JORNAL
DO CENTENÁRIO
A REPÚBLICA E O ENSINO
REVOLUCIONÁRIOS E PEDAGOGOS
DE HÁ 100 ANOS
4
COMO ERA HÁ 100 ANOS
5
RUAS DA CONSPIRAÇÃO
6
MULHERES NA REPÚBLICA
7
LIVROS
8
A REPÚBLICA NA IMPRENSA
A ACADEMIA
O ROSSIO E O CAFÉ GELO
CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO
A REPÚBLICA VISTA PELOS SEUS
PROTAGONISTAS
www.centenariorepublica.pt
REMEMORAR A REVOLUÇÃO
DE 5 DE OUTUBRO DE 1910
EXPOSIÇÃO
A REPÚBLICA
EM 100 PALAVRAS
“A REPÚBLICA E O ENSINO”
NO PALÁCIO VALADARES
Coisa Pública Cidadania Educação Escola
Pública Pátria Sidónio Pais Resistência Revolução Utopia Civismo Escudo Bandeira Verde e
Vermelho Hino Estátua Busto Estética Inquérito à Habitação Rural Ética José Félix Henriques Nogueira Teófilo de Braga Teixeira
Gomes Manuel de Arriaga Raul Brandão Café
Sociabilidade urbana Proclamação Memória
Responsabilidade Cultura Ciência Progresso
Medicina Municipalismo Descentralização Povo
Presidente Eleições Voto secreto Liberdade
Parlamento Democracia Participação directa
Deputados Burguesia Messianismo Nacionalismo Colonialismo Anticlericalismo Manifesto
Comício Pregões José Malhoa Veloso Salgado
Adriano Sousa Lopes Joshua Benoliel Rafael e
Columbano Bordalo Pinheiro Ramalho Ortigão
José Relvas Afonso Costa Miguel Bombarda
Tiros de canhão 5 de Outubro
Como era o ambiente escolar no advento da República? Como se tentou combater a
taxa de analfabetismo que então rondava 75 por cento da população e que, no caso
das mulheres, ultrapassava os 82 por cento? Como se introduziu um ensino laico
em Portugal? Essas questões terão resposta na exposição “A República e o
Ensino”, a realizar em 2010, de Março a Outubro, no Palácio Valadares, em Lisboa.
Neste palácio do Largo do Carmo, local onde há quem defenda que terá existido a
primeira universidade portuguesa, o Estudo Geral, o que não é porém partilhado
por todos os historiadores, funcionou mais tarde o primeiro liceu de lisboa, e, já no
século XX a Escola Secundária Veiga Beirão. Aí serão reconstituídos ambientes
escolares do início do século XX e dadas a conhecer as novas disciplinas introduzidas pela República, como a educação cívica, o pensamento pedagógico que a orientou e as instituições criadas pelos republicanos para operar as mudanças consideradas necessárias no sentido da descentralização e do laicismo: as escolas móveis,
os centros escolares republicanos, os grémios de instrução e a Universidade Livre.
Esta exposição, que faz parte do programa das Comemorações do Centenário da
República, tem como comissária Maria Cândida Proença, especialista em História
do Ensino, investigadora do Instituto de História Contemporânea da FCSH/UNL
que, com Luís Farinha, também investigador do IHC, coordenou o curso de
e-learning sobre a I República e o Republicanismo, realizado pela CNCCR em
parceria com o Instituto Camões, entre Março e Abril de 2009.
ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA Nº 272, PÁG.608, MAIO, 1911,
HEMEROTECA MUNICIPAL DE LISBOA
ISABEL CARLOS
DIRECTORA DO CENTRO DE ARTE MODERNA JOSÉ
AZEREDO PERDIGÃO [FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN]
INQUÉRITO ÀS ESCOLAS
As comemorações da República nas escolas
Perceber a República através da expressão plástica, dramatizá-la
e fazer um pequeno documentário sobre a revolução do 5 de Outubro de 1910, são propostas apresentadas por escolas de diversos
pontos do país que responderam ao inquérito relativo às Comemorações do Centenário da República.
As sugestões são variadas e abrangem diversos níveis de escolaridade — básico, secundário e alguns jardins de infância — entre
as mais de 500 respostas ao questionário feito a um universo de
cerca de 800 escolas sede de agrupamento, lançado pela CNCCR
em articulação com o Plano Nacional de Leitura e com outras
entidades do Ministério da Educação.
