LEGISLATIVO PARA QUEM? UMA ANÁLISE DOS FATORES REAIS
DO PODER NO BRASIL DO SÉCULO XXI
Gabriel Oliveira de Aguiar Borges
Sumário: 1 Introdução; 2 Os fatores reais de poder no Brasil contemporâneo; 2.1 O Poder
Executivo e os partidários do seu chefe; 2.2. A alta burguesia; 2.3 Os banqueiros; 2.4 A
pequena burguesia e a classe operária; 2.5 A consciência coletiva e a cultura geral; 3
Conclusão.
Resumo: Ferdinand Lassalle, na obra A Essência da Constituição, buscou demonstrar para a
população que a Constituição não pode ser escrita segundo a vontade e os interesses do
legislador, mas deve levar em conta os fatores reais do poder que regem em um país. Esses
fatores reais do poder são os grupos sociais que exercem dominação no panorama
sociopolítico do território onde aquela Carta Magna vai ter supremacia. O que se nota hoje é
que Lassalle estava correto em sua teoria, pois, ainda nos tempos de hoje, não se pode
promulgar uma Lei Maior – ou mesmo leis infraconstitucionais – sem considerar o interesse
dos fatores reais do poder. O presente trabalho almeja realizar uma análise do panorama
político e social do Brasil contemporâneo para entender quais são, atualmente, os fatores reais
do poder neste país.
Palavras-chave: Ferdinand Lassalle. Fatores reais do poder. Brasil contemporâneo.
1 Introdução
Não se pode falar em Constituição ou em legislação infraconstitucional sem
considerar, também, as relações de poder existentes na sociedade, haja vista que é o poder que
leva às leis. É incontestável que, em toda sociedade, há poder em todos os elementos. “Não
existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados”
(MACHADO, 1996, p. XIV).
Ferdinand Lassalle estudou a influência do poder na Constituição, afirmando que esta
se encontra submetida à vontade daqueles grupos sociais que ele chamou de “fatores reais do
poder”, na obra “A Essência da Constituição”. Os fatores reais do poder que atuam no seio de
cada sociedade são uma força eficaz e ativa que mostra, às instituições jurídicas e leis
vigentes, como elas devem ser, não podendo, substancialmente, ser diferentes da forma como
são. “Esta é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do
poder que regem em uma nação” (2009, p. 20).
Contudo, a definição da palavra poder é, em certa medida, abstrata. Isto se dá pelo fato
de poucas pessoas terem se empenhado em sua descrição:
Não vejo quem – na direita ou na esquerda – poderia ter colocado este problema do
poder. Pela direita, estava somente colocado em termos de constituição, de
soberania, etc., portanto em termos jurídicos; e, pelo marxismo, em termos de
aparelho do Estado. Ninguém se preocupava com a forma como ele se exercia
concretamente e em detalhe, com sua especificidade, suas técnicas e suas táticas.
Contentava-se em denunciá-lo no „outro , no adversário, de uma maneira ao
mesmo tempo polêmica e global: o poder no socialismo soviético era chamado por
seus adversários de totalitarismo; no capitalismo ocidental, era denunciado pelos
marxistas como dominação de classe; mas a mecânica do poder nunca era analisada
(FOUCAULT, 1996, p. 6).
Não obstante o conceito de poder não ter um aspecto dado como certo, certo é que ele
está presente na sociedade, na medida em que influencia no próprio ordenamento jurídico de
qualquer nação. Lassalle diz que os fatores reais do poder são: a monarquia, na medida em
que o exército e os canhões obedecem ao rei; uma nobreza influente e bem-vista pelo rei e sua
corte, pois sua influência garante-lhes apoio bélico para seus fins; os grandes industriais, uma
vez que eles podem fechar suas fábricas, despedindo seus operários, paralisando o comércio e
a indústria, fechando, indiretamente, as oficinas de um grande número de pequenos industriais
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e deixando uma multidão de homens sem trabalho e na pobreza; os banqueiros, pois o
governo pode vir a precisar de muito dinheiro em pouco tempo, recorrendo a eles, dando-lhes
títulos da dívida pública; a consciência coletiva e a cultura geral da nação, visto que não se
pode, arbitrariamente, promulgar uma lei que vá contra os valores morais da nação; o povo
como um todo, uma vez que não se pode, simplesmente, suprimir liberdades pessoais sem que
o povo vá às ruas protestar, gerando uma resistência invencível, o que resulta no fato de todo
o povo de um país ser parte integrante da Constituição.
