Claudia Schiffer para desfilar com exclusividade os novos modelos da marca Melissa no Brasil, estrelando campanha promocional 4 em revistas e televisão, Essas ações reafirmaram a estratégia de uso de celebridades para promover a marca Melissa. Reafirmando a importância da marca Melissa dentro da Grendene, em 1998 foi criada uma divisão para cuidar especificamente da marca, marcando o início do trabalho de reposicionamento da marca Melissa. Toda a produção das sandálias Melissa se concentrava nas fábricas da Grendene localizadas no Nordeste do Brasil, onde eram produzidas a um custo mais baixo, enquanto que em Farroupilha, estado do Rio Grande do Sul, encontravam-se as unidades de desenvolvimento de produtos e tecnologia e uma fábrica piloto. Em 2009, a marca Melissa comemorou 30 anos de vida, com uma exposição de 30 pares históricos de seu acervo no SPFW, além de lançar novo modelo de sandália desenhada por JeanPaul Gaultier. Outra ação importante foi o lançamento de uma revista editada pela marca - a “Plastic Dreams” - com o plano de, em 2011, ser publicada em inglês com uma tiragem de 100 mil exemplares, para ser distribuída nos mercados internacionais. Em seus 30 anos de existência, forjou-se a personalidade da marca, que adquiriu um conceito diferenciado e voltado tanto para o mercado infantil como para o adulto, sendo esse último o mais importante. A produção se destinava tanto ao mercado doméstico quanto ao mercado internacional. A Melissa se tornara uma sandália feita de plástico que envolvia design e moda e que seguia as tendências de grandes centros como Nova York e Paris. A empresa posicionava a marca como uma experiência única, utilizando memória afetiva, estilo, feminilidade e até mesmo seu cheiro como parte de sua estratégia de marketing. Processo de Internacionalização da Marca Melissa A Grendene iniciou suas exportações em 1979, e já em 1984 estava presente nos principais mercados calçadistas do mundo com as marcas Melissa e Karina. Em 1983 foi a vez do processo de internacionalização da Melissa, em parceria com famosos estilistas do mundo da moda, como Jean-Paul Gaultier, Thierry Mugler, Jacqueline Jacobson e Elisabeth De Seneville. A marca deu o primeiro passo rumo ao mercado internacional, sendo comercializada em lojas reconhecidas no exterior. Após esses primeiro movimentos de marketing, que visavam posicionar a marca no mercado internacional, até 1994, no entanto, a Grendene se limitou a exportar a Melissa em seus modelos convencionais, usando distribuidores e representantes, não mantendo as parcerias com estilistas internacionais. No início dos anos 2000, novos esforços de marketing conduzidos pela empresa permitiram à marca Melissa ganhar novamente espaço no mundo da moda nacional e internacional. Em 2002, a Grendene patrocinou a São Paulo Fashion Week, colocando a Melissa com modelos de um estilista nacional, e, em 2003, lançou o slogan “Melissa, o plástico na sua forma mais sedutora” em campanha na qual bonecas de plástico passaram a ser seus novos modelos publicitários. Nesse mesmo ano, a Melissa ganhou design de Alexandre Herchcovitch, Sommer e Cavalera na São Paulo Fashion Week, iniciando a partir daí, o processo de distribuição no mundo da moda, passando a ser exposta em vitrines de lojas-conceito, como a Colette, em Paris, e a Dover Street Market, em Londres. 5 De 2004 em diante, iniciou-se um processo planejado de exportação da marca e desenvolvimento de sua imagem no exterior, avançando-se para além da simples exportação esporádica de modelos que faziam sucesso temporário. Essa mudança de estratégia permitiu a valorização do produto, que podia ser encontrado no exterior a pecos que variavam entre US$ 80 e U$ 90, sendo que alguns modelos podiam chegar a US$ 300. A empresa adotou um planejamento de vendas com distribuição em cidades influentes no mundo da moda. Assim foram escolhidas Tóquio, Londres, Paris, Milão e Nova York como foco para a comercialização dos modelos. Acreditava a direção da empresa que, com a aceitação da marca e do produto nesses mercados, a expansão para outros mercados estaria facilitada. A empresa também reforçou suas alianças com estilistas e intensificou sua presença em eventos mundiais de moda. Na comemoração de seus 25 anos, foi realizada uma exposição denominada