MINISTÉRIO DA DEFESA Assessoria de Planejamento Institucional Concurso de Artigos sobre o Livro Branco de Defesa Nacional O texto a seguir, assim como as idéias, informações e dados nele contidos, expressam o pensamento de seu autor, sendo de sua inteira responsabilidade, e não representam, necessariamente, a opinião do Ministério da Defesa. https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/apresentacao_trabalhos.php A POLÍTICA DE OFFSET DA AERONÁUTICA NO ÂMBITO DA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA JOSÉ AUGUSTO CREPALDI AFFONSO RESUMO Este trabalho tem como objetivo identificar o grau de compatibilidade entre a Política de offset praticada pela Aeronáutica1 e os objetivos estabelecidos na Estratégia Nacional de Defesa (END). O texto da Estratégia Nacional de Defesa e as normas internas da Aeronáutica formaram a base do embasamento teórico. A metodologia baseou-se na pesquisa documental acerca das orientações emanadas nos textos do marco teórico, nas modificações em textos legais decorrentes da implantação da END e no confronto entre os resultados práticos obtidos pela Aeronáutica e os resultados almejados pela END. A pesquisa realizada permitiu demonstrar o pleno atendimento, pela política de offset da Aeronáutica, aos objetivos preconizados pela Estratégia Nacional de Defesa, contribuindo, assim, para o projeto forte de desenvolvimento, e em conseqüência, um projeto forte de Defesa. Concluiu-se pela aplicabilidade do modelo adotado pela política de offset da Aeronáutica e a possibilidade da aplicação desse modelo, pelo Exército, pela Marinha e, em face das modificações na Lei 8666/93, por outros órgãos públicos contratantes. Uma sugestão de pesquisa sobre o tema é a criação de órgão conjunto para coordenar as ações de offset no âmbito da Defesa. Palavras-chave: Estratégia Nacional de Defesa. Aeronáutica. Offset. 1 A Estratégia Nacional de Defesa, no seu texto, se refere ao Comando da Aeronáutica, como Força Aérea Brasileira. Para efeitos deste trabalho, Aeronáutica, Comando da Aeronáutica e Força Aérea Brasileira são o mesmo sujeito/agente governamental. 1 1. INTRODUÇÃO “Estratégia nacional de defesa é inseparável de estratégia nacional de desenvolvimento (...). Esta motiva aquela. Defendido, o Brasil terá como dizer não, quando tiver que dizer não” Estas palavras, constantes no texto da Estratégia Nacional de Defesa (END), têm o objetivo de fazer com que a Sociedade passe a pensar no tema Defesa, debatendo-o e compreendendo-o como condição essencial para que o Brasil e seu povo ocupe o lugar que merece no cenário internacional. Para que essa condição seja atendida, a END elaborou um plano focado em ações estratégicas, visando modernizar o setor de Defesa nacional, a partir de três eixos, sendo um deles o da reestruturação da indústria de material de defesa. Parte da premissa de que o atendimento das necessidades das Forças deve estar apoiado em tecnologias sob domínio nacional, elencando, a partir dessa premissa, diretrizes, ações e políticas a serem seguidas com o objetivo de buscar a plena independência tecnológica no setor de defesa. Nesse contexto, uma dessas ferramentas é a exigência de compensações comerciais, industriais e tecnológicas, o offset, quando da importação de bens e serviços do setor de defesa. Coadunando-se com o pensamento da END, a Força Aérea, desde a sua criação, teve o entendimento estratégico de que o estímulo continuado ao aprimoramento tecnológico e ao desenvolvimento da indústria aeroespacial, de forma integrada e compatível com a situação econômica do país, era um imperativo para a autonomia e a independência nacionais no setor aeroespacial. Nesse sentido, vem buscando alternativas complementares para o desenvolvimento tecnológico e industrial do setor aeroespacial, sendo um dos instrumentos para sua consecução a Política de Compensação Industrial, Tecnologia e Comercial da Aeronáutica (1991), que passou a considerar, como fator essencial, no âmbito de sua competência de direção e gestão, a obtenção de reciprocidade de fornecedores estrangeiros de bens e serviços destinados, prioritariamente, à atividade aeroespacial, civil e militar, com vistas ao desenvolvimento e à modernização tecnológica e industrial do setor aeroespacial brasileiro. Podemos então questionar, a Política de offset da Aeronáutica atende aos objetivos gerais da END? A partir desse problema, justifica-se, plenamente, um estudo com a finalidade de se averiguar a adequabilidade ou não das práticas levadas a cabo, pela Força Aérea, no que se refere ao offset, quando consideradas no âmbito das diretrizes gerais da Estratégia Nacional de Defesa. A possibilidade da aplicação da solução da Força Aérea no tema offset, para as outras Forças e órgãos públicos também será analisada. 2 Com esse objetivo, inicialmente, serão explicitados os conceitos básicos do offset, sua aplicação no cenário mundial, e as práticas de alguns países em relação ao tema. Em seguida discorrer-se-á sobre a visão histórica e estratégica da Aeronáutica em relação ao tema da capacitação tecnológica do setor aeroespacial, para então se detalhar a sistemática de aquisição de sistemas aeroespaciais, a exigência e a prática do offset nesses processos. A abordagem da Estratégia Nacional de Defesa sobre o tema offset será o próximo passo, quando se analisará o texto integral da Estratégia Nacional de Defesa sob a ótica da reestruturação da indústria de defesa e a possível utilização do offset como ferramenta para alcançar a autonomia operacional das Forças, a partir de tecnologias sob o domínio nacional. O seguinte passo será a descrição de projetos de offset em execução na Aeronáutica, e também a formalidade no processo de gestão da coisa pública, tudo no período 2000-2010, ocasião em que serão confrontados com os objetivos gerais da END e discutida a possibilidade da aplicação dos processos da Aeronáutica para outros órgãos públicos. A metodologia utilizada na pesquisa será, quanto aos fins, descritiva e explicativa, e quanto aos meios, bibliográfica e documental. