UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA Como os professores lidam com um aluno com deficiência inserido em suas turmas? Os Desafios da Transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental Paola Bisaccioni Monografia realizada como parte das exigências para obtenção do Grau de Bacharel no Curso de Graduação em Psicologia da UFSCar, sob a orientação da Profª. Dra. Enicéia Gonçalves Mendes São Carlos 2005 Resumo O presente estudo teve como finalidade investigar a atuação do professor para descrever e analisar como os professores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental desenvolvem seu trabalho quando um aluno com deficiência se encontra inserido em suas turmas; identificar e descrever práticas pedagógicas inclusivas e situações-problemas vivenciadas pelos educadores de classes inclusivas; descrever e analisar como ocorre a transição da pré-escola para a primeira série do Ensino Fundamental. A pesquisa teve como participantes dois professores e uma criança com deficiência e foi realizada em duas escolas públicas de São Carlos. O delineamento de estudo de caso envolveu três etapas: investigação do discurso, investigação da prática e investigação de mudanças no discurso dos professores. A primeira etapa consistiu em entrevistar os dois professores antes do início da investigação da prática. Um roteiro de entrevista foi utilizado nessa fase. Na segunda etapa, foram efetuadas dez sessões de observação participante de quatro horas cada, nas duas turmas. Um inventário serviu como guia e todas as sessões de observação foram registradas em diário de campo. Através da observação da atuação dos professores, foram identificados episódios que ilustram situações-problemas e práticas pedagógicas inclusivas. Na terceira etapa, os professores foram novamente entrevistados ao final das sessões de observação. Um roteiro de entrevista também foi utilizado nessa fase. Todas as entrevistas passaram por um procedimento de análise de conteúdo. Posteriormente, foram formulados dois estudos de caso através da triangulação dos dados das diferentes fontes. Os resultados encontrados no estudo indicam um equilíbrio no número de situaçõesproblemas e práticas pedagógicas inclusivas na pré-escola e um predomínio de situaçõesproblema na primeira série. As professoras tiveram dificuldade para lidar com o aluno com deficiência e utilizaram poucas adaptações nas atividades propostas para ele. De forma geral, apresentaram coerência entre o discurso e a prática. A transição da pré-escola para a escola caracterizou-se como um momento crítico na escolarização do aluno, que requer estudos que aprofundem o tema. Além disso, é imprescindível que se produza conhecimento científico sobre a questão da formação continuada do professor do ensino regular. Palavras-chave: Inclusão Escolar, Transição, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Atuação de Professores, Estudo de Caso . Apoio: CNPq 2 Índice Introdução.......................................................................................................................... 04 Contexto do estudo.............................................................................................................. 13 Objetivos............................................................................................................................. 14 Método................................................................................................................................ 15 Participantes........................................................................................................................ 15 Local.................................................................................................................................... 15 Instrumentos........................................................................................................................ 16 Procedimento de coleta de dados........................................................................................ 16 Etapa Preliminar - Condução dos procedimentos éticos.................................................. 16 Etapa I - Investigação do discurso dos professores.......................................................... 17 Etapa II -Investigação da prática dos professores........................................................... 18 Etapa III - Investigação de mudanças no discurso dos professores................................. 20 Procedimento de análise dos dados.................................................................................... 21 Entrevista.......................................................................................................................... 21 Registros do diário de campo........................................................................................... 21 Relato de estudo de caso.................................................................................................. 23 Resultados.......................................................................................................................... 26 Parte I - Relatos dos Casos.................................................................................................. 26 Caso 1 – Felipe com a professora Márcia na escola de Ensino Infantil............................26 Caso 2 – Felipe com a professora Fátima na escola de Ensino Fundamental...................32 Parte II - Percepções das professoras sobre a inclusão escolar........................................... 36 a) considerações da professora Márcia sobre a experiência de ter Felipe como aluno.... 36 b) considerações da professora Fátima sobre a experiência de ter Felipe como aluno.... 46 Parte III- Episódios inclusivos e situações-problemas nas duas escolas............................. 49 Discussão............................................................................................................................ 54 Considerações Finais........................................................................................................ 58 Referências Bibliográficas................................................................................................ 59 Anexos................................................................................................................................ 61 3 Introdução A educação inclusiva é uma proposta de aplicação prática ao campo da educação de um movimento mundial, denominado como Inclusão Social. Segundo Sassaki (1997), por inclusão social entende-se: “(...) o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades educativas especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos” (p. 3). Martínez (2005) também ressalta que, apesar das diferenças existentes entre os diversos autores sobre o conceito de inclusão, há um consenso em considerar a inclusão escolar como estando dentro de uma concepção mais ampla de inclusão que se expressa em diversas esferas sociais. Tal posição ainda é encontrada nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001), instituída pela Resolução 02/2001, que afirma que: “A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um estado democrático. Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, do esforço coletivo na equiparação das oportunidades de desenvolvimento, com qualidade em todas as dimensões da vida. Como parte integrante desse processo e contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se a inclusão educacional” (p.20). No movimento pela inclusão social e, particularmente no âmbito da educação, a Conferência Mundial de Educação para Todos, que ocorreu na Tailândia, em 1990, é tida como o marco mundial que reuniu todos os países para garantir o direito à educação de qualidade para todos (MENDES, 2005). A Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, realizada pelo governo da Espanha e pela UNESCO, em 1994, que resultou na 4 elaboração da Declaração de Salamanca, foi outro importante marco mundial na difusão da filosofia da Educação Inclusiva. No Brasil, o movimento pela Educação Inclusiva tem tido seu maior impacto na discussão das políticas públicas educacionais para crianças e jovens com necessidades educacionais especiais ou no contexto da Educação Especial, uma vez que essa parcela da população vem sendo historicamente excluída da escola e da sociedade. Bailey, McWilliam, Buysse e Wesley (1998) definem a inclusão escolar como a completa participação da criança com necessidades educacionais especiais em programas e atividades disponíveis para crianças com desenvolvimento típico. Apontam que, embora não necessariamente limitada à participação em salas de aula, as salas inclusivas constituem o lugar em que esse construto é normalmente operacionalizado. O’Donogue e Chalmers (2000) utilizam o termo inclusão escolar para descrever situações em que o professor da classe regular é responsável pelo programa educacional tanto das crianças com alguma necessidade educacional especial como daquelas que não têm dificuldades e essa educação acontece numa sala de aula regular. Rogers (1993, apud IVERSON, 1999) pontua que a inclusão envolve a inserção de uma criança que tem mais necessidades que a maioria das outras crianças da classe, mas que elas nem sempre são diferentes das necessidades dos outros alunos da turma. Mittler (2004) aponta que “embora não haja uma definição de comum acordo, existe um consenso de que a inclusão exige uma reorganização fundamental das escolas e salas de aulas regulares para atender uma maior diversidade de necessidades das crianças da comunidade” (p. 9). Para o autor, a inclusão envolve alterações em três níveis: 1) todas as crianças freqüentando a escola local, na sala de aula regular com o devido apoio; 2) todas as escolas reestruturando seu programa de ensino, avaliação e sistemas de agrupamento para garantir acesso e sucesso a todas crianças da comunidade; 3) todos os professores aceitando a responsabilidade pelo aprendizado de todas as crianças, recebendo treinamento contínuo, apoio do diretor, de seus colegas e da comunidade. Segundo Bueno (2001), a Declaração de Salamanca define que: “(...) a expressão ‘necessidades educativas especiais’ refere-se a todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de suas capacidades ou de suas dificuldades de aprendizagem” (p. 23). 5 O autor ressalta que o termo necessidades educativas especiais abrange, com certeza, a população deficiente, mas não se restringe somente a ela, e que o princípio fundamental da filosofia da inclusão é o de que: “As escolas devem acolher a todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados” (p. 23). O referido autor aponta que a escola atual não consegue dar conta das diferenças, sejam elas de origem pessoal, social, cultural ou política, e que a inclusão demanda alterações estruturais na escola para que ela seja capaz de oferecer uma educação de qualidade a todas as crianças. O princípio de inclusão escolar estabelece que as diferenças humanas são normais e que é a escola que tem que se adaptar às necessidades da criança. Mittler (2004) também enfatiza que “deve-se reconhecer que os obstáculos à inclusão estão na escola e na sociedade e não na criança” (p. 9). O autor afirma que a elaboração de um plano de inclusão individual requer mais do que a tradicional avaliação das dificuldades da criança, com o questionamento de quais mudanças ambientais são necessárias para permitir que as necessidades de cada aluno sejam atendidas na sala de aula regular. Stainback (2004) pontua que a padronização dos programas de ensino, da avaliação e dos métodos é prejudicial não apenas para o movimento de inclusão, mas para toda a educação, pois os alunos não são todos iguais. As mudanças na instituição escolar são vistas como um elemento central para a inclusão escolar por diversos autores. Mantoan (1997, apud MARTÍNEZ, 2005) afirma que: “...a inclusão é um motivo para que a escola se modernize e os professores aperfeiçoem suas práticas e, assim sendo, a inclusão escolar de pessoas deficientes torna-se uma conseqüência natural de todo um esforço de atualização e de reestruturação das condições atuais de ensino básico“ (p.17). Além disso, Martínez (2005) ressalta que são necessárias mudanças na representação da escola como instituição e não apenas no processo pedagógico para 6 favorecer o processo de inclusão. A autora acrescenta que: “A compreensão da aprendizagem como um processo complexo e, conseqüentemente, singularizado da subjetividade humana, do espaço escolar como um sistema social complexo, assim como uma concepção social e não fatalista da deficiência e de outras características e condições das crianças devem orientar o conjunto de ações do profissional (...) no contexto escolar” (p.104). Fox, Farrel e Davis (2004) indicam que há duas questões-chave interligadas que parecem ser centrais para a efetiva inclusão de crianças com necessidades especiais. A primeira delas refere-se às percepções e experiências de professores do ensino regular; a segunda consiste no modo pelo qual os apoios e as adaptações estão sendo oferecidos aos alunos com deficiência nas salas de aula. Os autores sinalizam que não há uma fórmula para garantir o sucesso da inclusão, mas que há certos fatores importantes que determinam a extensão com que a criança com deficiência será incluída na classe e na escola como um todo. Os dados de pesquisa encontrados por eles sugerem, primeiramente, que a inclusão tem mais chances de ter sucesso quando o professor regular assume um papel central no manejo das adaptações e na organização da rotina educacional da criança com necessidades especiais. Em segundo, que os resultados estão diretamente relacionados com o modo pelo qual o professor regular trabalha com a equipe escolar e com outros profissionais envolvidos. Por último, que a qualidade da depende de quanto o currículo é adequado à criança e se ela é vista como central no processo de aprendizagem. Além disso, os autores indicam a necessidade de que toda a equipe escolar se responsabilize por atender as necessidades do alunos e compartilhe as informações, como por exemplo, sobre as dificuldades, potencialidades, o progresso acadêmico dos alunos e as estratégias que tiveram bons resultados. De acordo com Bailey et al (1998), a inclusão de crianças com necessidades especiais em programas educacionais para as crianças com desenvolvimento tido como normal está enraizada em quatro tipos de bases históricas: legal, moral, racional e empírica. A base legal refere-se à todas as leis e políticas que regulamentam e apóiam a inclusão escolar. No caso do Brasil, alguns exemplos seriam: a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994), a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 (BRASIL, 1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais 7 (BRASIL, 1998), o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2000) e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001). A base moral tem como pressuposto que crianças com dificuldades têm o direito de participar de programas e atividades cotidianos que estejam disponíveis para as outras crianças. Esse argumento moral está baseado na suposição de que a inclusão é a coisa certa a se fazer. Os argumentos da base racional estão baseados na suposição de que uma política deve ser implementada se ela beneficiar um ou mais indivíduos ou grupos. No caso da inclusão, há muitos argumentos que indicam seus benefícios. Por exemplo, ela pode trazer benefícios para a criança com necessidades especiais por permitir: um ambiente de aprendizagem mais desafiador, oportunidades de observar e aprender com seus pares através dos desempenhos competentes deles, contextos reais para aprender habilidades e um ambiente em que se encontram mais facilmente respostas sociáveis. A inclusão também pode beneficiar a criança sem necessidades especiais por: ajudá-las a terem conhecimento sobre diferenças nos modos de crescimento e desenvolvimento das pessoas, educá-las para atitudes mais favoráveis diante de pessoas com necessidades educacionais especiais e ajudá-las a aceitarem melhor as suas próprias forças e fraquezas (BAILEY & WINTON, 1987, apud BAILEY ET AL, 1998). Os argumentos da base empírica são baseados em evidências científicas. Pesquisas com pré-escolares, por exemplo, oferecem forte suporte para a inclusão. Buysse e Bailey (1993, apud BAILEY ET AL, 1998) revisaram 22 estudos que comparavam programas inclusivos e programas segregados para pré-escolares com necessidades educacionais especiais. Foram encontradas poucas diferenças entre os dois tipos de programas no progresso das crianças em medidas de padrões de desenvolvimento. Entretanto, fortes evidências indicam benefícios dos ambientes inclusivos quando são considerados a competência social, o brincar e o engajamento. Além disso, não foi encontrada nenhuma evidência de que a inclusão interfere no desenvolvimento de pré-escolares sem necessidades especiais. Apesar da força dos argumentos que apóiam a inclusão, existe uma considerável variabilidade nos modos e extensão com que cada comunidade tem implementado práticas inclusivas, e ainda existem controvérsias sobre a conveniência da inclusão de todas as crianças. Assim, o debate acerca da educação inclusiva vem sendo um assunto freqüente em nosso país, mas a matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais em 8 classes comuns das escolas regulares, uma garantia legal alcançada há cerca de 17 anos, parece estar avançando muito lentamente. Bueno (2001) defende realisticamente que a inclusão escolar em nosso país deva ser um processo gradativo, contínuo, sistemático e planejado. Também defende que o estabelecimento de diretrizes e ações políticas inclusivas exige, por um lado, ousadia e coragem, mas, por outro, prudência e sensatez, de tal forma que ela vá, efetivamente, constituindo-se numa realidade de fato. Stainback e Stainback (1999) também afirmam que “...a mudança só pode ocorrer em pequenos avanços... a aceleração do processo pode fazer com que os indivíduos rejeitem as novas práticas e sabotem os esforços de reforma” (p.264). Portanto, o grande desafio dos sistemas de ensino é implementar procedimentos pedagógicos que respeitem a diversidade social e cultural dos alunos e que contemplem as diversas formas como cada um deles incorpora e expressa o “saber escolar” (BUENO, 2001). A inclusão de crianças com características diversas, que antes não estavam na escola regular, vêm impondo aos educadores novas questões que vem sendo discutidas recentemente. Entre elas, a necessidade de repensar as concepções de escola homogenizadora, suas práticas de ensino, suas formas de avaliação e seus tempos de progressão. Assim, considerando que se encontra legalmente estabelecido o direito dos alunos com necessidades especiais de ingressar nas classes comuns seria preciso, portanto, preparar o educador para recebê-los, e esse preparo deveria estar sendo sistematizado nos cursos regulares de formação. Entretanto, a novidade da proposta de inclusão escolar em nossa realidade demanda produção de conhecimento para a questão da formação de professores. Iverson (1999) aponta que uma característica fundamental do professor eficiente é o manejo da turma. A autora, baseada em