Plasticorama, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e relançado o modelo Melissa Aranha (o primeiro modelo lançado pela marca). Neste mesmo ano, a Grendene fechou novas parcerias, com os irmãos Campana e lançou a Melissa com cristais Swarovski, de autoria da designer J. Maskrey. Uma publicação do Museu de Design de Londres em 2007 trazia três menções a modelos de sandálias brasileiros: duas eram modelos da marca Melissa. Um dos modelos era criação da estilista inglesa Vivian Westwood e o outro era assinado pela arquiteta e designer iraniana Zaha Hadid. A marca vinha ganhando espaços significativos em editoriais de publicações internacionais. Em 2007, a marca mereceu destaque no jornal The Washington Post, que apelidou a Melissa de “Brazilian Jelly Giant”. Em 2008 foi mencionada pelo também importante jornal International Herald Tribune, que dedicou meia página à marca, afirmando que os sapatos de plástico ditavam estilo. Foi neste mesmo ano que a marca Melissa lançou sua primeira campanha internacional com anúncios em revistas e um site exclusivo para mercados externos. A empresa também passou a anunciar em revistas de vanguarda, como a I-D e a Vogue Itália. Abandonou as feiras de calçados para expor apenas em feiras de design, como a White, de Milão, e a Tranoi, de Paris. Em novembro de 2008, a marca Melissa ocupou um estande na Bienal de Design de SaintÉtienne, na França. Em 2008, a Melissa exportava cerca de 20% de sua produção. Os produtos sob a marca Melissa já estavam presentes em mil pontos-de-venda em mais de 50 países, como Japão, Itália, França e Estados Unidos. O principal mercado era Tóquio, no Japão, onde o produto, segundo Pedó, em entrevista ao Jornal Valor de setembro de 2008, estava posicionado como um item de luxo. Mas Nova York, Paris e Milão também eram mercados importantes. Além disso, iniciaram-se as exportações para a Rússia, e foi inaugurado um distribuidor nos Emirados Árabes para atender o Oriente Médio. Na visão de Paulo Pedó Filho, gerente de operações da marca, a empresa já não se preocupava tanto com a valorização do real em relação ao dólar, já que a sandália se encontrava posicionada como um produto de design, de valor diferenciado. Em entrevista ao jornal Zero Hora, em novembro de 2010, ele observou: 6 “Nosso marketing internacional não é baseado em celebridades, é mais consistente do ponto de vista viral. Nosso produto não está voltado para as grandes massas como as Havaianas, então nosso marketing é mais voltado para a celebridade, desde que ela tenha identificação com a marca, que fale a mesma linguagem. Todas as capas da Plastic Dreams (revista da marca) são de personalidades famosas que já usaram a Melissa antes do contato da empresa.” A estratégia de marketing da Melissa no Brasil não era replicada no exterior, mas sofria algumas adaptações. Por exemplo, o grupo-alvo era distinto. posicionamento muda. Enquanto no Brasil o grupo-alvo principal eram meninas de 15 a 25 anos, em outros países as consumidoras eram mais maduras, até os 30 anos. A diferença resultava da própria estratégia de distribuição, que procurava inicialmente os melhores pontos-de-venda no exterior, para somente depois ampliar os canais. Raquel Scherer, coordenadora de marketing da Melissa, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em setembro de 2008, afirmou: "A consumidora lá fora é mais adulta, por isso nosso cuidado de não deixar uma conotação infantil. Exploramos o lado divertido, mas não é adolescente." Em 2010, as marcas Grendene atendiam o mercado externo por meio de exportações diretas, distribuidores e subsidiárias comercais no exterior, além da divisão especial da Melissa para exportação (distribuição seletiva). A marca Melissa tornou-se membro da Council of Fashion Designers of America (CFDA), pelo seu significativo volume de negócios nos Estados Unidos. Em um mercado competitivo como o dos EUA, os produtos da Melissa obtinham espaço especial em grandes lojas de prestígio como Bloomingdale's, Nordstrom, Robinson May, Journey's e Dillard's. Os principais países para os quais eram vendidos seus produtos eram Estados Unidos, Paraguai, México e Argentina. A Grendene contava com cerca de 60.000 pontos de vendas no Brasil e 20.000 no exterior. Seguem-se dados sobre as exportações