II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial A Cartilha Ler Brincando (1932) de Thales de Andrade: um estudo sobre o Método Brasileiro de Alfabetização pela Imagem. Cleila de Fátima Siqueira Stanislavski1 Leila Maria Inoue2 Universidade Estadual Paulista – UNESP/Marília (Alunas) Resumo Com o objetivo de compreender o Método Brasileiro de Alfabetização pela imagem - a imagem ensina, apresentamos um estudo sobre a cartilha Ler Brincando do professor Thales Castanho de Andrade, autor e criador do método. Para o estudo optamos por procedimentos metodológicos de pesquisa documental e bibliográfica situando-o no campo da história do livro no Brasil estruturando-se a partir das idéias de Roger Chartier numa abordagem identificada como “história cultural”. Nessa abordagem algumas reflexões são feitas sobre o método partindo das leituras de textos sobre a história do livro e tendo como suporte material a própria cartilha, a fim de compreender o que Chartier denomina “protocolos de leitura”. Para Chartier (2001, p. 10) os vestígios que são privilegiados numa pesquisa são protocolos de leitura, inscrevem no texto a imagem ideal feita por seu leitor. Esta cartilha foi publicada em 1932 pela Companhia Editora Nacional, integra a Coleção Leitura Escolar do autor Thales de Andrade e compõe a Biblioteca Pedagógica Brasileira, idealizada por Fernando de Azevedo. O autor foi professor e escritor e sua cartilha abordava aspectos de escola rural tendo fortes ligações com questões rurais e com o ruralismo. Palavras-chave História do livro; história cultural; Thales de Andrade; Companhia Editora Nacional; Leitura Escolar; Biblioteca Pedagógica Brasileira. Introdução Este artigo está situado no campo da história do livro no Brasil estruturando-se a partir das idéias de Roger Chartier numa abordagem identificada como “história cultural”. De acordo com leituras e estudos preliminares que fizemos de 1 Mestre em Educação (2006) e Doutoranda em Educação (2008-2001) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP – campus de Marília. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Administração da Educação e Formação de Educadores, coordenado pela Dra. Ana Clara Bortoleto Nery – UNESP/Marília; e do Grupo História Cultural da Escola e dos Saberes pedagógicos: tensões, rupturas, permanências, apropriações, coordenado pela Dra. Marta Maria Chagas de Carvalho – USP/ São Paulo. Bolsista FAPESP. Contato: [email protected] 2 Mestranda em Educação (2008-2010) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP – campus de Marília. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Administração da Educação e Formação de Educadores, coordenado pela Dra. Ana Clara Bortoleto Nery – UNESP/Marília. Bolsista FAPESP. Contato: [email protected] textos de alguns estudiosos sobre história da leitura e história cultural, segundo autores do campo da história do livro, como Roger Chartier, este campo estrutura-se sobre as relações entre os objetos impressos e os textos que lhe servem de suporte (CHARTIER, 2001, p. 14). Segundo Chartier (1990, p. 122) para entender as relações estabelecidas entre o que o autor escreve, a passagem do livro pela decisão editorial e a impressão mecânica, e a leitura produzida pelo leitor (que nem sempre são aquelas pretendidas pelo autor) constroem o sentido da história do campo pesquisado. O texto se constitui, assim como a linguagem, com as marcas da história que está sempre se constituindo. Entender um texto escrito demanda construir sentido no momento real, aqui e agora, com a vontade de entender o que resultou dos trabalhos anteriores de quem o escreveu (GERALDI, 1993, p. 11). Nossas operações de construção de texto ou discursos operam com tais recursos lingüísticos, e com outros recursos da situação, e seu retorno em cada acontecimento discursivo não se dá sem as marcas de suas presenças em acontecimentos anteriores. (GERALDI, 1993, p. 11) Este texto tem o objetivo compreender o Método Brasileiro de Alfabetização pela imagem - a imagem ensina destacado na cartilha Ler Brincando do autor Thales Castanho de