Alguns desses estabelecimentos foram criados precisamente em
1910 e celebram também o seu centenário em 2010, como é o
caso do Colégio da Bafureira, na Parede, razão pela qual apresentam um programa próprio para assinalar a efeméride, em articulação com a CNCCR.
Noutros casos, o objectivo é aprofundar os conhecimentos sobre a
República, como sucede com o Colégio Alemão do Porto, que se
propõe fazê-lo através da investigação da imprensa estrangeira da
época. Outros ainda propõem visitas a bibliotecas de republicanos, o
convite a historiadores para acções de formação e a dramatização de
acontecimentos relacionados com a implantação da República.
COL. JOSÉ RELVAS/CASA MUSEU DOS PATUDOS
Nº2 SET./OUT. 2009
2/3
2
A REPÚBLICA E O ENSINO
FUNDO PARTICULAR BERNARDINO MACHADO/MUSEU BERNARDINO MACHADO
FUNDO PARTICULAR BERNARDINO MACHADO/
MUSEU BERNARDINO MACHADO
Revolucionários
e pedagogos
de há 100 anos
Os modelos pedagógicos promovidos durante a I República, integrados num conjunto de princípios fundamentais como o alargamento do acesso ao ensino e a valorização da cidadania, constituem hoje uma importante
referência para a História da Educação e da Escola em
Portugal. A República permitiu experimentar novos
projectos educativos e abrir espaços de inovação pedagógica, ensaiando deste modo uma pedagogia coincidente com uma nova forma de pensar a função do educador, do aluno e da instituição escolar.
As novas propostas de reforma do ensino foram acompanhadas pela progressiva valorização do papel do
professor, a responsabilização do aluno, a democratização do acesso à cultura e ao conhecimento científico,
nomeadamente no quadro da educação de adultos.
Neste contexto de modernização educativa não podem
esquecer-se alguns protagonistas incontornáveis como
Faria de Vasconcelos, Adolfo Lima, António Sérgio, Alves
dos Santos, Álvaro Viana de Lemos, Irene Lisboa, Áurea
Judite do Amaral, José da Cruz Filipe, Sílvio Lima, ou
ainda Jaime Cortesão, Raul Proença, Leonardo Coimbra,
Vieira de Almeida, Afonso Lopes Vieira ou João Camoesas. E é compreendendo esta herança da I República no
quadro do pensamento, acção e políticas de ensino, que
aqui se recordam alguns desses protagonistas.
“
(...) a obrigação
capital de qualquer estado,
urgentíssima entre nós,
é a instrução, este deve ser
o nosso primeiro ministério.
Nós nem sequer o temos.
Estamos inferiores ao
município de Lisboa, que
tem o seu pelouro especial
de instrução.
”
BERNARDINO MACHADO
*NECESSIDADE DE UM MINISTÉRIO DE INSTRUÇÃO PÚBLICA.
DISCURSO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, NA SESSÃO DE 15
DE MARÇO DE 1886, PÁG.7, IMPRENSA NACIONAL, LISBOA
Bernardino
Machado
(1851-1944)
Nasceu em 28 de Março de 1851, na cidade do Rio de Janeiro.
Formou-se em Filosofia pela Universidade de Coimbra, cuja licenciatura
concluiu com a dissertação intitulada Teoria Mecânica na reflexão e refracção
da luz e publicada no Instituto. Em 9 de Junho de 1876 completou o doutoramento, assumindo funções como catedrático de Filosofia em 1879 e dedicando-se então exclusivamente à investigação e à regência da sua cadeira.
Acabaria, no entanto, por filiar-se no Partido Regenerador, sendo eleito deputado em 1882 pelo círculo de Lamego. Em 1893 foi chamado a ocupar a pasta
das Obras Públicas, sob executivo de Hintze Ribeiro. Integrou a Maçonaria, de
que foi grão-mestre.
Durante a monarquia dedicou grande parte da sua intervenção política às
questões do ensino, levando a debate propostas em torno da reforma da
instrução secundária, da liberdade no ensino, da organização do Conselho
Superior de Instrução Pública (criado por decreto de 23 de Maio de 1884).
Defendeu a criação do Ministério de Instrução Pública, que veio a ser constituído em Abril de 1890, embora por pouco tempo, só sendo recriado em 1913.
Foi também director do Instituto Industrial e Comercial, residente do Instituto
de Coimbra e representante de Portugal em Madrid no Congresso Pedagógico
Hispano-Português-Americano.