da Grendene. Dados sobre a exportação da Grendene: Números de Exportação Mais de 90 países Ano Volume de Exportações R$ (milhões) Pares (milhões) 2007 294,3 40,1 2008 355,6 47,8 2009 355,0 48,3 7 Perspectivas Futuras O gerente de operações da marca, Paulo Pedó Filho, considerava significativos os avanços obtidos, mas ainda não estava satisfeito. Era necessário reconsiderar as ações de marketing empreendidas internacionalmente, de modo a aumentar a diferenciação e a exposição da marca. Ele tinha plena consciência de que novas ações seriam necessárias para proteger a marca de incursões de imitadores. Até o momento, os imitadores chineses tinham tido pouco sucesso em se apropriar do brand equity da Melissa, graças à estratégia adotada. Ele observou em entrevista ao jornal Zero Hora: “A cópia chinesa ... é vendida na China a US$ 3 e a original a US$ 80. Por quê? Porque estamos nos melhores pontos de venda. As pessoas que compram na Lafayette não estão buscando só o produto, mas esse valor internacional.” Deveria a Melissa manter o posicionamento apenas como sandália de moda, garantindo seu valor alto, ou seria conveniente investir também no mercado de massa, buscando aumento de receita? A empresa deveria lançar uma marca de combate no segmento de preço médio-baixo? NOTAS DE ENSINO Este caso de ensino ilustra o esforço bem-sucedido de uma empresa calçadista brasileira em criar uma marca internacional, que permite à empresa cobrar um preço Premium em relação a seus concorrentes. O caso apresenta os esforços realizados pela empresa para construir diferenciação de marca e expõe os desafios futuros a que a marca se encontra exposta. Objetivos de Ensino O caso atende aos seguintes objetivos de ensino: proporcionar compreensão de como se dá o processo de internacionalização de uma empresa da indústria de calçados brasileira; estimular a reflexão sobre os principais desafios enfrentados pelos gerentes de marca na consolidação do posicionamento de um produto em mercados externos; desenvolver a capacidade de avaliar diversas opções que se apresentam no desenvolvimento de uma estratégia de marketing para lançamento de uma marca no mercado internacional. Possíveis questões a serem colocados para discussão do caso incluem: Quais foram as principais ações estratégicas da Melissa ao iniciar a internacionalização da marca? Quais os aspectos positivos e os negativos dessas ações? 8 O quanto a variação cambial pode afetar a estratégia para a marca Melissa? Alguma outra estratégia poderia ter melhor defesa com relação às variações cambiais? Quais os riscos de imitadores asiáticos destruírem o valor da marca? É possível manter a diferenciação até agora construída? Que alternativas se colocam à empresa na gestão internacional da marca Melissa? Qual a sua recomendação? Análise do Caso O processo inicial de internacionalização da Grendene, e mais especificamente o caso da Melissa, parece ter acontecido como um movimento natural da indústria na qual a empresa está inserida. Desde as décadas de 1970 e 1980 que a indústria calçadista brasileira teve que trilhar os caminhos da exportação para garantir sua sobrevivência. Devido à abertura do mercado, concorrentes internacionais chegavam ao Brasil, fator esse que, aliado às fortes variações cambiais, incentivaram a implantação de estratégias de internacionalização, vistas como forma de reduzir risco. Mas esse processo, sem uma estratégia clara de posicionamento e distribuição de suas marcas, aliado ao constante vai e vem do câmbio em relação à moeda brasileira, acabou enfraquecendo as vendas da Melissa através de exportação. Só quando a empresa efetivamente traçou um modelo de internacionalização, com o mapeamento preciso das cidades onde lançariam o produto, e dos pontos de distribuição, é que a marca Melissa conseguiu sobressair no mercado internacional. É parte da história da Grendene a contratação de grandes nomes nacionais e internacionais para impulsionar suas marcas. Campanhas memoráveis foram lançadas usando figuras de renome como Sharon Stone, Claudia Schiffer, Gisele Bündchen, Adriane Galisteu, Gustavo Kuerten (Guga), Ivete Sangalo, Xuxa, Roberto Carlos, Fernanda Lima, Dean Cain, Terry Hatcher, Patrick Cox, Jean Paul Gaultier, StephaneKelian, TierryMugler e Alexandre Herchcovitch. Além