Andrade, que foi o próprio criador do método. Para atender aos objetivos deste texto, apresentamos a análise do conteúdo textual contida na cartilha Ler Brincando (1932-1949), de Thales Castanho de Andrade, publicada pela Companhia Editora Nacional e seus aspectos materiais3. Para Carlota Boto (1994, p. 29) a história tem o documento como suporte de possibilidade e limite de pesquisa, porém varia à luz metodológica os parâmetros de investigação. Para o pesquisador-leitor o texto analisado também é um desafio: “Em sua eterna busca, o ouvinte/leitor de um texto mobilizará todos os componentes do conhecimento e estratégias cognitivas que tem ao seu alcance para ser capaz de interpretar o texto como dotado de sentido (KOCH, 2006, p. 19)”. Para atender aos objetivos deste estudo centralizamos as idéias de Chartier (2001) que define como relevante num texto as “senhas” explícitas e implícitas inscritas 3 As discussões e os estudos sobre a cartilha estão vinculados ao projeto intitulado Biblioteca Histórica da Escola Normal de Piracicaba: constituição do acervo, circulação de modelos culturais e formação do leitor, coordenado pela Dra. Ana Clara Bortoleto Nery – UNESP/Marília. É resultante das leituras e do artigo proveniente da disciplina História dos Métodos de Ensino de Leitura e Escrita no Brasil (2008), ministrada pela Prof. Dra. Maria do Rosário Longo Mortatti. pelo autor a fim de produzir uma leitura correta de acordo com sua intenção consciente ou inconsciente, visando inscrever no texto convenções sociais ou literárias que permitirão sua sinalização, classificação e compreensão. Estes aspectos são textuais, desejados pelo autor do texto investigado, impondo assim o que Chartier chama de protocolo de leitura. Do mesmo modo, a imagem, no frontispício ou na página do título, na orla do texto ou na sua última página, classifica o texto, sugere uma leitura, constrói um significado. Ela é protocolo de leitura, indício identificador. (CHARTIER, 1990, p. 133) Os vestígios que são privilegiados numa pesquisa são protocolos de leitura, inscrevem no texto a imagem ideal feita por seu leitor, cujo significado decodificaria o sentido preciso que o autor pretendeu escrever. Ou seja, os protocolos de leitura delineiam o percurso do pesquisador de modo que “tome para si a função de um leitor cuidadoso e possa chegar a uma interpretação do quadro que seu autor julga a única correta” (CHARTIER, 2001, p. 10-11). Então você compreenderá que o texto é um construto histórico e social, extremamente complexo e multifacetado, cujos segredos (quase ia dizendo mistérios) é preciso desvendar para compreender melhor esse “milagre” que se repete a cada nova interlocução... (KOCH, 2006, p. 09) Para Koch é preciso analisar os textos considerando as pistas de contextualização, ou seja, os sinais verbais e não-verbais, pois são importantes para captar o sentido pretendido pelo produtor do texto. O texto para Koch (2006) é como um iceberg oferece pistas e indícios para que o leitor depreenda o significado pretendido pelo autor. Segundo Tambara (2003), a análise das práticas de leitura por muitos pesquisadores, no campo da história da educação no Brasil, e nas contribuições para preencher eventuais lacunas, estabelece uma interlocução metodológico-acadêmica através de seus estudos, permitindo assim, uma melhor compreensão do processo de constituição do ato de ler no Brasil. A história cultural vem lidar com as práticas e as representações dos sujeitos envolvidos no fenômeno de uma história social com a preocupação de entender as conseqüências e dinâmicas da escola brasileira principalmente nos séculos XIX e XX. Thales Castanho de Andrade (1890-1977): formação e atuação profissional Fonte: Álbum de formatura da antiga Escola Normal de Piracicaba (década de 1920), atual Escola Estadual Sud Mennucci. Thales Castanho de Andrade nasceu em Piracicaba/SP, no dia 15 de agosto de 1890. Ele estudou no curso denominado, na época, de pré-primário, no Kindergarten do Colégio Americano, atual Colégio Piracicabano. Fez o curso primário no Primeiro Grupo Escolar Barão do Rio Branco