Título original: Early childhood educational policies and programs in Peru: challenges and prospects Extraído do livro ‘Aprendizagem na Primeira Infância: Lições da atuação em escala’, publicado pela Fundação Bernard van Leer Programas e políticas educacionais para a primeira infância no Peru: desafios e perspectivas Santiago Cueto, Coordenador de Niños del Milenio e Pesquisador Sênior do Grupo de Análisis para el Desarollo (GRADE), Lima, Peru O novo governo do Peru, eleito em julho de 2011 e chefiado por Ollanta Humala, prometeu priorizar as políticas para a primeira infância. Neste artigo, Santiago Cueto analisa as experiências do Peru no fornecimento de cobertura em escala da primeira infância até agora, e extrai quatro lições fundamentais que podem ser aplicadas em futuras coberturas de DPI1 não apenas no Peru, mas também em outros países. Estes são tempos empolgantes para crianças pequenas no Peru. A sociedade civil se organizou em um grupo de mais de 50 instituições sob o slogan “Todos con la infancia. Vota por la Niñez ¡Ahora!” (“Lado a Lado com as crianças. Vote pela infância agora!”)I. A iniciativa Inversion por la Infancia (Investimentos na Primeira Infância)II, apoiada pela Fundação Bernard van Leer, também está organizando eventos e elaborando um barômetro de informações para fornecer dados valiosos. Essas iniciativas levaram a compromissos em favor de políticas para a primeira infância por parte dos líderes políticos, desde os níveis locais até o nacional. O presidente Ollanta Humala, eleito em julho de 2011, prometeu os recursos necessários para alcançar metas específicas para a primeira infância até 2016. O primeiro-ministro afirmou recentemente ao Congresso da República que está comprometido com o Projeto Educativo Nacional (Proyecto Educativo Nacional, PEN), produzido pelo Conselho de Educação NacionalIII, que determina que a primeira infância deva ser uma prioridade nacional. Este artigo analisa as experiências do passado do Peru com programas e políticas para a primeira infância, especialmente o Wawa Wasi (ww)IV, um programa nacional voltado para meninos e meninas com idade entre 6 meses e 4 anos que vivem na pobreza. Ele apresenta quatro lições fundamentais que podem ser extraídas da experiência do Peru para serem aplicadas no desenvolvimento de políticas futuras, e que também são aplicáveis em contextos de outros países. 1 Nota do Tradutor: Desenvolvimento da Primeira Infância. 1. Não descentralizar prematuramente Assim como muitos outros países em desenvolvimento, o Peru embarcou em um processo de descentralização política há poucos anos. O governo decidiu que a gestão do ww, como no caso de vários outros programas, deveria ser entregue aos municípios das províncias. Isto, porém, não foi um sucesso, pois muitas municipalidades não quiseram assumir a responsabilidade pelo serviço por não se sentirem prontas para o trabalho. Assim, apenas alguns wws foram transferidos e o processo foi finalmente interrompido enquanto o novo governo tenta definir uma política clara. Esta experiência demonstra como às vezes os fins da descentralização podem ser confundidos com os meios. O ww é dirigido pelo Ministério das Mulheres e Desenvolvimento Social (MIMDES), em colaboração com um Comitê de Gestão de cada comunidade, que é responsável pela supervisão e por fazer os pagamentos às mães que cuidam dos filhos, e aos fornecedores de serviços locais, como refeições. Deste modo, um dos principais objetivos da descentralização, que seria deixar a tomada de decisão para os usuários, já foi em grande medida alcançado. A política de transferência da gestão para os municípios das províncias como um fim em si mesmo não pareceu fazer favor algum às crianças ou às famílias (o Niños del Milenio, como é conhecido no Peru o estudo internacional de longo prazo Young Lives, conduziu um trabalho sobre o assunto – Guerrero e Sugimaru, 2010). Deve ser tarefa de o governo garantir que todas as iniciativas cumpram as exigências mínimas de qualidade, e supervisionar para que não haja falta de atendimento a grupos específicos. Foto: Paolo Aguilar/Niños del Milenio 2. Ver o papel do governo como facilitador, bem como o de provedor O ensino público gratuito de boa qualidade é um princípio estabelecido na Constituição do Peru e é amplamente considerado pela população como um direito. No entanto, esse princípio muitas vezes não é seguido, pois a falta de verbas obriga os professores de escolas primárias a apelar aos pais por recursos para pagar por materiais de ensino, uniformes, alimentação, etc. Levando-se em conta as limitações na prática do papel do Estado como provedor de serviços educacionais, seria mais apropriado considerar o governo como facilitador e articulador de iniciativas. Existem exemplos de sucesso do Estado apoiando serviços que são fornecidos pelo setor privado, tais como o