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. Offset: conceitos básicos 2.1.1. O que é offset? Pode-se definir offset2 como toda e qualquer prática compensatória (ou compensação), exigida por um comprador estrangeiro, como condição para a importação de bens e serviços, com a intenção de gerar benefícios de natureza industrial, tecnológica e comercial, ou ainda, refere-se ao conceito de que determinadas aquisições de fornecedores estrangeiros deverão ser compensadas por diversos meios, em benefício de setores e áreas definidas pelo país importador. (MODESTI, 2004, p.25). Assim, o fator determinante da possibilidade da exigência de offset (compensação) é o poder de compra do país importador. Nessa linha de raciocínio, quanto maior o valor total da aquisição do sistema de defesa, e quanto maior o número de possíveis fornecedores estrangeiros, maior o poder de exigir compensações que atendam ao interesse estratégico do país importador. 2 No texto da Estratégia Nacional de Defesa está grafado off-set, quando o termo correto é offset. Dessa maneira, referir-se-á ao termo na grafia usual, isto é offset. 3 O uso de compensações tem se mostrado uma prática comum nas negociações mundiais, seja nas aquisições de caráter civil3 (offset civil) ou na aquisição, no desenvolvimento e na modernização de equipamentos de defesa, notadamente na área aeroespacial (offset de defesa). Atualmente, quase todos os importadores de produtos de defesa têm exigido algum tipo de compensação. Essas compensações são exigidas por uma variedade de razões: para aliviar o ônus das aquisições do setor de defesa em sua economia, para aumentar ou preservar o emprego doméstico, para obter uma tecnologia ou uma inovação tecnológica desejada, para capacitar e treinar recursos humanos e/ou ainda promover alguns setores industriais específicos de interesse do país importador. Nas transações comerciais no setor de defesa, as compensações exigidas podem incluir, obrigatoriamente, co-produção, produção sob licença, produção subcontratada, transferência de tecnologia e/ou investimento estrangeiro no país importador. Os offsets podem ser diretos, indiretos, ou uma combinação de ambos. Offsets diretos referem-se às atividades de compensação diretamente relacionadas ao sistema que está sendo adquirido. Por exemplo, o componente do sistema adquirido é produzido na indústria local do país importador. Offsets indiretos são aqueles aplicáveis às atividades não relacionadas com o item adquirido. Por exemplo, o oferecimento de bolsa de estudos em nível doutorado/mestrado, como um projeto de compensação. 2.1.2 Para que offset? De maneira geral, os países mais desenvolvidos, com indústrias de defesa estabelecidas, procuram utilizar o poder de compra para direcionar os offsets para garantir carga de trabalho ou aporte de novas tecnologias para suas empresas de defesa nacional. Os países com economias recém-industrializadas utilizam o poder de compra para exigir compensações relacionadas, precipuamente, à transferência de tecnologia e inovações tecnológicas. Os países em desenvolvimento, com economias menos industrializadas, buscam, geralmente, por meio do offset indireto, propiciar condições para o estabelecimento de empresas na área de defesa e construir a sua infra-estrutura básica. Em muitos casos, um governo pode selecionar um tipo de offset por razões políticas ou de segurança, ao invés de um critério economic rationale. Ao adquirir uma frota de jatos militares, em 1999, a questão do offset revelou-se crucial quando a República Tcheca anunciou a oferta vencedora. Ao analisar as BAFO (Best and Final Offers), os oficiais Tchecos consideraram o pacote de projetos de offset como o item mais importante na classificação das licitantes. O peso atribuído ao offset foi de 50% no cálculo para 3 Ainda que proibida pelo Article XVI of the World Trade Organization‘s Fair Trade Practices, a exigência de offset em aquisições, que não de itens de defesa, tem sido praticada por vários países (offset civil). 4 decisão, seguido das considerações técnicas com 30% e finalizando, consideraram o preço e outros fatores financeiros com os restantes 20%. A conclusão é clara: a política de aquisição praticada foi a de que o conteúdo do pacote de offset suplantou, em prioridade, o preço e a qualificação do produto. (Czech Letter of interest for fighter aircraft. 1999, April- Countertrade & Offset,17,7-8). A República Tcheca entendeu que, a partir do seu poder de adquirir uma frota de caças, poderia exigir benefícios e vantagens tecnológicas e industriais que por seu valor estratégico, suplantariam os preços maiores da oferta selecionada. Deve-se esclarecer que a atividade de offset é derivada, única e exclusivamente, quando da importação de bens/serviços. No Brasil, a busca pela autonomia da produção nacional no setor de defesa deve ser constante e sempre foi uma Política praticada pelas Forças Armadas brasileiras e que foi expressa, claramente, na Estratégia Nacional de Defesa. Dessa maneira, em um cenário ideal, não haveria importação de sistemas de defesa, mas até que esse patamar seja alcançado, a prática do offset, se bem planejada e executada, é uma ferramenta de grande valia para a busca da sonhada autonomia nacional no setor de defesa, principalmente, quando se tem a possibilidade de exigir projetos de offset de caráter tecnológico. Acordos de compensação (ou de offset) são práticas comerciais legais na indústria de defesa. As denominações internacionais para estas práticas comerciais ligadas ao comércio no âmbito do setor de defesa são várias: compensações industriais, cooperação industrial, compensações e benefícios industriais Estas práticas comerciais não precisam de regulamentação estatal quando realizadas entre parceiros comerciais privados, mas desde que os compradores são, principalmente, órgãos de Defesa de nações soberanas e democráticas, muitos países têm disposições legislativas, regulamentos ou políticas públicas sobre o tema. A seguir, serão apresentadas as políticas da Aeronáutica e da Defesa para as atividades de offset. 