evidências científicas, afirma que o manejo eficiente da aula contribui mais para a aprendizagem do que o planejamento do currículo, a instrução, a motivação, o apoio familiar e a política da escola (WANG, HAERTAL, WALBERG, 1993, apud IVERSON, 1999). Além de um plano de manejo, os bons professores têm outras habilidades como: conhecer as necessidades dos alunos, estabelecer relacionamentos positivos, saber como 9 usar métodos de ensino para promover a aprendizagem e usar uma variedade de métodos que envolvam os alunos na correção dos comportamentos inadequados. Os professores que têm um amplo conhecimento e técnicas para ensinar, mas que não têm capacitação para o manejo adequado da sala, muitas vezes ficam frustrados com os alunos, com o trabalho, alteram seus tons de voz, reclamam bastante, enfrentam um estresse intenso e usam muita punição (IVERSON, 1999). Algumas sugestões de planejamento são sugeridas pela autora, como: elaborar procedimentos claros para corrigir comportamentos inadequados e para reconhecer comportamentos adequados, fazer com que os alunos participem da elaboração de regras e procedimentos em aula, informar aos pais sobre as regras disciplinares da escola, desenvolver parcerias entre a família e a escola, estabelecer atitudes positivas para o sucesso de cada aluno e praticar o manejo de conteúdo, analisando a programação diária. Os problemas prioritários no manejo da turma são: 1) moldar o ensino para o nível adequado de cada aluno; 2) facilitar a aceitação por parte dos colegas de alunos com necessidades especiais; 3) enfrentar efetivamente comportamentos fisicamente perigosos ou destrutivos. Com relação ao primeiro item, os professores devem planejar suas aulas considerando o conhecimento prévio e os interesses principalmente dos alunos que têm alguma dificuldade, pois isso aumentará seu envolvimento na atividade. Além disso, os alunos devem estar orientados para o domínio das tarefas, pois assim eles terão grande necessidade de realização e pouco medo do fracasso. Para isso, Woolfolk (1993, apud IVERSON, 1999) sugere algumas maneiras de encorajar o aluno e ajudá-lo a se orientar para a tarefa. As sugestões referem-se a: escolher tarefas de aprendizagem adequadas, ajudar os alunos a estabelecerem objetivos de aprendizagem, enfatizar o progresso dos alunos, oferecer sugestões específicas de melhoria antes de solicitar e graduar os esboços finais e apontar as relações entre esforço e realização. Com relação ao segundo item, a autora sugere que o professor implemente intervenções que proporcionem atividades conjuntas e o compartilhamento de interesses, de modo a favorecer os relacionamentos entre os alunos. Para isso, são indicados: montar díades de alunos que não têm muito contato para que possam conversar sobre seus interesses, e utilizar a aprendizagem cooperativa, formando pequenos grupos para resolver problemas em conjunto. Quanto ao último item de manejo de conduta, os planos de intervenção devem 10 incluir procedimentos para garantir de imediato a segurança a todos, o envolvimento dos pais, a manutenção de registros, a determinação da necessidade de apoio e ensino do aluno a lidar com seu próprio comportamento. Stainback e Stainback (1999) apresentam algumas estratégias para estruturar a sala de aula de modo a evitar a ocorrência de problemas disciplinares. Primeiramente eles indicam que é importante aumentar o tempo do aluno na tarefa, pois isso evita problemas de disciplina e mantém o engajamento nas atividades acadêmicas. Apontam também a necessidade de que as atribuições sejam claras, relacionadas aos interesses dos alunos, estruturadas para que os alunos tenham oportunidade de obter sucesso e retornos e reconhecimentos imediatos. Sugerem ainda que alunos com problemas de comportamento sejam agrupados com alunos que apresentam comportamentos adequados em atividades de natureza mais cooperativa. De maneira geral, os referidos autores orientam o professor para se manter calmo diante de comportamentos inadequados, atrair o mínimo de atenção possível para esses comportamentos, ajudar os alunos a terem comportamentos adequados, tentar resolver ele mesmo os problemas da turma de forma privada e discreta e ser consistente em suas reações aos comportamentos. Flavey, Givner e Kimm (1999) afirmam que em estabelecimentos educacionais inclusivos, o ensino deve estar concentrado nas potencialidades, nos interesses e nas necessidades dos alunos. Elas indicam que, depois das avaliações iniciais para identificar as potencialidades e as necessidades educacionais mais críticas dos alunos e seu grau de desempenho atual, é importante manter uma avaliação contínua sobre o que ensinar, como ensinar e quando mudar o ensino. Para isso, as autoras enfatizam o uso das avaliações informais para obter informações importantes na tomada de decisões educacionais. As autoras fazem a ressalva de que, algumas vezes, mesmo com o uso de várias estratégias de ensino, o aluno pode não entender as disciplinas acadêmicas, sendo necessário o uso de alternativas. As estratégias de ensino alternativas são freqüentemente chamadas de ensino em multiníveis, elas são planejadas individualmente e podem incluir: 1) ensino do mesmo currículo, mas em um nível menos complexo; 2) ensino do mesmo currículo, mas com aplicação funcional ou direta às rotinas diárias; 3) ensino do mesmo currículo, mas com redução dos padrões de desempenho; 4) ensino do mesmo currículo, mas em um ritmo mais lento; 5) o ensino de um currículo diferente ou substituto. A seguir, no Quadro I, são listadas algumas estratégias de ensino, acomodações ou oportunidade de ensino em multiníveis que os professores podem utilizar quando um aluno 11 está com dificuldades de aprendizagem (adaptado de FALVEY ET AL, 1999). Quadro I - Opções para facilitar o acesso dos alunos à aprendizagem. Estratégias para facilitar o acesso dos alunos à aprendizagem ▪ Mudar o ambiente físico Ajustar o ritmo Ampliar as exigências de tempo Variar freqüentemente a atividade Permitir interrupções ▪ Fazer acomodações no ambiente Acomodar a disposição da cadeira Alterar a disposição física para reduzir distrações e garantir acesso físico Ensinar os alunos a usar eficientemente o espaço ▪Mudar a organização do ambiente de aprendizagem - Variar a disposição dos grupos Adotar ensino coletivo Adotar o ensino em pequenos grupos Adotar o ensino individual Usar apoio e orientação dos colegas Propor atividades independentes Propor grupos de aprendizagem - Variar os métodos de ensino Ensino dirigido pelo professor Ensino dirigido pelo aluno - Proporcionar motivação e reforço Proporcionar reforço verbal e não-verbal Ser positivo Elogiar realizações concretas Planejar seqüência de atividades motivadas Reforçar a iniciação Oferecer opções Usar freqüentemente as potencialidades e interesses dos alunos Enviar bilhetes para casa Usar cédulas de dinheiro Motivar com tempo livre Motivar com atividades especiais Exibir mapas de progresso - Variar as regras Diferenciar as regras para alguns alunos Usar regras explícitas/implícitas - Ensinar automanejo e acompanhamento de atividades Usar horários e calendários diários visuais pictóricos Verificar freqüentemente a compreensão Solicitar reforço dos pais Fazer com que o aluno repita as instruções Ensinar técnicas de estudo Planejar prazos mais longos Propor generalizações Ensinar em vários locais/ambientes ▪ Mudar os métodos de apresentação - Variar as estratégias curriculares Ensinar segundo o estilo de aprendizagem do aluno Utilizar o currículo especializado Propor o modelo de aprendizagem experimental Demonstrar a aplicação funcional das habilidades acadêmicas Fazer demonstrações (por meio de exemplos) Utilizar objetos manipuláveis Enfatizar as informações críticas Ensinar o vocabulário previamente Usar a comunicação total Usar a comunicação facilitada Compartilhar as atividades Usar seqüências visuais Variar a quantidade de conteúdos a serem aprendidos Variar o tempo para aprender novas informações Estabelecer a importância e o propósito da aprendizagem - Modificar os materiais Variar a disposição do material na página Usar impressão em tipos grandes Usar equipamento eletrônico - Variar a estrutura geral Proporcionar retorno imediato Envolver completamente os alunos Variar a quantidade de assunto a ser trabalhada ▪ Mudar os métodos de avaliação - Usar “dicas” de testagem variadas Aplicar teste orais/verbais e escritos Ler os testes para os alunos Usar respostas curtas Usar múltiplas escolhas 12 Continuação do Quadro I Modificar o formato Encurtar a extensão Estender a duração - Usar várias instruções Dar instruções em passos pequenos, separados (escritas/sinalizadas/verbais) Usar apoio escrito para instruções orais Reduzir as instruções Usar instruções por sinais Dar sugestões ou “dicas” extras Adaptar as folhas do teste ▪ Oferecer apoio na interação social Encorajar a defesa dos colegas Encorajar a tutela de colegas Estruturar as atividades para criar oportunidades de interação social Concentrar-se mais no processo social do que na atividade e no produto final Estruturar as experiências compartilhadas na escola e as extracurriculares Usar grupos de aprendizagem cooperativa Usar apoios múltiplos e rodízio de colegas Ensinar habilidades de fazer amigos, de compartilhamento e negociação Ensinar habilidades de comunicação social Fundamentalmente, parece necessário produzir conhecimento sobre como deve ser formado o professor especializado e como deve ser capacitado o educador/professor do ensino regular para fazer frente à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na classe comum. Entretanto, também parece necessário conhecer um pouco mais a realidade de nossas escolas e os desafios que representam para o professor do ensino regular ter um aluno com deficiência em sua turma. Contexto do estudo A presente proposta de investigação é parte de um projeto de pesquisa mais amplo, desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa “Formação de Recursos Humanos em Educação Especial - FOREESP”. O GP-FOREESP foi formado em 1997, tendo sido cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq a partir desse mesmo ano. O grupo integra as atividades de ensino, pesquisa e extensão, de alguns docentes e seus orientandos, que compreendem alunos de graduação e da Pós-Graduação em Educação Especial da UFSCar. A missão do grupo tem sido a de tentar produzir conhecimento científico que contribua para a universalização do acesso e melhoria da qualidade do ensino oferecida a crianças e jovens com necessidades educacionais especiais na realidade brasileira. Dando continuidade ao programa de pesquisa, essa proposta de trabalho tem por objetivo avançar na produção do conhecimento na área da formação de professores, especificamente de professores do ensino regular, tendo em vista a perspectiva da inclusão escolar no processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Trata-se de um projeto de continuidade a um estudo anterior voltado para a investigação do 13 processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em creches (MENDES, 2005). Objetivos A fim de delimitar o problema do presente estudo, foi escolhido como tema a investigação da atuação dos professores regulares do último ano da Educação Infantil e do primeiro ano do Ensino Fundamental, levando em consideração a perspectiva da inclusão escolar. A presente pesquisa teve como objetivos específicos: 1. Descrever e analisar como os professores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental desenvolvem seu trabalho quando um aluno com deficiência se encontra inserido em suas turmas; 2. Identificar e descrever práticas pedagógicas inclusivas e situaçõesproblemas vivenciadas pelos educadores de classes inclusivas, que possam ser úteis para se criar material didático em programas de formação de professores. 3. Descrever e analisar como ocorre a transição da pré-escola para a 1ª série do ensino fundamental. 14 Método Participantes O estudo teve como participantes dois professores, sendo um da Educação Infantil e o outro do Ensino Fundamental, e uma criança com deficiência que esteve inserida nas turmas desses professores. Felipe1, a criança-alvo do estudo, tinha oito anos, Síndrome de Down e, em 2004, freqüentava a pré-escola regular, juntamente com a sala de recurso (três vezes por semana). No primeiro semestre de 2005, ingressou na primeira série do ensino regular e também freqüentava a sala de recurso. No segundo semestre, passou a freqüentar uma escola especial no período contrário ao da escola. A sua transição da pré-escola para a escola foi um momento delicado, de difícil adaptação. Devido a esses problemas, durante o primeiro semestre, o aluno faltou muito das aulas e chegou a sair da escola por um tempo. Sua professora da pré-escola, Márcia, fez magistério, era graduada em Letras e estava terminando o curso de Pedagogia em 2004. A professora, de 33 anos, tinha 8 anos de experiência na Educação Infantil, 16 anos no Ensino Fundamental e nenhuma experiência em Educação Especial. Antes de Felipe, ela já havia tido uma aluna com autismo em sua turma. Márcia foi professora de Felipe por dois anos na pré-escola. Fátima, professora de Felipe na primeira série, tinha 63 anos, era aposentada, trabalhou muitos anos como professora no Estado, foi professora do CEFAM e diretora de duas escolas de Educação Infantil de São Carlos. A professora já teve uma aluna com necessidades especiais em sua turma. Local O estudo foi realizado na rede municipal de ensino da cidade de São Carlos. Na UFSCar, o Laboratório de Currículo Funcional (do Departamento de Psicologia) sediou o projeto. A primeira parte coleta de dados foi realizada na turma da escola de Educação Infantil que a criança-alvo freqüentava durante o ano de 2004, que será denominada de EI. Em 2005, a coleta continuou na turma da escola de Ensino Fundamental na qual a criançaalvo ingressou, que será denominada de EF. 1 Os nomes mencionados no estudo são fictícios para preservar o anonimato dos participantes da pesquisa. 15 Instrumentos Foram utilizados para a coleta dos dados um roteiro de entrevista e um inventário de observação. Os modelos de tais instrumentos encontram-se nos Anexos I e II. Tais instrumentos foram desenvolvidos, validados e testados em pesquisas anteriores (MENDES, 2005). Procedimento de coleta de dados Este estudo caracteriza-se dentro de uma abordagem qualitativa de pesquisa, apropriando-se das contribuições da abordagem etnográfica e do delineamento de estudo de caso coletivo (BRANLINGER, JIMENEZ, KLINGNER, PUGACH & RICHARDSON, 2005). De acordo com Sato e Souza (2001), “a abordagem etnográfica tem se mostrado importante instrumental no sentido de compreender como as pessoas coletivamente constróem e dinamizam processos sociais, como a subjetividade se expressa, como atribuem significado às situações sociais que ganharam uma organização formalmente constituída” (p. 29). O estudo foi desenvolvido em quatro etapas. A primeira foi a “Etapa Preliminar”, para condução dos procedimentos éticos, a segunda etapa foi de “Investigação do discurso dos professores”, a terceira de “Investigação da prática” e a quarta de “Investigação de mudanças no discurso”. O quadro II ilustra o delineamento do estudo. ETAPA PRELIMINAR - Condução dos procedimentos éticos Inicialmente, o projeto foi apresentado para a Secretaria de Educação, que assinou o termo de consentimento para que o projeto fosse submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da UFSCar. Definidos os participantes, foram feitos contatos com todos os envolvidos (diretores, professores e pais das crianças selecionadas) para explicar o projeto e obter a anuência deles através da assinatura dos Termos de Consentimento Informado Livre e Esclarecido (ver os modelos nos Anexos III e IV). No desenvolvimento da pesquisa, todos os cuidados foram tomados para observar os princípios éticos que regem pesquisas com participação voluntária de seres humanos. 16 Quadro II - Diagrama do delineamento do estudo. Escolas Estudos de Caso Escola de Educação Infantil (EI) Felipe e professora Márcia Escola de Ensino Fundamental (EF) Felipe e professora Fátima Etapas do Procedimento estudo de coleta Investigação do Entrevista inicial discurso 10 sessões de Investigação da observação em prática sala de aula (4h/sessão) Investigação de mudanças no Entrevista final discurso Entrevista inicial Investigação do (não foi possível discurso realizar) 10 sessões de Investigação da observação e prática colaboração em sala de aula (4h/sessão) Investigação de mudanças no Entrevista final discurso ETAPA I – Investigação do discurso dos professores Na investigação do discurso foram realizadas entrevistas semi-estruturadas iniciais com os professores, feitas antes das sessões de observação. Para essa etapa, foram utilizadas as partes A (identificação) e B (entrevista inicial) de um roteiro de entrevista feito por Mendes (2005). As entrevistas foram individuais e as falas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Tal roteiro foi baseado na teoria da adaptação seletiva de O’Donoghue e Chalmers (2000), que pressupõe: a) haver um processo sócio-psicológico, através do qual os professores do ensino regular manejam suas classes, quando nela entram alunos com algum tipo de necessidade educacional especial; b) que tal processo demanda mudança no trabalho em sala de aula e que os professores não costumam realizar grandes modificações nos métodos de ensino e/ou conteúdos curriculares; c) quando ocorrem mudanças, elas tendem a se basear nas práticas de ensino já existentes, ou seja, adaptando aspectos seletivamente da sua prática usual; d) que a adaptação seletiva ocorre em etapas. Os referidos autores postulam haver uma primeira etapa, que seria de “recepção”, quando o professor se depara pela primeira vez com um aluno com necessidades educacionais especiais (NEEs) e começa a reunir informações sobre a inclusão para, em 17 seguida, tentar arranjá-las. Uma vez esclarecidos sobre os processos da inclusão, inicia a fase da “aceitação”, na qual o professor irá analisar as implicações deste novo fato. Em seguida, inicia-se a fase do “compromisso”, que é formada por três sub-processos: decisão, racionalização e explicação. É através desses sub-processos que o professor forma uma opinião consistente sobre a inclusão, a qual justifica seu engajamento nas diversas ações e interações. O “ajustamento”, a próxima fase, é a categoria central da adaptação seletiva, pois é ao redor dela que todas as outras categorias estão integradas. A quinta e última categoria, a da “avaliação”, consiste em duas categorias maiores: apreciação e julgamento. A elaboração do roteiro passou pela construção de um instrumento semiestruturado preliminar cujas questões foram derivadas das categorias da teoria da adaptação seletiva. A seguir, o roteiro foi submetido a seis diferentes juízes, todos pesquisadores da área de Educação Especial que analisaram a validade semântica e de conteúdo do instrumento. Após a reformulação chegou-se a versão final do instrumento. A entrevista inicial com a professora Márcia, da Educação Infantil, foi feita no início do segundo semestre de 2004. Apesar da entrevista inicial com a professora do Ensino Fundamental também estar prevista no procedimento, não foi possível realizá-la devido à troca de professoras na sala de Felipe durante o primeiro semestre de 2005 e à incerteza da continuidade da professora no segundo semestre (houve duas trocas de professoras). ETAPA II – Investigação da prática dos professores O objetivo desta etapa consistiu em identificar e registrar episódios que ilustravam situações-problemas e práticas pedagógicas inclusivas ocorridos em situação natural durante a rotina da turma na qual a criança com necessidades educacionais especiais estava inserida. Define-se situações-problemas como aquelas nas quais surge um obstáculo ou problema, cuja superação requer a mobilização de conhecimentos por parte do educador, que deve tomar decisões para que suas metas sejam alcançadas. As práticas pedagógicas inclusivas são aquelas ações do professor que favorecem a participação da criança na atividade, a interação e a aceitação da criança com deficiência pelos colegas. Durante as observações, o pesquisador participou das aulas, tentando ajudar o professor da forma como lhe era indicada. Dada uma atividade, o pesquisador respondeu no protocolo de registro às seguintes questões: • Qual era a atividade que estava sendo desenvolvida pelo educador? 