disso, a Grendene estende sua estratégia de marketing usando seus distribuidores. No mundo inteiro, cada distribuidor que trabalha com os produtos Grendene se compromete a destinar um percentual de seu lucro para ações de marketing. Isso garante visibilidade para a marca e a presença dos produtos em programas de TV, desfiles, mídia espontânea em editoriais de revistas, eventos de moda e de esporte, além das tradicionais mídias de massa. Apesar de o foco deste caso ser a Melissa, vale ressaltar o processo de internacionalização da Grendene. Ela começa exportando para países na América (Argentina, Uruguai, Estados Unidos) e progride para subsidiárias nos mesmos três países. Ela se enquadra no conceito de distância psíquica, escolhendo países mais próximos do Brasil. 9 Dentro da estratégia de marketing usada pela Melissa em sua internacionalização, encontramos várias ações que são utilizadas para comunicar e disseminar a marca pelo mundo. A Melissa, além do uso de personalidades e parcerias com estilistas mundialmente reconhecidos, também faz presença nas principais cidades e feiras de moda mundiais, e sua comercialização se dá apenas em lojas de renome. Faz parte da estratégia de posicionamento da marca estar em lojas referência no mundo inteiro, que agregam valor ao conceito da marca. O consumidor quando compra uma Melissa lá fora, busca justamente este valor internacional. Isso tudo permite com queuma sandália Melissa no exterior possa variar de 80 a 300 dólares. Como aspecto negativo, pode-se salientar a decisão de se ter a produção da Melissa toda feita nas fábricas do Brasil. Embora os preços da Melissa no mercado internacional cobrissem com folga seus custos, a Grendene poderia pensar em produzir as sandálias em locais mais baratos e com menores taxas de exportação. Seria uma forma de diminuir os impactos das variações cambiais, que afetam os planos das empresas exportadoras brasileiras. É possível que o lançamento de uma ou até mais marcas de combate seja interessante, mas para tal seria necessário que a empresa dispusesse de instalações em países de produção de baixo custo, como India ou Tailândia. Metodologia Este caso foi elaborado a partir de fontes secundárias. As principais fontes são listadas a seguir: Grendene. Site institucional. Disponível em: <http://grendene.com.b>. Acesso em 11 dez. 2010. Relatório da administração da Grendene – 2010. Acesso em agosto/2011http://ri.grendene.com.br/port/download/relatorio/Relatorio_Administracao_2010.pdf Sites: http://dani-maggioni.blogspot.com/2010/07/tudo-sobre-marca-melissa.html; http://www.melissa.com.br/tudomelissa/index.php?secao=historico_ano; O Estadão - entrevista com Rachel Scherer – setembro de 2008; Jornal Zero Hora- entrevista com Paulo Pedó Filho. Acesso em dezembro de 2010 http://www.melissa.com.br/blog/pt/arquivo/2010/11/deu-melissa-no-zero-hora; Jornal Valor – reportagens analisadas no período de 2005 a 2009 Bibliografia Recomendada AAKER, D. Construindo marcas fortes. Porto Alegre: 2007. AAKER, J. Dimensions of brand personality. Journal of Marketing Research, v. 34, n.3, p. 347-356, 1997. AAKER, J. L. e BENET-MARTÍNEZ, V. Consumption Symbols as Carriers of Culture: A Study of Japanese and Spanish Brand Personality Constructs. Journal of Personality and Social Psychology, v. 81, n. 3, p. 492-508, 2001. 10 JOHANSON, Jan; VAHLNE, Jan-Erik. The Mechanism of Internationalisation. International Marketing Review, v.7, n.4, p.11-24, 1990. JOHANSON, Jan; VAHLNE, Jan-Erik. The internationalization process of the firm: a model of knowledge and increasing foreign market commitment. Journal of International Business Studies, v.8, n.1, p.23-32, 1977. JOHANSON, Jan; WIEDERSHEIM-PAUL, Finn. The internationalization of the firm - Four Swedish cases. Journal of Management Studies, v.12, n.3, p.305-322, 1975. KAPFERER, J. As marcas, capital da empresa: criar e desenvolver marcas fortes. Porto Alegre: Bookman, 2003. ROCHA, Angela da. As novas fronteiras: a multinacionalização das empresas brasileiras. Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2003. SILVA, Jorge F. da; ROCHA, Angela da; CARNEIRO, Jorge. The international expansion of firms from emerging markets: toward a typology of Brazilian MNEs. Latin American Business Review, v.10, n.2, p.95-115, 2009. 11