de Piracicaba, e no Grupo Escolar Moraes Barros4. Formou-se no curso normal na antiga Escola Complementar, posteriormente denominada Escola Normal Primária e, atualmente Escola Estadual Sud Mennucci. Na juventude trabalhou como tipógrafo na Gazeta de Piracicaba, iniciou sua carreira no magistério, na Escola Rural de Baranhão, em Jaú, posteriormente denominada Escola da Saudade, que hoje se encontra abandonada. Foi professor do Grupo Escolar de Porto Ferreira e do Grupo Escolar Modelo anexo a Escola Oficial de Piracicaba, lecionando as disciplinas de História da Civilização e do Brasil e, anos 4 Atual Escola Estadual Barão do Rio Branco e Escola Estadual Moraes Barros. depois, foi Diretor da mesma. Também lecionou História da América, História Geral, Direito Geral, Pedagogia, Psicologia e Prática de Ensino. Foi inspetor e assistente técnico de ensino rural, nomeado em 1943, diretor geral do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, nomeado em setembro de 1947, aposentando-se com mais de 47 anos de serviço prestado ao Estado de São Paulo. Lecionou Filosofia, História da Civilização e do Brasil em Escolas privadas como o Colégio Piracicabano e a Escola de Comércio Cristóvão Colombo. Além de professor, Thales esteve envolvido com questões políticas. Colaborou com diversos jornais como a Gazeta de Piracicaba, Jornal de Piracicaba, Folha Ferreirense e Diário Carioca, e também com revista Vida Moderna e A Cigarra. Em 1921, Thales foi Lente de Historia Geral e do Brasil, na Escola Normal de Piracicaba e publicou na Revista de Educação um único artigo intitulado O ensino de historia (INOUE, 2007). Na Escola Normal de Piracicaba trabalhou com seu amigo de Lourenço Filho, que se conheceram desde 1915, quando juntos lecionaram com Sud Mennucci no Grupo Escolar de Porto Ferreira. Em 1919, Thales já havia publicado duas edições do conto “Filha da Floresta”, na linha de literatura didática. Ele servia como base às aulas de Lições de Coisas sobre o meio agrícola. Em 1919 publicou pelo Jornal de Piracicaba o seu livro Saudade, alcançando 66 edições em 2002. Este livro teve as três primeiras edições publicadas pelo Jornal de Piracicaba, entre a 4ª e a 13ª edições a responsável pela divulgação foi a Editora Monteiro Lobato, e a partir da 13ª edição foi publicado pela Companhia Editora Nacional. Dentre todos os livros do autor, Saudade alcançou muitas edições e divulgou a cidade de Piracicaba, seus costumes e o consagrou seu autor como escritor de livros. Abordava assuntos relacionados à educação e ao meio rural. Thales foi vereador da Câmara de Piracicaba entre os anos de 1920 e 1922 e seu primeiro projeto de lei propôs a criação de um parque infantil. Em 1932, ano da publicação da cartilha Ler Brincando, foi integrante do M.M.D.C.5, como voluntário, e serviu no Batalhão dos Professores durante a Revolução Constitucionalistas em 1932 (CARRADORE apud STANISLAVISKI, 2006, p.82). Participou também, do Partido Republicano Paulista e, depois do Partido Constitucionalista. Pertenceu à Academia 5 Segundo Stanislavski (2006), o M.M.D.C. é uma sigla que significa as iniciais dos nomes dos estudantes paulistas mortos em confronto com forças legais – Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo – na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Piracicabana de Letras, União Brasileira de Escritores e sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Thales de Andrade foi criador do Método Brasileiro de Alfabetização pela imagem - a imagem ensina, destacado por meio da cartilha Ler Brincando, que analisaremos neste texto. Também foi Secretário da Educação do Estado de São Paulo e nesse período criou cursos de Alfabetização de Adultos. Estava envolvido com questões educacionais e rurais empenhando-se com seu trabalho e escrevendo livros de leitura escolar e de literatura. Alguns aspectos do momento histórico e educacional A década de 1920 foi marcada em todo o país pela efervescência ideológica, pela inquietação social, pela perturbação provocada pelas campanhas presidenciais, pelo alastramento de incursões armadas, pelas