18 • A criança-alvo podia participar desta atividade da mesma maneira que os outros alunos? • A criança-alvo estava ou não participando da atividade? Se sim, como? Se não estava participando, fazia atividades alternativas? Quais? • A criança-alvo era incapaz de participar plenamente da atividade sem acomodação e precisa de apoio e/ou modificações para sua plena participação nesta aula? • Tais modificações envolviam que tipos de adaptações (do ambiente de aprendizagem, dos materiais de aprendizagem ou a provisão de tecnologia de apoio)? • Os apoios estavam sendo oferecidos? • Que mudanças poderiam ser feitas para garantir a plena participação do aluno nesta atividade: - na maneira como o aluno demonstrava o que sabia; - na quantidade ou no padrão de trabalho esperado; - nos objetivos da aprendizagem prioritários para esta aula; • Ocorrem mudanças e acomodações: - No ambiente físico? Quais? - No ritmo para a tarefa? Quais? - Nos objetivos da atividade? Quais? - No tipo de ensino (coletivo, pequenos grupos, individual)? Quais? - No tipo de atividade? Quais? - Na variação dos tipos de instruções (verbal oral, escrita, modelação, ajuda física, combinada, etc)? Quais? - No tipo de conseqüenciação para acertos e erros? Quais? - Na tentativa de motivar os alunos? Quais? - No material didático? Quais? - Nas formas de comunicação? Quais? - Nas formas de avaliar o desempenho? Quais? - Nas formas de mediar as interações entre o aluno com necessidades educacionais especiais e as outras crianças? Quais? Um inventário desenvolvido para orientar a observação serviu como guia para essa etapa (MENDES, 2005). 19 Após as sessões de observação, foram registradas, em um diário de campo, as anotações referentes ao inventário e os episódios envolvendo a criança com necessidades educacionais especiais e os professores. Também foram registradas informações que ocorriam em qualquer outro ambiente sobre eventos relacionados à criança com necessidades educacionais especiais. Na realização dessa etapa com o professor do Ensino Fundamental, além das observações, foram feitas colaborações com a prática desse professor, na tentativa de favorecer a inclusão do aluno, pois sua adaptação à primeira série foi bem difícil. A colaboração com a prática do professor consistiu em um acompanhamento da criança-alvo, com a preparação de atividades adaptadas para seu repertório, como por exemplo, atividades envolvendo nomeação, identificação e escrita com pontilhado de letras, números e de seu nome, para melhorar o conhecimento desses pré-requisitos acadêmicos básicos e sua coordenação motora fina. Foram incluídas também atividades de leitura de livros de histórias, identificação e nomeação de figuras variadas, utilização de calendário e atividade de pareamento de cores. Além disso, foram dadas orientações gerais à professora e algumas também às crianças. Foi recomendado que a professora e as crianças ignorassem (não dessem atenção) aos comportamentos inadequados de Felipe na sala de aula, como por exemplo, jogar-se no chão e mexer nas coisas dos colegas. Para a professora, também foi indicado redirecionar a atenção das crianças nesses momentos e dar atenção e elogios à Felipe quando ele estivesse se comportando bem, como por exemplo, fazendo alguma atividade. Também foi utilizada, com a segunda professora da turma, a estratégia de tutoria de colegas, na tentativa de facilitar o engajamento de Felipe na tarefa e aumentar seus contatos sociais com os colegas. Com Fátima, não foi sugerida a tutoria de colegas, pois ela não gostava que as crianças saíssem dos seus lugares e fizessem atividades juntas. Em anexo, estão alguns exemplos de atividades que Felipe fez na pré-escola e na primeira série (Anexo V e VI). Em função dos problemas ocorridos na transição do aluno para a primeira série e, conseqüentemente de suas constantes faltas durante o primeiro semestre de 2005, a coleta de dados na escola de Ensino Fundamental teve que ser estendida para o segundo semestre, não sendo possível realizá-la em um semestre, como foi previsto anteriormente. 20 ETAPA III - Investigação de mudanças no discurso dos professores Na investigação de mudanças no discurso foram realizadas as entrevistas finais com os professores, feitas após o término das sessões de observação. Para essa etapa foi utilizada a parte C (entrevista final) do roteiro elaborado por Mendes (2005). As entrevistas foram individuais e as falas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. As entrevistas nesse segundo momento tiveram a finalidade de investigar se ocorreram mudanças no discurso e na forma como os professores desenvolveram seu trabalho ao longo do tempo. A entrevista final com a professora Márcia, da Educação Infantil, foi realizada no final do segundo semestre de 2004. A entrevista com a professora Fátima, do Ensino Fundamental, foi realizada no final do segundo semestre de 2005. Procedimento de análise dos dados Entrevistas As entrevistas foram submetidas a um procedimento de análise de conteúdo, que consistiu em classificar os conteúdos das falas através de operações de desmembramento do texto em unidades e foram criadas categorias segundo reagrupamentos analógicos (Bardin, 1977). A base do sistema de categorias e subcategorias foi derivada das questões do roteiro de entrevista. O Quadro III mostra o sistema de categorias e subcategorias utilizado para a análise dos dados das entrevistas. Posteriormente, foi feita uma análise das percepções e expectativas das professoras acerca do futuro e dos resultados da inserção do aluno com necessidades educacionais especiais em suas salas. Além disso, através de comparações entre as entrevistas iniciais e finais, foi investigado se ocorreram mudanças no discurso desses professores. Registros do diário de campo Os episódios registrados no diário de campo foram digitados e catalogados, contendo: número, data, situação, descrição da atividade, descrição do episódio e sua classificação. As diferentes situações em que ocorreram os episódios registrados foram classificadas em: atividades acadêmicas, brincadeira livre, brincadeira dirigido, higiene e 21 alimentação. O Quadro IV apresenta as definições das diferentes situações dos episódios identificados. Quadro III – Categorias e subcategorias utilizadas para análise dos dados das entrevistas. ENTREVISTA INICIAL 1. Ingresso do aluno-alvo 1.1 Consulta prévia 1.2 Conhecimento prévio sobre as necessidades do aluno-alvo 1.3 Possibilidade de escolha sobre a inserção de um aluno com necessidades educacionais especiais (NEEs) 1.4 Pensamentos e sentimentos a respeito da inserção do aluno com NEEs 1.5 Experiências anteriores de ingresso de alunos com NEEs 2. Preparação 2.1 Orientações e informações prévias sobre a inclusão de alunos com NEEs 2.2 Busca de informações a respeito da criança-alvo e/ou a respeito da inclusão 2.3 Sugestões de serviços 3. Aceitação 3.1 Opinião/ percepção sobre a inclusão antes e depois de ter recebido um aluno com NEEs 3.2 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para o aluno com NEEs 3.3 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para a turma 3.4 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para o educador 3.5 Impacto (positivo e negativo) da política de inclusão para o sistema educacional 4. Compromisso 4.1 Expectativas a respeito do desenvolvimento do aluno com NEEs 4.2 Tratamento do aluno inserido ENTREVISTA FINAL 5. Ajustamento 5.1 Mudança na rotina de trabalho 5.2 Mudança no agrupamento dos alunos 5.3 Mudança na forma de ensinar 5.4 Apoios recebidos 5.5 Alteração que mais auxiliou na prática 6. Avaliação da experiência 6.1 Resultados da inclusão para o aluno-alvo 6.2 Resultados da inclusão para a professora 6.3 Resultados da inclusão para a turma e para os funcionários 6.4 Resultados da inclusão para o sistema educacional 6.5 Dificuldades enfrentadas 7. Sugestões 7.1 Alterações na política de inclusão escolar do município 7.2 Sugestões para um professor que fosse receber um aluno com NEEs 22 Quadro IV - Definições das situações em que ocorreram os episódios registrados. Situação Definição Atividades acadêmicas Brincadeira livre Brincadeira dirigida Higiene Alimentação Inclui as atividades de contar histórias, fazer teatro, atividades com letras e números, pintura, recorte, ensaio do hino nacional etc. A criança que escolhe o tipo de brinquedo ou brincadeira. O professor intervém pouco. Inclui atividades no parquinho e na brinquedoteca. O professor fornece o brinquedo ou escolhe uma brincadeira, dá instruções, interage e supervisiona as atividades. Inclui atividades de escovar dentes, lavar mãos, usar o banheiro, etc. Inclui horários de almoço, lanches e beber água. Os episódios foram classificados em “inclusivos” e “situações-problemas”. Os Quadro V e VI mostram exemplos de dois episódios de cada categoria para exemplificar como é feito o registro e o tipo de situações que ocorreram nas turmas da EI e da EF, respectivamente. Posteriormente, foram comparadas as freqüências de cada tipo de episódio, dos tipos de situações, das pessoas envolvidas e as particularidades dos episódios ocorridos na pré-escola e na escola de Ensino Fundamental. Através dos registros em diário de campo também foram identificadas as estratégias que foram utilizadas por cada professora com a criança-alvo nos dois tipos de situação, tanto para favorecer a participação da criança quanto para lidar com os problemas que ocorreram. Relato de Estudo de Caso Finalmente, foram formulados dois relatos de casos através da triangulação dos dados das diferentes fontes (entrevistas e observações) e perspectivas sobre a criança (professores de Educação Infantil e Fundamental), a fim de ilustrar como os professores lidaram com o aluno com deficiência inserido em suas turmas e sobre o processo de transição da criança com deficiência do Ensino Infantil para o Ensino Fundamental. Os relatos de estudo de caso tiveram por finalidade servir como possível material didático para cursos de formação de professores. 23 Quadro V– Exemplos de quatro episódios da EI registrados no diário de campo. Nº: 01 Data: 03/09/2004 Situação: Atividade Acadêmica Categoria: Situação-Problema Atividade: Completar o calendário (pintar o dia e fazer um desenho conforme o clima) Episódio: Houve um desentendimento entre Felipe e Carol, que estava sentada na frente dele; Carol reclamou com Márcia que Felipe não queria devolver sua canetinha. A professora, com muita calma, disse à aluna que ela tinha emprestado a canetinha a Felipe e que ela deveria esperar que ele terminasse de desenhar o sol em seu caderno e afirmou que, quando ele terminasse, ela tinha certeza de que ele devolveria a canetinha. Depois disso, Carol reclamou mais uma vez com a professora, que repetiu o que havia falado e, pouco tempo depois, Felipe espontaneamente devolveu a canetinha para a colega. Nº: 08 Data: 03/09/2004 Situação: Alimentação Categoria: Situação-Problema Atividade: Merenda Episódio: Após terminar seu prato de comida, Felipe foi até a funcionária que serve a comida para pegar mais. A funcionária colocou mais comida para Felipe e começou a dar na boca dele. Vendo isso, a professora disse que a funcionária estava mimando muito ele e que depois ela queria ver quem iria dar comida na boca dele os outros dias. Nº: 09 Data: 03/09/2004 Situação: Atividade Acadêmica Categoria: Prática Pedagógica Inclusiva Atividade: Realização de teatro Episódio: A professora pediu que as crianças pegassem as coisas do teatro e fossem para o meio da sala. O teatro era sobre poluição: um pescador joga lixo no mar, os peixes ficam doentes e morrem; os pássaros comem os peixes, ficam doentes e morrem; os gatos comem os pássaros e também morrem. O teatro foi preparado pelas próprias crianças e foi apresentado duas vezes. Felipe participou das duas vezes e, apesar dele estar com o chapéu de pescador, na primeira vez ele foi peixe e na segunda, foi gato. A professora o incentivou a participar e o elogiou várias vezes por ter participado. Nº: 15 Data: 10/09/04 Situação: Brincadeira Dirigida Categoria: Prática Pedagógica Inclusiva Atividade: Brincadeira da tampinha Episódio: A professora distribuiu uma tampinha de refrigerante para cada aluno e colocou a música dos Escravos de Jô para as crianças fazerem os movimentos da música. Felipe acompanhou a música batendo com a tampinha na carteira. Depois, a professora criou um jogo em que ela faria uma determinada batida com a tampinha e todos teriam que imitá-la; quem imitasse direitinho, seria escolhido para inventar uma nova batida. Às vezes, as próprias crianças escolhiam um colega e, às vezes, a professora indicava alguém. Dentre as crianças que a professora escolheu, estava Felipe, que prosseguiu com o jogo, participando bastante. 24 Quadro VI- Exemplos de quatro episódios da EF registrados no diário de campo. Nº: 01 Data: 12/08/2005 Situação: Atividade Acadêmica Categoria: Prática Pedagógica Inclusiva Atividade: Nomeação e escrita com pontilhado das letras do seu nome Episódio: Assim que Felipe viu algumas crianças levando seus cadernos para a professora conferir a lição e dar visto, ele imediatamente levantou e também foi levar sua folha para a professora ver. A professora disse a ele que estava bonito e escreveu parabéns. Da segunda vez em que ele levou a folha, ela elogiou novamente, carimbou um macaquinho no verso da folha e vendo o seu nome pontilhado no verso disse: “olha, ele já sabe fazer...”. Nº: 08 Data: 23/09/2005 Situação: Atividade Acadêmica Categoria: Situação-Problema Atividade: Pintar um desenho e atividade de ligar objetos Episódio: Quando terminamos de ver a historinha, a professora deu duas folhas para Felipe, uma para pintar e outra para ligar objetos, mas ele não se interessou. Logo depois, Felipe se jogou no chão e começou a mexer nas coisas de duas meninas que estavam sentadas perto dele, puxando suas blusas e bolsas. Depois começou a jogar suas pernas para cima e, numa dessas vezes, seu pé bateu no rosto de uma das meninas que se abaixou para pegar algo que tinha caído. A menina imediatamente começou a chorar. A professora chamou a inspetora para tirar Felipe da sala. A inspetora o levou para a diretoria. Nº: 09 Data: 30/09/2005 Situação: Atividade Acadêmica Categoria: Situação-Problema Atividade: Exercício de preencher pontilhado Episódio: Após terminar de completar uma atividade de ligar o animal a seu alimento, a professora deu a ele um outro exercício de preencher pontilhado. Ele levou a folha até a carteira, fez um pontilhado e começou a dizer que queria embora, falava “bora” e “mamamãe”. Levantou, ficou andando pela sala com sua mochila e depois deitou no chão. Assim que ele deitou, a professora tirou uma foto dele, o que causou espanto e riso nas crianças. Ele ficou um pouco deitado e logo que sentou na cadeira, fez xixi na roupa, deixando uma poça embaixo da carteira. Ele imediatamente levantou, pegou sua mochila e saiu da sala, indo ao encontro da inspetora, que o ajuda a trocar de roupa. Nº: 14 Data: 07/10/2005 Situação: Brincadeira Dirigida Categoria: Prática Pedagógica Inclusiva Atividade: Música Episódio: Depois do intervalo, a professora colocou várias músicas para as crianças ouvirem (música do dia das crianças, do trenzinho e outras). Fátima passou várias vezes as músicas para as crianças aprenderem a cantar e fazer a coreografia. Felipe estava acompanhando atentamente a música, sentado no fundo da sala. Numa das músicas, as crianças se levantaram para fazer a coreografia e Felipe também levantou e foi para a frente da sala. A professora o chamou e fez os movimentos da música para ele. 25 Resultados Os resultados da pesquisa foram divididos em três partes, sendo “Parte I - Relatos dos casos”, “Parte II - Percepções das professoras da Educação Infantil e do Ensino Fundamental sobre inclusão escolar” e “Parte III- Episódios inclusivos e situações problemas nas duas escolas” Na primeira parte dos resultados, foram descritos os dois estudos de caso, envolvendo, no primeiro, Felipe e Márcia no Ensino Infantil e, no segundo, Felipe e Fátima no Ensino Fundamental. Na segunda parte foram apresentados os dados obtidos com a investigação do discurso das professoras. Primeiramente foram descritos os dados das entrevistas inicial e final da professora Márcia e, em seguida, a entrevista final feita com a professora Fátima. Na terceira parte foram apresentados os dados obtidos com as observações das práticas das duas professoras. Os dados das duas escolas foram colocados juntos para facilitar as análises e comparações entre eles. Parte I - Relatos dos casos Os casos foram elaborados de modo a oferecer uma visão geral das percepções das professoras e, para ilustrar, alguns relatos verbais reais foram transcritos das entrevistas gravadas (foram digitados em itálico ao longo das frases). Os episódios e eventos observados em situações de sala de aula foram sintetizados, sendo que alguns se encontram literalmente transcritos conforme registrados no diário de campo (foram digitados em itálico com recuo à esquerda do corpo do texto). Caso 1 - Felipe com a professora Márcia na escola de Educação Infantil Márcia tinha 33 anos, fez magistério, era graduada em Letras e cursava o último ano de Pedagogia em 2004. Ela tinha 8 anos de experiência na Educação Infantil, 16 anos no Ensino Fundamental e nenhuma experiência em Educação Especial. No início da coleta de dados, ela já era professora de Felipe há um ano e meio. Antes de Felipe, ela já havia tido em sua turma uma aluna com autismo, que ficou em sua classe também por dois anos. Sobre a experiência anterior de ter uma criança com necessidades educacionais especiais em sua classe, a professora avaliou que foi difícil no começo, mas com o decorrer do tempo, aprendeu a lidar com a aluna e “terminou tudo bem”. Sobre a inserção de Felipe em sua turma, ela relatou que foi consultada pela diretora da escola antes do ingresso do aluno. A diretora, diante da aceitação da professora, diminuiu dois alunos da classe dela. 26 Márcia descreveu o aluno-alvo como: “ele é uma criança que possui a Síndrome de Down (...) e ele também... é um dos mais agitados na rede municipal”, que foi a informação que ela recebeu da Coordenadoria de Educação Especial antes de conhecê-lo. Márcia relatou que ficou um pouco apreensiva quando soube que iria ter um aluno especial em sua turma por não saber como ele iria se comportar. Ficou em dúvida se a inserção daria certo, pois Felipe, conforme descreveu a professora, vinha com “uma história de fracasso na outra escola”, pois o aluno não se adaptou à escola anterior. Quanto às informações sobre a política de inclusão escolar, Márcia informou ter feito um curso oferecido pela prefeitura sobre Educação Inclusiva em 2003. Para conhecer mais sobre a deficiência do aluno, ela procurou informações na internet. Além disso, recebeu um material de uma profissional da Coordenadoria de Educação Especial, que fazia visitas regulares à sua classe para orientá-la a lidar com Felipe e ajudá-la nas adaptações das atividades. No entanto, a professora avaliou que: “o que me ajudou mesmo foi a prática, entendeu? As informações assim, eu acho que só pra conhecimento mesmo, né? (...) Mas, assim, o restante mesmo é na prática”. Antes de ter alunos com deficiência em sua turma, ela achava que eles “viriam pra escola só para socialização”, mas com a sua experiência descobriu que “não é assim, que não é verdade, então que ela [a criança com NEEs] também passa por processos de aprendizagem quanto à língua oral, língua escrita, matemática”. Sobre o tratamento dado ao aluno com necessidades especiais, ela afirmou que todo professor deveria “tratar de forma igual, eu acho que a primeira coisa que tem que ser feita (...) não enfocar assim que é diferente... porque, na verdade, é... na verdade, não é diferente, tá? Ele tem que ser tratado igual aos outros”. Quanto às expectativas de Márcia com relação ao desenvolvimento de Felipe, ela considerou que: “o lado social dele, a socialização dele vai estar assim muito mais avançada do que a parte de alfabetização”. Em seguida, ela relatou que: “a minha expectativa é que ele saia sabendo pedir para ir ao banheiro para a professora da primeira série, pedir água para a professora, que ele saiba contar que uma criança bateu nele, que ele saiba se comunicar com as outras crianças, que ele saiba respeitar algumas regras dentro da sala de aula...”