2.2. Política de offset na Aeronáutica 2.2.1. Ciência e Tecnologia na Aeronáutica Desde a sua criação, em 1941, a Aeronáutica vem desempenhando sua missão constitucional de preparo e fortalecimento do poder aeroespacial brasileiro, visando, em última instância, como prevê o Plano Estratégico Militar da Aeronáutica (BRASIL, 2008i), “manter a soberania no espaço aéreo nacional com vistas à defesa da Pátria.” A Força Aérea, por meio de seus integrantes, sempre teve uma visão estratégica e entendeu, que o estímulo continuado ao aprimoramento tecnológico e ao desenvolvimento da indústria aeroespacial nacional, de forma integrada e compatível com a situação econômica do 5 país, era um imperativo para a autonomia e a independência nacionais no setor aeroespacial. Em última análise, um objetivo político a ser alcançado. Assim, no ano de 1946, elaborou-se um plano que estabelecia que um centro técnico seria constituído por dois institutos científicos coordenados, mas tecnicamente autônomos - um para o ensino técnico superior e outro para pesquisa e cooperação com a indústria de construção aeronáutica, com a aviação militar e com a aviação comercial. Como conseqüência surge, no ano de 1950, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), na área de ensino; em 1953, o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD); e a partir do final da década de 1960, o estabelecimento de algumas indústrias no setor aeronáutico, culminando com a criação da EMBRAER, em 1969. Ainda em 1960, foi constituído o grupo que viria a ser o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, em Natal-RN, ponta de lança das atividades espaciais no Brasil. Dessa maneira, foi criado um ambiente geográfico e acadêmico, onde a Aeronáutica teria a escola, os institutos de pesquisa e a indústria em uma mesma área, propiciando, de maneira natural e rápida, a transferência dos conhecimentos adquiridos, das tecnologias desenvolvidas entre os diversos elos do processo (BRANDÃO, 2009, p. 68). As almejadas autonomia nacional e independência, sejam no campo da indústria, sejam no campo da pesquisa e do desenvolvimento do parque aeroespacial brasileiro, têm como obstáculos os elevados investimentos financeiros necessários e a proteção das tecnologias pelos países detentores do conhecimento e da inovação tecnológica. Que alternativas seriam possíveis em face da necessidade operacional de novos vetores e sistemas aeroespaciais? Como minimizar os riscos e reduzir os custos de desenvolvimento? 2.2.2. Executando o offset na Aeronáutica A Aeronáutica, por meio de suas Políticas para o Desenvolvimento da Indústria Aeroespacial - DCA 14-2 (BRASIL, 2002g) e para Pesquisa e Desenvolvimento - DCA 14-3 (BRASIL, 2002j) tem como objetivo garantir ao parque industrial aeroespacial brasileiro o acesso à capacitação tecnológica e industrial e principalmente às inovações tecnológicas que garantam a desejada autonomia nacional no setor aeroespacial e o conseqüente pleno cumprimento das suas atribuições constitucionais. Elemento crítico para a conquista plena desse objetivo é a contínua atenção com o estímulo ao desenvolvimento da indústria nacional, consubstanciado no incentivo à pesquisa científica e no fortalecimento das capacidades de criação e de produção, de modo a reduzir o gap tecnológico e a dependência externa do Brasil (AZEVEDO, 2004, p.15). 6 A Força Aérea sempre buscou alternativas complementares para o aprimoramento tecnológico e industrial do setor aeroespacial, sendo um dos instrumentos para sua consecução a Política de Compensação Industrial, Tecnologia e Comercial da Aeronáutica (1991), posteriormente complementada pela política correlata da Defesa em 2002. Dessa maneira, a Força Aérea passou a considerar como fator essencial, no âmbito de sua competência de gestão, a obtenção de reciprocidade de fornecedores estrangeiros de bens e serviços destinados, prioritariamente, à atividade aeroespacial, civil e militar, com vistas ao desenvolvimento e à modernização tecnológica e industrial do setor aeroespacial brasileiro e, excepcionalmente, de outras áreas de interesse do País. A prática do offset passa a ser mais um instrumento da política de desenvolvimento, a partir do poder de compra. Primeiramente editada em 1991, a política de offset da Aeronáutica foi atualizada em 2005, com a edição da Diretriz do Comando da Aeronáutica (DCA) 360-1 “Política e Estratégia de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica da Aeronáutica”. Estabelecido “o que fazer”, foram editadas ainda, mais documentos, orientando agora o “como fazer”: a Instrução do Comando da Aeronáutica (ICA) 360-1 “Preceitos para a Negociação de Acordos de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica na Aeronáutica” e a Portaria N° 1.396/GC4, de 13 de dezembro de 2005, instituindo o Comitê de Compensação da Aeronáutica, vinculado ao Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER). Como se determina a exigência ou não do offset? A Força Aérea, ao identificar uma necessidade de qualquer sistema aeroespacial (aeronave, armamento, veículo lançador, outros) para o cumprimento de sua missão, procede de acordo com o modelo de Ciclo de Vida, modelo este que se constitui em uma seqüência de eventos ou atividades que contém todos os aspectos a serem observados ao se procurar satisfazer determinada necessidade operacional. Essa seqüência está consubstanciada na Diretriz do Comando da Aeronáutica Ciclo de Vida de Sistemas e Materiais da Aeronáutica - DCA400-6 (BRASIL, 2007k). No modelo de ciclo de vida adotado pela Força Aérea, são observadas as seguintes fases: Concepção; Viabilidade; Definição; Desenvolvimento ou Aquisição; Produção; Implantação; Utilização; Revitalização/Modernização; e Desativação. Ao se detectar uma necessidade operacional, em qualquer nível organizacional da Força Aérea, deve o Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER) como o coordenador-geral do Ciclo de Vida, definir os requisitos operacionais (Fase de Concepção) e determinar que seja feita uma análise da viabilidade do projeto, quando serão analisadas as alternativas possíveis (a aquisição no mercado interno ou externo, o desenvolvimento completo do sistema, a modernização de sistema já existente), avaliados os riscos (tecnologias existentes, realidades orçamentárias, 7 capacidades, suporte logístico e outros), os prazos (urgência operacional versus prazos de desenvolvimento/aquisição/modernização) e a relação custo-benefício, definindo-se ainda a estratégia de realização das atividades que compõem o Ciclo de Vida. De posse da estratégia de realização das atividades é feito, nesta fase, um estudo detalhado do Sistema necessário, incluindo estudos de engenharia, de modelagem e simulação, dos objetivos de nacionalização, do plano de suporte logístico e dos planos preliminares de desenvolvimento e de capacitação industrial. É nessa fase (Definição) que o Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER) ao