programa Fe y Alegria, uma instituição religiosa que oferece infraestrutura e gestão, enquanto o governo paga os salários dos professores. Os custos de outras atividades, como capacitação de professores, são compartilhados. Esta abordagem tem a possibilidade de ser aplicada mais amplamente. Várias empresas e instituições têm solicitado transferência de conhecimento do programa Wawa Wasi para organizar seus próprios serviços de cuidados infantis, gratuitos, para o seu pessoal ou para as famílias nas cidades onde estão sediadas. Há também dezenas de programas para famílias de baixa renda, gerenciados por ONGs e associações filantrópicas. Entretanto, o Estado muitas vezes não fornece as instalações para que esses programas funcionem. Deve ser tarefa do governo garantir que todas as iniciativas cumpram as exigências mínimas de qualidade e supervisionar para que não haja sobreposições entre os programas, ou falta de atendimento para grupos específicos. Desta forma, o Estado pode implantar com mais eficácia o princípio de que a educação pública deve ser gratuita, mas também de boa qualidade para todos, com o maior investimento feito em crianças que tradicionalmente têm demonstrado o menor desempenho educacional (no Peru, são as crianças das áreas rurais, indígenas e de famílias pobres). 3. Medir o progresso para permitir o aperfeiçoamento dos programas A supervisão da implantação e a avaliação do impacto deveriam ser ferramentas essenciais para qualquer programa social, a fim de justificar o investimento e melhorar os serviços. Os programas deveriam incluir mecanismos para medir o seu impacto desde o estágio de projeto. Infelizmente, a avaliação do impacto não é uma prática comum no Peru. Por exemplo, embora uma série de estudos tenha comparado crianças participantes do programa ww com as que não participam, os grupos são tão diferentes e os ajustes estatísticos dessas diferenças são tão ruins que fica difícil saber se os resultados podem ser atribuídos ao efeito do programa ou às características específicas das crianças e de suas famílias. Há algumas exceções, e elas sugerem que o ww precisa de uma nova reflexão. Por exemplo, um estudo realizado pelo Niños del Milenio tentou produzir uma análise entre grupos equivalentes, apesar da amostra ser muito pequena. Os resultados sugerem que embora mães e pais gostem muito do programa, na medida em que seus filhos estão seguros e recebem comida, não foram encontradas diferenças entre o desenvolvimento cognitivo, linguístico e motor das crianças que frequentam um ww e aquelas que não o fazem. Isto sugere que o programa precisa ser melhorado, se a intenção for de que os wws funcionem como centros para a promoção do desenvolvimento da primeira infância, em vez de meramente creches e berçários (Cueto e outros, 2009). No entanto, este estudo foi relativamente pequeno; precisamos de estudos maiores e mais rigorosos que ajudem a aperfeiçoar o programa. No que diz respeito às intervenções entre as idades de 3 e 5 anos, outro estudo realizado pelo Niños del Milenio sugere que as intervenções formais por professores profissionais têm mais impacto sobre o sucesso educacional no início da escola primária que intervenções não formais conduzidas por mães na comunidade, no âmbito do Programa de Educação Infantil Pré-Escola, ou PRONOEI (Diaz, 2006). Na medição do progresso, é importante avaliar diretamente o desenvolvimento cognitivo, linguístico e sócio-emocional das crianças, pois esses indicadores podem prever o sucesso na escola, saúde e produtividade econômica até a fase adulta. Não basta confiar em medições tradicionais de conquistas na primeira infância (mortalidade infantil, desnutrição aguda ou crônica, taxas de vacinação e morbidade) como indicadores. As atuais iniciativas diretas de medição incluem os Indicadores Regionais de Desenvolvimento da Primeira Infância (PRIDI), produzidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, que atualmente está trabalhando em ferramentas para medir o desenvolvimento infantil em meninos e meninas com idade entre 2 e 5 anos, em escala nacional, na Costa Rica, Equador, Nicarágua, Paraguai e PeruV. 