. Em relação às mudanças em sua rotina de trabalho, ela relatou que adaptava as atividades para Felipe e utilizava bastante a música, pois ele gostava muito. Sobre a disposição da sala, ela descreveu que continuou com a estratégia que sempre utilizou, que era colocar as crianças sempre em grupinhos ou em círculo. No entanto, ela disse: “tem 27 dias em que eu tenho que pôr ele sentado perto de mim, porque ele não quer ninguém perto dele e, ao mesmo tempo, você fala, mas se eu tirar ele de lá, eu tô excluindo, mas é melhor ele estar perto de mim do que lá fora, entendeu?”. Sobre as dificuldades enfrentadas, Márcia comentou que alguns pais tinham muito preconceito e expressavam isso pedindo a ela para que a criança com NEEs não se sentasse perto do filho deles ou então quando explicavam ao filho que a criança com deficiência era doente. Márcia relatou que: “... eu tenho mãe que fala até hoje, na frente da criança, que: ‘Não, mas tem que perdoar o Felipe que ele pegou seu lápis porque ele é doente, eu já falei isso pra você’, né? Então é muito difícil, é uma coisa assim que... teria que ser trabalhado com as mães, os pais da escola toda, tá?”. Portanto, Márcia sugeriu que seria muito necessário ter uma equipe para orientar os pais a respeito da inclusão e das necessidades especiais das crianças. Apesar das dificuldades, numa avaliação geral da experiência, Márcia considerou haver muitos aspectos positivos na inserção de alunos com NEEs na escola regular, tanto para o aluno incluído, como para professora, para as crianças da turma e para os funcionários. Ela ainda defendeu que: “a inclusão deve ser implantada desde a creche até, sei lá, o colegial, entendeu? Porque dá certo, né?”. Márcia referiu que todos os professores deveriam passar pela experiência de ter um aluno com necessidades educacionais especiais e descreveu que, da próxima vez que tiver um aluno especial, “eu vou ficar calma, tranqüila, sossegada... não vou ter tanta ansiedade”. A professora avaliou que o apoio da prefeitura para a inclusão escolar melhorou, mas que ainda precisa de mais estrutura, de uma equipe de profissionais que possam dar suporte ao professor regular. Quando questionada se todas as crianças com NEEs teriam condições de freqüentar a escolar regular, a professora ficou em dúvida e condicionou a possibilidade de freqüentar a escola ao grau de necessidade da criança, dizendo:“por exemplo, uma criança que praticamente ela... vamos supor assim, ela não tem comunicação nenhuma, ela, vamos supor, vive como se fosse um vegetal mesmo, eu já não sei se mudaria alguma coisa, entendeu?” . Sobre a possibilidade de freqüentar a escolar regular e a sala de recursos, a professora defendeu que a criança “deveria freqüentar as duas escolas”, argumentando que “aqui, ele aprende coisas que na sala de recursos ele não aprende” e que “quando ele 28 [Felipe] ficava só na sala de recursos, ele imitava muito as outras crianças que tinham outras necessidades”. Quanto à aceitação da turma, a professora ponderou que “essa turma aceita menos ele do que a turma do ano passado”. Ela atribuiu isso ao fato das crianças dessa turma já conhecerem Felipe quando estavam na sala de cinco anos e relatou que: “quando o Felipe entrou na sala, a primeira coisa que eles perguntaram é por quê que o Felipe estava de novo aqui e não estava na primeira série... tá? Então, eu acho que isso dificultou um pouco, mas a rejeição não é total, porque tem algumas crianças que chamam ele pra brincar, mas tem outras também que não chamam, que não querem”. Na turma de Márcia havia 20 crianças de seis anos. A sala era decorada com letras coloridas do alfabeto em cima da lousa, folhas de sulfite com desenhos de animais e números e produções das crianças nas paredes, havia inclusive atividades de Felipe expostas. A professora, de maneira geral, era muito paciente e tratava todas as crianças com muito carinho. A sala era composta pela mesa e cadeira da professora, as carteiras das crianças e dois armários no fundo da sala, nos quais as professoras que utilizavam aquela sala guardavam seus materiais. A sala era bem iluminada e ventilada. O ambiente não era tão silencioso, pois muitas crianças mais velhas iam para a escola à tarde nos programas de recreação, para brincar na área externa (na quadra ou na piscina). A pré-escola tinha, na parte interna, 9 salas de aula, sala da diretoria, sala dos professores, cozinha e refeitório, sala de vídeo, brinquedoteca, sala de materiais, banheiro e bebedouro. Na parte externa, haviam jardins, uma piscina, uma quadra poliesportiva e um parquinho com balanços, gira-giras, gangorras, tanques de areia, motocas, escorregadores, etc. Na entrada da escola havia uma rampa com corrimão para facilitar o acesso. O bebedouro, as pias e vasos dos banheiros e as mesas e cadeiras do refeitório eram adequados ao tamanho das crianças. As crianças chegavam à pré-escola entre 13h e 13h15. Assim que todas as crianças chegavam, a professora pedia para que elas pegassem o calendário que elas tinham colado no caderno e pedia ao aluno ajudante do dia para fazer a contagem dos colegas presentes. Em seguida, perguntava que dia era, como estava tempo e quantos alunos estavam presentes. A professora escrevia e desenhava na lousa e as crianças, em seus cadernos. Após escrever na lousa, Márcia sempre sentava com Felipe e o ajudava, indicando qual era o dia da semana no seu calendário, passando o dedo de Felipe sobre o número e o incentivando a desenhar um sol no caderno. Depois disso, a professora dava uma outra 29 atividade, que poderia envolver desenhos, histórias, sílabas ou números. Quando propunha qualquer atividade para a classe, a professora adaptava a tarefa para Felipe, usando pontilhados ou então substituindo a tarefa por algum desenho ou jogo. Às 14h15, a professora ia para a sala dos professores tomar café e Felipe ia para a diretoria (ao lado da diretoria havia uma salinha com vários materiais e brinquedos, onde ele ficava brincando). Enquanto isso, algum funcionário tomava conta das crianças e elas terminavam a atividade ou desenhavam. Logo que Márcia e Felipe voltavam, a turma saia para lavar a mão e comer a merenda. Quando chegavam da merenda, escovavam os dentes e voltavam para a sala. Na sala, a professora dava uma nova atividade. Às 16h, a turma toda ia para o parquinho brincar até 16h40. Terminado o horário do parque, elas voltavam para a classe e esperavam seus pais para irem embora. Durante as observações, verificou-se que a professora Márcia sempre tentava favorecer e incentivar a participação de Felipe nas atividades. Os episódios a seguir ilustram algumas das práticas pedagógicas inclusivas da professora. A professora dividiu os alunos em grupos de quatro (Felipe também pertencia a um grupo) e perguntou a eles se eles lembravam de algumas palavras que eles tinham visto na história da Cigarra e da Formiga e, junto com eles, foi escrevendo as palavras na lousa. Após cada palavra ser escrita na lousa, a professora deixou Felipe com a função de passar em todos os grupos com a figura da palavra. Depois, ela distribuiu saquinhos com várias sílabas e os grupos teriam que formar aquelas palavras que foram escritas na lousa com as sílabas do saquinho. A atividade continha um desenho de um formigueiro com algumas formigas e perguntas sobre o desenho (quantas formigas estavam fora do formigueiro, quantas formigas estavam dentro, quantas estavam carregando folha e quantas havia no total). A professora explicou como era a atividade e foi fazendo junto com as crianças na lousa; depois, ela sentou ao lado de Felipe, pegou o seu dedo e foi contando em voz alta o número de formigas, repetiu algumas vezes lentamente a palavra formiga e pediu a ele para mostrar onde estava a formiga. Em seguida, a professora pediu que os alunos pintassem o formigueiro e as formigas e incentivou Felipe a pintar também. Depois de recortar o papel, Felipe começou a desenhar em seu caderno. Enquanto desenhava, ele chamou várias vezes a professora para ver o que ele havia feito. A 30 professora, em todos os momentos, elogiou o aluno e, numa dessas vezes, ela até pediu à classe para que fizesse um “viva” para Felipe e todas crianças bateram palmas e disseram: “viva Felipe!”. Além disso, através das observações constatou-se também que Márcia resolvia as situações-problemas com muita calma e conversando com as crianças. Abaixo estão exemplos de algumas resoluções de situações-problemas. No refeitório, Felipe e Júlia (aluna de outra sala de seis anos) atracaram-se. Logo as professoras dos dois os separaram. A professora de Felipe pediu que ele se sentasse, sentou do seu lado e disse a ele que ele tinha que fazer carinho e não brigar e demonstrou passando levemente a mão sobre o braço de Felipe. Depois disso, Márcia pediu que a professora de Júlia a trouxesse para que Felipe fizesse carinho nela. Felipe, de fato, fez carinho na menina conforme a professora havia feito e até deu um beijo em sua mão. Felipe passou de fileira em fileira com seu caderno aberto para mostrar aos colegas o desenho que tinha feito. Ao passar por Aline, Felipe passou a mão em seu cabelo e começou a bagunçá-lo; como ele não soltou, Aline o empurrou. Depois disso, ela abaixou a cabeça na carteira. A professora segurou Felipe e o levou para fora da sala. Quando voltaram, a professora o levou até a carteira de Aline e percebeu que a aluna estava chorando. A professora pediu para ela levantar a cabeça, mas ela não atendeu; a professora apontou para a menina e falou: “Tá vendo Felipe? Você machucou a Aline, tá doendo e ela tá chorando. Não pode bater, tem que fazer carinho”. Felipe fez carinho na cabeça de Aline e a professora os levou para conversar fora da classe. Quando voltaram, Aline não estava mais chorando. Um exemplo de comentário registrado em outro ambiente da escola sobre a criançaalvo encontra-se a seguir. Enquanto esperava o horário de entrada das crianças, ouvi Silvia (professora de Júlia) conversando com ela, pois a menina não queria ficar na escola. A professora tentando convencê-la a ficar disse: “Se você for embora, quem é que vai defender as crianças do Felipe... quem vai defender os fracos e oprimidos”. Em seguida comentou com Sandra (vice-diretoria) que a menina é “boa de briga”. 31 Caso 2 – Felipe com a professora Fátima na escola de Ensino Fundamental Fátima tinha 63 anos, era aposentada e tinha muitos anos de experiência como professora no Estado. Começou sua carreira dando aulas na pré-escola e depois foi para o Ensino Fundamental, dando aulas de 1ª a 4ª série. Ela também foi professora substituta do CEFAM e diretora de duas pré-escolas de São Carlos por sete anos e meio. Sobre sua experiência profissional ela comenta: “então, a bagagem é muito grande, a experiência é muito grande”. Fátima foi a terceira professora da classe de Felipe, assumindo em maio de 2005 e afirmando não saber se ficaria até o final do ano. A primeira professora da turma afastouse, no final de março, por problemas de saúde relacionados com a dificuldade da professora em lidar com Felipe. Numa conversa inicial com essa professora, ela relatou que não sabia como alfabetizá-lo e também não sabia “como chegar até ele”. A professora queixou-se dos comportamentos indisciplinares do aluno (jogava tudo no chão, brigava e puxava o cabelo dos colegas, tentou subir na cortina, estragou sua mochila, não fazia atividades). Ela avaliou que Felipe estava só “fisicamente incluído”. Nessa conversa, a professora pareceu bem apreensiva e preocupada com a situação de Felipe em sua turma. A segunda professora da classe era formada em Biblioteconomia e dava aulas na mesma escola no período da tarde. Ela comentou que não queria pegar essa substituição por causa de Felipe e só pegou “porque não tinha mais ninguém”. A professora não tinha nenhuma experiência com alunos com NEEs e comentou ainda que sabia que era uma “tendência mundial”, mas achava que a inclusão “deveria ser feita só em alguns momentos, em algumas atividades, porque na sala de aula é muito difícil” Ela ficou um mês com a turma e saiu porque foi chamada num concurso que havia prestado para bibliotecária. Durante o mês de maio e junho, Felipe quase não foi às aulas. A escola pediu uma avaliação do aluno numa escola especial e ele faltou vários dias para fazer as avaliações. A situação era de impasse, pois não se sabia se ele continuaria na escola. Ele saiu por um tempo da escola e foi matriculado na escola especial. A situação de Felipe só se resolveu no segundo semestre, quando ficou decidido que ele continuaria na escola e, no período contrário, iria para a escola especial. Fátima considerava que o problema da classe era a indisciplina. Ela era bem rígida com relação à disciplina e os alunos consideravam que ela era brava. A professora comentou que a classe de Felipe era a “pior 1ª série da escola, porque nas outras já está todo mundo lendo”. 32 Quando questionada sobre a possibilidade de inclusão de crianças com qualquer deficiência na escola, Fátima ponderou que “a inclusão deve estar no Ensino Fundamental, a gente deve receber o aluno, mas aquele aluno que ele possa contribuir com alguma coisa dele nas atividades”. Especificamente sobre Felipe, a professora acrescentou que: “agora, o Felipe não, o Felipe não contribui nada, nada, ele não se interessa pelas atividades da classe”. Além disso, comentou: “elas [da Secretaria de Educação] dizem que a gente tem que dar as atividades iguais, você pode dar atividade igual, ele não acompanha, ele amassa, ele rasga as folhas. Então, não tem atividade que chame atenção dele. Ele quer uma coisa fora da sala de aula”. Sobre o processo de alfabetização comentou que “a alfabetização, você sabe, é difícil, agora tendo um problema desse na classe...”. Fátima afirmou que não conseguiu atingir seu objetivo com a classe, falando: “eu vim com tudo para alfabetizar pela minha experiência que eu tenho, mas eu não consegui aquilo que eu desejava conseguir, então, minha tristeza é essa...” Comenta ainda sobre o baixo desempenho da classe, atribuindo-o aos comportamentos indisciplinares de Felipe , dizendo: “eu queria trabalhar mais com eles, eu queria ter um rendimento maior, mas eu não consigo, pelo que o Felipe faz na classe”. Fátima sugeriu que as atividades para Felipe fossem dadas fora da sala, “num lugar mais calmo, como a biblioteca”, argumentando que “lá ele iria aproveitar mais”. Sobre a aceitação de Felipe na classe, a professora relatou que “mesmo tendo o Felipe, a gente conversa muito com a classe, pra que eles ajudem, ele é uma criança diferente, eles ajudam, eles gostam dele, né? Eles participam, eles levam ele no banheiro, eles limpam nariz dele”.. Na classe de Felipe havia 25 alunos. A sala era ampla, bem iluminada, mas pouco ventilada, pois batia sol de um lado da sala, tornando-a abafada. A sala era composta pela mesa e cadeira da professora, as carteiras dos alunos e um armário no fundo. Em cima da lousa havia um relógio e um alfabeto colorido. Nas paredes, havia alguns textos escritos em cartolinas, fotos de animais e folhas com palavras; na parede do fundo havia um mapa. A escola tinha na área interna: cozinha, refeitório, sala dos professores, secretaria, sala da diretora e da vice, almoxarifado, 9 salas de aula e um pátio interno na entrada da escola. Na área externa, havia jardins, um amplo gramado, uma quadra e uma biblioteca com sala de vídeo. Os bebedouros, as pias e vasos sanitários do banheiro, as mesas e 33 cadeiras do refeitório eram apropriados para o tamanho das crianças. A entrada da escola era inclinada em forma de rampa. As crianças chegavam entre 7h e 7h15. Logo após a entrada, os alunos que queriam iam tomar café da manhã no refeitório. Em seguida a professora dava, na maioria das vezes, atividades de português, com um pequeno texto, perguntas de interpretação e leituras em voz alta do texto. As crianças copiavam e faziam os exercícios até a hora do intervalo, às 9h30, e às vezes até depois do intervalo. No intervalo, as crianças tinham merenda e podiam brincar no pátio interno da escola ou na área externa. Depois do intervalo, a professora dava atividades variadas, como de matemática, ciências, desenho, música ou história. As crianças saiam aproximadamente 12h. Felipe ia embora todos os dias entre 11h10 e 11h30, pois ele ia para a escola especial à tarde. Durante as observações, verificou-se que a professora Fátima favoreceu e incentivou pouco a participação do aluno-alvo nas atividades e, nos cinco episódios inclusivos, foi Felipe que teve a iniciativa de se aproximar da professora. Os episódios a seguir ilustram algumas práticas inclusivas. Felipe levantou, foi até o armário da professora, pegou uma régua e foi até a lousa. Ele apontava a régua em direção à lousa exatamente como fazem os alunos e a professora na hora da leitura. Em seguida, ele pegou um giz para escrever na lousa. Fátima indicou um lugar