Lassalle, no entanto, foi duramente contestado por alguns teóricos do direito, como foi
o caso do alemão Konrad Hesse, que afirma que, se os fatores reais do poder forem
entendidos como a Constituição real e esta se fizer mais eficaz do que a que foi positivada,
[...] o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa,
cumprindo-lhe tão-somente a miserável função – indigna de qualquer ciência – de
justificar as relações de poder dominantes. Se a Ciência da Constituição adota essa
tese e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a sua
descaracterização como ciência normativa, operando-se a sua conversão numa
simples ciência do ser. Não haveria mais como diferençá-la da Sociologia ou da
Ciência Política (HESSE, 1991, p. 11).
Por isso, defende que a Constituição pode se transformar em força ativa na medida em
que existir uma disposição de orientar a própria conduta segundo o que for estabelecido por
ela, se se fizerem presentes, na consciência coletiva, a vontade de poder (Wille zurMacht) e a
vontade de Constituição (Wille zurVerfassung), que
Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa
inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside,
igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma
ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante
processo de legitimação). Assenta-se também na consciência de que, ao contrário do
que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o
concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de
atos de vontade (HESSE, 1991, p. 19-20).
Ademais, Hesse também fala que toda Constituição possui uma pretensão de eficácia,
que se associa às condições de sua realização enquanto elemento autônomo. “Graças à
pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade
política e social.” (1991, p. 15).
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Por isso, no presente trabalho, não se tratará os fatores reais do poder como a
Constituição real do país. Aqui, entendemos que eles têm influência na legislação
infraconstitucional, devido à força normativa da Constituição.
Não obstante, Ferdinand Lassalle escreveu sua obra na Prússia do século XIX e,
embora sua teoria seja atemporal, para adequá-la às condições sociais do Brasil do século
XXI, é necessário que se faça uma mudança quanto aos fatores reais do poder presentes
atualmente nesse país, pois a sociedade brasileira atual é profundamente diferente daquela em
que Lassalle viveu.
2 Os fatores reais de poder no Brasil contemporâneo
Atualmente, no Brasil, os fatores reais do poder são: o Poder Executivo e os
partidários de seu chefe, a alta burguesia, os banqueiros, a pequena burguesia e a classe
operária, a consciência coletiva e a cultura geral, sendo essas duas as constituintes do direito
pressuposto.
2.1 O Poder Executivo e os partidários do seu chefe
O art. 76 da Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabelece que, no Brasil, o Poder
Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. O
Presidente exerce tanto a função de Chefe de Estado quanto de Chefe de Governo, havendo
uma hipertrofia do Poder Executivo na figura do presidente.
A CF/88, por meio do art. 84, estabelece as competências privativas do Presidente da
República, dentre as quais se encontram atribuições muito importantes no aparato estatal do
país, tais como nomear os Ministros de Estado, o Advogado-Geral da União, o Procurador
Geral da República, chefiar as forças armadas, sancionar projetos de lei – ou vetá-los, total ou
parcialmente –, dentre outras atribuições de suma importância para o funcionamento da
máquina do Estado.
Além de ter todas essas competências, o Presidente da República tem a
irresponsabilidade penal relativa.