Com a implantação da República, integrou o Governo Provisório como Ministro
dos Negócios Estrangeiros. Foi Presidente da República entre 1915 e 1917 e,
novamente, entre 1925 e 1926, acabando por ser afastado da vida política em
sequência do golpe militar de 28 de Maio.
Morreu no Porto em 29 de Abril de 1944.
3
Nasceu em Damão, em 3 de Setembro de 1883. Frequentou o Colégio Militar, seguindo depois o curso de Marinha.
Destacou-se como pedagogista e intelectual, participando na fundação da “Renascença Portuguesa” em 1910, juntamente com Jaime
Cortesão, Raul Proença, Álvaro Pinto, Pascoais, Leonardo Coimbra,
entre outros. Fundou e dirigiu, em 1918, a revista Pela Grei, que daria
origem à Seara Nova e cujo corpo directivo também integrou.
Em 1923, assumiu a pasta da Instrução Pública, sob ministério
chefiado por Álvaro de Castro, defendendo então a criação de uma
“Junta Propulsora dos Estudos”, cuja competência passava por atribuir bolsas de estudo no estrangeiro, tendo em vista a preparação da
elite científica e pedagógica nacional. A ideia surgia, aliás, em
sequência das propostas defendidas por Sérgio desde 1911. Esta
Junta deveria ainda fundar escolas experimentais e institutos de
investigação científica que acolhessem os seus antigos bolseiros.
O decreto de criação desta Junta ainda chegou a ser publicado no
Diário do Governo, como a “Junta Orientadora dos Estudos”, mas o
organismo acabou por nunca entrar em funcionamento, em boa parte
devido à limitação de verbas. Foi ainda por acção de António Sérgio
que veio a ser criado oficialmente o “Instituto Português para o
Estudo do Cancro”, em 29 de Dezembro de 1923.
Integrou o chamado “grupo da Biblioteca Nacional”, do qual fizeram
parte, entre outros, Jaime Cortesão, Raul Proença, Aquilino Ribeiro,
Raul Brandão, Reinaldo dos Santos, Lopes Vieira e José de Figueiredo, dedicando-se então à criação da revista Lusitânia.
Opositor ao Estado Novo, traduziu o seu pensamento através de
escritos filosóficos, epistemológicos, pedagógicos, históricos, políticos e de natureza económico-social.
Morreu em Lisboa, em 24 de Janeiro de 1969.
A reforma (...) é democrática.
(...) Cria organismos escolares
adequados à democracia;
estabelece a educação cívica pelo
método do self-gouvernment;
dá atenção especial à educação
técnica do povo, às universidades
populares (...) Democrática, ainda,
porque será assim realizada:
em plena luz, ao claro sol,
discussão pública, e reclamando o
seu concurso a toda a massa
dos cidadãos.
“
”
ANTÓNIO SÉRGIO,
“VIRTUDES FUNDAMENTAIS DA REFORMA DA EDUCAÇÃO”
CONFERÊNCIA NA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA,
EM 25-VII-1923, S.N., LISBOA, 1923
UNIV. CATÓLICA PORTUGUESA/CRP/BIBLIOTECA
MEMORIAL LEONARDO COIMBRA
António Sérgio
(1883-1969)
ARQUIVO SNI/FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES
A REPÚBLICA E O ENSINO
“
A educação
oficial será, pois,
dada no seu mínimo
a todos e aberta
no seu máximo aos
mais capazes,
venham de onde
vierem. Mas a educação não pode fazer-se por um simples
ministério, ela é uma
obra de conjunto em
que todos terão de
intervir.
”
LEONARDO COIMBRA,
“O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO NACIONAL”
PÁG.37, EDIÇÕES MARANUS, PORTO, 1926
Leonardo Coimbra
(1883-1936)
Nasceu em Felgueiras, em 29 de Dezembro de 1883.
Formado em Filosofia pela Universidade de Coimbra, entre 1898 e 1903, e
pela Escola Politécnica do Porto entre 1905 e 1909. Frequentou o curso da
Escola Naval, embora acabasse por abandonar a carreira militar por se
incompatibilizar com o regime monárquico.
Pertenceu à Maçonaria, iniciando-se pela loja Luz e Caridade da Póvoa de
Varzim e fez parte do grupo que fundou a Renascença Portuguesa, em 1912,
e que incluía Jaime Cortesão, Álvaro Pinto e Teixeira Pascoaes.
