Capitão Wagner Alcides de Souza E screver sobre o Palacete Laguna sempre foi algo muito difícil. Várias tentativas de pesquisa já foram tentadas e nunca chegaram a um bom termo. O motivo dessa dificuldade pode estar no fato de o referido palacete possuir uma escassa documentação relativa a sua história. Chega a ser desanimador, para um pesquisador, deparar-se com um documento como o que instituiu o nome de Palacete Laguna para aquela construção, pois nele encontramos explicitamente os motivos das dificuldades encontradas para levantar a história da residência da Rua General Canabarro. 32 Aviso n. 81 I- D/2-D, de 14-X-953: “O Ministro de Estado dos Negócios da Guerra: Considerando que é mais fácil conhecer-se um próprio nacional por uma designação especial que o caracterize, do que pela indicação de sua finalidade; Considerando que à residência oficial do Titular da Pasta da Guerra se atribuem histórias inverídicas e destinos passados, que nunca puderam ser confirmados; Considerando que os feitos bélicos devem ser por nós, constantemente lembrados e exaltados. Resolve: O próprio nacional sito à rua General Canabarro no 731, residência oficial do Titular da Pasta da Guerra, passa a denominar-se Palacete Laguna, ANO III / Nº 4 como homenagem aos bravos que participaram da grande retirada, dando provas do mais alto valor humano e das mais belas virtudes militares.” Como podemos observar no aviso, a falta de uma documentação que viesse esclarecer as “histórias inverídicas e destinos passados, que nunca puderam ser confirmados” é uma clara demonstração da dificuldade de se levantar a sua história. Portanto, optou o Ministro por uma nomenclatura para o Palacete que viesse realçar um fato histórico que não possui nenhuma ligação com a referida residência. Entre um passado nebuloso de um lado e a valorização do imaginário de outro, optou-se por este último, visto que era mais fácil escolher um momento da nossa história militar, do que efetivamente levantar os documentos relativos ao passado da residência do Ministro. É interessante salientar que nem mesmo os memorialistas do Rio de Janeiro fazem qualquer referência à casa da rua General Canabarro. Noronha Santos informa no livro As Freguesias do Rio Antigo sobre um imóvel localizado ao lado do Palacete, mas a respeito deste não faz nenhuma citação. O único autor que escreveu sobre ele foi Brasil Gerson, que no seu livro, História das Ruas do Rio de Janeiro, Livraria Brasiliana Editora, Rio de Janeiro, 2001 – um clássico da historiografia da cidade, reportando-se ao pasANO III / Nº 4 sado da rua, fez na página 346 a seguinte citação sobre o imóvel da antiga rua Duque de Saxe: “A General Canabarro (Davi Canabarro, caudilho farroupilha e general do Exército Imperial depois), essa tem suas origens num caminho aberto nos terrenos próximos da Quinta da Boa Vista, antes da Joana, caseira do Elias que a doara ao Rei, e que era de onde vinha o nome do rio que o atravessava, paralelo ao Maracanã. Depois das chuvas fabulosas de 1811 foi ele retificado, formando-se 33 nas suas proximidades o Parque Imperial, logo sacrificado, porém, para que o caminho se convertesse numa rua, primeiro Rua D. Januária (irmã de Pedro II, casada com o Duque de Aquila), e mais tarde Rua Duque de Saxe (marido da Princesa Leopoldina e cunhado da Princesa Isabel). Para o casal construiu-se nela um palacete, que na República foi ocupado por mais de uma repartição militar, levantando-se por fim sobre as suas ruínas a Escola Técnica Nacional. Mas perto dele ainda continua de pé a casa cor de rosa onde morava o Chalaça, restaurada pelo General Dutra para que nela residissem os ministros da Guerra, quando seus 34 jardins já tinham sido aproveitados pelo Prefeito Serzedelo para o prolongamento da Rua Ibituruna até a General Canabarro. (...) Os terrenos da casa do Chalaça confinavam com os da Quinta e também com os da chácara do Comendador Antônio Alves Souto, na qual foi aberta a Rua do Souto, que no final do Novecentismo passou a denominar-se Senador Furtado (Grifo nosso). (...)” A pergunta a ser feita é por que esse silêncio em relação à casa? Talvez a explicação seja encontrada na placa que se acha no próprio imóvel que diz: “O Palácio Laguna foi residência do Mordomo do Paço do Primeiro Reinado”. E quem