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Assim, as infrações penais praticadas antes do início do mandato ou durante a sua
vigência, porém sem qualquer relação com a função presidencial (ou seja, não
praticadas in officioou propterofficium), não poderão ser objeto da persecutio
criminis, que ficará, provisoriamente, inibida, acarretando, logicamente, a
suspensão do curso da prescrição. Trata-se da irresponsabilidade penal relativa,
pois a imunidade só abrange ilícitos penais praticados antes do mandato, ou durante,
sem relação funcional (LENZA, 2011, p. 609). (grifos do autor)
Dessa forma, o Presidente da República, chefe do Poder Executivo, é, no Brasil, um
fator real do poder. O mesmo acontece com seus partidários e membros de suas coligações,
pois, além de eles terem influência em suas decisões, eles são mais propensos a serem
nomeados Ministros de Estado e outros cargos públicos do alto escalão.
2.2 A alta burguesia
É nas mãos da alta burguesia que estão as principais indústrias e empresas, e são estas
as companhias que mais empregam pessoas, não podendo, pois, ser promulgada uma lei que a
contrarie em qualquer maneira, seja dando maiores benefícios à classe trabalhadora, seja
aumentando os impostos para os grandes industriais e empresários, ou de qualquer outra
forma que vá contra os interesses da classe dominante.
Lassalle fez sua própria teoria sobre o que aconteceria se o ordenamento jurídico
fizesse determinações que vão de encontro aos interesses da burguesia:
Aconteceria que os senhores industriais, os grandes industriais de tecidos, os
fabricantes de sedas etc. fechariam as suas fábricas, despedindo os seus operários; e
até as companhias de estradas de ferro seriam obrigadas a agir da mesma forma. O
comércio e a indústria ficariam paralisados, grande número de pequenos industriais
seriam obrigados a fechar suas oficinas e esta multidão de homens sem trabalho
sairia à praça pública pedindo, exigindo pão e trabalho. Atrás dela, a grande
burguesia, animando-a com a sua influência e seu prestígio, sustentando-a com o seu
dinheiro, viria fatalmente à luta, na qual o triunfo não seria certamente das armas
(2009, p. 16-17).
Se todas as principais empresas do Brasil fechassem as portas, milhões de pessoas
iriam, simultaneamente, recorrer à previdência, clamando por seguro-desemprego, Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço e outros benefícios, aumentando, ainda mais, as filas,
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causando lentidão no serviço, crescendo a revolta popular contra o governo e inchando, talvez
até mesmo quebrando, a máquina previdenciária brasileira.
Ademais,
o
sistema
tributário
brasileiro
acaba
favorecendo,
embora
inconstitucionalmente, a burguesia em detrimento dos proletariados:
Em 1995, o limite da isenção da tabela do IR era equivalente a 10,48 salários
mínimos. A falta de correção da tabela acabou transformando trabalhadores com
renda acima de 3,9 salários mínimos em contribuintes do IR, ferindo o princípio da
capacidade contributiva estabelecido na Constituição Federal. Além disso, os
assalariados pagam em tributos diretos proporcionalmente o dobro do que pagam os
empregadores (SALVADOR, 2007, p. 84).
Além disso, o sistema penal, não só no Brasil, mas no mundo todo, é, em grande parte,
voltado para legitimar a dominação da burguesia sobre os proletariados e ainda inculcar, entre
os proletariados, a opinião de que a condição deles é a melhor:
Ora, creio que a justiça como aparelho de Estado teve na história uma importância
capital. O sistema penal teve por função introduzir um certo número de contradições
no seio das massas e, em particular, uma contradição maior: opor os plebeus
proletarizados aos plebeus não proletarizados [...] Por um lado ele é um fator de
„proletarização : tem por função coagir o povo a aceitar o seu estatuto de proletário
e as condições de exploração do proletariado. [...] Eram estas pessoas “perigosas”
[aqueles que não aceitavam a condição de proletariado e criticavam as contradições
do capitalismo enquanto modo de produção] que era preciso isolar (na prisão, no
Hospital Geral, nas galés, nas colônias) para que não pudessem servir de ponta de
lança aos movimentos de resistência popular. [...] Terceiro papel do sistema penal:
fazer com que a plebe não proletarizada aparecesse aos olhos do proletariado como
marginal, perigosa, imoral, ameaçadora para a sociedade inteira (FOUCAULT,
1996, p.50).
