Arturo Paoli, profeta latino-americano Marcelo Barros Arturo partiu. Para quem o conhecia e o encontrava de vez em quando, sempre surpreendia ver a sua energia de vida, a incrível lucidez pessoal e uma visão crítica da sociedade que só podia existir em alguém muito bem informado e antenado com o que ocorria no país e no mundo. A primeira vez que encontrei Arturo foi em Olinda, junto com Dom Helder Camara. Já se completaram 50 anos. Dom Helder ia para a última sessão do Concilio – em outubro de 1965 e Arturo passava por Recife para participar de um encontro de religiosos/as que tinham um projeto de inserção no meio dos pobres. A primeira pessoa que me falou dele foi um velho monge do mosteiro beneditino e falou negativamente: - É um religioso subversivo e inquieto que, se pudesse, não deixaria uma estrutura de pé... Aquela palavra me atiçou mais ainda a vontade de conhecê-lo e aprender dele essa capacidade de falar de tal forma que a palavra se tornasse arma de construção e de destruição, como Deus prometeu ao profeta Jeremias. Até hoje, as comunidades eclesiais de base da América Latina continuam a profetizar cantando a palavra de Deus na vocação do profeta: “Antes que te formasse dentro do seio de tua mãe... eu te chamei para arrancar e derrubar, para construir e para destruir (Cf. Jr 1, 15- 16). Naquele momento, Arturo já havia sido praticamente expulso da Itália pela estrutura eclesiástica rígida de Pio XII. Já havia vivido treze anos na Argentina, até ser expulso pelos ditadores da época, depois na Venezuela e estava de volta ao Brasil... Se na época do Nazismo, ele acolhia e ajudava os judeus a salvarem sua vida – por isso, recebeu o título de “justo entre as nações” - , nos anos 60 na América Latina, escolhia viver com os pobres do continente e sofrendo os riscos que os mesmos sofriam sob repressivas ditaduras. Em 1965, conheci Arturo junto com Dom Helder que decidia habitar na Igreja das Fronteiras. Escutei-o proferir o seu discurso vibrante e envolvente. E naquele momento, não me passou pela mente que ele fosse italiano. Para mim era um profeta latino-americano que pedia à Igreja que se encarnasse em meio aos pobres de nossos países. A partir daquele momento, de vez em quando, tinha notícias dele, ou o encontrava. Sei que ele viveu no Paraguai, no Rio Grande do Sul. Sempre que era expulso daqui e dali, por ditadores do mundo político ou da própria Igreja, (bispos autoritários que o expulsavam de suas dioceses), ele cumpria o evangelho. Sacudia a poeira dos pés e se fixava em um novo lugar. Assim, nos anos 80, depois de um tempo em Novo Hamburgo, se fixou em Foz do Iguaçu, fronteira de três países, Brasil, Paraguai e Argentina. Ali viveu no Brasil suas últimas décadas de vida até quase completar cem anos, quando se mudou definitivamente para Lucca na Itália. Desde os anos 80, pude viver uma real amizade com esse profeta latino-americano, teólogo e espiritual da libertação. Antes mesmo que Gustavo Gutierrez desse a seu livro fundamental o título de “Teologia da Libertação” e que essa teologia se espalhasse pelo continente, Arturo escreveu muitos livros sobre a relação entre fé e política e entre a espiritualidade e o compromisso de solidariedade aos mais empobrecidos. No entanto, ele desenvolveu e expressou essa teologia no contato direto e no trabalho com os mais pobres. Em geral, as pessoas são mais abertas e joviais nos tempos da juventude. Com o peso dos anos, vão incorporando a seriedade da vida. Conheci alguns profetas que não seguiram esse itinerário. Como na ficção do filme norte-americano sobre Benjamin Button, o homem que nasceu velho e morreu criança, homens como Dom Helder Camara e Arturo Paoli, à medida que foram avançando na idade, se tornaram mais abertos. Souberam envelhecer sem se tornarem velhos. Até o ponto em que o corpo permitiu, Arturo tinha sempre para todos um sorriso de criança e uma jovialidade que contagiava. Pela graça divina, tive a oportunidade de conviver com alguns profetas e profetizas de Deus – cada um com seu carisma profético em determinados pontos ou dimensões da vida – um no plano da defesa dos lavradores – outro na luta pelos direitos humanos – esse no esforço de converter a Igreja ao Evangelho – essa na luta pela igualdade de direito das mulheres no mundo e na comunidade eclesial. Arturo viveu a sua profecia na sabedoria do convívio humano, na proposta de uma amorosidade que ele aprofundava a partir do evangelho de Jesus. Ele lhe dava um revestimento filosófico e teórico com o conhecimento profundo da filosofia judaica de Emmanuel Levinas. Mas, para as pessoas simples que, no dia a dia, o procuravam para escutá-lo, para pedir um conselho e para serem por ele animados/as no caminho da vida, ele era mais do que tudo o irmão e mestre da convivência humana. Para mim e para todos os que seguem no caminho da inserção de uma Igreja no meio do povo da América Latina, Arturo vai para o céu com os títulos de “doutor da Igreja dos pobres” e profeta latino-americano da subversiva ternura divina. Que no céu, ele interceda por nós e continue a abalar as estruturas rígidas de uma Igreja que deve ser peregrina e nômade nos caminhos do povo de Deus.