se decidir pela melhor opção (aquisição, modernização, desenvolvimento), determina que sejam exigidas ou não compensações comerciais, industriais e tecnologias (offset), estabelecendo ainda as linhas gerais a serem seguidas pela Organização contratante da Força Aérea. É nesse momento, por meio do Comitê de Compensação da Aeronáutica, que o EMAER vai estabelecer preceitos para a negociação dos projetos de offset e orientar a Organização contratante na elaboração do pedido de oferta ou edital sobre as necessidades tecnológicas, industriais e comerciais passíveis de serem atendidas por projetos de compensação (offset). A prospecção, a análise e a determinação dessas necessidades serão norteadas pelas seguintes premissas: a) a busca da garantia da máxima autonomia nacional na manutenção, operação e futuras atualizações dos bens e serviços objetos da negociação; e b) o estudo criterioso da exeqüibilidade da exigência da contrapartida em relação ao contrato comercial. Os interesses e as necessidades estratégicas da Aeronáutica devem ser compatibilizados com a capacidade do Parque Industrial Aeroespacial Brasileiro de absorver o benefício, a fim de possibilitar a consecução de objetivos práticos, que atendam às possibilidades do beneficiário do offset, bem como às da Aeronáutica. Considerando o determinado na Política Militar de Defesa (BRASIL 2005e), a qual estabelece que as Forças Armadas devem buscar os maiores níveis possíveis de desenvolvimento e de nacionalização de produtos de defesa, o EMAER busca priorizar os projetos de offset relacionados com ciência, tecnologia e inovação e tem como balizador as orientações contida no documento “Concepção Estratégica: Ciência, Tecnologia e Inovação de Interesse da Defesa Nacional” (BRASIL, 2003a), a qual tem como objetivo a viabilização de soluções científicotecnológicos e inovação para atender as necessidades referentes à defesa. Em decorrência desse documento, foi criado o Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação da Defesa Nacional SisCTID. Na busca pela autonomia nacional, foram definidas as seguintes áreas estratégicas: Ambiental, Biomédica, Sistema de Armas, Energia, Espacial, Materiais, Micro e Nano 8 Tecnologias, Tecnologia de Informação e Telecomunicações. Detalhando ainda mais a orientação das ações nacionais de pesquisa e desenvolvimento, o documento especifica essas nove áreas em vinte e três Tecnologias de Interesse da Defesa Nacional, em âmbito nacional. O Estado-Maior da Aeronáutica, ao orientar a Organização contratante, tem levado em conta, ainda, os preceitos contidos na Política de Desenvolvimento Produtivo -PDP (BRASIL, 2008b), política esta que coloca forte ênfase na inovação e no desenvolvimento tecnológico, sendo um dos aspectos centrais dessa Política de Desenvolvimento Produtivo, a articulação e a coordenação entre as diferentes esferas de governo. No âmbito desse documento, o Complexo Industrial de Defesa é considerado como um Programa Mobilizador em Área Estratégica4, portanto de fundamental importância para a consecução dos objetivos almejados. No âmbito da Força Aérea, cabe ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) coordenar as ações relacionadas à Ciência, Tecnologia e Inovação, conforme descrito na Diretriz do Comando da Aeronáutica (DCA 80-2) “Plano Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento 2008-2018” (BRASIL, 2007m). No tocante às atividades de offset, o DCTA se vale da estrutura do Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) que tem, além de outras funções, a de assessorar as Organizações contratantes da Aeronáutica na negociação, execução e fiscalização dos projetos de offset. Nesse ponto, a Organização contratante, assessorada pelo IFI, se volta para a execução das orientações do EMAER, seguindo o preconizado na diretriz e na instrução pertinentes. A Organização contratante elaborará o instrumento convocatório com base nas orientações do Estado-Maior da Aeronáutica e procederá a análise das ofertas apresentadas, verificando o atendimento aos requisitos e valorando a oferta de acordo com o estabelecido no referido instrumento convocatório. Selecionada a proposta mais vantajosa, inicia-se a negociação dos contratos comerciais e do acordo de compensação (offset) sendo que este último, no âmbito de gestão da Força Aérea, é tratado como um contrato administrativo, considerando o disposto no Parágrafo Único, do art. 2°, da Lei 8666/93 (BRASIL, 1993f): “considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”. Na fase da execução do acordo, as ações de fiscalização são levadas a cabo como se um contrato administrativo fora, na forma do art. 67 da Lei 8666/93, devendo haver um fiscal para o 4 Programa no qual a construção da competitividade está fortemente relacionada à superação de desafios científicos-tecnológicos para a inovação. PDP (BRASIL, 2008b, pág. 29) 9 acordo, e sendo obrigatória a manutenção de registros dos acontecimentos, tudo autuado em processo administrativo de gestão dedicado, a fim de facilitar o controle e dar transparência ao processo. Assessorado pelo IFI, a Organização contratante envia relatórios ao EMAER sobre o andamento do acordo e seus projetos relacionados. O reconhecimento ou não da execução do projeto de offset é realizado mediante detalhada análise técnica, sendo que o beneficiário do projeto também é consultado, seja no âmbito militar, seja no âmbito civil. Vista a política da Forca Aérea para offset, qual a abordagem da END no assunto? 