Ademais, uma vez que o Brasil é um país que se encontra na condição de
agroexportador, os grandes latifundiários estão inseridos na condição de fator real do poder
enquanto membros da alta burguesia brasileira, embora com algumas peculiaridades com
relação à burguesia urbana, uma vez que o campo emprega bem menos pessoas que as
fábricas e, se quiserem retaliar o governo, não o podem fazer pela prática de não usarem suas
terras para a agropecuária, pois, se as terras forem improdutivas, elas podem ser expropriadas
e usadas para a realização de reforma agrária. Contudo, o que parece acontecer é que, desde a
colonização e o regime de sesmarias, o governo no Brasil parece ter uma grande aproximação
com a elite agrária.
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O regime de sesmarias funcionava da seguinte maneira e teve as seguintes
consequências:
Até a extinção do regime de sesmarias, em 1822, a concessão real era o meio
reconhecidamente legítimo de ocupação do território. O regime de sesmarias era
racialmente seletivo, contemplando os homens de condição e de sangue limpo, mais
do que senhores de terras, senhores de escravos. A sesmaria não tinha os atributos da
propriedade fundiária de hoje em nosso país. A efetiva ocupação da terra, com
trabalho, constituía o requisito da apropriação, revertendo à Coroa o terreno que
num certo prazo não fosse trabalhado. Num país em que a forma legítima de
exploração do trabalho era a escravidão, a escravidão negra, os “bastardos”, os que
não tinham sangue limpo, os mestiços de brancos e índias, estavam destituídos do
direito de herança, ao mesmo tempo em que excluídos da economia escravista.
Foram esses os primeiros posseiros: eram obrigados a ocupar novos territórios
porque não tinham lugar seguro e permanente nos territórios velhos. Eram os
marginalizados da ordem escravista que, quando alcançados pelas fazendas e
sesmarias dos brancos, transformavam-se em agregados para manter a sua posse
enquanto conviesse ao fazendeiro, ou então iam para a frente, abrir uma posse nova.
A posse no regime de sesmarias tinha um cunho subversivo (MARTINS, 1980, p.
70-71).
Durante esse período, foi comum a usurpação de terras indígenas, mudando, sempre, a
cultura agrária do país, passando pela mineração e chegando ao café. Nesse ínterim, as elites
agrárias passaram a crer que a abertura e a ocupação de grandes extensões de terras eram um
meio legítimo de obtenção do domínio de terras que eles ocupavam ilegalmente.
Apoderar-se de terras devolutas e cultivá-las tornou-se cousa corrente entre nossos
colonizadores, e tais proporções essa prática atingiu que pôde, com o correr dos
anos, vir a ser considerada como modo legítimo de aquisição do domínio,
paralelamente a princípio, e, após, em substituição ao nosso tão desvirtuado regime
das sesmarias (CIRNE LIMA, 1954, p. 46).
Posteriormente, no período imperial, com a proibição do tráfico negreiro, veio a Lei nº
601, de 18/09/1850, conhecida como Lei de Terras, atuando como marco jurídico para os
grandes latifundiários brasileiros, demonstrando, mais uma vez, o fato de que eles são um
fator real do poder neste país, pois essa lei os favorecia muito:
Ao contrário do que se deu nas zonas pioneiras americanas, a Lei de Terras instituiu
no Brasil o cativeiro da terra – aqui as terras não eram e não são livres, mas cativas.