lutas reivindicatórias do operariado e pressões da burguesia industrial (NAGLE, 1974, p.125). Em decorrência da ação dos movimentos político-sociais do período e pela influência das idéias positivistas, “a escolarização foi concebida como um instrumento de correção do progresso evolutivo e como uma força propulsora para o progresso da sociedade brasileira”. (NAGLE, 1974, p. 125). Assim, intelectuais iniciaram medidas para acabar com o analfabetismo no país e atingir o progresso da Nação. Tal pensamento levou vários estados do Brasil a promover reformas na Instrução Pública como em 1920, em São Paulo, em 1922, no Ceará, em 1925, na Bahia, e em 1927, em Minas Gerais. Para Carvalho (2003, p.122), na década de 1920, os modelos pedagógicos que vinham regulando as iniciativas de institucionalização da escola no Brasil desde o século XIX, haviam esgotado a sua capacidade de normatizar as práticas docentes. Com isso, surgiu à necessidade de buscar novas propostas educacionais para formar os cidadãos, assim, pode se considerar que iniciou uma mudança, ainda que gradativa e tênue, da Pedagogia Moderna para a Pedagogia da Escola Nova, pois ambas defendem alguns pontos em comum como o ensino ativo e o método intuitivo. Também, iniciou uma disputa entre essas duas correntes que buscam “o estatuto de pedagogia moderna e nova, porque ativa”. (CARVALHO, 2003, p. 122) No campo normativo da pedagogia moderna, que animou as iniciativas de institucionalização da escola no Estado de São Paulo a partir do final do século XIX, a pedagogia é arte de ensinar. Essa pedagogia estrutura-se sob o primado da visibilidade, propondo-se como arte cujo segredo é a boa imitação dos modelos. Diferentemente, a chamada pedagogia da Escola Nova, que começa a ser difundida no país em meados da década de 20, pretende subsidiar a prática docente com um repertório de saberes autorizados, propostos com seus fundamentos e instrumentos. (CARVALHO, 2003, p. 122) Houve, então, a necessidade de remodelar a escola para atender as camadas excluídas da sociedade. Com isso, a Pedagogia Moderna foi redefinida por outras teorias e doutrinas distintas, isto é, “essa pedagogia como arte de ensinar foi sendo gradativamente solapada por iniciativas cujo denominador comum foi a pretensão de construir uma pedagogia cientifica” (CARVALHO, 2003, p. 127). Todavia, esse não foi o único fator que levou a corrosão dessa concepção pedagógica. A autonomização dos métodos de ensino também foi um fator que contribuiu para a Pedagogia Nova contrapor a Pedagogia Moderna fazendo-a solapar. Nesse contexto, nas últimas décadas do século XIX, em vários países europeus e americanos, muitos educadores identificaram problemas com seus alunos e tentaram resolvê-los por meio de pesquisas sobre o desenvolvimento infantil. Com isso, a educação passou a variar os procedimentos de ensino tornando-os diferentes dos que já existiam, ensaiando assim, o que passou a ser denominado Escola Nova. (LOURENÇO FILHO apud STANISLAVSKI, 2006, p.31). Segundo Nagle (1974, p. 249), um dos aspectos da Escola Nova se fundamentava numa nova concepção de infância, que reforçava as idéias escolanovistas. O centro da educação passa ser a criança, envolvendo suas necessidades, interesses e desenvolvimento. Na concepção escolanovista, o papel do professor era o de fornecer condições para que a criança desenvolvesse os aspectos psicológicos, físicos, emocionais e sociais de forma natural. Deste modo, o professor e a escola agiriam em torno da criança. O movimento escolanovista visava a uma educação moderna e apresentava-se com idéias científicas, opondo-se aos métodos considerados tradicionais de ensino, incorporando conhecimentos de biologia, sociologia e psicologia para compreender as diferenças individuais no processo de aprendizagem. (STANISLAVSKI, 2006, p.32). Nesse momento, o ruralismo foi um dos fenômenos que esteve presente na educação, influenciando parcialmente a legislação e as práticas escolares e se constituía em uma ideologia de desenvolvimento (STANISLAVSKI, 2006, p.32). Consideramos necessário contextualizar o ruralismo