2.3. Os objetivos da Estratégia Nacional de Defesa e o offset. O Brasil possui hoje, decorrente de sua estabilidade política e econômica, uma posição de destaque no cenário internacional. Tendo em vista a pujança da nação brasileira, essa condição acarreta novas responsabilidades frente à comunidade internacional, exigindo também, por parte da sociedade brasileira, uma nova postura no campo da Defesa. Dessa maneira, é aprovada, no ano de 2008, a Estratégia Nacional de Defesa, contendo um plano focado em ações estratégicas de médio e longo prazo, visando à modernização da estrutura de defesa brasileira, com atuação em três eixos: reorganização das Forças Armadas, reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e política de composição dos efetivos. Ela chama a Sociedade para discutir o tema Defesa, a partir de amplo debate. O eixo relacionado à reestruturação da indústria brasileira de material de defesa tem como objetivo garantir que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas se apóie em tecnologia sob o domínio nacional, assegurando a autonomia operacional para as três Forças. Afirma ainda que estratégia nacional de defesa é inseparável da estratégia de nacional de desenvolvimento, concluindo que um projeto forte de defesa favorece um projeto forte de desenvolvimento. Coloca, como princípio, a independência nacional obtida pela capacitação tecnológica autônoma e o domínio das tecnologias sensíveis, como condição tanto para um projeto de desenvolvimento como para um projeto de defesa. No âmbito prático, “capacitar a indústria nacional de material de defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa” (BRASIL, 2008c, p.18) é a diretriz da END para o setor, sendo que deve-se eliminar, progressivamente, a compra de serviços e produtos importados, condição essa obtida a partir da capacitação tecnológica, resultado de parcerias com outros países. Deve ainda o setor estatal de material de defesa operar no teto tecnológico, garantindo, às empresas privadas, as tecnologias que as mesmas não possam alcançar. A END entende que o sustentáculo da Força Aérea, nos dias de hoje e no futuro, é o complexo científico-tecnológico, sendo imperativos estratégicos: a formação dos recursos 10 humanos para lograr alcançar a independência tecnológica e o desenvolvimento de projetos que propiciem aplicação análoga a outras áreas e que alterem as condições de combate. A END dedica especial atenção ao tema da substituição da frota de caças da Força Aérea, afirmando que a solução (aquisição, desenvolvimento, ou modernização) transcende uma mera discussão de equipamento, devendo ser entendida (a substituição) como parte integrante da END, exercendo ainda, essa decisão, efeitos variados sobre a situação estratégica do País na América do Sul e no mundo. Rejeita as soluções extremas (simplesmente comprar no mercado internacional, investir na modernização, ou investir no desenvolvimento de caça de geração avançada), entendendo ser válida uma solução híbrida, solução essa, que ultrapassaria os limites convencionais de uma simples aquisição com projetos de offset e transferência de tecnologia. Determina que a evolução da Força Aérea será marcada por três diretrizes, sendo vistas como oportunidades de transformação: a operação em rede com a Marinha e o Exército, a partir de novas tecnologias; o avanço nos programas de aeronaves não tripuladas; e a integração das atividades espaciais nas operações da Força Aérea (monitoramento espacial, veículos lançadores e fabricação de mísseis). Ao enumerar as diretrizes para a reorganização da indústria de defesa, prioriza o desenvolvimento de capacitações tecnológicas independentes, condicionando as parcerias com outros países e empresas estrangeiras, ao desenvolvimento progressivo de pesquisa e produção no Brasil. Prevê a reorganização do regime legal, regulatório e tributário da indústria nacional de material de defesa, de maneira a subordinar as considerações comerciais aos imperativos estratégicos. Como expõe Filgueiras (2011), existe uma inquietação, quanto ao potencial para adquirir tecnologia e obter sustentabilidade, no contexto político-econômico no qual a END se insere, o que levou a inclusão do desenvolvimento nacional entre os critérios de seleção das propostas dos fornecedores e os offsets como integrantes do instrumento convocatório, para as licitações públicas: Art. 3° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável (...). § 11. Os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras poderão, (...), exigir que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade integrante da administração pública ou daqueles por ela indicados a partir de processo isonômico, medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica (...) (BRASIL, 2010d). Por esse dispositivo, a exigência do offset, antes uma atividade mais afeta aos produtos de defesa, no âmbito das Forças Armadas, passa a ser uma ferramenta legal à disposição de todos os órgãos públicos contratantes. Esse dispositivo é conseqüência direta da END. 11 Nessa linha, determina ainda que o Estado ajudará a conquistar clientela estrangeira para a indústria de defesa, garantindo continuidade na produção, independentemente do cliente estrangeiro. O estabelecimento de uma política centralizada de compras de produtos de defesa, no Ministério da Defesa, é um objetivo de curto prazo, visando assim a otimização dos recursos, o atendimento às diretrizes da END nas decisões de compra, e a primazia do compromisso com o desenvolvimento das capacitações tecnológicas nacionais. Deve-se ainda fomentar o desenvolvimento de um complexo militar-universitário-empresarial capaz de atuar na fronteira de tecnologias que terão utilidade dual (civil e militar) (BRASIL, 2008c, p.37). No contexto atual, enumera aspectos positivos e negativos, na atual estrutura de defesa. Como principais vulnerabilidades aponta, entre outros, o elevado grau de dependência de produtos estrangeiros, limitados recursos aplicados em pesquisa científica e tecnológica, bloqueios tecnológicos impostos por países desenvolvidos, retardando os projetos brasileiros, inexistência de cláusulas de compensação comercial, industrial e tecnológica (offset) em alguns contratos de importação de produtos de defesa, ou mesmo a não-participação efetiva da indústria nacional em projetos e compensação. Em relação aos equipamentos, as três Forças deverão, nos seus planejamentos, prever a exigência offset. No que se refere à Ciência, Tecnologia e Inovação para a Defesa Nacional, a END, a exemplo do que a Força Aérea já vem praticando, determina que deva ser considerada a “Concepção Estratégica para CT&I de Interesse da Defesa”, documento elaborado em 2003, em conjunto pelo Ministério da Defesa e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Dessa maneira, quando a END se refere à conquista de “autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa” (BRASIL, 2008c, p.18), a orientação descrita na referida concepção passa a ser o balizador de projetos e atividades a serem buscados pelas entidades de pesquisa e desenvolvimento da base industrial de defesa. É com essa orientação que se dará o fomento de materiais, equipamentos e sistemas militares e civis de maneira a compatibilizar as prioridades científico-tecnológicos com as necessidades de defesa. (BRASIL, 2008c, p.55). Foi visto que a estratégia nacional de defesa é inseparável da estratégia de nacional de desenvolvimento e que um projeto forte de defesa favorece um projeto forte de desenvolvimento. Coloca, como princípio a ser atingido, a independência nacional, obtida tanto pela capacitação tecnológica autônoma como pelo domínio das tecnologias sensíveis, como condição tanto para um projeto de desenvolvimento como para um projeto de defesa. 