na lousa para ele escrever, foi segurando sua mão e fazendo junto com ele alguns exercícios de coordenação motora. Diante disso, a professora disse para a classe: ”ele também quer escrever na lousa, pensam que é só vocês”. Depois, Felipe pegou de novo a régua, apontando-a para a lousa e disse 1,2,3,4,5. A reação da professora foi dizer: “vou ensinar matemática só para ele”. A turma reagiu com espanto e riso às atitudes de Felipe. Ele escreveu na lousa mais um pouco e depois sentou em seu lugar. Depois de ter terminado a atividade que estava fazendo (escrever com pontilhado as vogais), ele levou a sua folha para a professora, que o elogiou e carimbou um patinho no verso de sua folha. Além disso, através das observações constatou-se também que Fátima, muitas vezes, lidava com as situações-problemas mandando Felipe sentar e chamando a inspetora para tirá-lo da sala. Abaixo estão exemplos de como a professora agiu em alguns dos problemas que surgiram em sala de aula. 34 Logo depois do intervalo Felipe levantou, foi para o meio da sala, deitou no chão e começou a levantar as pernas para cima, gritar e mexer nos materiais dos colegas ao redor; as crianças riam e ficavam olhando para Felipe. A professora foi até ele e disse: “levanta daí, eu não vou fazer esforço com você”. Orientei as crianças para não rirem e nem ficarem olhando, mas elas não seguiram as recomendações. Passado um tempo, Fátima ficou irritada e o puxou até sua carteira. Segundos depois, ele voltou ao mesmo lugar e continuou a puxar as coisas de uma menina que estava do seu lado. A professora chamou a inspetora, que o pegou no colo e o tirou da sala, levando-o para a diretoria. Em seguida, a professora desabafou: “essa classe não rende por causa dele... eu não agüento mais... eu vou desistir dessa classe... tá acabando com minha saúde”. Depois comentou: “a primeira professora não agüentou, a segunda também não e, se continuar assim, eu também não vou agüentar”. Depois desse dia bem agitado, logo que a mãe de Felipe chegou para buscá-lo, a professora reclamou do seu comportamento, dizendo que estava difícil dar aula com ele. A mãe respondeu dizendo: “então não vou mais trazer ele”. Assim que a mãe de Felipe saiu, a professora falou “então não traz” e depois disse “o lugar dele não é aqui”. A seguir são apresentados exemplos de situações-problemas que ocorreram na ausência da professora, fora da sala de aula. Enquanto jogava bola, durante o intervalo, Felipe caiu em cima de Lucas [colega de sua classe] e, quando levantaram, Felipe passou o seu braço em volta do pescoço de Lucas, que começou a gritar e depois a chorar. A inspetora correu até lá para separá-los. Em seguida, correu atrás de Felipe. Deu uma bronca nele, fez ele pedir desculpas ao colega e disse que não era para brincar assim. No intervalo, Felipe e outras crianças de sua classe estavam brincando de correr um atrás do outro no gramado. Quando bateu o sinal de término do intervalo, as crianças saíram correndo para formar a fila para entrar na classe. Nesse percurso, Felipe, que estava correndo atrás de Mariana [colega de sua turma], puxou seu cabelo e ela caiu no chão. A menina ralou um pouco o rosto, ficou cheia de grama e chorava muito. Em seguida, Felipe foi beber água e cuspiu no rosto de Lucas. O menino foi chorando, com o rosto todo molhado, em direção da inspetora. A inspetora, muito brava, pegou Felipe no colo e o levou para a diretoria. 35 Parte II - Percepções das professoras sobre a inclusão escolar a) Considerações da professora Márcia sobre a experiência de ter Felipe como aluno Os dados obtidos na primeira entrevista feita com a professora foram organizados conforme as categorias do roteiro de entrevista. Nessa etapa, as categorias referem-se ao ingresso do aluno com necessidades educacionais especiais (NEEs), a preparação da professora para recebê-lo, a aceitação da inserção dessa criança em sua turma e o compromisso com a proposta de inclusão. A seguir serão descritas as conclusões sobre cada tópico e os trechos ilustrativos das falas da professora. 1. Ingresso de Felipe 1.1 Consulta prévia Márcia relatou que foi consultada antes do ingresso do aluno e, por ter aceitado, recebeu um apoio da diretora da pré-escola. “Fui consultada, a L.[diretora] me chamou para conversar, explicou se eu aceitaria receber uma criança com Síndrome de Down na minha classe. E... eu disse pra ela que sim, tudo bem, e a primeira atitude dela foi diminuir dois alunos da minha sala de aula”. 1.2 Conhecimento prévio sobre as necessidades de Felipe A educadora foi informada que o aluno tinha Síndrome de Down e também foi avisada, pela Coordenadoria de Educação Especial, que ele era um dos mais agitados da rede municipal. “Mas, assim... a informação que eu recebi é de que ele era assim agitado, agitado, não agressivo, agitado”. 1.3 Possibilidade de escolha sobre a inserção de um aluno com necessidades educacionais especiais (NEEs) Márcia afirmou que se tivesse opção entre receber ou não uma criança com NEEs (como teve com Felipe), ela aceitaria receber essa criança, com a condição de que tivessem profissionais para oferecer suporte. 36 “Eu optaria por receber porque é uma questão de cidadania, mas também... eu gostaria que tivesse uma equipe de apoio por trás de mim pra me ajudar”. 1.4 Pensamentos e sentimentos sobre a inserção de Felipe Márcia relatou ter se sentido um pouco apreensiva ao saber que receberia um aluno com NEEs em sua turma, por não saber como seria seu comportamento na sala de aula. “Ai, a gente sempre fica um pouco apreensiva, porque você não conhece o aluno, é... você não conhece o comportamento dele, né? Então você não sabe nada sobre ele, então você fica meio apreensiva, porque por mais que as pessoas falem para você que ele é agitado ou que ele é calmo, entendeu? Você só vai saber mesmo na hora que ele tiver dentro da sua sala”. 1.5 Experiências anteriores de ingresso de alunos com NEEs Antes de Felipe, Márcia já havia tido experiência de ter uma criança com NEEs em sua turma. “Recebi, recebi a Bruna. A Bruna é autista e ela até tem um grau bem alto assim de autismo, né? A experiência no começo foi difícil, mas com decorrer do tempo, né? Ela ficou 1 ano e 8 meses comigo... terminou tudo bem, ficou tudo bem”. 2. Preparação 2.1 Orientações e informações prévias sobre a inclusão de alunos com NEEs A professora declarou que fez um curso sobre Educação Inclusiva, oferecido pelo município, antes de receber Felipe em sua turma. “(...) Depois que eu recebi a Bruna eu fiz um curso sobre inclusão e assim, eu tinha assim alguma leitura, entendeu? Da, de algumas lei, eu tinha... então conhecia, sabia alguma coisa, mas não assim a fundo, tá?”. 2.2 Busca de informações a respeito da criança-alvo e/ou a respeito da inclusão Márcia relatou que, nas duas vezes em que recebeu uma criança com NEEs, ela procurou informações na internet sobre as necessidades das crianças e também sobre experiências de inclusão. Além disso, recebeu algumas informações da Coordenadoria de Educação Especial do Município sobre a Síndrome de Down. 37 “Com o Felipe, ah... eu procurei também, tá? Da mesma forma, as famílias que têm crianças com Síndrome de Down dentro da escola, os comportamentos mais comuns de uma criança com Síndrome de Down, né? O que é a Síndrome de Down?”. 2.3 Sugestões de serviços Quando questionada sobre quais profissionais poderiam ajudá-la, Márcia indicou especialistas tais como fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais. “Então, a fono, a psicóloga... a TO, eu já falei, né? A fono, né? A fono, porque tem coisas assim, por exemplo, eu não consigo só dá atenção pra ele dentro da sala, e eu não sou especialista, entendeu? Eu não sou fono, não sou psicóloga, eu sou uma professora que sei trabalhar com a socialização, com a alfabetização...”. 3. Aceitação 3.1 Opinião/ percepção sobre a inclusão antes e depois de ter recebido alunos com NEEs A professora avaliou que antes de receber um aluno com NEEs em sua turma, ela considerava que eles iriam para a escola somente com o objetivo de socialização. No entanto, com a experiência de trabalho, reconheceu que eles também vão para a escola para aprender. “Eu achava que... eles só viriam pra escola só para socialização, né? Eu acho que... é um mito até que todo professor tem, né? Que a criança, esse tipo de criança, só vem na escola para socializar, mas eu acabei descobrindo que não é verdade, né? Pela experiência eu descobri que não é assim e... também a criança, ela passa dentro da escola por processo de alfabetização, então vai melhorar a linguagem dela, ah... que nem eu falei pra você, né? Que eu fiquei super contente quando o Felipe, ele fez um sol no caderno e veio mostrar pra mim que era um sol. Então esse mito, essa idéia que eu tinha de que a criança vinha só para socializar então caiu por... por terra, entendeu? Não é... agora eu sei que não é assim, que não é verdade, então que ela também passa por processos de aprendizagem quanto à língua oral, à língua escrita, à matemática”. 3.2 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para Felipe De uma forma geral, a professora avaliou que só há aspectos positivos para o aluno com NEEs em sua inserção numa classe regular. 38 “Eu acho que só efeitos positivos, né? Então, por exemplo, melhora a linguagem oral, tá? Principalmente, a comunicação dele com as outras crianças, essa parte social, de aprender a brincar, de aprender a trocar um brinquedo, de aprender a emprestar, de respeitar uma fila; por exemplo, um dia aprender a lavar a mão, um dia aprender a comer, vendo até mesmo as outras crianças, né? De saber se defender quando alguém bater, entendeu? E saber também que tá errado brigar, tá? Então só vejo aspecto positivo, negativo eu não vejo nenhum não”. 3.3 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para a turma A professora considerou que, apesar da agitação de Felipe, sua inserção na classe traz aspectos positivos para a turma. “Não, eu acho que só tem efeito positivo, porque apesar dele ser um pouco agressivo, né? Um pouco assim... até que eu acho que ele não é muito agressivo, né? (...) Apesar dele ser um pouco agitado, eu tenho outros alunos também que são até mais agitados ou agressivos do que ele. Então, eu acho que aspecto negativo não traz nenhum pra classe, só traz positivo”. 3.4 Expectativas/impacto (positivos e negativos) da inclusão para Márcia De uma forma geral, Márcia considerou que essas experiências com alunos com NEEs foram positivas e enriquecedoras para sua vida pessoal e profissional. “Bom, acho que só vai melhorar minha vida profissional, porque é uma experiência que eu não tinha antes, né? Até pro meu currículo é bom eu ter experiência com crianças assim. (...) Não... eu acho que prejudicar não vai, eu acho que só vai acrescentar, entendeu? Porque eu nunca tive contato, entendeu? Com crianças assim... primeiro foi a Bruna e o segundo foi o Felipe, então eu acho que só acrescentou pra minha vida”. 3.5 Impacto (positivo e negativo) da política de inclusão para o sistema educacional Márcia ponderou que a política inclusiva tem um impacto positivo para o sistema educacional, pois possibilita que as pessoas tenham maior contato com crianças com NEES e vejam que o trabalho com eles é possível. “Ela pode melhorar, porque as crianças, os pais, as merendeiras, os diretores, os inspetores, né? Eles não tinham contato com esse tipo de criança, a gente não tinha. Por 39 quê? Porque eles ficavam afastados, longe da gente, né? E eu acho que só tende a melhorar porque cada vez mais que vão chegando crianças assim na escola, as pessoas vão se acostumando, vão vendo que não é uma coisa do outro mundo, né? Que dá pra trabalhar com essas crianças, que dá pra se comunicar, que dá pra conversar e todo mundo da escola adora o Felipe, como gostava também da Bruna, entendeu?”. 4. Compromisso 4.1 Expectativas a respeito do desenvolvimento de Felipe A expectativas de Márcia eram de que Felipe soubesse se comunicar com os colegas, com a professora e soubesse respeitar as regras dentro da sala de aula na primeira série. “Com o Felipe? Ah, eu sei assim que, é lógico que lado social dele, a socialização dele vai estar assim muito mais avançada do que a parte de alfabetização. (...) não negar esse lado da alfabetização pra ele, mas a minha expectativa é que ele saia sabendo pedir para ir ao banheiro para a professora da primeira série, pedir água para a professora, que ele saiba contar que uma criança bateu nele, que ele saiba se comunicar com as outras crianças, que ele saiba respeitar algumas regras dentro da sala de aula, porque agora ele vai pra sala de aula só da outra escola, né? Vai ter Educação Física, tudo, mas é mais dentro da sala de aula na primeira série, né? Que ele saiba respeitar as regras dentro da escola, respeitar uma fila, que ele saiba se defender, que se saiba procurar a sala dele sozinho, que ele saiba ir no banheiro sozinho. Então, essas são as minhas expectativas”. 4.2 Tratamento de Felipe na turma Márcia afirmou que o tratamento dado ao aluno com NEEs tem que ser igual ao que é dado aos outros. No entanto, algumas vezes ela reconheceu que concedia a ele alguns “privilégios”. “É igual, tudo, tudo igual, tudo igual, se um não pode fazer isso, ele também não pode, entendeu? Porque é meio complicado, às vezes, por exemplo, ele quer repetir três vezes o leite na merenda e todo mundo só pode tomar uma vez, então as outras crianças também cobram; às vezes a merendeira dá uma escapadinha e dá um pouquinho mais, entendeu? Aí ela olha pra mim e fala: ”Pode?”, né? Às vezes, eu fico com dó e também deixo, mas eu sei que não é pra deixar, entendeu? Tem que ser tudo igual, tudo igual”. 40 A etapa final do estudo envolveu uma nova entrevista com a professora, com o intuito de fazer um balanço sobre a experiência, tendo sido a professora Márcia convidada a descrever como foi seu ajustamento a situação de ter Felipe na classe. Além disso, ela foi convidada a fazer uma avaliação da experiência e a oferecer sugestões sobre o processo e a política de inclusão escolar. A seguir serão apresentadas as conclusões desta etapa de acordo com as categorias e subcategorias do roteiro de entrevista. 5. Ajustamento 5.1 . Mudança na rotina de trabalho Márcia descreveu que alterou sua prática adaptando ou mudando as atividades para Felipe. “Implica em mudanças, por exemplo, eu tenho que adaptar as atividades que eu dou para as crianças, eu tenho que adaptar para ele. Então, se você pegar o caderninho dele, você vai ver que todas as atividades são adaptadas, tá? A não ser que seja uma atividade assim muito difícil pro cognitivo dele, tá? Então aí, a gente dá, eu posso, por exemplo, dar um brinquedinho pra ele nessa hora pra ele montar, então as outras crianças já sabem, tá? Ou então, por exemplo, se ele tá muito nervoso, um dia eu tenho, por exemplo, que colocar uma música pra ele se acalmar mais, né? (...) Então, implica em mudanças sim. E eu acho que isso também é bom para os outros, entendeu? Porque, ao mesmo tempo em que você faz uma mudança pra ele, você também tá beneficiando os outros, porque eu poderia, por exemplo, tá colocando menos música, tá? E trabalhando mais com a oralidade, com a escrita, mas eu também, eles também vão ser beneficiados. Por quê? Porque a gente vai tá cantando, a gente vai tá brincando, a gente vai tá dançando”. 5.2. Mudança no agrupamento dos alunos Sobre o arranjo dos alunos na sala, Márcia disse que continuou a usar a mesma estratégia que utilizava antes de ter Felipe em sua sala, que é colocar as crianças sempre em grupos. “Então, eu sempre fiz o agrupamento de modo assim que eles ficassem juntos, né? Ou em cinco crianças, ou em duas, ou então fazer um... é que não dá pra fazer um semi-círculo, né? Mas um semi-retângulo dentro da classe, né? E... quando o Felipe, ele veio, eu continuei assim... (...) Então, quando o Felipe entrou, sempre trabalhei desse jeito, então continuei dessa forma, né? E também foi bom pra ele...” 41 5.3. Mudanças na forma de ensinar A educadora afirmou que, além de fazer alterações no conteúdo ensinado, foi necessário também esclarecer algumas dúvidas das crianças sobre o desenvolvimento de Felipe. “Sim, não só em relação ao conteúdo, mas em relação aos valores das crianças, né? Porque, na verdade, eu fiquei com o Felipe dois anos, né? (...) Então, quando eles vieram para cá, eles tinham essa idéia de que ele era doente, de que ele é doente; então, você tem que conversar, e que ele fez xixi, porquê que ele faz xixi, que ele fez cocô, porquê ele fez cocô, porquê que ele é pequeninho desse jeito, né? E ele tem oito anos e é pequeninho, né? Por que que ele não consegue fazer as coisas e a gente consegue? Mas tem que explicar, mas não é sempre que a gente consegue fazer, tem gente que tem dificuldade também de fazer as atividades, né? Tem criança que tem dificuldade também de fazer as atividades dentro da sala de aula”. 5.4. Apoios recebidos A professora relatou que recebeu apoio de uma estagiária da UFSCar2 e também da Coordenadoria de Educação Especial do município. “E eu recebi orientação pra fazer essas adaptações, primeiro da Mariana, que foi uma estagiária da Federal, que trabalhou aqui comigo e ela disse que a gente poderia tá adaptando essas atividades... e também da Cristiane, que trabalha com Educação Especial”. 5.5. Alteração que mais auxiliou na prática A professora citou a música como a alteração que mais auxiliou em sua prática. “Em especial a música, eu acho assim que ajudou bastante, porque ele gosta bastante. E eu lembro assim que, nas primeiras vezes que eu coloquei a música, que ele havia chegado, ele nem se mexia do lugar, sabe? Ele não fazia assim nenhum gesto, por exemplo, ele não saia do lugar, não dançava. Então assim, agora eu percebi que não, ele sai, ele já participa mais, né?”. 2 Referência aos estagiários do projeto SOS Inclusão, coordenado pela professora Enicéia G. Mendes em 2003. 42 6. Avaliação da experiência 6.1 Resultados para Felipe Márcia considerou que a evolução de Felipe na pré-escola regular foi muito grande. “É, lembrando assim como ele chegou, há dois anos atrás, né? E vendo agora assim, o desenvolvimento foi muito grande, foi muito grande e é interessante porque a cada dia acontecesse uma coisa nova. Então, no começo, foi mais a socialização dele mesmo, ele participar da rotina da escola, saber que ele tem um horário para entrar, que ele tem um horário para ir pro parque, um horário pra merenda, um horário para escovar os dentes, horário de ir embora; que tem um horário que você vai cantar música, que tem horário que você vai fazer uma atividade escrita e que, nesse tempo, ele tem que ficar sentadinho, que ele vai montar um joguinho, fazer alguma coisa com o joguinho, que ele tem que ficar sentadinho, que vai pra brinquedoteca, que lá você pode se movimentar mais.(..) Então, no começo, foi a rotina; depois, agora nesse segundo ano, a gente tentou introduzir mais as atividades orais e escritas no caderno, né? Trabalhar a oralidade com a escrita no caderno, mas sem se esquecer das outras atividades, porque o intuito da pré-escola não é que todas as crianças daqui saiam alfabetizadas, né?”