era ele? Era Francisco Gomes da Silva, o favorito de D. Pedro I, conhecido como Chalaça, que nasceu em Lisboa, em 22 de setembro de 1791, tendo falecido na mesma cidade, em 30 de setembro de 1852. Fez parte da comitiva de D. João VI, na transferência da Corte para o Brasil. Soldado da guarda de honra do Imperador, presenciou a Proclamação da Independência. Nomeado enviado extraordinário e encarregado de Negócios do Brasil em Nápoles, em 1830, declinou do cargo e seguiu para a Europa, pretextando moti- ANO III / Nº 4 vos de saúde, mas, na realidade, sua decisão foi motivada pela declaração que lhe fez o Marquês de Barbacena sobre o iminente rompimento entre o Ministério e o Imperador, caso este não o expulsasse do Brasil. A rápida carreira do Chalaça tem sido explicada pela sua intimidade com Pedro I, bem como pelo seu papel de confidente dos amores reais, os quais parece ter freqüentemente ajudado. Em Lisboa, por ocasião da restauração, em 1833, foi nomeado Secretário de Estado da Casa de Bragança. Escreveu os seguintes livros: A Exposição do Marquês de Barbacena, Comentada por um Brasileiro Nato, Londres, 1830, Memórias Oferecidas à Nação Brasileira, Londres, 1831. O fato de a casa ter pertencido a um personagem tão questionável com relação as virtudes morais, somando-se à falta de documentação sobre a mesma, pode ser o motivo de nunca ter havido nenhuma pesquisa mais abrangente, visto que tal levantamento redundaria numa recordação que, no fundo, ninguém queria realmente lembrar. Voltemos, pois, à casa propriamente dita. Está localizada na área que abrangia os terrenos da Quinta da Boa Vista, na freguesia do Engenho Velho, não existindo, nos arquivos militares, nenhum documenANO III / Nº 4 to que seja referente à sua planta original. Trata-se de uma construção típica do Primeiro Império, tendo sofrido acréscimos sucessivos em várias épocas, por reformas e restaurações, internas e externas, sendo, contudo, conservadas as suas grossas paredes de alvenaria, que chegam a ter a espessura de um metro. Após ter sido residência do mordomo do primeiro Imperador, a casa foi palco das reuniões preparatórias do episódio histórico da maioridade de D. Pedro II, em 1840, ao que, aliás, faz alusão uma placa que se encontra na entrada do Palacete. Entretanto, após o episódio da Maioridade, recai sobre a casa um profundo silêncio, que perdurou por todo o século dezenove. A primeira referência documental que existe sobre o imóvel é um Aviso que se encontra nos Actos Oficiais Gerais do Ministério da Guerra 1909, na página 278 que informa o seguinte: “— Autoriza-se a entrega à intendência da guerra do próprio nacional à rua General Canabarro no 38, cedido ao Ministério da Guerra por despacho de 17 de dezembro de 1908. – Desp. do M. da Faz. Referido em O. da direct. do Exp. do Thes. Fed. De 26 de março de 1909.” Depreende-se, portanto, que o imóvel estava subordinado durante boa parte da primeira década do século XX ao Ministério da Fazenda, não sendo possível, diante da documentação encontrada, dizer desde quando se encontrava sob a administração do referido ministério. A partir da entrega do imóvel ao Ministério da Guerra o mesmo esteve sempre sobre sua subordina35 ção. A cópia do livro de registro de imóveis número 12 que se encontra na Seção de Patrimônio da 1a Região Militar informa que: “... – Serviu de residência do Comandante do 9o Regimento de Cavalaria.” O Aviso no 338, de 8 de julho de 1909, mandou entregar o imóvel ao Comandante do 1o Regimento de Cavalaria, para servir de dependência do Quartel do mesmo Corpo. Entretanto, nos Actos Oficiais Gerais do Ministério da Guerra 1910, na página 231, registra-se a seguinte informação: “— Manda-se entregar à Prefeitura do Districto Federal o prédio à rua General Canabarro no 38 e o terreno annexo ao mesmo, afim de serem submettidos aos reparos que se estão fazendo na Quinta da Boa Vista, conforme pediu o Min. da Viação e Obr. Pub. – A. de 27 de maio de 1910 ao Dep. da Adm.” Porém conforme demonstra a já citada cópia do livro de registro de imóveis número 12, a entre36 ga não se efetivou, como consta no Aviso no 42 descrito nos Actos Oficiais Gerais do Ministério da Guerra 1921, na página 674 que relata: “— O próprio sito à rua General Canabarro o n 260 passa a ser occupado