A Lei 601 estabeleceu em termos absolutos que a terra não seria obtida por outro
meio que não fosse o da compra. [...] Concretamente, a implantação da legislação
territorial representou uma vitória dos grandes fazendeiros [...]. No mesmo ano de
1850 cessava o tráfico negreiro da África para o Brasil. [...] Se [...] as terras do país
fossem livres, o estabelecimento de correntes migratórias de homens igualmente
livres levaria, necessariamente, a que esses homens se estabelecessem como colonos
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nos territórios ainda não ocupados pelas grandes fazendas. Ao mesmo tempo, as
fazendas ficariam despovoadas, sem possibilidade de expansão e de reposição de
mão de obra. Por isso, a classe dominante instituiu no Brasil o cativeiro da terra,
como forma de subjugar o trabalho dos homens livres que fossem atraídos para o
país, como de fato o seriam às centenas de milhares [...]. No processo de
substituição do trabalho escravo, a nova forma de propriedade da terra desempenhou
um papel fundamental como instrumento de preservação da ordem social e política
baseada na economia colonial, na dependência externa e nos interesses dos grandes
latifundiários. O homem que quisesse tornar-se proprietário de terra teria que
comprá-la. Sendo imigrante pobre, como foi o caso da imensa maioria, teria que
trabalhar previamente para o grande fazendeiro (MARTINS, 1980, p. 71-73).
Posteriormente, foi declarada a república e a Constituição de 1891 transferiu, para os
governos estaduais, a maior parte das terras devolutas dos estados. Quase nenhum governo fez
sua própria lei de terras e as terras devolutas, ainda hoje, existem na maioria dos estados e,
assim, a elite agrária continuou a grilá-las em extensões ainda maiores do que aquelas que os
vários dispositivos normativos jurídicos permitiram que os posseiros legitimassem. Assim,
muitos grileiros foram enriquecendo e ocorreram muitos conflitos pela terra, como Canudos e
Contestado, na absoluta maioria das vezes vencidos pela elite.
Durante o primeiro governo da ditadura militar, foi sancionado o Estatuto da Terra
para regular a reforma agrária no Brasil. Não obstante, tal lei não foi implantada e só no
governo Sarney foi implantado o I Plano Nacional de Reforma Agrária no Brasil, embora
apenas 8% de suas metas tenham sido cumpridas.
O que se nota é que, ainda hoje, o processo de grilagem de terras devolutas no Brasil
constitui o capitalismo que aqui se desenvolveu. Assim, a estrutura fundiária concentrada e a
grilagem de terras públicas estão na própria origem do nosso capitalismo e os latifundiários
constituem um notável fator real do poder.
2.3 Os banqueiros
É impossível a promulgação de uma lei que implante medidas abertamente lesivas aos
interesses dos grandes banqueiros. Certamente, isso não desencadearia uma revolta, e isso
quem diz é o próprio Ferdinand Lassalle, mas o governo não poderia impor tal tipo de
medida, explica Lassalle:
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De vez em quando, o governo sente apertos financeiros devido à necessidade de
investir grandes quantias de dinheiro que não tem coragem de tirar do povo por meio
de novos impostos ou aumento dos existentes. Nesses casos, fica o recurso de
absorver o dinheiro do futuro, ou, o que é a mesma coisa, contrair empréstimos,
entregando, em troca do dinheiro que recebe adiantadamente, papel da dívida
pública. Para isto necessita dos banqueiros. É certo que, mais dia menos dia, a maior
parte daqueles títulos da dívida volta às mãos da gente rica e dos pequenos
capitalistas do país; mas isto requer tempo, às vezes muito tempo, e o governo
necessita do dinheiro logo e de uma vez, ou em prazos breves. Para conseguir o
dinheiro, serve-se dos particulares, isto é, de intermediários que lhe adiantem as
quantias de que precisa, correndo depois por sua conta a colocação, pouco a pouco,
do papel da dívida, locupletando-se também com a alta da cotação que a esses títulos
dá a bolsa artificialmente. Esses intermediários são os grandes banqueiros e, por esse
motivo, a nenhum governo convém, hoje em dia, indispor-se com os mesmos (2009,
p. 18).