4. Designar uma agência líder com “garra” Na mitologia peruana, Inkarri é um deus que foi esquartejado pelos conquistadores espanhóis e enterrado em partes diferentes do país. No entanto, a cabeça permaneceu viva e tentou reunir as partes do corpo. Esta metáfora é relevante para o que precisa acontecer atualmente com a política para a primeira infância no Peru, na medida em que vários ministérios tenderam a desenvolver e executar seus próprios programas sem muita coordenação com os demais. Por exemplo, enquanto o Wawa Wasi é de responsabilidade do MIMDES (juntamente com alguns outros programas para a primeira infância cobrindo temas como nutrição e direitos), o Ministério da Educação dirige uma série de programas destinados à primeira infância, incluindo sessões práticas de educação infantil com os pais, salas de estimulação, atividades educativas e creches. O Ministério da Saúde também é responsável por alguns programas para a primeira infância, como o projeto Crescimento e Desenvolvimento (CRED). Cada ministério deve então solicitar recursos do mais poderoso deles, o Ministério de Economia e Finanças. A bibliografia atual sugere que a melhor maneira de promover o desenvolvimento da primeira infância é integrando os programas educacionais, de saúde e de nutrição e fazendo com que pais e líderes comunitários se envolvam na prestação desses serviços. Recentemente foi criado o Ministério do Desenvolvimento e Inclusão para trabalhar na redução da desigualdade social, e isso deve produzir mais alguns projetos para a primeira infância; mas algumas instituições, como o Conselho Nacional de Educação do Peru, têm sugerido que seja criada uma autoridade nacional para a primeira infância para alinhar as políticas e dar prioridade real ao setor. Esta autoridade não deve ser meramente simbólica, pois iniciativas semelhantes visando promover a coordenação não deram certo. Esta autoridade precisa ter “garra”, ou seja, ter o poder de aprovar orçamentos coordenados e planejar os programas implantados pelos vários ministérios de modo a gerar sinergia. O governo recém-eleito chefiado pelo presidente Ollanta Humala anunciou a criação de um plano chamado Cuna Más, mas no momento em que escrevo ainda não foi anunciado o projeto completo. Parece haver pelo menos três opções: a) Criar um novo serviço integrado de atendimento à primeira infância, atuando em paralelo a outros serviços existentes. b) Conceber uma estratégia para a primeira infância que coordene e reforce os serviços existentes, sem a criação de um novo. c) Conceber uma nova estratégia e um novo serviço. A segunda e terceira estratégias atingiriam um objetivo fundamental para o Peru de hoje, que é o de coordenar os programas públicos executados por diferentes ministérios do governo. A segunda alternativa é sem dúvida preferível, embora a terceira seja mais provável de ser escolhida, pois o Cuna Más apareceu muito nas promessas de campanha eleitoral e o país espera ver um serviço com novas características e não apenas uma nova estratégia. Seja qual for o método escolhido, o Cuna Más provavelmente deverá ter as seguintes características: o trabalho nos distritos mais pobres do país será enfatizado; os cuidados com crianças até 36 meses de idade serão priorizados; o serviço oferecido será de cuidados integrados e não apenas uma creche; e a prestação de serviços respeitará as características culturais locais (por exemplo, adaptando-o aos contextos rurais indígenas). O governo montou um grupo de trabalho com representantes dos vários ministérios envolvidos em programas para a primeira infância, da sociedade civil e da cooperação internacional para ajudar a dar o enfoque correto ao Cuna Más. Isto indica o interesse atual em tratar o bem-estar das crianças como uma prioridade nacional. Resta ver ao longo dos próximos anos como e em que medida as atuais promessas serão transformadas em políticas, programas e investimentos coordenados. Mas estamos esperançosos de que com a participação de todos e com a cooperação internacional, será possível melhorar o bem-estar e o desenvolvimento de meninos e meninas no Peru. Notas I - Mais informações sobre a campanha podem ser encontradas em http://votaporlaninez.blogspot.com (em espanhol). II - Visite o site Inversión en la Infancia no endereço http://www.inversionenlainfancia.net/ (em espanhol). III - O PEN é descrito no site do Consejo Nacional de Educación, http://www.cne.gob.pe (em espanhol). IV - Para mais informações sobre o Programa Nacional Wawa Wasi, visite http://www.mimdes.gob.pe/index.php?option=com_ content&view=category&layout=blog&id=90&Itemid=150 (em espanhol). V - O sistema conceitual do PRIDI pode ser encontrado em: http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=36258208 (em espanhol). Referências Cueto S., Guerrero, G., Leon, J., Zevallos, A. e Sugimaru, C. (2009). Promoting Early Childhood Development Through a Public Programme: Wawa Wasi in Peru, Documento de Trabalho 51. Oxford: Young Lives/Niños del Milenio. Disponível em: http://www.ninosdelmilenio.org/publicaciones_documentos. shtml (consultado em outubro de 2011). Díaz, J.-J. (2006). Preschool Education and Schooling Outcomes in Peru. Disponível em: http://www.ninosdelmilenio .org/publicaciones_otras_public.shtml (consultado em outubro de 2011). Guerrero, G. e Sugimaru, C. (2010). Oportunidades y riesgos de las transferencias del servicio Wawa Wasi a los Gobiernos locales y provinciales. Lima: Niños del Milenio. Available at: http://www.ninosdelmilenio.org/publicaciones _otras_public.shtml (consultado em outubro de 2011).