nesse momento, pois, Thales de Andrade, autor da cartilha Ler Brincando, foi um dos intelectuais que defendeu tal fenômeno e contribuiu para sua disseminação, sendo possível identificar elementos do ruralismo na cartilha analisada. De acordo com Hilsdorf (2003, p. 58): [...] o ruralismo, ideologia que colocava a idéia da vida camponesa como o ambiente ideal para a formação de homens perfeitos, porque apresentados como natural, levando a sociedade ao dever de prestigiar todas as iniciativas de interesse dos cafeicultores. O ruralismo tornou-se mais forte e aparente nas décadas de 1930. A biografia de Thales aponta a criação de fóruns de discussão sobre o ruralismo. Em particular, sobre a ruralização do ensino. Tal movimento, encapado por educadores como Sud Mennucci e o próprio Thales de Andrade, levam à criação de escolas de formação de professores para as escolas rurais, como o caso da Escola Normal Melo Moraes, em Piracicaba, ligada à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – USP, instituição daquele município. Muitos aspectos do fenômeno do ruralismo e do nacionalismo cruzaram-se, ocorrendo principalmente quando o nacionalismo tratava da exaltação da “terra” e da gente brasileira. Assim, “terra” se traduziu em “produtos da terra” e tornou-se sinônimo de agricultura. Aspectos da cartilha de Ler Brincando (1932-1949), de Thales de Andrade A cartilha Ler Brincando, de Thales de Andrade, publicada pela Companhia Editora Nacional, é o sétimo volume da Série II – Livros Didáticos, que compõem a Biblioteca Pedagógica Brasileira, idealizada por Fernando de Azevedo, em 1931 (TOLEDO, 2001, p. 15). É no contexto em que se depositam na escola e no professor, bem como no livro - as missões de nacionalizar a cultura brasileira pela conquista do público leitor para a literatura nacional, de instrumentalização de uma escola remodelada em prol da civilização e de produzir uma nova opinião pública sobre a política e a cultura nacional - que a Companhia Editora Nacional lança, em 1931, a Biblioteca Pedagógica Brasileira organizada pelo eminente educador Fernando de Azevedo. Produzindo um tal projeto, a editora participaria ativamente dos embates estabelecidos na década de 30 em torno da reforma da cultura pela reforma da escola. (TOLEDO, 2001, 79-80) Segundo Toledo (2001), a Biblioteca Pedagógica Brasileira é constituída por cinco séries ou coleções: 1a - Literatura Infantil; 2a - Livros Didáticos; 3a Atualidades Pedagógicas; 4a - Iniciação Científica; 5a – Brasiliana e, foi desenhada para atingir um vasto público de diferentes idades e diferentes interesses. Segundo Toledo (2001), a destinação da Biblioteca Pedagógica Brasileira é pedagógica, com o objetivo de renovar a cultura e formar o leitor, e cívica por estimular o desenvolvimento da cultura nacional. Tal projeto também reforça a autorepresentação da editora como agência educadora da nação, na medida em que os textos publicados são voltados à renovação da cultura nacional. O programa da Biblioteca Pedagógica Nacional se apresenta como síntese das propostas de Azevedo e seu grupo que, [...] pretendia reformar a cultura realizando ampla reforma educacional que atacasse dois pontos fundamentais: a modificação da mentalidade das novas gerações das classes média e alta, por meio de uma educação mais realista cujos fins seriam o de formar a consciência nacional, preparando melhor as elites do país; educar as classes populares para que encontrassem meios mais racionais de viver, elevando seu nível econômico, moral e intelectual, dando-lhes a possibilidade de participar da circulação das elites dirigentes do país. A solução educacional seria o modo mais racional de gerar as transformações necessárias para o Brasil. (TOLEDO, 2001, p. 91) A mudança da mentalidade da sociedade brasileira dependia também da mudança da escola. Por isso, foi dada ênfase na formação dos professores, responsáveis por “construir” a nova sociedade (TOLEDO, 2001). Nesse sentido, a cartilha Ler Brincando valoriza elementos da vida no campo dos brasileiros. A capa do exemplar analisado - 1ª edição - é azul, acima