Durante o governo de João Franco, destacou-se nos movimentos de anarquismo juvenil: aderiu à greve dos estudantes em 1907 e ao protesto contra
a prisão e execução de Ferrer em 1908, colaborando também em periódicos
como o Azorrague, Nova Silva (fundada com Jaime Cortesão e Álvaro Pinto
em 1907) e A vida.
Em 1914, filiou-se no Partido Republicano Português (Partido Democrático).
Também assumiu protagonismo no quadro do ensino. Depois de frequentar
o Curso Superior de Letras em Lisboa até 1911, foi professor no Liceu
Central do Porto e director do Colégio dos Órfãos de Braga. Ensinou nos
liceus no Porto, Póvoa de Varzim e Lisboa (Liceu Gil Vicente) até 1919,
altura em que assumiu a pasta da Instrução Pública, sob Governo de
Domingos Leite Pereira (de 30 de Março e 29 Junho de 1919).
Foi ainda director da nova Faculdade de Letras do Porto, onde ensinou Filosofia (1919-1931), ocupou depois, e mais uma vez, a pasta da Instrução
Pública (entre 30 de Novembro de 1922 e 8 de Janeiro de 1923). Assumiu
interinamente a pasta do Trabalho, no executivo chefiado por António Maria
da Silva, acabando por ser afastado em resultado da sua política de tolerância para com o ensino religioso nas escolas.
Depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926 abandonou a política activa.
Converteu-se ao catolicismo em 1935. Morreu num acidente de viação em
2 de Janeiro de 1936, na cidade do Porto.
4
A REPÚBLICA E O ENSINO
Como era
há 100 anos
A Academia
Um modelo
pedagógico inovador
Estabelecida em 1905 no Largo da Graça, 58, a Escola Oficina nº1 “tinha um projecto pedagógico
muito inovador para a época” ao propor “um programa de educação integral”. As palavras são da
actriz Glicínia Quartin, que a frequentou no início dos anos 30 do séc. XX e cuja mãe, Deolinda
Lopes Vieira Quartin, ali foi professora.
Dirigida pelo pedagogo anarquista Adolfo Lima, António Lima e Luís da Matta e, mais tarde, por
César Porto, a Escola Oficina nº1 foi fundada pela Sociedade Promotora de Asilos, Creches e
Escolas e representou um caso de “fusão” entre a acção de maçons, republicanos e anarquistas.
Funcionava pelo método da co-educação, o que constituiu “uma revolução no sistema educativo
na altura”, salientava a actriz Glicínia Quartin (falecida em 2006), numa entrevista dada, em
1999, à revista Noesis.
Não havia separação de sexos: rapazes e raparigas frequentavam igualmente as aulas e as oficinas.
Ali ”não havia carpintaria para os meninos e lavores para as meninas”, sublinhava a antiga aluna.
“Era uma escola privada, que em todo o seu funcionamento procurava
que a criança se sentisse livre e, ao mesmo tempo, responsável. As aulas eram dadas em volta
de uma mesa grande onde, nós e o professor, nos sentávamos. Havia a integração das disciplinas
curriculares, normais do ensino primário, ao mesmo tempo que havia oficinas e actividades de
carácter artístico”, recordava ainda.
“Digna de registo” na pedagogia contemporânea portuguesa, ao constituir “uma tentativa de educação primária e profissional segundo uma nova concepção curricular e didáctica” foi como a considerou, em 1979, o pedagogo Rogério Fernandes, no livro Pedagogia Contemporânea Portuguesa.
Mas foi António Candeias, doutorado em História da Educação, quem dedicou maior atenção a
este estabelecimento de ensino, sobre o qual fez a sua tese de doutoramento e, em 1994, publicou o livro Educar de Outra Forma – A Escola Oficina nº1 de Lisboa (1905-1930). Nessa obra,
António Candeias visita o quotidiano daquela escola libertária e reúne testemunhos de quem nela
ensinou e aprendeu.
No edifício da escola oficina nº1 no Largo da Graça funciona, actualmente, uma escola oficial do
ensino básico. As inscrições do tempo da República mantêm-se visíveis na fachada.
PORTUGAL NO SÉC. XX —1900-1910, PÁG.179
ESCOLA OFICINA Nº1
O ambiente estudantil era de protesto nas
últimas décadas do século XIX, mas foi em
1907 que se agudizou a revolta, com a
greve académica que começou na Universidade de Coimbra e acabou por transformar-se num protesto a nível nacional,
envolvendo não só estudantes como políticos republicanos.