. “(...) nossa, o desenvolvimento dele foi muito grande, entendeu? Muito grande, muito grande. Ele é menor em relação às outras crianças, elas se desenvolvem muito mais rápido, né? Mas... é... se você comparar aos pouquinhos, né? Ele foi se desenvolvendo e chegar, por exemplo, a reconhecer a letra ‘a’, né? Ou falar, pedir pra ir beber “água”, né? (...) Quer dizer, é um desenvolvimento assim muito grande pra ele, uma criança sem estímulo nenhum, que veio sem estímulo nenhum, que praticamente não ficou na outra escola, né? Teve que sair da outra escola porque não tava dando certo”. 6.2 Resultados para Márcia Márcia avaliou que sua experiência com Felipe a ensinou a trabalhar com uma criança com Síndrome de Down e aprendeu a ver as crianças com NEEs como iguais as outras. “E, agora assim, o que trouxe de bom assim, é que a gente sempre tá aprendendo uma coisa diferente, né? E eu nunca tinha trabalhado com uma criança com Síndrome de Down, então eu aprendi a trabalhar (...). E pras crianças, pra mim mudou, eu acho assim que em todos os aspectos, né? Eu via como diferente uma criança com Síndrome de Down, 43 uma criança autista, eu via como diferente mesmo; e hoje, eu percebo assim que eles podem tá dentro da escola, acompanhando normalmente uma turma, que eles se desenvolvem, que eles aprendem e antes, eu pensava que eles vinham só para a socialização, eu imaginava isso”. 6.3 Resultados para a turma e para os funcionários Márcia considerou que a inserção de Felipe deu oportunidade às crianças e aos funcionários de aprenderem a conviver com uma criança com necessidades especiais. “E, pras crianças, esse outro lado de tá convivendo com uma criança com necessidade especial. Para os funcionários, entendeu? Os funcionários gostam muito, gostam bastante dele. (...) Então, muda para as crianças, muda para os funcionários e a gente aprende a conviver com uma criança com necessidade especial e vê também que ela pode fazer parte do seu cotidiano sem problemas nenhum, né? Sem discriminar, sem ter um pré-conceito sobre ela”. 6.4 Resultados para o sistema educacional Sobre o resultado da inclusão para o sistema educacional, Márcia ponderou é uma experiência importante para mostrar para as outras escolas que o trabalho é possível. “Contribuiu, contribuiu, porque eu acho que através, vamos supor, desse trabalho com o Felipe, é uma experiência até pra mostrar para as outras escolas que dá certo, que é possível incluir uma criança com necessidade especial na sala de aula, tá?”. 6.5 Dificuldades enfrentadas Apesar dos vários aspectos positivos da inclusão, a professora enfrentou também dificuldades, como o preconceito dos pais das outras crianças. “Mas também, a gente tem o outro lado também dos pais que não aceitam muito, né? (...) E, às vezes, eu tive problema com a Bruna, por exemplo, eu tive pai, eu tive avó, que não queria que a Bruna sentasse perto da criança, né? Você vê, a gente senta em grupo...e o pai chegou e falou pra mim: ‘eu não quero que ele sente perto da Bruna’, entendeu? Ou então chega e fala assim pra mim: ai professora, o Felipe... ela tá reclamando que o Felipe tá batendo nela. Eu já expliquei que o Felipe é doente; eu sei, eu já expliquei pra ela que se ele bater não é nem pra bater nele de volta porque ele é doente’, né? Por um lado é até bom, mas você percebe que existe uma discriminação: ele é doente, né?” 44 7. Sugestões 7.1 Alterações para a política de inclusão escolar do município Márcia avaliou que todos os professores deveriam passar pela experiência de ter um aluno com NEEs e que o município precisa ainda de mais estrutura para apoiar a inclusão escolar. “(...) quando ela [a prefeitura] traz um aluno com necessidades especiais pra escola, eu não sei que tipo de avaliação que eles fazem exatamente, eu não sei se eles escolhem um determinado professor pra colocar o aluno, entendeu? Eu não sei, eu senti isso, que é escolhido um determinado professor, só que, eu acho assim que, por outro lado, não se pensa um pouco no cognitivo dele...”. “Eu acho que todos deveriam participar, entendeu? Todos, todos os professores deveriam trabalhar um dia com uma criança assim...”. “... eu acho que ainda não tem uma estrutura ainda para receber, entendeu? Mas em relação ao ano da Bruna, melhorou bastante, né?”. 7.2 Sugestões para um professor que fosse receber um aluno com NEEs Márcia sugeriu para os professores que terão um aluno com NEEs em suas turmas que o recebam de “coração aberto”, que o tratem de forma igual aos outros alunos e que sempre peçam ajuda. “Eu acho assim que não existe uma dica ou falar uma receitinha, ah, você faz isso que isso dá certo, né? Medo vai sentir mesmo, eu acho que todo mundo vai sentir medo, um certo receio de receber... (...) Então, eu não daria uma receita, eu acho assim, a pessoa tem que tentar de tudo, tudo que der certo, entendeu? E tem coisas que não vão dar certo, entendeu? Que, por um momento, eu acho assim, que devem ser realmente abandonadas, por um certo momento e tentar outras, que vão dar certo, e depois voltar naquelas que não deram certo, entendeu?”. “E assim receber de coração aberto e sempre tá pedindo ajuda, pedir ajuda, porque o professor precisa de ajuda... (...) Então, é... receber de coração, entendeu? Mesmo assim coração aberto, pedir ajuda, que precisa; se o diretor não ajudar, se o inspetor não ajudar, se a merendeira não ajudar, não vai dar certo. (...) Então, o professor precisa de 45 bastante ajuda. Eu acho que mais que dar uma dica assim, é o professor tá realmente cobrando da escola, que ele tenha mais ajuda em relação à criança”. “... daria a sugestão desse professor receber a criança como se fosse uma criança como as outras que estivessem dentro da sala de aula. Ah... agora... e tratar igualmente, sabe? Tipo assim... ah... o que um não pode fazer, ele também não pode, entendeu?”. b) Considerações da professora Fátima sobre a experiência de ter Felipe como aluno A entrevista final feita com a professora Fátima teve que ser resumida, pois a professora não estava muito disposta a participar da entrevista, que seria feita durante o período da aula de Educação Física, alegando que queria descansar nessa hora. Pelo fato da entrevista ter sido resumida, tentou-se abarcar as questões mais relevantes do roteiro e, portanto, as respostas da professora corresponderam a algumas categorias da entrevista inicial e da parte final. Devido a isso, os números das categorias foram mudados. As categorias da entrevista referem-se a: experiências anteriores de ingresso de alunos com NEEs, preparação para receber o aluno com NEEs, tratamento de Felipe, resultados da inclusão para Felipe, para turma e para Márcia e sugestão para a política de inclusão escolar do município. 1. Experiências anteriores de ingresso de alunos com NEEs A professora relatou que já teve com aluna com deficiência em sua turma. “Não, eu trabalhei no Estado e nós já tínhamos esse tipo de... é nós tivemos uma aluna, também assim, mas ela realizava atividades, ela fazia alguma coisa e o acompanhamento dela foi até a quarta série, depois por ela mesma, a mãe tirou da escola porque ela não acompanhava mais, né? Ela tinha deficiência também, mas ela realizava alguma atividade, ela acompanhava, ela se interessava, mas ela não tinha capacidade de resolver, né? Então, ela foi até a quarta série. Então, por exemplo, essas crianças já vem há muito tempo dentro da escola, né? E a escola recebe, o professor recebe, que isso já era antes dessa inclusão, mas são pessoas que chegam até um certo tempo, depois eles mesmo abandonam, né? E a gente sabe que têm muitas crianças, muitos alunos que foram nossos, mocinhos, já trabalham, eles têm algum defeitinho, alguma coisa, algum problema, mas você vê que eles partiram para uma outra atividade, um trabalho, que recompensou a falta da escola, né?”. 46 2. Sugestão de serviços A professora Fátima sugeriu que tivesse uma pessoa que ficasse só com a criança com NEEs. “Sugestão de alguma pessoa. Como ele tinha o Renato duas vezes por semana, uma ele ia na natação e outra ele estava com o Renato fazendo Física, brincadeiras. Então, aquilo para ele era uma satisfação ver o Renato, era uma alegria muito grande. Aí eles retiraram o Renato, não sei se foi só aqui da escola, mas ele saiu daqui. Então, já ficou um dia a mais que o Felipe ficou sem essas atividades que ele gosta, né?”. “... ele [Felipe] deveria ter na escola pessoas com especialidade que viessem ficar somente trabalhando com ele”. 3. Tratamento de Felipe Fátima afirmou que se a criança com NEEs tem algum “rendimento” escolar, o tratamento e as atividades dados a ela devem ser iguais ao dos outros alunos. “Não, se for uma criança diferente do Felipe, como tem aqui o da Elisa [professora da mesma escola], né? Um exemplo, o da Josiane [outra professora da mesma escola] também já deixa tudo em branco, as atividades que ela dá, né? Então, eu acho assim, se é uma criança que consegue ter um rendimento, eu acho que deveria ser tudo igual, não há diferença nenhuma... (...) Então, eu acho que se a criança rende alguma coisa, então ela deve fazer atividades normais”. 4. Mudança na rotina de trabalho A professora considerou que a única alteração necessária na rotina de trabalho é um acompanhamento especial do aluno com NEEs. “Eu acho que não, não deve ter assim alteração. Eu acho que deve ter o acompanhamento com aluno de um modo especial”. 5. Avaliação da experiência 5.1 Resultados para Felipe A professora julgou que Felipe teve uma melhora, mas preocupa-se com o fato dele ir para a segunda série no ano que vem. 47 “... então, até que ele teve uma melhora. Ele melhorou, mas o dia que ele vem, né? Então, não sei, a minha preocupação é ele ir pra segunda e na segunda também ele não vai encontrar, ele não vai encontrar, vai passando...”. 5.2 Resultados para Fátima De forma geral, a professora Fátima avaliou que a inclusão teve resultados negativos. “... pela minha vontade, pela minha proposta de alfabetização, quando eu cheguei aqui na escola, eu não consegui chegar no meu objetivo completo, porque o Felipe é uma criança que necessita de cuidados especiais (...)Por quê? Ele é uma criança que ele gosta de brincadeiras, ele gosta de teatro, ele gosta de filme, ele gosta de Educação Física, ele gosta de várias brincadeiras, mas as atividades dadas na classe não são interesses dele. Então, eu penso que a parte de inclusão na minha classe foi negativa”. “A minha preocupação sabe qual que é? Porque você vê, passou o tempo, passou o ano, né? Ele vai para a segunda série, então minha preocupação ah... que eu fico assim nervosa, fico preocupada, porque ele vai para uma segunda série, então eu queria alguma coisa dele e eu não tô conseguindo. Não tô conseguindo, mesmo que você faça, a professora efetiva não conseguiu, até ela se afastou, né? Então, a minha tristeza é essa: de não ter conseguido dele aquilo também que eu desejava conseguir, né?”. 5.3 Para a turma Fátima considerou que a turma foi prejudicada com a inserção de Felipe nesta classe de primeira série. “... a classe foi muito prejudicada. Por quê? Ele fazendo, ele empurrando carteira, ele brincando, ele chama atenção de todas as crianças. Então, aquilo para eles também gera uma brincadeira, eles querem brincar justamente, eles aproveitam o tempo que ele está fazendo alguma coisa errada, uma algazarra ou jogando carteira ou batendo em alguém, então aquilo é uma oportunidade deles também ficarem desinteressados pela aula”. 48 6. Alterações na política de inclusão escolar no município A professora afirmou que deveria existir um apoio maior à inclusão das crianças com NEEs no ensino regular. “Não é porque a lei manda, agora a lei deveria ter então um respaldo, por exemplo, crianças que acompanham, aquelas que não acompanham, então vamos fazer outra coisa. Agora eles jogam para você, se vira, né? Tanto é que você vê, eu sou a terceira professora que passo pela classe, olha como eles foram prejudicados, foram muito prejudicados”. Parte III- Episódios inclusivos e situações-problemas nas duas escolas Na turma da pré-escola (EI) foram catalogados um total de 36 episódios, dos quais 19 foram classificados como situação-problema e 17 como práticas pedagógicas inclusivas. Na turma da 1ª série (EF) foram catalogados 15 episódios, dos quais 10 foram classificados como situação-problema e 5 como práticas pedagógicas inclusivas. A Figura 1 apresenta a freqüência em porcentagem de situações-problemas e práticas pedagógicas inclusivas registradas nas duas escolas. Freqüência dos tipos de episódios na EI SituaçõesProblemas 47% 53% Práticas Inclusivas Freqüência dos tipos de episódios na EF 33% SituaçõesProblemas 67% Práticas Inclusivas Figura 1 – Freqüência dos tipos de episódios registrados nas duas escolas (turma de préescola na Educação Infantil - EI, e turma de 1ª série do Ensino Fundamental - EF). 49 A Figura 2 apresenta a freqüência dos episódios registrados para cada um dos cinco tipos de situações observadas, nas duas escolas. Na turma da pré-escola, a maior proporção de episódios foi encontrada na situação de atividade acadêmica, na qual foram identificados 22 dos 36 episódios (61%). Na situação de higiene foram identificados 5 episódios (14%), enquanto que na situação de alimentação, 3 episódios (8%). Nas atividades de brincadeira dirigida e brincadeira livre foram observados, respectivamente, dois (6%) e quatro episódios (11%). Freqüência dos tipos de episódios em cada situação na EI 14 12 10 Freqüência dos 8 6 episódios 4 2 0 SituaçõesProblemas AA HIG ALIM BD Situações Observadas BL Práticas Pedagógicas Inclusivas Legenda: AA = atividades acadêmicas HIG = atividades de higiene ALIM = alimentação BL = brincadeira livre BD = brincadeira dirigida Freqüência dos tipos de episódios em cada situação na EF 10 8 Freqüência dos 6 episódios 4 SituaçõesProblemas 2 0 AA HIG ALIM BD Situações Observadas BL Práticas Pedagógicas Inclusivas Figura 2 – Freqüência dos tipos de episódios registrados em cada uma das situações observadas na sala da pré-escola (EI) e na escola de ensino fundamental (EF). Na 1ª série a maior proporção de episódios também foi verificada na situação de atividade acadêmica, na qual foram registrados 93% dos episódios. Nas situações de 50 higiene, alimentação e brincadeira livre não foi registrado nenhum episódio. Na situação de brincadeira dirigida, foi identificado apenas um episódio. Quanto aos tipos de episódios na turma de pré-escola observou-se que: • na situação de atividade acadêmica predominaram as práticas pedagógicas inclusivas, situação na qual se identificou 13 episódios (77%); • nas situações de higiene e alimentação, predominou as situações-problemas, com 4 e 3 episódios respectivamente, ou seja, 21% e 16%; • nas situações de brinquedo dirigido e brinquedo livre, foram equivalentes os números de episódios de situações-problemas e práticas inclusivas, sendo que na primeira situação encontra-se um episódio de cada categoria e na segunda situação, dois de cada categoria. Dos episódios categorizados como situação-problema na turma de 1ª série todos (100%) ocorreram em atividades acadêmicas. Dos episódios de práticas pedagógicas inclusivas, 80% ocorreram na situação de atividade acadêmica e 20% na situação de brincadeira dirigida. Dentro da categoria de situações-problemas observados na turma de pré-escola observou-se de maneira geral: episódios de desentendimento entre Felipe e seus colegas, muitos episódios nos quais ele fez xixi e/ou cocô na sala de aula, na brinquedoteca ou no parquinho, episódios de tratamento inadequado e de agitação/inquietação dele dentro da sala. Na 1ª série, as situações-problemas ocorreram em situações nas quais Felipe fez xixi na sala de aula, quando ele não queria entrar na sala, recusava-se a fazer a atividade, deitava-se no chão da classe e mexia nos materiais dos colegas. Dentro da categoria de práticas pedagógicas inclusivas na turma de Márcia, da préescola, identificou-se: episódios em que a professora favoreceu a participação de Felipe na atividade, nos quais a professora incentivou/elogiou a participação dele nas atividades e episódios em que ela encorajava colegas a ajudarem e/ou interagirem com Felipe. Na categoria de práticas pedagógicas inclusivas observadas na turma de 1ª série identificou-se um episódio em que a professora Fátima favoreceu a participação de Felipe na atividade e situações em que ela o elogiou por ter participado. Em relação à freqüência dos tipos de episódios segundo os agentes principais das interações, constatou-se que em situações-problemas da pré-escola, os principais envolvidos foram os colegas e Felipe, enquanto que nas práticas pedagógicas inclusivas, a professora Márcia foi a principal protagonista. Na escola de Ensino Fundamental, 51 constatou-se que o principal protagonista dos dois tipos de episódios foi Felipe, inclusive nas práticas pedagógicas, pois em todas as situações inclusivas a iniciativa foi da criança, que ia até a professora, como por exemplo, para mostrar a atividade que estava fazendo. As principais estratégias utilizadas por Márcia, a professora da pré-escola, para lidar com as situações-problema foram: conversar com Felipe e outros alunos envolvidos, chamar uma funcionária para trocá-lo quando ele fazia xixi ou cocô na sala, deixar o aluno pegar um brinquedo e trocar Felipe de lugar na sala. Dentre essas estratégias, a mais utilizada foi a de conversar com Felipe e os colegas envolvidos nas situações-problema. As principais estratégias utilizadas pela professora Fátima lidar com as situaçõesproblemas envolvendo Felipe, na 1ª série, foram: mandar o aluno sentar, ficar brava, chamar sua atenção, ignorar, arrastar a criança até o seu lugar, tirar fotos, fazer um livro de ocorrências e chamar a inspetora para tirar o aluno da sala. A professora ignorava principalmente as situações em que o aluno fazia xixi na sala, pois ele espontaneamente saia da sala e procurava a inspetora para ser trocado. As atividades de tirar fotos e fazer um livro de ocorrência tinham como finalidade formar material para a professora levar para a Secretaria de Educação do município. Dentre todas essas estratégias, mandar o aluno sentar e chamar a inspetora para tirá-lo da sala foram as mais utilizadas pela professora Fátima. Cabe ressaltar que o número de episódios classificados como situações-problema, apontados na figuras 1 e 2 foram aqueles que ocorreram na presença da professora, pois a definição de situação-problema utilizada nessa pesquisa incluía aquelas situações nas quais surgia um obstáculo ou problema, cuja superação iria requerer a mobilização de conhecimentos por parte do professor, que deveria tomar decisões para que suas metas fossem alcançadas. No entanto, na 1ª série outras 8 situações-problema forma registradas, que ocorreram na escola, mas na ausência da professora. Esses episódios ocorreram na merenda (1), no recreio (4), na entrada da sala (2) e no bebedouro (1), situações em que a professora não estava presente, mas que necessitaram a mobilização das inspetoras e algumas vezes da vice-diretora e da diretora. Na merenda observou-se um episódio no qual Felipe, quando viu a inspetora carregando as bolas e abrindo a porta que daria acesso ao gramado, imediatamente jogou fora sua comida antes de terminar. Segundo a inspetora, isso sempre ocorria e não era porque ele estaria sem fome. 52 No recreio, os problemas envolveram brigas e agressões de Felipe com os colegas; num episódio no bebedouro, Felipe cuspiu água nas pessoas e na entrada da sala, ele não queria entrar, deitava no chão e segurava nos pés da inspetora. Tais episódios não foram contabilizados nos gráficos, mas merecem ser considerado para que se possa retratar melhor a difícil transição de Felipe para a escola de Ensino Fundamental. 