No Brasil, a dívida interna era, em 2009, de 1,4 trilhão de reais, com perspectivas de
que ela dobrasse até o fim de 2010, sendo que grande parte dos papéis da dívida interna
pertencem aos bancos. “O endividamento interno tem servido para transferir enormes somas
de recursos aos grandes bancos” (CARNEIRO, 2007, p. 152)
É nesse contexto, por exemplo, que os bancos pagam menos impostos do que os
trabalhadores:
No período de 1999 a 2005, os bancos recolheram apenas R$ 55,4 bilhões a título de
IR e Contribuição Social sobre seus lucros, ao passo que os trabalhadores pagaram
R$ 261,5 bilhões de IR. Em 2005, apesar do aumento expressivo dos lucros dos
bancos (31%), a arrecadação de tributos desse setor permaneceu pequena em relação
às demais empresas e às pessoas físicas, principalmente aos trabalhadores
assalariados. Os bancos recolheram de Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica
(IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), em 2005, R$10,1
bilhões, enquanto os trabalhadores pagaram R$44,1 bilhões em IR (IRPF mais IR
sobre rendimentos do trabalho) (SALVADOR, 2007, p. 86).
2.4 A pequena burguesia e a classe operária
Lassalle, em sua obra, tenta imaginar o que aconteceria se o governo tirasse, da
pequena burguesia e do operariado, não somente as suas liberdades políticas, mas a sua
liberdade pessoal, tornando o trabalhador um escravo ou um servo:
O povo protestaria [...]. A multidão sairia à rua sem necessidade de que os seus
patrões fechassem as fábricas; a pequena burguesia juntar-se-ia solidariamente com
o povo e a resistência desse bloco seria invencível, pois, nos casos extremos e
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desesperados, também o povo, nós todos, somos uma parte integrante da
Constituição (LASSALLE, 2009, p. 20).
O que acontece é que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no Brasil dá
grandes direitos ao trabalhador brasileiro, como as férias remuneradas, o décimo terceiro
salário, o repouso semanal de um dia, a licença maternidade, dentre outros direitos que só
foram conquistados com muita luta do trabalhador brasileiro ao longo da História do Brasil, o
que já demonstra o fato de o trabalhador ser, nesse país, um fator real do poder.
Ademais, a CLT dá, ao trabalhador, uma alternativa muito interessante de lutar pelos
seus interesses, tais como maiores salários e melhores condições de trabalho: a greve. Essa
alternativa é, ainda hoje, muito explorada pela classe trabalhadora. “A Carta Política de 1988
autoriza a cessação coletiva do trabalho em qualquer setor de atividade econômica. No
tocante às atividades essenciais, exige apenas, prévias providências para que sejam atendidas
as necessidades inadiáveis da comunidade” (SAAD, 2004, p. 514).
2.5 A consciência coletiva e a cultura geral
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Roberto Grau defende a
existência de dois direitos: o direito posto e o direito pressuposto. O direito posto é o direito
positivo, presente no ordenamento jurídico – Constituição, legislação infraconstitucional,
dentre outros –, ao passo que o direito pressuposto está na consciência coletiva e na cultura
geral da sociedade. “O direito pressuposto brota da (na) sociedade, à margem da vontade
individual dos homens, mas a prática jurídica modifica as condições que o geram” (GRAU,
2000, p. 44).
Eros Grau defende, ainda, que o direito pressuposto é dividido em vários direitos,
encontrados em várias esferas sociais e modos de produção diferentes. “A análise histórica
conduz à verificação de que a cada modo de produção pertence um direito próprio e
específico. Cada direito, em cada modo de produção puro, é expressão de um direito
pressuposto” (GRAU, 2000, p. 45) (grifos do autor).
