Lazer Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (3), pp. 4–6 É tempo de caminhar, mas com algumas precauções Dr. Basil Ribeiro Medicina Desportiva – Clínica Médica da Foz, Porto; Centro Hospitalar de V N Gaia Os dias mais longos, mais quentes e menos chuvosos apelam às caminhadas na praia ou depois do jantar. Sendo um exercício de baixo impacto no sistema músculo-esquelético e com estimulação cardiovascular não muito intensa, a marcha pode ser praticada por quase toda a população. Existem algumas exceções, como sejam a presença de pé diabético, perturbações do equilíbrio, obesidade excessiva, disfunção do sistema nervoso autónomo, mas, de um modo geral, é um tipo de exercício seguro. Para ter efeito importa respeitar algumas regras de prescrição. O exercício físico em geral, e a marcha aqui em particular, é como um medicamento: é preciso escrever na receita o tipo, o modo, a intensidade, a duração, a frequência, a progressão, os efeitos laterais, as complicações, os cuidados paralelos, etc. As regras de prescrição já foram definidas1,2. Se o objetivo é melhorar a condição física e diminuir os fatores de risco de doença cardiovascular recomenda-se a realização de 150 minutos por semana de marcha com a intensidade entre 40 e 59% da frequência cardíaca máxima de reserva. M(FCMr). As cargas mais baixas são destinadas aos mais fisicamente descondicionados. Porque a sua medição pode ser complexa ou inoportuna, então o melhor é prescrever através da Escala de perceção do esforço de Borg, que varia entre 6 e 20. A intensidade correspondente a sensação do esforço entre 12–14 é considerada moderada, a adequada. Deve ser efetuada no mínimo em 3 dias/semana1,2 ou entre 3–7 dias/semana2 e não deve haver mais de 2 dias sem exercício físico. Quando o tempo não é muito, e na ausência de contraindicações músculo-esqueléticas ou cardiovasculares, a receita pode ser mudada para 90 minutos de exercício/semana, com intensidade superior (60 a 84% da FCMr ou 14–18 na Escala de Borg). Quando o objetivo é prevenir o aumento de peso é necessário aumentar a duração para 150 a 250 minutos/semana e se pretende perder peso e prevenir o reganho do peso entretanto perdido (gordura) a duração deve ser superior a 250 minutos/semana3. Outra modalidade de intensidade é fazer o que os atletas chamam de “treino intervalado”, em que períodos curtos de intensidade intensa (10’, p. ex.) alternam com períodos de intensidade moderada (20’, p. ex.), ou alternar a intensidade nos dias da semana: 2 dias por semana caminha 30’ moderadamente e em outros dois 2 dias faz jogging (20’), intensidade mais intensa4. … e se vai caminhar ao Sol… … o equipamento é importante. A exposição ao Sol tem dois potenciais problemas relacionados com a radiação infravermelha (IV) e a ultravioleta (UV): a 1.ª aquece o corpo e a 2.ª danifica, envelhece e pode desenvolver o cancro cutâneo. O calor da radiação solar (direta e indireta) e o produzido pelo metabolismo na fibra muscular podem causar hipertermia, com consequências médicas e no rendimento se não houver dissipação adequada deste calor. A cor da camisola é importante. As cores claras refletem os raios IV e são importantes para a prevenção da hipertermia, mas permitem a passagem dos raios UV, os quais são cancerígenos. Pelo contrário, as cores claras protegem melhor da radiação UV, mas permitem a passagem dos raios IV e, agora, o corpo aquecerá mais e obrigá-lo-á a desencadear os mecanismos de perda calorífica5. A Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo (APCC) tem vindo a chamar a atenção para a relação exposição solar/cancro cutâneo. Um dos seus panfletos indica alguns comportamentos preventivos e que agora se relembram: ·u tilização regular do protetor solar, com fator de proteção superior a 30 e utilizado a cada 2 horas de exposição ·p rocurar a sombra e não se expor ao Sol nas horas de maior calor ·p roteger a pele com chapéu, t-shirt e óculos de Sol ·e xposição progressiva da pele ao Sol, para criar habituação. Não esquecer a hidratação … O modo mais eficaz para o controlo da temperatura corporal é o processo de sudação-evaporação, o que significa que é necessário 4 · Maio 2013 www.revdesportiva.pt Caminhar com pesos nos tornozelos Caminhar constitui um excelente modo de exercício físico, para além de ser uma atividade física fundamental na vida quotidiana. Qualquer pessoa a pode praticar, não exige horários fixos, é barata e o equipamento resume-se a um bom (almofadado) par de sapatilhas e alguma vontade. É um exercício aeróbio que praticamente não tem contraindicações. Existe, contudo, vontade de aumentar a carga externa