Há muito que em Coimbra os alunos
reclamavam a introdução de um espírito
moderno, que contrariasse o carácter
retrógrado do ensino e, se em 1890 se
verificaram protestos na sequência do
Ultimato, eles voltaram a ouvir-se no início
do séc. XX, conduzindo mesmo ao encerramento da Universidade, da qual foram
expulsos os alunos considerados instigadores da revolta.
Foi quando João Franco quis reabrir a
Universidade, em Abril de 1907, que a
revolta se alargou às Escolas Superiores
de Lisboa e do Porto e até aos liceus, onde
o boicote às aulas alastrou e o movimento
estudantil adquiriu apoios e força política
junto do Partido Republicano e da imprensa, que fez eco dos protestos.
Também houve manifestações de estudantes monárquicos, que se reuniram em
Maio de 1908, em Lisboa.
Uma vez proclamada a República, o
ensino superior tornou-se uma das áreas
a que o novo regime prestou grande atenção. Impunha-se acabar com o monopólio
da Universidade de Coimbra (a única onde
até então funcionava a Faculdade de
Direito) e o decreto de 22 de Março de
1911 veio criar duas novas universidades:
a de Lisboa e a do Porto.
Em Abril de 1911, um novo diploma (a
Constituição Universitária) veio organizar
as universidades. Com a reforma do
ensino foram criadas, junto das Faculdades de Letras, as Escolas Normais
Superiores, destinadas a preparar os
docentes do ensino secundário, através
da introdução de disciplinas na área da
Pedagogia.
5
Ruas da Conspiração
CAFÉ GELO,1961, ARTUR GOULART, ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA / ARQUIVO FOTOGRÁFICO
“A grande sala revolucionária” do Rossio e o Café Gelo
Foi um dos locais públicos onde se conspirou pela República. Ali, entre a Rua 1º de
Dezembro e o Rossio, “a grande sala revolucionária” como lhe chamava Aquilino
Ribeiro, encontravam-se regularmente republicanos e carbonários.
Foi no Café Gelo que, em 1906, Raul Pires apresentou a outros conspiradores
Alfredo Costa, que a 1 de Fevereiro de 1908 iria participar no dos regicídio.
Foi também no Gelo que Aquilino Ribeiro conheceu outro protagonista do regicídio,
Manuel Buíça — segundo relata na obra “Um Escritor Confessa-se”.
No próprio dia do atentado – que pretendia apenas atingir o ditador João Franco,
mas que terminaria com o assassinato de D. Carlos e do príncipe D. Luís — pelo Gelo
terá passado Buíça, segundo a reconstituição dos factos feita por Aquilino Ribeiro,
na mesma obra.
“Conheci Manuel Buíça no Gelo. (…) era um dos mais assíduos frequentadores
desse café muito arrumado à margem do Rossio tumultuário, que, não obstante o
berrante das fardas, conserva ainda hoje o ar plácido de botequim provincial”.
Cem anos depois, o Café Gelo foi muito alterado por múltiplas transformações, mas
ainda existe e mantém as duas entradas, uma pelo Rossio e outra pela Rua 1º de
Dezembro. O “ar plácido de botequim provincial” é que já não reina. O ambiente é de
mix urbana e algo turbulenta. Nas paredes é sobretudo recordada uma revolução
posterior, o 25 de Abril de 1974, lado a lado com o tempo dos surrealistas em que o
Gelo era frequentado por Luiz Pacheco e Mário Cesariny, entre outros.
Ironicamente, a lembrar o tempo da implantação da República, estão agora duas
fotografias: a de D. Carlos e a de Afonso Costa.
Além do Café Gelo houve em Lisboa vários outros cafés que são referidos como
ponto de encontro de revolucionários republicanos. De acordo com uma reportagem publicada em 1911 na Ilustração Portuguesa, havia também o “café dos anarquistas”, na travessa da Trindade, e “A Brazileira, onde se reuniaram diversos revolucionários” ou ainda o “Café Colon”, na Travessa da Palha, também ponto de reunião
de revolucionários.