53 Discussão Os resultados encontrados apontam que a professora de Educação Infantil conseguiu lidar melhor com o aluno com deficiência do que a professora da 1ª série. Tal constatação pode possivelmente ser explicada pelo fato de que, quando os dados foram coletados na classe da pré-escola, já fazia um ano e meio que Márcia estava com Felipe em sua turma. Isso também pode ser atribuído às próprias características da Educação Infantil, em que há mais atividades lúdicas do que no Ensino Fundamental, onde predominam atividades acadêmicas. Além disso, observou-se através das práticas e dos discursos, que a professora da pré-escola estava bem mais comprometida com o ideal de inclusão do que a professora da 1ª série. Quanto à utilização de adaptações, mudanças e apoios nas atividades propostas para o aluno com necessidades educacionais especiais, verifica-se que a professora da préescola utilizou algumas adaptações, como, por exemplo, o pontilhado nas atividades que incluíam letras e números, para que o aluno desenvolvesse sua coordenação-motora, se familiarizasse com esses pré-requisitos acadêmicos básicos e pudesse participar do exercício proposto. Utilizou muito a música em suas aulas, pois Felipe gostava bastante. Quando a atividade proposta envolvia muitos repertórios que a criança não possuía, a professora mudava a atividade para ela, dando, por exemplo, um desenho ou algum jogo. Com a professora da 1ª série, não foi observada nenhuma adaptação nas atividades que ela propôs para a turma; algumas vezes, ela deu folhas para a criança-alvo desenhar e poucas vezes proporcionou reforço verbal e não-verbal para o aluno. Os dados encontrados sobre as adaptações das atividades e as mudanças nas rotinas de trabalho das professoras corroboram um dos aspectos indicados na teoria da adaptação seletiva de Donoghue & Chalmers (2000), na qual os autores afirmam que os professores não costumam realizar grandes modificações nos métodos de ensino e/ou conteúdos curriculares ao receberem um aluno com necessidades educacionais especiais. Verificou-se ainda que a professora Márcia utilizou algumas das estratégias indicadas por Falvey et al (1999), como por exemplo: adotar o ensino em pequenos grupos, usar apoio e orientação dos colegas, usar os interesses do aluno, proporcionar reforço e não-verbal, usar instruções por sinais, estruturar atividades para criar oportunidades de interação social, entre outras. As estratégias que a professora Fátima utilizou para lidar com as situações-problemas não estavam de acordo com aquelas indicadas por Stainback (1999), que sugeriam que o professor deveria atrair pouca atenção aos comportamentos inadequados, ajudar seus 54 alunos a terem comportamentos adequados, tentar resolver o problema sozinho e de maneira discreta. Fátima dava muita atenção aos comportamentos inadequados dos alunos, principalmente aos de Felipe, não os ensinava a ter comportamentos mais adequados e lidava com os problemas, muitas vezes, de forma não discreta e chamando a inspetora da escola para resolvê-los. Em relação à comparação entre o discurso e a prática, de maneira geral, as professoras apresentaram coerência entre o que falavam e o que faziam. Somente quanto ao tratamento do aluno-alvo, a professora da pré-escola foi algumas vezes incoerente, pois afirmava que o tratamento dado ao aluno com NEEs tinha que ser igual ao das outras crianças e o que as outras não podiam, ela também não poderia. No entanto, a criança-alvo tinha alguns “privilégios” em comparação com as demais crianças, como por exemplo: todos os dias ela podia sair da sala uns 15 ou 20 minutos para ficar na diretoria (onde tinha uma salinha com materiais e brinquedos), ela podia ficar com brinquedos na sala, tinha mais oportunidades de brincar com jogos enquanto as outras crianças tinham que fazer atividades acadêmicas, ela podia pegar leite mais de uma vez na merenda, sendo que os outros alunos não podiam. No entanto, apesar de Felipe estar mais integrado na pré-escola, participando mais das atividades do que na primeira série, ele não foi preparado adequadamente para fazer a transição para o Ensino Fundamental, devido aos privilégios que eram dados a ele, que também contribuíram para dificultar sua passagem. O menor número total de episódios registrados na 1ª série em comparação com os que foram registrados na pré-escola pode ser atribuído à presença mais constante da professora do Ensino Infantil nas atividades de seus alunos, acompanhando inclusive atividades fora da sala de aula, como por exemplo, na merenda, no parquinho, na hora de escovar os dentes, lavar as mãos, além das situações acadêmicas. Cabe lembrar que a definição dos dois tipos de episódios envolvia a presença da professora. Isso explica também o maior número de situações-problemas da EI, pois na EF vários episódios de situação-problema ocorreram em momentos em que a professora não estava presente. O menor número de práticas inclusivas na 1ª série em comparação com os episódios da pré-escola talvez possa ser em parte explicado pela presença da pesquisadora, que acompanhava a criança-alvo, levando atividades adaptadas para ela. Os comportamentos inadequados de Felipe na primeira série foram muito freqüentes provavelmente porque eles eram efetivos para o aluno conseguir se esquivar das atividades acadêmicas e, conseqüentemente, da situação de sala de aula. Quando ele se 55 comportava mal, ele saia da sala, ficava na diretoria, com a inspetora no almoxarifado ou numa mesinha que tinha no corredor da escola ou então na sala de outra professora. Os comportamentos inadequados em outros contextos, como no recreio, talvez pudessem ser atribuídos ao pouco desenvolvimento da linguagem de Felipe e à falta de repertório social para lidar com os colegas. Quanto à transição de Felipe para a 1ª série, constata-se que foi um processo difícil, com muitos problemas de aceitação e adaptação à nova escola, às novas professoras e à nova turma. A passagem pode ter sido dificultada pela falta de repertório acadêmico básico do aluno (como o conhecimento das letras do alfabeto e dos números), pelo pouco desenvolvimento de sua linguagem e pela falta de controle de esfíncteres. No entanto, foi dificultada principalmente pela concepção tradicional da equipe escolar que focalizava o problema da dificuldade de aprendizagem na criança e não na estrutura escolar e pelo pouco comprometimento da escola com o ideal de inclusão. A professora ainda mantinha uma concepção bem tradicional do processo de ensino-aprendizagem, das dificuldades de aprendizagem e uma visão fatalista da deficiência, conforme indica em sua entrevista. Ela tinha também como objetivo a homogeneização em sua classe, ou seja, que os todos os alunos aprendessem da mesma maneira e no mesmo ritmo. Conforme indica Fox et al (2004), as percepções do professor do ensino regular são centrais para a efetividade da inclusão e, segundo Martínez (2005), é necessário mudanças na representação da escola como instituição e nas concepções dominantes no meio escolar para favorecer a inclusão, mas a professora da primeira série mantinha concepções que não contribuíam para o processo de inclusão. Um outro fator que pode ter dificultado a transição do aluno foi o fato da professora não ter assumido um papel central na programação das atividades e apoios para a criançaalvo, deixando claro na entrevista que ela esperava que algum profissional acompanhasse Felipe. Conforme indica Fox et al (2004), o papel central do professor no manejo das adaptações e na organização da rotina escolar aumenta as chances de sucesso da inclusão. Portanto, a dificuldade de adaptação do aluno pode também ser atribuída à postura da professora. Além disso, segundo os autores, outros fatores que aumentam a probabilidade de sucesso da inclusão são: adaptação do currículo à criança e a concepção de que ela é central na aprendizagem, que também não estavam presentes na EF. Fátima tinha muita experiência como professora, mas não conseguiu manejar adequadamente a sala para favorecer o engajamento de Felipe e contornar as situaçõesproblemas, sentindo-se desapontada, conforme indica na entrevista, por não ter alcançado 56 seus objetivos. Isso é apontado por Iverson (1999), que afirma que mesmo os professores que têm um amplo conhecimento e técnicas para ensinar, mas que não têm um preparo para o manejo adequado da sala, muitas vezes, se sentem frustrados com os alunos e com o trabalho, reclamam, alteram seus tons de voz, sofrem um intenso estresse e usam muita punição. Fátima, além de sentir frustrada com o trabalho por não ter atingido suas metas, também alterava seu tom de voz e reclamava bastante de Felipe e da turma, principalmente diante de situações-problemas. 57 Considerações Finais O presente estudo teve como objetivo descrever e analisar como os professores lidam com um aluno com necessidades especiais inserido em suas turmas e como ocorre a transição da pré-escola para a escola dessa criança. Pode-se considerar que a opção metodológica adotada se mostrou adequada aos objetivos do estudo, pois permitiu investigar como as escolas e os professores respondem à inserção de alunos com NEEs. O referencial etnográfico permite uma variedade de técnicas que garantiram uma maior aproximação do fenômeno a ser estudado. Além disso, a prolongada estadia do pesquisador na escola, como observador participante, assegurou maior familiaridade com o contexto investigado; a coleta de dados permanente permitiu registrar dados que eventualmente podem não aparecer em situações mais estruturadas ou planejadas. Os dados coletados permitiram uma grande variedade de análises, mas pretende-se aprofundar a análise dos estudos de casos, a fim de se criar material didático para ser usado em programas de formação de professores, para possibilitar discussões sobre os fundamentos teóricos e reflexões sobre a prática. Na pré-escola, houve um equilíbrio entre o número de situações-problemas e práticas pedagógicas inclusivas, com o uso de algumas adaptações e poucas alterações na rotina de trabalho. Na turma de primeira série, houve um predomínio de situaçõesproblemas (contabilizando os episódios dessa classe que ocorreram na ausência da professora), o uso de nenhuma adaptação ou alteração na rotina de trabalho. Através da comparação entre o discurso e a prática, constatou-se, de maneira geral, que as professoras foram coerentes e que a professora da pré-escola estava bem mais comprometida com o ideal de inclusão do que a professora da primeira série. A transição do Ensino Infantil para o Ensino Fundamental caracterizou-se como um momento crítico na escolarização do aluno com deficiência. Tal tema demanda estudos que aprofundem a questão e que possam aumentar as probabilidades de permanência e sucesso das crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular. De forma geral, é imprescindível para o sucesso da proposta de inclusão que se produza conhecimento científico sobre a questão da formação do professor do ensino regular para fazer frente aos desafios que emergem durante o processo de inclusão escolar. 58 Referências Bibliográficas BAILEY, D. B.; MC WILLIAM, R. A.; BUYSSE, V.; WESLEY, P. W. Inclusion in the context of competing values in Early Childhood Education. 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Estratégias para o Manejo de uma sala de aula inclusiva. In: S.B. Stainback; W. Stainback. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed, 1999. MANTOAN, M. T. E. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Mennon/ SENAC, 1997. MARTÍNEZ, A. M. Inclusão Escolar: desafios para o psicólogo. In: A. M. Martínez (org.), Psicologia Escolar e compromisso social: novos discursos, novas práticas. Campinas: Editora Alínea, 2005. MENDES, E. G. A formação de educadores de creches para a inclusão escolar: identificando situações-problemas. Relatório Final do Projeto de Pesquisa CNPq Processo Nº 520288/02 (NV), 2005. MITTLER, P. O futuro das escolas especiais. Pátio Revista Pedagógica, ano VIII, nº 32, novembro de 2004/janeiro de 2005, Artmed Editora, 2004. ROGERS, J. The inclusion revolution. Research Bulletin, 11.Bloomington, IN: Center for Evaluation, Development and Research, 1993. SASSAKI, R. 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Boston: Allyn & Bacon, 1993. 60 ANEXO I ROTEIRO DE ENTREVISTA DO PROFESSOR PARTE A – IDENTIFICAÇÃO Data da Entrevista: Escola: Professor (a): Data de Nascimento: Idade: FORMAÇÃO: ( ) 1° grau incompleto ( ) 1° grau completo ( ) 2° grau completo ( ) ( ) 2° grau incompleto Magistério Curso Superior? ( ) NÃO ( ) SIM Qual (is)? EXPERIÊNCIA COMO PROFESSOR: • Tempo de experiência (em anos) como professor: • Experiências em quais áreas (ensino infantil, fundamental, médio, etc)?: • Tempo de experiência em anos: • Experiência no Ensino Especial? ( ) NÃO ( Local • ) SIM. Quais? Tempo de experiência Nível de escolaridade Você teve convivência anterior com pessoas com Necessidades Educacionais Especiais? ( ) NÃO ( ) SIM. • Quem? ( ) familiares ( ) vizinho ( ) aluno ( ) outros 61 • Você já teve anteriormente a experiência de ter em sua turma crianças com necessidades educacionais especiais? ( ) NÃO ( ) SIM • Quem é (são) atualmente seu (s) aluno (s) com necessidades educacionais especiais? Faça uma breve descrição sobre o que você sabe a respeito dele (s). FORMAÇÃO CONTINUADA: • Relação dos cursos feitos Nome do Curso Carga Horária Ano PARTE B - ENTREVISTA INICIAL 1a categoria: INGRESSO E RECEPÇÃO DA CRIANÇA NA TURMA 1. Você foi consultada sobre a inserção do aluno ________________ em sua turma? 2. Como teve conhecimento de que esse aluno ingressaria em sua turma? 3. Se você tivesse a opção de escolher entre receber e não receber esse aluno, qual seria sua opção? Por quê? 4. Qual foi o seu pensamento/sentimento ao saber que teria um aluno com necessidade educacionais especiais em sua turma? 5. Qual foi o seu sentimento a respeito do aluno antes de conhecê-lo? 6. Você já recebeu em sua sala, em anos anteriores alunos com alguma deficiência? Se sim, como foi essa experiência? 7. Você já havia recebido alguma orientação ou informação a respeito da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular? Em caso positivo, qual (is)? 8. Quando um professor recebe pela primeira vez em sua turma um aluno com necessidades educacionais especiais, quais deveriam ser os procedimentos a serem adotados? Tem alguma sugestão? 62 9. Quando ficou sabendo que teria um aluno com necessidades educacionais especiais em sua turma procurou informações a respeito do assunto? ( ) Sim ( ) Não OBS: Se a resposta à pergunta for positiva, vá para a questão 10. Se a resposta for negativa, vá para a questão 15. 10. Onde ou com quem procurou estas informações (outros professores, diretor, outros alunos, conhecidos, família do aluno, etc.)? 11. Essas informações auxiliaram na sua prática? Como? 12. Na sua opinião, quais foram as fontes de informações mais importantes? 13. Dentre as informações obtidas, quais foram as mais significativas? Quais foram irrelevantes? 14. Dentre as informações obtidas, quais foram as que auxiliaram quando da recepção do aluno? Quais não auxiliaram? 2a categoria: ACEITAÇÃO 15. Qual a percepção que você tinha do aluno com necessidades educacionais especiais antes de passar pela experiência de ter um desses alunos na sua turma? 16. De modo geral, o que você acha da inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais na escola? 17. Você pensa que a escola deve atender a todos sem distinção ou algumas crianças com necessidades educacionais especiais não teriam condições de freqüentar a escola? 18. Você pensa que é justo e certo educar o aluno com necessidades especiais na escola comum ou você pensa que justo seria ele ter uma educação separada? Por quê? 19. Você acha que a inserção do aluno com necessidades educacionais especiais nas escolas traria algum aspecto positivo para este aluno? Quais? Você acha que traria algum efeito negativo? Quais? 20. Você acha que a criança com necessidades educacionais especiais foi ou não aceita pela turma? O que você acha que vai acontecer com ela na turma? Você acha que sua inserção terá algum efeito positivo para a turma? Quais? Você acha que terá algum efeito negativo? Quais? 63 21. Você acha que a inserção do aluno com necessidades educacionais especiais terá algum efeito positivo para você? Quais? Você acha que terá algum efeito negativo? Quais? 22. Você acha que esta experiência (de ter um aluno com necessidades educacionais especiais em sua sala) afetará sua carreira? Como? Que impacto você acha que a política de inclusão escolar poderá ter na sua vida pessoal? 23. Na sua opinião, a inclusão escolar de crianças com necessidades educacionais especiais poderá melhorar ou piorar o sistema educacional? Por quê? 3a categoria: COMPROMISSO 24. Quais são as expectativas com relação ao aluno ____________ na sua turma? 25. Quais as vantagens você imagina que ele poderá ter em sua turma? 26. Quais as desvantagens você imagina que ele poderá ter em sua turma? 27. Você pensa que o fato de ter um aluno com necessidades educacionais especiais implicará ou não em mudanças na sua rotina de trabalho? Em caso positivo, quais? 28. Quais são suas metas e alvos para a turma a serem atingidos até o final do ano? 29. Você modificou seu planejamento em função do aluno com necessidades educacionais especiais? Em caso afirmativo, qual (is) modificação (modificações) fez? 30. Você pretende desenvolver um programa diferenciado para o aluno com necessidades educacionais especiais? 31. Você acha que ele deverá ser tratado igual ou diferente dos demais? Você acha que deve esperar que ele faça as mesmas coisas, coisas diferentes ou menos que os outros? 32. Em caso de pretender fazer mudanças, o que pensa fazer de diferente? 33. Você tem condições de fazê-las ou precisaria de ajuda de um profissional especializado? 34. No caso de achar que precisaria de ajuda, que profissional (is) você acha que poderia (am) te ajudar? 64 PARTE C - ENTREVISTA FINAL 4a categoria: AJUSTAMENTO 35. Algum aspecto do seu trabalho mudou com a experiência de ter o aluno_________ em sua turma? ( ) Sim ( ) Não OBS: Se a resposta for positiva, vá para a questão 36. Se a resposta for negativa, vá para a questão 43. 36. Houve alguma mudança quanto às práticas organizacionais utilizadas? Você ou a criança receberam algum tipo de apoio ou orientação até o momento? Se sim, de quem e como foi? 37. Houve alguma mudança em relação aos arranjos? Ou seja, você precisou ou não modificar alguma coisa na sala (ambiente físico) na forma de agrupar as crianças? 38. No conjunto, você acha que mudou a forma de ensinar o aluno com necessidades educacionais especiais? 39. Você está satisfeito com as alterações? Você considera que precisaria outras mudanças? Em que aspectos? 40. Quais alterações auxiliaram você na sua prática com o aluno? 