Ademais, explica Eros Grau, “todos os movimentos de transformação do direito
decorrem de alterações gestadas no seio da sociedade – isto é, no direito pressuposto. Nele, as
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aspirações, da sociedade, de conformação inclusive do que denominamos direito público”.
(GRAU, 2000, p. 45). (grifos do autor)
Sobre essas transformações no direito pressuposto que têm influência no direito posto,
Michel Foucault dá alguns exemplos:
Muitos crimes perderam tal conotação, uma vez que estavam objetivamente ligados
a um exercício de autoridade religiosa ou a um tipo de vida econômica; a blasfêmia
deixou de se constituir em crime; o contrabando e o furto doméstico perderam parte
de sua gravidade (FOUCAULT, 2008, p. 19).
Além disso, nota-se que o direito positivo sempre deriva de princípios inerentes aos
seus direitos pressupostos correspondentes: “os princípios gerais de um determinado direito
são encontrados no direito pressuposto que a ele corresponda” (GRAU, 2000, p. 46) (grifos
do autor).
Durante o período do iluminismo na Europa, o italiano Cesare Beccaria escreveu que:
Os juízes não receberam as leis [...] como uma tradição de família ou como um
testamento que não deixasse aos vindouros senão o cuidado de obedecer, mas
recebem-nas da sociedade viva, ou do soberano, seu representante, legítimo
depositário do resultado atual da vontade de todos; recebem-nas, não como
obrigações resultantes de um antigo juramento [...] mas como resultado de um tácito
ou expresso juramento, que as vontades unidas dos súditos vivos fizeram ao seu
soberano, como vínculos necessários para travar e reger o fermento interno dos
interesses particulares. Esta é a autoridade concreta e real das leis (BECCARIA,
1998, p. 68).
Muito embora Beccaria não tenha usado as expressões direito posto e direito
pressuposto nos seus escritos, o que ele parece querer dizer é exatamente o que Grau disse
anos depois: que, se há um direito positivo, antes de ele existir no papel, ele existia dentro da
sociedade.
Outro autor que escreveu sobre a influência da cultura geral de um povo em seu direito
positivo foi o sociólogo do direito Eugen Ehrlich, que defendia a noção de direito vivo, “O
direito vivo é aquele que apesar de não fixado em prescrições jurídicas, domina a vida” (1986,
p. 378).
Sobre isso, Ehrlich afirma que o direito está em constante mutação, devido às próprias
mudanças sociais. Por isso:
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Querer aprisionar o direito de uma época ou de um povo nos parágrafos de um
código corresponde mais ou menos ao mesmo que querer represar um grande rio
num açude: o que entra não é mais correnteza viva, mas água morta e muita coisa
simplesmente não entra. [...] Por isso de forma alguma a ciência e o ensino podem
restringir-se a explicar o que está escrito na lei; eles deveriam investigar as
configurações reais, que são diferentes em cada classe social e em cada região, mas
que possuem uma essência uniforme e típica (1986, p. 374-377).
Miguel Reale dá um ótimo exemplo de como a moral influencia no Direito nas suas
clássicas Lições Preliminares de Direito:
O exemplo que vou dar esclarece o assunto. É um exemplo trazido de minha
experiência profissional, e que pode repetir-se com qualquer dos senhores, nesta
vida cheia de imprevistos e de dramas que nos deixam perplexos. Certa vez, fui
procurado por um casal de velhos – de quase 80 anos – que me expôs a sua situação
de insuficiência econômica, carecedores que estavam dos mais elementares meios de
subsistência. Como diziam os romanos, na sua compreensão realística da vida, a
velhice é a pior das doenças. Pois bem, o casal de velhos revelou-me que tinha um
filho, um industrial de grande capacidade econômica, possuidor de várias fábricas e
estabelecimentos comerciais e que, entretanto, não admitia que seus prepostos ou a
esposa prestassem qualquer auxílio a seus pais. Ora, o Código Civil Brasileiro, como
o de todas as nações civilizadas, consagra o princípio da solidariedade econômica
entre os cônjuges e os parentes. Nesse sentido, os descendentes não podem faltar à
assistência devida aos pais e avós, toda a vez que estes se encontrarem em
dificuldades econômicas, por motivos que não possam ser superados. É,
evidentemente, um preceito de ordem jurídica e, ao mesmo tempo, de ordem moral.