“
Conheci Manuel
Buíça no Gelo. (…)
era dos mais
assíduos frequentadores desse café
muito arrumado
à margem do Rossio
tumultuário, que, não
obstante o berrante
das fardas, conserva
ainda hoje o ar plácido de botequim
provincial
”
AQUILINO RIBEIRO, EM “UM ESCRITOR CONFESSA-SE”,
PÁG.280, BERTRAND EDITORA, 2008
6
MULHERES Pioneira
NA REPÚBLICA
em várias frentes, foi
a primeira médica no país a exercer a
prática cirúrgica e a primeira mulher em Portugal a exercer o
direito de voto, numa época em que o sufrágio feminino era recla-
CAPA “A MULHER E A CRIANÇA/ÓRGÃO DA LIGA REPUBLICANA DAS MULHERES PORTUGUESAS”, MAIO, 1911, BNP.
mado no país, mas não reconhecido.
“
Fui assistir à abertura das Constituintes
e digo-lhe que nunca em minha vida senti
tamanha comoção. Sim, o que eu senti, o que todos
sentimos só se experimenta uma vez na vida.
CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO, IN CARTA A ANA DE C. OSÓRIO, DE 2/7/1911,
BNP, ACPC, COLECÇÃO DE CASTRO OSÓRIO, ESP. N12/419.
”
Notas biográficas
CAROLINA
BEATRIZ ÂNGELO
(1877-1911)
Médica e militante nas primeiras organizações de mulheres que
em Portugal lutaram por direitos civis e políticos, Carolina
Beatriz Ângelo teve uma vida breve mas muito intensa. Pioneira
em várias frentes, foi a primeira médica no país a exercer a
prática cirúrgica e a primeira mulher em Portugal a exercer o
direito de voto, numa época em que o sufrágio feminino era
reclamado no país, mas não reconhecido.
Aproveitando uma omissão na primeira lei eleitoral da República - que não contemplava nem
excluía o sufrágio feminino - Carolina Beatriz Ângelo, viúva e
com uma filha a cargo, conseguiu, ao fim de uma batalha jurídica, ser incluída nos cadernos eleitorais, alegando ser economicamente independente, como requeria a lei.
E a 28 de Maio de 1911, na freguesia de S. Jorge de Arroios,
onde foi inscrita com o nº 2.513, exerceu o seu direito de voto
para a Assembleia Nacional Constituinte – um acontecimento
histórico, não só em Portugal como nos países da Europa do
Sul, pelo que o facto teve repercussões na imprensa internacional. Esse direito, porém, não vingou na I República. Em 1913,
a lei passou a especificar a necessidade dos eleitores serem do
sexo masculino. Só no Estado Novo se voltou permitir o voto a
mulheres, mas apenas às que tivessem o curso dos liceus. O
sufrágio universal só chegaria com o 25 de Abril de 1974.
Aos 30 anos, Carolina Beatriz Ângelo militava no Grupo Português de Estudos Feministas (1907-1908), com a escritora Ana
de Castro Osório, a professora Maria Veleda e a médica
Adelaide Cabete e foi com esta última que confeccionou a
bandeira republicana desfraldada a 5 de Outubro de 1910.
Participou na fundação da Liga Republicana das Mulheres
Portuguesas e fez campanha a favor da Lei do Divórcio (aprovada em Novembro de 1910), mas, ao pugnar pelo direito de
voto restrito às mulheres economicamente independentes, ¬
distanciou-se de Maria Veleda, que o defendia para todas as
mulheres, sem excepção.
Em Maio de 1911, descontente com as posições da Liga, demitiu-se e criou a Associação de Propaganda Feminista. Morreu a
3 de Outubro de 1911, aos 33 anos, com “a consolação de ter
vivido muito em pouco tempo”.
FONTE: “DICIONÁRIO NO FEMININO (SÉCULOS XIX-XX)”
COORD. ZÍLIA OSÓRIO DE CASTRO E JOÃO ESTEVES
EDITADO POR LIVROS HORIZONTE, 2005
A REPÚBLICA VISTA
PELOS SEUS PROTAGONISTAS
7
MEMÓRIAS POLÍTICAS
(Vol. 1, Vol. 2)
Escritas uma década depois do 5
de Outubro de 1910, as memórias
do homem que da varanda da
Câmara Municipal de Lisboa
proclamou a vitória da República,
revelam uma visão clara e crítica
da revolução.
A REVOLUÇÃO PORTUGUESA
1907-1910
(Relatório de Machado Santos)
Um relato circunstanciado, escrito
na primeira pessoa e ainda “a quente”
- pouco depois do 5 de Outubro de
1910 - pelo “herói da Rotunda”, o
homem que resistiu e que no terreno foi o grande protagonista da
revolução.