12 Considerando os objetivos acima apresentados no âmbito da END, qual a contribuição da política de offset da Aeronáutica para a consecução de um projeto forte de defesa? 3. OFFSET NA AERONÁUTICA: RESULTADOS 3.1. Análise da documentação Foram pesquisados nove acordos de compensação, assinados no período de 2000 a 2010, contabilizando-se um total de 257 (duzentos e cinqüenta e sete) projetos de compensação. As informações foram acessadas por meio dos processos administrativos de gestão, tanto das organizações contratantes, como do Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI). Todos os acordos foram negociados e executados, sob a ótica do Ciclo de Vida praticada pela Aeronáutica, conforme a Política de Offset da Aeronáutica, e ainda atendendo sempre a todas as disposições legais da Lei 8.666/93 (BRASIL,1993f). Dado o grau de sigilo dos processos, alguns dados foram descaracterizados. 3.1.1. Formalidade O ato administrativo, para ter validade, deve possuir os requisitos da competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Na pesquisa realizada junto às organizações contratantes, verificou-se que os acordos de compensação são tratados, exatamente como contratos administrativos, sendo o trâmite legal, aquele previsto na Lei 8666/93 (BRASIL,1993f) e, complementarmente, seguidas as normas da Aeronáutica, inclusive havendo a regular publicação do extrato do acordo e de eventuais termos aditivos ao acordo, no Diário Oficial da União. O acompanhamento e o controle sobre a execução dos projetos estão baseados em uma estrutura gerencial complexa, mas efetiva: todo acordo de compensação possui um fiscal designado (art. 67, Lei 8666/93), que por sua vez se reporta ao gerente de projeto da aquisição. Na gestão do acordo de offset, o fiscal e a gerência de projeto, valem-se da assessoria técnica do Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), propiciando, dessa maneira, qualidade nas decisões a serem tomadas pelo Ordenador de Despesa que assinou o acordo. Toda a documentação relacionada está arquivada na forma de processos administrativos de gestão, um para cada acordo, possibilitando gestão eficiente e total transparência no trato da coisa pública, garantindo o cumprimento do interesse público. 3.1.2. Qualificação dos projetos de offset Para a Força Aérea, como já afirmado anteriormente, o principal objetivo do offset, enquanto ferramenta complementar, é garantir ao parque industrial aeroespacial brasileiro o 13 acesso à capacitação tecnológica e industrial e principalmente às inovações tecnológicas que garantam a desejada autonomia nacional no setor aeroespacial e o conseqüente pleno cumprimento das suas atribuições constitucionais. Dessa maneira, o projeto de offset mais requisitado nos processos de aquisição é o relacionado à transferência de tecnologia5. Conforme Filgueiras (2011), no período 2007-2010, a média de transferência de tecnologia nos processos de aquisição foi de 61,76% e no período de 2000-2006, de 27,78%. Em um dado projeto de aquisição, de um total de 52 projetos de compensação (offset), 86,83% estavam relacionados à transferência de tecnologia. De acordo com Affonso (2007), em relação aos setores beneficiados pelos projetos de offset, temos: a) Acordo PA-3: 100% dos projetos acordados têm como beneficiário6 algum integrante da indústria aeroespacial. b) Acordo PA-2: 66% dos projetos acordados têm como beneficiário, instituições de Pesquisa e Desenvolvimento (tanto do setor público como do privado); 27% dos projetos têm a indústria aeroespacial como beneficiários; e c) Acordo PA-1: 94% dos projetos têm como beneficiários a indústria aeroespacial, e 6% para instituições de Pesquisa e Desenvolvimento. 3.1.3. Exemplos de projetos de offset e a END O Projeto de Compensação “A” do Acordo PA-4 tinha como objeto a transferência de “know-how” no que se refere a integração dos sistemas GPS/Navegação Inercial. Conforme dados do processo administrativo de gestão, o beneficiário inicial era o Instituto de Aeronáutica e Espaço-IAE, e o objetivo maior era minimizar riscos no desenvolvimento do sistema de guiamento do Projeto VANT7. Posteriormente, a atividade foi estendida às empresas AVIBRAS S.A., MECTRON S.A., ao Instituto de Pesquisas da Marinha – IPQM, ao Instituto de Tecnologia de Aeronáutica – ITA e ao Instituto de Estudos Avançados –IEAv. Ainda que o objetivo inicial fosse o Projeto VANT, por spin-off, foram beneficiadas, diretamente, as áreas de guiamento de veículos lançadores e de mísseis. Este projeto atende diretamente o preconizado pela END (páginas 18, 30, 32, 35, 37, 52, 54, 55 e 57), isto é a capacitação de recursos humanos, avanço 5 Conjunto ordenado de conhecimentos (científicos ou empíricos) utilizados na produção e na comercialização de bens e serviços. DCA 14-2. (BRASIL, 2002g). 6 Beneficiários: são as entidades que se beneficiarão de um Projeto de Compensação. Caracterizam-se, primordialmente, como as organizações da Aeronáutica, o Parque Industrial Aeroespacial Brasileiro e, em situações especiais e quando do interesse da Aeronáutica, outros setores da economia. ICA 360-1 (BRASIL, 2005h). 7 VANT: Veículo Aéreo Não-Tripulado. 