estão descritos a editora, o título da Biblioteca, a série que a Cartilha faz parte e o volume, em seguida, o nome do autor, o título da Cartilha com letras maiores, abaixo do título está escrito “Nova Cartilha” com letras menores, e por fim, a figura de três crianças brincando de roda, representando os objetivos do autor (e da cartilha) de ensinar a ler e escrever de maneira agradável e lúdica. Após a página de rosto, que contém as mesmas informações da capa e a figura de uma criança lendo um livro, o autor escreve a apresentação da Cartilha. A citação abaixo é a apresentação de Thales de Andrade sobre a Cartilha, que recebe a denominação de “Aos collegas6”. 6 Nessa e nas demais citações no decorrer do texto, quando houver será mantida a ortografia da época. Mais uma Cartilha? É verdade. Ler Brincando está ás ordens dos que ensinam e aprendem. Publico-a na presumpção de que será um instrumento de facil e agradavel manejo e de apreciavel rendimento na caminhada alphabetizadora da meninada brasileira. Lecionei por dois anos em escola isolada rural e, seguidamente, por vários annos em primeira classe do grupo escolar, ensinando a ler a muitas turmas de meninos. Experimentei diversos methodos e empreguei as mais conhecidas cartilhas de nossa terra. Ensinei a ler sem cartilha, formando as licções em classe, com o nome dos alumnos e tendo por assumpto as ocorrencias do dia, na escola. Ler Brincando é fructo de toda essa experiencia. Procura elevar ao maximo a actividade infantil, de accordo com as leis da psychologia, e, tanto quanto possível, visa tornar um brinquedo a aprendizagem da leitura. Para o desenvolvimento de suas licçãoes, em todos os seus passos, phrases e modalidades há, acompanhando-lhe o texto, uma série de explicações, instrucções e suggestões. (ANDRADE, 1932, p. 7-8) De acordo com o próprio autor, na citação acima, a cartilha Ler Brincando é resultado das suas experiências como professor em escola isolada rural e em primeira classe grupos escolares. A experiência como professor de escola isolada rural e sua ligação com questões rurais influenciaram o autor na elaboração dessa Cartilha que valoriza o ruralismo, ou seja, os elementos da vida no campo. As lições tratam de temas como o trabalho com a terra, a cultura cafeeira7, os costumes e hábitos dos moradores do campo, a criação de animais e as plantações cultivadas. Thales menciona no fim da Cartilha as explicações e sugestões para o desenvolvimento das lições8 e também que, com “o ensino da leitura, haverá, simultaneamente, o ensino da escripta”. (ANDRADE, 1932, p. 145) Como consta em sua biografia, Thales de Andrade foi amigo de Lourenço Filho desde 1915, e juntos lecionaram na Escola Normal de Piracicaba na década de 1920, onde Lourenço Filho iniciou suas pesquisas sobre a maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita. Sendo assim, pensamos que a proximidade de Thales e Lourenço Filho, pode ser um indício de que as leis psicológicas que Thales menciona na apresentação da Cartilha sejam relacionadas às pesquisas de Lourenço Filho. 7 A cultura cafeeira é considerada a mais importante do país. O autor intitula essa “parte” de Explicações e suggestões para o desenvolvimento da cartilha “Ler Brincando”. 8 O método9 destacado na cartilha Ler Brincando é o Método Brasileiro de Alfabetização pela imagem - a imagem ensina -, criado pelo próprio Thales de Andrade. Tal método enfatiza a imagem (ilustração) que acompanha cada frase de uma breve historieta. Segundo Thales (1932, p. 143), a ilustração, proposta pelo método, auxiliará na aprendizagem da leitura e da escrita. Geralmente, nas lições, as frases estão escritas dentro de retângulos e indicam uma ação, ordem ou apresentam um objeto ou personagem. Todas as lições têm imagens que são a “representação” da frase e está sempre acima dela, e seguem o esquema Imagem-Frase-Imagem-Frase. Há também, lições que o autor apresenta uma palavra – sempre acompanha de sua imagem (ilustração) -, escrita com letras maiores, e na palavra é destacada uma determinada letra, por exemplo, na “lição do pato” é destacada