EPISÓDIOS DA MINHA VIDA:
MEMÓRIAS
(Vol. I, Vol.II)
“Um testamento político” foi o que o
maçon republicano Magalhães Lima
quis deixar ao escrever, aos 77 anos,
as suas memórias, onde conta a sua
história e a do Partido Republicano
Português.
UM ESCRITOR CONFESSA-SE
A inconfundível riqueza de estilo,
na prosa de Aquilino Ribeiro, transforma este livro de memórias e
confissões republicanas no mais bem
humorado relato dos tempos da
República.
Autor
José Relvas
Edição
Terra Livre, 1977
Colecção
Portugal Ontem, Portugal Hoje
Autor
Machado Santos
Edição
Sextante, 2007 (reedição)
Autor
Magalhães Lima
Edição
Perspectivas e Realidades, 1985
Autor
Aquilino Ribeiro
Edição
Bertrand Editora (2008)
8
[email protected]
A REPÚBLICA NA IMPRENSA
REMEMORAR
A REVOLUÇÃO REPUBLICANA
DE 5 DE OUTUBRO DE 1910
FICHA TÉCNICA Título Jornal do Centenário Propriedade Comissão Nacional para
as Comemorações do Centenário da República (CNCCR) ISSN 1647-3493 Direcção
A CAPITAL, P.1, 5 OUT. 1910, HEMEROTECA MUNICIPAL DE LISBOA
Comissão Nacional para as Comemorações
do Centenário da República Coordenação de
edição Francisco Sarsfield Cabral Edição
Fernanda Ribeiro Colaboração Inês Queiroz
Design Henrique Cayatte Design
Além dos relatos que existem do 5 de
Outubro de 1910 em livro e feitos na
primeira pessoa, por quem viveu a revolução, há também os mais imediatos, que
ficaram para a posteridade em letra de
imprensa nos diversos jornais.
Alguns podem ser facilmente encontrados, como é o caso do que é feito nas páginas do jornal A Capital publicado no
próprio dia da revolução republicana e
cujo conteúdo é reproduzido digitalmente
nas colecções da Hemeroteca Municipal
de Lisboa, acessível em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt
Sendo um “diário republicano da noite” e o
único que saía também aos domingos,A
Capital saudou a revolução com um “Viva
a República” em letras gordas e conseguiu
desde logo, na noite do 5 de Outubro,
anunciar em manchete a constituição do
Governo Provisório, ao mesmo tempo que,
no corpo do jornal, dava notícias frescas
sobre as medidas tomadas para manter o
novo regime e narrava o sucedido na
madrugada de 4 para 5.
“Os republicanos vencem as forças
monarchicas”, dizia o jornal, no artigo onde
faz uma descrição detalhada dos confrontos entre monárquicos e republicanos e do
incêndio que atingiu o edifício nº214 da
Avenida da Liberdade, depois de ter sido
atingido por uma granada.
“Preparando a normalidade – Dentro do
novo regimen – A proclamação da Republica” é outro título da mesma edição, na
qual, apesar da revolução, não deixam de
aparecer anúncios, alguns dos quais
fazendo reclame a profissões várias, entre
elas a de figuras republicanas, como é o
caso de António José d’ Almeida, médico de
“clínica geral e doenças dos paízes quentes”,
com consultório na Praça Luíz de Camões,
6, onde dava “consultas da 1 às 3”.
ENSINO À DISTÂNCIA
CURSOS PARA PROFESSORES EM OUTUBRO
Em Outubro, a Comissão Nacional para as Comemorações do
Centenário da República e o Instituto Camões vão promover dois cursos de ensino à distância (e-learning) com temáticas relacionadas
com a República.
Ambos se destinam a professores dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e
a professores do Ensino Secundário.
Um deles intitula-se “Refundação Pátria e Hora Europeia. Meio século
de literatura portuguesa – 1880-1930” e será ministrado por José
Carlos Seabra Pereira, Professor Associado da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra.
O outro curso versará a I República e Republicanismo e será ministrado
por Maria Cândida Proença e Luis Farinha, investigadores do Instituto de História Contemporânea da FCSH/UNL. (Mais informações em
www.centenariorepublica.pt e em www.instituto-camoes.pt).
Download

JORNAL - Centenário da República