14 nos programas de veículos aéreos não tripulados e desenvolvimento de tecnologias de veículos lançadores e fabricação de mísseis. O Projeto de Compensação “D” do Acordo PA-4 tinha como objeto a transferência de tecnologia para aplicação em programas espaciais, capacitando empresa nacional para projetar e fabricar dispositivos eletrônicos para aplicações espaciais, de acordo com normas internacionais de qualidade. Conforme dados do processo administrativo de gestão, o beneficiário foi indústria nacional e o objetivo detalhado consistiu na capacitação para projetar, fabricar, inspecionar e testar equipamentos com componentes Surface Mount Devices–SMD. O design e a produção das placa de circuitos para aplicações espaciais diferem completamente das aplicações aeronáuticas devido à operação completamente diferente do ambiente de operação de cada um. Em aplicações espaciais, quando o satélite não está exposto ao sol, as temperaturas atingem valores próximos a 0° K. Quando exposto ao sol, a temperatura atinge valores muito superiores aos encontrados em um avião. Além disso, a falha em sistemas de satélite geralmente implica na perda total do satélite. Apenas um pequeno número de empresas no mundo têm o know-how para produzir placas de SMD para aplicação espacial. A capacitação contribuiu para que a empresa tivesse condições de fornecer diversos dispositivos destinados a programas de desenvolvimento na área espacial conduzidos no Brasil, como por exemplo, fonte de energia para satélites, controle de carga e temperatura da bateria, e controle de energia do painel solar, o que permitiu elevar o faturamento da empresa. Este projeto atende diretamente ao preconizado pela END (páginas 9, 18, 30, 32, 35,52, 54, 55 e 57), principalmente no que se refere ao setor espacial. O Projeto de Compensação “F” do Acordo PA-3 tinha como objeto a capacitação de indústria nacional no desenvolvimento, adaptação e integração do “software” do Tactical Mission Systems –TMS conforme requisitos definidos pelo contrato. O TMS representa o mais importante software embarcado, constituindo o coração do sistema de missão da aeronave adquirida. O beneficiário obteve capacitação para integrar, certificar, manter, operar e alterar o TMS como um todo, garantindo à Força Aérea a autonomia logística e operacional nesse crucial sistema da aeronave, durante o seu ciclo de vida. Foram capacitados quatorze engenheiros, realizando atividades conjuntas de especificação, engenharia, projeto de software, desenvolvimento, integração e testes, diretamente junto à empresa contratada. Considerando o conhecimento adquirido em integração de sistemas, o spin-off é significativo, considerando que essa empresa nacional passa a ter capacitação para aplicar esses conhecimentos em outros projetos de defesa. Este projeto atende diretamente ao preconizado pela END (páginas 9, 18, 28, 30, 32, 35, 52, 54 e 55). 15 O Projeto de Compensação “H” do Acordo PA-4 tem como objetivo a inserção, sem ônus, durante quatro anos, de um grupo de noventa empresas brasileiras do setor aeroespacial e de defesa em dois Portais (Internet) de negócios e comércio eletrônico (“B2B-Business to Business”) “EPICOS” e “EXOSTAR”, no intuito de promover essas empresas brasileiras no mercado internacional e, conseqüentemente, estimular a exportação de produtos e serviços brasileiros. Inclui atividades como, treinamento das empresas no Brasil para operação dos sistemas “B2B”, assessoria em marketing para desenvolvimento das home-pages de cada uma das empresas, suporte operacional, dentre outras. A Exostar foi fundada em Março de 2000 pelas quatro principais empresas da Indústria Aeroespacial e de Defesa: BAE Systems, Boeing, Lockheed Martin, Raytheon e Rolls-Royce. Trata-se de um mercado eletrônico aberto e seguro, conectando fabricantes, fornecedores e clientes em todo o mundo, com o objetivo de concretizar substanciais benefícios através da realização de transações comerciais através de soluções proporcionadas pela Internet (aquisição, obtenção e colaboração por meios eletrônicos), de forma eficiente e transparente. Este projeto atende diretamente ao preconizado pela END (páginas 34 e 35). O Projeto de Compensação “C” do Acordo PA-2 consiste na transferência, para Universidades brasileiras, de know-how e experiências relacionadas a projetos de Excelência em Pesquisa, desenvolvidos por Universidade estrangeira. Por meio dessa colaboração, equipes das Universidades brasileiras estarão integradas nos projetos de Excelência em Pesquisa oferecidos por Universidade estrangeira, considerando os interesses das Universidades brasileiras nas áreas de doenças tropicais e parasitologia, entre outras. Este projeto atende diretamente ao preconizado pela END (páginas 37, 52 e 66). Atende também ao preconizado na “Concepção Estratégica: Ciência, Tecnologia e Inovação de Interesse da Defesa Nacional” (BRASIL, 2003a) no que se refere à área estratégica “Biomédica”. O Projeto de Compensação “E” do Acordo PA1 consistiu no fornecimento de cursos na área espacial para a capacitação de pessoal, além de possibilitar a abertura de um canal de comunicação com especialistas estrangeiros. O público-alvo consistiu em engenheiros e técnicos de todos os Institutos do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), além do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). Foram ministrados, pela empresa Launchspace Training, dezesseis cursos, propiciando novos conhecimentos a trezentos e vinte e cinco especialistas, nos seguintes temas: a) Solid Rocket Motor Engineering and Design; b) Systems Engineering and Design; c) Risk Management in Launch Operations; d) Missile and Launch Vehicle Guidance Systems; e) Launch Site 16 Operations; e f) Telemetry Systems. Ao capacitar recurso humano na área espacial, este projeto atende diretamente ao preconizado pela END (páginas 9, 18, 30, 52 e 57). 4. CONCLUSÃO Este trabalho teve como objetivo identificar o grau de compatibilidade entre a Política de offset praticada pela Aeronáutica e os objetivos gerais da Estratégia Nacional de Defesa, analisando-se as normas e regulamentos praticados pela Aeronáutica, as orientações contidas na END e por fim, comparando os resultados obtidos pela Aeronáutica, no âmbito de projetos de aquisição no período 2000-2010. A metodologia utilizada na pesquisa foi, quanto aos fins, descritiva e explicativa, e quanto aos meios, bibliográfica e documental. Com a finalidade de situar o trabalho no contexto teórico mundial, foram discutidas as definições de offset, as condicionantes relacionadas ao tema e os tipos de compensação existentes. Foi visto que os países importadores de produtos de defesa, com economias recémindustrializadas, têm se utilizado do poder de compra para exigir compensações relacionadas à transferência de tecnologia e inovação. Foi demonstrado que em certos casos, um governo pode praticar uma política de aquisição em que o pacote de offset suplante, em prioridade, o critério de preço e qualidade. Nesses casos, fica