É o princípio de solidariedade humana, ou melhor, de solidariedade familiar que dita
a regra jurídica consagrada nos códigos. Se a lei civil estabelece a obrigação de
prestar alimentos, por sua vez, o Código de Processo assegura aos necessitados
remédios indispensáveis à realização desse desideratum, graças à interferência do
juiz (2002, p. 45).
Note-se que a temática da família sempre foi muito discutida e, no âmbito da moral, é
praticamente um dogma na sociedade de que os filhos devem ajudar seus pais quando estes
forem idosos. Isso é algo que não depende do Código Civil ou do Código de Processo Civil
para acontecer. O mesmo acontece, por exemplo, com a proibição do homicídio, talvez de
forma ainda mais forte. Está na moral social que a Vida é um bem jurídico e, por isso, precisa
de tutela penal. Melhor ainda, está enraizado na consciência coletiva que matar é errado. Isso
não depende da tipificação do crime de homicídio pelo Código Penal.
A única coisa que se pode fazer para impedir que o costume (direito pressuposto) se
sobreponha ao ordenamento jurídico enquanto direito posto é adotar a rigidez da Constituição,
como fazem os Estados Unidos da América (Cf. REALE, 2002, p. 161). Isso com base na
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premissa de que a Lei Maior possui força normativa, devendo, pois, estar presentes, na
sociedade, o Wille zur Macht e o Wille zur Verfassung, consoante a teoria de Konrad Hesse.
No entanto, se essas vontades se fazem presentes no seio da sociedade, espera-se que o Poder
Constituinte Originário positive os costumes. A rigidez, espera-se, com base na teoria de
Lassalle, só pode esmagar costumes posteriores à promulgação da Constituição.
3 Conclusão
Assim, pode-se concluir que a teoria de Ferdinand Lassalle acerca dos fatores reais do
poder em um país continua perfeitamente aplicável no Brasil contemporâneo, guardadas as
diferenças entre o Brasil atual e a Prússia de Lassalle.
O Poder Executivo e os partidários de seu chefe são um fator real do poder devido à
hipertrofia do Poder Executivo, decorrente do presidencialismo que vigora no país. A alta
burguesia e os banqueiros estão, também, nessa condição, devido ao seu altíssimo poder
aquisitivo, sendo esses últimos, donos de uma parcela considerável da dívida pública
brasileira. Por fim, a consciência coletiva é um fator real do poder, bem como a cultura geral,
haja vista que delas deriva o direito pressuposto, que possui característica normogenética.
Dessa forma, nota-se que, embora os fatores reais do poder mudem de acordo com as
mudanças ocorridas na sociedade, eles sempre existirão e sempre influenciarão o sistema
normativo de um país
Legislature for Who? An Analysis of Factors Real Power in Brazil XXI Century
Abstract: Ferdinand Lassalle, in the book The Essence of the Constitution sought to
demonstrate to the population that the constitution can not be written according to the will and
interests of the legislature, but must take into account the real factors of power in governing a
country. These factors are the real power of social groups engaged in socio-political
domination of the territory where that Magna Carta will have supremacy. What note today is
that Lassalle was correct in his theory because, even in today's times, you can not pass a
Higher Law - or even infra laws - without considering the interest of real factors of power.
This work aims to conduct an analysis of the social and political landscape of contemporary
Brazil to understand what are currently the real factors of power in this country.
Keywords: Ferdinand Lassalle. Factors real power. Contemporary Brazil.
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LEGISLATIVO PARA QUEM? UMA ANÁLISE DOS FATORES REAIS