41. De onde vieram as idéias para as mudanças? (leitura, sugestões de colegas que trabalham ou já trabalharam com alunos com necessidades educacionais especiais, idéias próprias, etc.) 42. Qual (is) idéia (s) mais te auxiliou (am) na sua prática em sala de aula? 43. Como você acha que a criança vem se desenvolvendo em sua turma? 5a categoria: BALANÇO FINAL 44. Em sua opinião quais foram os resultados da inclusão desse aluno até o momento: - para você; - para a criança com necessidades educacionais especiais; - para as outras crianças da turma; - para o diretor (a) da escola; - para a família da criança. 44. Houve alguns fatores que dificultaram o seu trabalho? Se sim, quais? 65 45. A política de inclusão escolar fez com que melhorasse ou piorasse sua capacidade de administrar/realizar seu trabalho na escola? Justifique sua resposta apontando vantagens e/ou desvantagens se for o caso. 46. Como você avalia no momento sua experiência pessoal e profissional para lidar com a criança com necessidades educacionais especiais? Você se considera ou não capaz de lidar com elas? 47. Como você avalia a qualidade das suas ações quanto à inclusão? Na sua opinião suas ações contribuem para o processo de efetivação da inclusão? 48. Você considera que suas ações tiveram efeito sobre o aluno com necessidades educacionais especiais? Em caso afirmativo, qual (is)? 49. Você considera que suas ações poderiam ser melhoradas? Em caso afirmativo, em que aspectos? 50. Você pensa que a política de inclusão escolar deve continuar sendo implementada? 51. Na sua opinião, esta experiência (de ter alunos com necessidades educacionais especiais) poderá aumentar as possibilidades de melhoria no sistema educacional ou não? 52. A experiência de ter o aluno com necessidades educacionais especiais alterou sua atitude em relação a receber no futuro outras crianças, em sua turma? Por quê? 53. Qual o impacto que a experiência da inclusão teve para você? 54. A experiência influenciou na mudança de algum valor que você possuía antes? 55. Qual a percepção que você tem hoje do aluno com necessidades educacionais especiais? 56. O que você diria a outros professores que fossem passar pela experiência de ter no futuro um aluno com necessidades educacionais especiais em sua sala de aula? 57. Se você pudesse escolher no próximo ano entre uma turma com ou sem alunos com necessidades educacionais especiais, o que faria? 66 ANEXO II INVENTÁRIO DE OBSERVAÇÃO EM ESCOLAS ESPAÇO FÍSICO Acesso A escola possui uma estrutura de fácil acesso e segura para todos, ou seja, os percursos possíveis são sinalizados, bem iluminados e livres de qualquer obstáculo, bem como devidamente adaptados, com rampas de acesso, portas largas e ganchos na parede ao alcance das crianças. O acesso externo à escola é adequado com a presença de guias rebaixadas, rua asfaltada ou ponto de ônibus próximo. A superfície é verificada em relação, por exemplo, se há buracos no chão, pedras, terra, etc. Sala de aula O local é arejado, iluminado, com baixo nível de ruído, amplo e limpo, com áreas definidas por carpetes e estantes. O tamanho e a posição dos móveis são adequados, e estes são dispostos de modo a facilitar a movimentação e o posicionamento das crianças nas várias atividades que elas realizam. Existem materiais adequados para estimulação do desenvolvimento, materiais estes observados quanto às suas formas, cores, tamanhos, comodidade e praticidade. São feitos ajustes no espaço físico para que se evitem possíveis acidentes como manter a porta fechada ou a tomada tampada. Existem equipamentos necessários para que a criança com necessidades educacionais especiais (NEEs) possa se adaptar melhor às atividades de rotina. 67 Banheiro A altura de pias e vasos sanitários é condizente com as necessidades das crianças. O tamanho do banheiro é ajustado às crianças. As crianças têm acesso ao sabonete, papel higiênico e toalhas de papel para enxugar as mãos. Refeitório O tamanho de mesas e cadeiras é adequado para as crianças, bem como a distância entre os móveis. O número de crianças por mesa e o espaço da mesa por criança são adequados. Existe uma cadeira de rodas acessível. Os tipos de comida são planejados de acordo com a mastigação e a deglutição das crianças, com um possível treino específico para que a criança possa se alimentar da forma mais independente possível. Os utensílios como copos e talheres e pratos estão em um bom estado de conservação. A criança não é aborrecida por barulho e confusão da situação. É verificado se a criança pode entender a necessidade de esperar em linha ou à mesa. Parquinho (para pré-escola) Há brinquedos adaptados às crianças e adequados para estimulação do desenvolvimento como balanços, tanque de areia, bolas ou brinquedos de montar. As superfícies são adequadas de modo a não oferecerem riscos ou maior dificuldade para as crianças. A professora auxilia no posicionamento das crianças nos brinquedos. 68 Há promoção de atividades e jogos que possam incluir as crianças com necessidades educacionais especiais. MANEJO DE SALA DE AULA Estabelecimento de regras A professora comunica as regras aos alunos de um modo adequado em relação ao tom de voz. Comunicações diversas são utilizadas (verbal, não-verbal, sinais, gestos, etc), a fim de instruir a todos efetivamente. São postos cartazes/ lembretes que deixem mais claras as instruções. A professora disciplina de maneira adequada os alunos quando eles desobedecem às regras e os elogia contingentemente quando eles as cumprem. Existe constância das regras pré-estabelecidas. Rotina As crianças sabem das rotinas das atividades, de forma que percebem claramente quando uma atividade começa e termina. As próximas atividades são notificadas previamente e objetos que sinalizam essas atividades são utilizados, para prevenir às crianças em relação à adaptações físicas e psicológicas. Em situações de mudanças na rotina á considerado se a criança tem dificuldade de aceitar a transição entre atividades ou mudanças de horário durante o dia que transtornam seu senso de rotina e adaptações são feitas nesse sentido. Existe um quadro contendo as atividades da semana e os horários das atividades a cada dia. É observado se a criança pode entender explicações verbais do que acontecerá a seguir ou tem dificuldade em se lembrar da sucessão diária de eventos. 69 O horário das refeições, de brincar, de chegada e saída da pré-escola é programado e mantido todos os dias da semana, de modo que a rotina não se torne estressante para as crianças. A professora procura rever a lição aprendida no final do dia e sinalizar às crianças o que foi visto na próxima aula. Atendimento de necessidades gerais ou adaptativas A professora se posiciona na sala de modo a ter um alto grau de visibilidade e examina a sala e os alunos freqüentemente, mantendo contato visual com eles. A professora se locomove na sala, observando grupos diferentes ou alunos diversos enquanto trabalham a fim de atender às necessidades dos alunos. São enfatizadas as semelhanças, ao invés das diferenças entre as crianças. Interações espontâneas entre as crianças são permitidas e incentivadas. A professora tenta incluir as crianças com NEEs no grupo das outras crianças (por exemplo, para sentar junto, responder às perguntas feitas pela professora, etc). A professora procura fazer adaptações curriculares, na sala e nos materiais utilizados para facilitar a participação da criança com NEEs. A estimulação dos alunos com NEEs é feita de modo a atender suas necessidades. É permitida a exploração ativa das crianças no espaço físico da sala. Há atividades que estimulam o desenvolvimento da criança (motor, cognitivo, socialização, auto-cuidados, etc). Interação entre professor e alunos Existe uma relação afetiva entre o professor e a criança. O professor preza pela higiene da criança. 70 Os alunos com necessidades educacionais especiais têm o mesmo tratamento dado aos outros estudantes, de modo que os alunos estão incluídos na rotina e procedimentos da classe. A relação entre o professor e a criança com necessidade especial é a mesma entre as outras crianças. A professora dá oportunidades aos alunos com NEEs responderem às questões nas atividades. A professora considera se a atividades estão estimulantes para todas as crianças. Objetos que distraiam a atenção dos alunos são eliminados. Enquanto têm de esperar, as crianças têm algo pra fazer ou segurar. Existe preocupação por parte dos professores com as crianças que possuem deficiências severas e múltiplas que exigem um determinado posicionamento para facilitar sua função motora, para que tenham um tônus muscular normal, estabilidade corporal e mantenham o alinhamento de corpo. O posicionamento da criança lhe permite participar com a classe de todas as atividades propostas. É feita uma estimulação sensorial ao longo do dia. Está disponível um profissional que provê apoio não só à criança como também a classe inteira. Cuidados médicos A escola tem conhecimento das necessidades de cuidados médicos especiais de cada criança, como, por exemplo alergia a algum alimento, medicamento, doenças, etc. Existe algum tipo de rotina especial de cuidado médico. É feito um treinamento do pessoal da escola no caso de uma emergência. A pré-escola dispõe dos telefones de contato das famílias das crianças em caso de necessidade emergencial. 71 Há a presença de uma equipe multidisciplinar, ambulatórios e medicamentos. Apresentação de atividades A professora procura avaliar o conhecimento adquirido pelas crianças numa atividade anterior. A professora dá uma explicação clara sobre o que o que deve ser feito na tarefa, o que é esperado e quais são os objetivos dos alunos nas atividades. A professora conversa sobre o tema antes de iniciar a atividade, permitindo que a criança conte sua experiência e compartilhe o aprendizado, procurando incentivar a criança a verbalizar o que foi realizado e o que foi aprendido. A professora procura relacionar a atividade com o cotidiano da criança. A professora corrige os erros da criança imediatamente, sugerindo as respostas corretas e, assim, incentivando a criança a pensar. As atividades são escolhidas de modo que as crianças com NEEs possam participar. O barulho produzido durante as tarefas é atenuado. A professora envolve os colegas para participar das atividades com as crianças com NEEs, utilizando os colegas como modelo de como utilizar o brinquedo. A professora responde às perguntas das outras crianças sobre a criança com NEEs de forma clara, simples e verdadeira. Administração do tempo A organização do tempo é voltada para atividades educativas e não somente para necessidades básicas (higiene e alimentação). A duração de tempo das atividades é adequada. A professora respeita o ritmo das crianças com NEEs nas atividades. 72 A atenção das crianças numa atividade é mantida pela professora pelo máximo tempo possível. O tempo para dar instrução é adequado. O começo e o fim das tarefas são claramente visualizados de modo que a criança tem como predizer quanto tempo uma atividade durará ou quando lhe pedirão para fazer algo. Os materiais de trabalho são ordenados em seqüência e o tempo das atividades definido pelo número de materiais disponíveis, deixando claro para a criança a ordem em que foram feitas as demandas. A professora oferece opção de escolha dos objetos para a criança realizar a tarefa e a criança sabe quando ela poderá escolher uma atividade. Relação entre as crianças É verificado se existe algum tipo de preconceito entre as crianças. A interação entre as crianças ocorre sem dificuldades (comunicação, brincadeiras, afeto). É feita uma avaliação de como se dá a interação entre as crianças. Acontecem interações espontâneas entre as crianças. COMPORTAMENTO DA CRIANÇA Comunicação O tipo de comunicação utilizado pela criança é identificado (gestos, vocalização, fala, etc.) e garantido o entendimento dessa comunicação pela professora e os outros colegas. Existem atividades de estimulação para que a criança aprenda novos tipos de comunicação, principalmente a verbal, mais funcional como instrução de grupo, coral, calendário, canções, atividades de abertura rotineiras e participação em jogos. 73 A professora alterna estratégias de linguagem como comunicação multimodal. É feita uma avaliação do entendimento dos alunos sobre as tarefas e se eles respondem de acordo com o que foi proposto. Comportamentos desafiadores Frente à situações de comportamentos problemáticos a professora ignora/remove objetos que facilitem o comportamento desafiador, toca a criança ou usa técnicas de relaxamento. A professora procura identificar e reforçar outros comportamentos a fim de extinguir/diminuir a ocorrência do comportamento desafiador. A professora consegue identificar as causas do comportamento agressivo da criança. É observado se o comportamento desafiador prejudica alguém, se tem uma ocorrência regular, e se aumenta ou continua. Avaliações individuais É feita uma avaliação individual para a criança com NEEs. As habilidades e preferências da criança são conhecidas em geral, como por exemplo, se ela é ativa, tímida, prefere ficar sozinha, se participa das atividades propostas, se é independente, se ele consegue se comunicar, se prefere atividades rápidas ou lentas, se ela se aborrece com barulho, se busca atenção excessiva dos adultos, etc. As diferenças de desempenho nas áreas de problema em potencial da criança com NEEs, comparado com o das outras crianças são conhecidas e avaliadas. Avalia-se se a adaptação foi problemática (tanto emocional como fisicamente). Dificuldades específicas de concentração, de iniciar o jogo, se organizar, ou de entendimento de instruções são identificadas. A criança usa apropriadamente os materiais e sabe o que fazer com eles. 74 É analisado se existem causas típicas de comportamentos problema. A professora serve como modelo de respeito e receptividade à criança com NEEs para as outras crianças. Treinamento de habilidades A partir da avaliação individual feita para a criança com NEEs é feito um planejamento de intervenção de acordo com as funções sociais de cada comportamento e as habilidades de cada função. É determinada qual função necessita de modificações. O ambiente, as contingências relevantes para as funções e habilidades e as situações relevantes para as funções e habilidades são identificados e avaliados. Os objetivos das habilidades e funções são definidos operacionalmente. Os métodos de treinamento de habilidades e funções são determinados. 75 ANEXO III - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO (Via dos professores) Eu,___________________________________________________ professor (a) da escola __________________________________________, concordo em participar da pesquisa “Como os professores lidam com um aluno com deficiência inserido em suas turmas? Os desafios da transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental”, que tem como objetivos: descrever e analisar como é a atuação dos professores do Ensino Infantil e do Fundamental quando eles têm um aluno com deficiência em suas turmas, identificar episódios reais de práticas pedagógicas inclusivas e situações-problemas e verificar como ocorre a passagem do aluno com necessidades especiais da pré-escola para a escola. Minha colaboração se dará através da concordância em me disponibilizar para participar ativamente do estudo, que envolverá visitas regulares da estudante Paola Bisaccioni, do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, sob a orientação da Profa. Dra. Enicéia Gonçalves Mendes, para coletar os dados para o estudo. Fui informada que: a) darei informações durante duas entrevistas (uma no início das visitas e outra no final) sobre minha prática pedagógica na turma onde atualmente se encontra inserida uma criança com deficiência; b) receberei semanalmente a visita da estudante que fará sessões de observação participante em minha turma; c) que entre os critérios para realização do estudo encontra-se a minha anuência bem como dos pais ou responsáveis pelas crianças; e d) que o tempo previsto para a realização de coleta de dados será de aproximadamente três meses. Estou ciente também de que tenho a total liberdade para me recusar em participar da pesquisa, retirando meu consentimento a qualquer momento, se assim eu desejar e concordo também com a divulgação dos resultados provenientes da pesquisa, sendo resguardado o direito de sigilo à identidade institucional e pessoal dos envolvidos. A pesquisadora responsável garantiu-me que será mantido o anonimato quanto às informações pessoais e, que se houver ainda alguma dúvida, poderei pedir esclarecimentos a qualquer momento. ________________________________ Assinatura do Professor _______________________________ Profa Dra Enicéia Gonçalves Mendes São Carlos, _______ , de __________________________ , de 200__. Contato para informações: [email protected]; [email protected] Telefones: (16) 3371-7951 (residência da professora) (16) 3351-8361 (Depto de Psicologia/UFSCar) (16) 3351-8357 (PPGEES- UFSCar) (16) 3371-8072 (residência da estudante) 76 ANEXO IV - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO (Via dos pais ou responsáveis) Eu,________________________________________________ pai ou responsável pelo aluno___________________________________________________ matriculado na escola ____________________________________________________, concordo com a participação de minha criança no pesquisa “Como os professores lidam com um aluno com deficiência inserido em suas turmas? Os desafios da transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental”, que tem como objetivos: descrever e analisar como é a atuação dos professores do Ensino Infantil e do Fundamental quando eles têm um aluno com deficiência em suas turmas, identificar episódios reais de práticas pedagógicas inclusivas e situações-problemas e verificar como ocorre a passagem do aluno com necessidades especiais da pré-escola para a escola. Fui informado que, por aproximadamente três meses, a turma na qual minha criança está inserida na escola será observada pela estudante Paola Bisaccioni do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, sob a orientação da Profa. Dra. Enicéia Gonçalves Mendes. Estou ciente de que tenho a total liberdade para me recusar em participar da pesquisa, retirando meu consentimento a qualquer momento, se assim eu desejar e concordo também com a divulgação dos resultados provenientes da pesquisa, sendo resguardado o direito de sigilo à identidade dos envolvidos. A pesquisadora responsável garantiu-me que será mantido o anonimato quanto às informações pessoais, e que se houver ainda alguma dúvida, poderei pedir esclarecimentos a qualquer momento. ________________________________ Assinatura do Responsável _________________________________ Profa Dra Enicéia Gonçalves Mendes São Carlos, _______ , de ___________________________, de 200__. Contato para informações: [email protected]; [email protected] Telefones: (16) 3371-7951 (residência da professora) (16) 3351-8361 (Depto de Psicologia/UFSCar) (16) 3351-8357 (PPGEES- UFSCar) (16) 3371-8072 (residência da estudante) 77 ANEXO V Exemplos de atividades que Felipe fez na pré-escola (EI) 78 ANEXO VI Exemplos de atividades que Felipe fez na primeira série (EF) 79