no sentido de tornar a caminhada mais difícil e assim colher mais benefícios para a saúde. A colocação de pesos em torno dos tornozelos tem sido considerada, mas importa saber se tal é benéfico. A marcha é definida pelo comprimento e pela velocidade da passada. Em condições normais, existe harmonia e a eficiência mecânica é superior. A colocação de pesos nos tornozelos vai alterar toda a biomecânica, com alteração do centro de gravidade corporal e da cadência da marcha. Diz-se que o corpo humano não está feito para transportar pesos nos tornozelos e que tal altera toda a dinâmica da marcha, para além de potenciar o aparecimento de lesões ao criar esforço adicional sobre as articulações e músculos, pois é preciso aumentar o controlo sobre o movimento alterado pela colocação de pesos na extremidade inferior das pernas. Certamente que se queimarão mais calorias, mas também se aumenta a probabilidade de lesão, pelo que não vale a pena inventar. A biomecânica é algo escondido que vive dentro de nós, que é importante para o bem, mas também pode ser responsável pela lesão. Não nos metamos com ela. Se se pretende aumentar a intensidade da marcha, então poder-se-á optar por aumentar a velocidade por curtos períodos (entre 2 ou 3 postes de iluminação, por exemplo), que é o treino intervalado dos atletas ou, nos fisicamente mais ativos fazer curtos períodos de corrida, aos quais se segue a marcha normal. http://www.daveywaveyfitness. com/wp-content/uploads/2010/ 11/ankleweights.jpg 6 · Maio 2013 www.revdesportiva.pt suar (perda de água e de sal/sódio) e depois essa água deve ser evaporada. Toda aquela que cai no chão ou é limpa pela toalha é ineficaz para este processo, pelo que é um grande desperdício de recursos hídricos. Importa, então, reidratar ao longo da caminhada ou de outro exercício ou desporto mais intensos. Para além da água perde-se também sódio, o qual é fundamental para a hidratação e retenção de água pelo corpo 6. O “branco” que se nota na t-shirt escura é sal e assim se avalia a pessoa grande perdedora de sal na sudação. É suposto que antes da caminhada o sujeito esteja bem hidratado, com produção de urina amarelo claro, com o peso corporal habitual e que, depois, ao longo do exercício vá bebendo cada 15-20 minutos 150-200 ml de líquidos de acordo com as condições ambientais e com a taxa de sudação. A utilização de algum sal na bebida ajuda à retenção de água no corpo. O magnésio também é importante. A bebida desportiva é assim uma boa companhia para a caminhada … e escolher bem o calçado A regra é simples: escolher calçado bem almofadado para absorver a energia proveniente da força de reação do solo aquando da passada. Esta energia terá de absorvida pelo corpo, começando pelo pé e terminando na coluna vertebral, depois de passar pelo joelho e pela anca. A passada provoca uma força de reação igual ao peso do corpo o que representa algumas toneladas no final de uma longa caminhada. Mas se for em corrida, esta força de reação pode ser cerca de 2,5 vezes o peso do corpo, o que aumenta grandemente a quantidade de energia a absorver pelo organismo. Contudo, e no entretanto, as cartilagens articulares vão sofrendo e as dores nos ossos (cabeça dos metatarsianos e calcâneo) vão aparecendo. Importa, então, escolher bem as sapatilhas ou colocar palmilhas amortecedoras dentro dos sapatos de salto baixo. Já agora, os obesos e os portadores de artroses nos joelhos ou nas ancas devem ser muito aconselhados em relação à indicação para a realização de caminhadas, pois poderá haver benefícios cardiovasculares, mas à custa de grande sofrimento articular. Conclusão É importante caminhar por razões cardiovasculares, de controlo de peso e também de outras não mencionadas neste texto. Contudo, a caminhada deve ser feita com duração e intensidades adequadas, num estado de hidratação correta, com calçado amortecedor e com proteção solar. A vigilância médica não é necessária na maioria das pessoas, mas nos diabéticos, nos portadores de fatores de risco cardiovascular e nos obesos é conveniente alguma ajuda médica. Calçar e vestir bem, e hidratar melhor, são os cuidados que mais se recomendam. Bibliografia 1. Colberg, S. R. et al. Exercise and type 2 diabetes: the American College of Sports Medicine and the American Diabetes Association: Joint position statement. Diabetes Care. 2010:33(12), pp 47-67. 2. Marwick, T. H. et al. Exercise training for type 2 diabetes mellitus: impact on cardiovascular risk: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2009:119(25) pp 3244-62. 3. Donnelly, J. E. et al. 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