claro que esses países entendem que os benefícios e vantagens tecnológicas decorrentes dos projetos de offset suplantam os preços maiores da oferta. Dessa maneira, demonstrou-se que o offset, a partir do poder de compra do Estado, é uma ferramenta de acesso ao conhecimento tecnológico e de incremento da base industrial utilizada por vários países. Dando continuidade ao trabalho, analisou-se a evolução do tema offset na Força Aérea, demonstrando-se que a mesma sempre teve a plena consciência de que o cumprimento de sua missão constitucional somente seria plenamente garantido se houvesse total autonomia e independência tecnológicas no setor aeroespacial. Discorreu-se sobre a criação, pela Aeronáutica, de um centro tecnológico de alto nível com a finalidade de suportar as necessidades operacionais decorrentes de sua missão e, a partir dessa postura em relação à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, a percepção de que nos casos em que houvesse a necessidade de se importar bens ou serviços de defesa, o offset seria uma ferramenta adicional para a conquista da almejada autonomia e independência tecnológica. Aceito o conceito do offset como ferramenta de benefício para o setor aeroespacial, a Força Aérea passou a normatizar o processo, editando desde 1991, uma série de normas e 17 regulamentos que propiciassem, no caso de importações de bens e serviços pela Força Aérea, procedimentos e processos de gestão para garantir as condições mais vantajosas no que se refere a offset. Demonstrou-se que, no processo de aquisição da Aeronáutica, pratica-se o modelo de Ciclo de Vida, modelo este que se constitui em uma seqüência de eventos ou atividades que contém todos os aspectos a serem observados ao se procurar satisfazer determinada necessidade operacional. Nas fases pertinentes, demonstrou-se que o Estado-Maior da Aeronáutica, busca priorizar os projetos de offset relacionados com ciência, tecnologia e inovação, de acordo as áreas nacionais de pesquisa e desenvolvimento e as tecnologias de interesse da Defesa Nacional, em âmbito nacional. A execução do quanto determinado pelo Estado-Maior da Aeronáutica é coordenada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial e executado pelos órgãos contratantes, sendo que todo o processo de gestão atende aos preceitos determinados pela Lei 8666/93 (BRASIL, 1993f), assegurando total transparência ao processo. Em decorrência da posição de destaque do Brasil no cenário internacional, resultado de sua pujança e da estabilidade econômica, novas responsabilidades, direitos e interesses decorreram dessa posição, obrigando a Sociedade brasileira a repensar o tema Defesa. Em resposta a essa demanda, foi aprovada, em 2008, a Estratégia Nacional de Defesa (END), conclamando a Sociedade para o debate e elaborando um plano focado em ações estratégicas, visando modernizar o setor de Defesa nacional, a partir de três eixos, sendo um deles o da reestruturação da indústria de material de defesa. Parte da premissa que o atendimento das necessidades das Forças deve estar apoiado em tecnologia sob domínio nacional, elencando, a partir dessa premissa, diretrizes, ações e políticas a serem seguidas, bem como perspectivas com o objetivo de buscar a plena independência tecnológica no setor de defesa. Aponta vulnerabilidades e vantagens da atual estrutura de defesa, destacando que há contratos de defesa que ainda não exploram o offset e determinando que as Forças, ao atender os seus planos de reequipamento, exijam offset. Dessa maneira, entende ser a exigência de offset, uma ferramenta válida na busca da autonomia tecnológica, o que fica comprovado a partir da inserção dessa prática (do offset) na lei de aquisições brasileira. O próximo passo foi a apresentação de projetos de offset negociados, acordados e em execução, no âmbito de gestão da Aeronáutica. Foi demonstrado como a Aeronáutica gerencia todo o processo de offset no seu âmbito de gestão, destacando-se o fluxo dos processos e a transparência no trato da coisa pública. Foram apresentadas estatísticas demonstrando que o offset mais requisitado e acordado tem sido aquele ligado à transferência de tecnologia. A seguir, foram descritos os aspectos mais importantes de cada projeto, como o seu objetivo e o(s) seu(s) 18 beneficiário(s), confrontando-se cada um dos projetos com o texto da END, principalmente no que se refere à capacitação tecnológica de interesse da Defesa. A partir dessa confrontação, ficou demonstrada a integral adequabilidade Política da Força Aérea para offset em relação objetivos gerais da Estratégia Nacional de Defesa. Considerando ainda o disposto na END, que aponta como vulnerabilidade a inexistência de cláusulas de offset em alguns contratos de importação no âmbito da Defesa e a alteração dos dispositivos da Lei 8666/93, que agora prevê a possibilidade de offset no segmento civil, pode-se afirmar que o sucesso do modelo de gestão de offset, praticado pela Aeronáutica, pode ser aplicado pelo Ministério da Defesa e por outros órgãos contratantes da Administração Pública. Considerando a complexidade do tema offset, e o impacto na base industrial de defesa nacional, vislumbra-se uma linha de pesquisa sobre a viabilidade de se criar um órgão conjunto para coordenar as ações de offset no âmbito do Ministério da Defesa. 19 REFERÊNCIAS AFFONSO, J.A. Crepaldi. Gestão de Offset nos Grandes Projetos Aeronáuticos. A Experiência da SDDP. Curso de Negociação de Contratos e Acordos de Compensação do Instituto de Logística da Aeronáutica. 26 mar 2007. 72 f. Notas de Aula. AZEVEDO, A.E.Moura. 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Regulamento o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e outras providências. Brasília, DF, 1993f. ______. Lei nº 12349, de 15 dezembro de 2010. Altera as Leis nos 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.958, de 20 de dezembro de 1994, e 10.973, de 2 de dezembro de 2004; e revoga o § 1º do art. 2º da Lei no 11.273, de 6 de fevereiro de 2006. Brasília, DF, 2010d. FILGUEIRAS, Eduardo Quesado. A conjuntura político-econômica 2007-2011 e transferência de tecnologia nos offsets da Aeronáutica. (Curso de Comando e Estado-Maior). Universidade da Força Aérea, Rio de Janeiro, 2011. MODESTI, A. O offset: teoria e prática. In: Warwar, Z. (org.). Panorama da prática de offset no Brasil. Brasília: Suspensa, 2004. 21