a letra “P”, escrita em negrito. Abaixo da palavra, o autor apresenta uma lista de outras palavras que contém a letra “P” e suas ilustrações, uma breve historieta e por último a letra “P” na forma cursiva. A Cartilha tem 146 páginas e 130 lições de apenas uma página cada. As lições são lúdicas, simples de serem executadas e estimulam a participação do aluno. Há algumas lições que o autor denomina ser um jogo que as crianças brincam, lêem e escrevem ao mesmo tempo. Como forma de encerramento e da Cartilha e conclusão do trabalho de alfabetização, o autor apresenta após as lições um texto intitulado As chaves encantadas, um poema intitulado A Festa do Livro escrito por Honorato Faustino10, e por último as explicações e sugestões do autor sobre o desenvolvimento das lições. Thales divide as explicações em onze tópicos, enumerados em algarismos romanos, de acordo com as especificidades das lições. Nas explicações, Thales não cita todas as lições, ele lembra que, em lições semelhantes pode ser empregada a mesma técnica e sugestões, e que, o professor pode acatar as sugestões ou não (ANDRADE, 1932, p. 141). O autor sugere que o professor leia as lições para os alunos e as escreva em cartazes utilizando “letra manuscrita”, sempre visando o ensino ativo. 9 Para maiores informações sobre este assunto consultar: MORTATTI, Maria do Rosário. Os sentidos da alfabetização: (São Paulo/ 1876-1994). Brasília: MEC/INEP/COMPED; São Paulo: Editora UNESP, 2000. 10 Segundo consta na Poliantéia Comemorativa do Primeiro Centenário do Ensino Normal em São Paulo (1946), Honorato Faustino foi diretor da Escola Complementar de Piracicaba até 1911, sendo nomeado depois para a Escola Normal Primária de Piracicaba dirigindo-a até 1928, onde contribuiu para a criação da Revista de Educação, juntamente com Thales de Andrade e Lourenço Filho. Foi nomeado em comissão, diretor da Escola Normal da Praça da República. Efetivou-se nesse cargo, permanecendo nele até 1930, quando se aposentou. De acordo com os indícios do texto, o público previsto pelo autor seriam os professores, em especial, os professores alfabetizadores, e os professores de escolas rurais, pois a Cartilha enfatiza as questões da vida no campo. A cartilha Ler Brincando teve significativa circulação e repercussão, pois teve 54 edições com mais de 270.000 exemplares, sendo publicada até 194911. Considerações Finais A Cartilha e a criação do Método Brasileiro de Alfabetização pela Imagem evidenciam a experiência do autor com a alfabetização de crianças e suas preocupações com o momento vivido pela sociedade, com a necessidade em manter os trabalhadores no campo e valorizar os elementos nacionais. Pensamos que Thales de Andrade inova o campo educacional ao criar um método que busca alfabetizar pela imagem, enfatizando as leis psicológicas divulgadas pelos princípios escolanovistas e por Lourenço Filho12. O autor propõe uma cartilha “nova” que ensine a leitura e a escrita de forma ativa, lúdica e prazerosa, diferentemente dos métodos de ensino considerados “tradicionais” que necessitam da memorização. Por fim, pensamos que a atuação de Thales no cenário educacional contribuiu para solidificar uma nova fundamentação científica com bases psicológicas sobre a questão da alfabetização e também, para divulgar questões relacionadas ao ruralismo. Referências bibliográficas ANDRADE, Thales Castanho de. Ler Brincando. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932. ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1968. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Modernidade pedagógica e modelos de formação docente. In: CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista: EDUSF, 2003, p. 121-142. BOTO, Carlota. Nova história e seus velhos dilemas. Revista USP, São Paulo, nº 23, p. 23-33, set/nov.1994. 11 12 Informações obtidas por meio da editora. Essas informações se baseiam nos indícios do texto. CHARTIER, Roger. História cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro. Editora Bertraud, 1990. CHARTIER, Roger (org.). 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