pela Direct. do Serviço de Remonta. – A. de 4 de abril de 1921 ao Dep. do P. da Guerra (Bolet. do Ex. no 375).” O imóvel ficou apenas quatro anos sob a administração da Diretoria do Serviço de Remonta, visto que, em 1925, passou para a 1a Região Militar, e, após novos quatro anos, a casa passou para a Diretoria do Depósito de Material Sanitário do Exército, como consta no Aviso no 1, de 11 de janeiro de 1929, conforme o já citado documento da Seção de Patrimônio da 1a Região Militar. Em fins de agosto de 1941, iniciaram-se as obras de restauração da casa do mordomo do Imperador, sob a direção do Tenente Coronel Homero de Abreu, com a intenção de torná-la residência do Ministro da Guerra, e por solicitação do então Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), devido ao valor histórico do imóvel. Segundo o Relatório das Obras de Restauração do Prédio da Rua General Canabarro no 260 achava-se a casa em: “muito máo estado e do mesmo só foram aproveitadas as paredes externas, algumas internas, bem poucas esquadrias de madeira, grades e esquadrias de ferro e grande parte do madeiramento da cobertura. Não fosse o valor histórico da obra, já referido, teria sido a mesma demolida como já estava resolvido, dado seu precário estado.” Em 1944, mais precisamente no dia 27 de julho, a casa da rua General Canabarro foi entregue ao Gabinete do Ministro da Guerra, representado na ocasião pelo Capitão Januário João Del Ré, tendo sido totalmente restaurada. Segundo consta no termo de recebimento e entrega do prédio, foram feitas várias fotografias para mostrar “perfeitamente o tipo de construção e o acabamenANO III / Nº 4 to perfeito que foi dado em todas as peças.” Infelizmente tais fotografias não se encontram nos arquivos da Seção de Patrimônio da 1a Região Militar, estando, possivelmente, perdidas. A partir de então, a antiga casa do mordomo passou a ser a residência do Ministro da Guerra, tendo sido seu primeiro morador o General Eurico Gaspar Dutra. Em 1953, conforme citamos anteriormente, o imóvel passou, por determinação do Ministro Estilac Leal, a ser chamado de Palacete Laguna, buscando com isso valorizar os nossos feitos militares. O nome está totalmente em desacordo com o histórico do prédio, porém, devido à dificuldade de fontes documentais que viessem a esclarecer pormenores dos fatos ocorridos ali e à necessidade de se valorizar o imaginário militar, determinou tal nomenclatura, pois era muito mais plausível, pela importância da casa, ligá-la a um fato bélico realmente memorável, do que ao passado moralmente duvidoso do Chalaça. O Palacete Laguna a partir de então se tornou residência do Ministro e, atualmente, do Comandante do Exército quando de sua estada no Rio de ANO III / Nº 4 Janeiro. Em 1977 o Exército, por intermédio do Comandante da 1a Região Militar, solicitou, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), verificar se o imóvel da rua General Canabarro estava tombado pelo referido órgão, tendo sido informado negativamente pelo oficio no 2924 de 7 de novembro de 1977 oriundo do Diretor Geral do IPHAN, Renato Soeiro. Em 10 de julho de 2000, o Palacete Laguna passou da subordinação ao Apoio Rea gional da 1 Região Militar para a da Diretoria de Assuntos Culturais, objetivando transformar aquele imóvel em um local de eventos culturais e sociais, disponibilizando uma de suas salas como gabinete de despacho do Comandante do Exército quando de sua estada no Rio de Janeiro, segundo consta no Termo de Entrega e Recebimento de Imóvel, arquivado na Seção de Patrimônio da 1a Região Militar. Para finalizar, gostaria de agradecer a oportunidade de apresentar esse trabalho e de salientar que o Palacete tem uma rica história, que está escondida em arquivos que ainda não foram devidamente explorados, e que o mesmo é um belo exemplo de como um determinado fato histórico pode ser eclipsado por outro, num contexto onde os feitos de uma determinada época, por serem mais representativos para explicar ou por servirem melhor a um momento político, são valorizados em detrimento de outros de menor importância ou de menor significado naquela ocasião específica. Daí dar um nome ao imóvel da rua General Canabarro tão distante da sua real origem, mas isso é assunto para um outro trabalho, dentro do campo do imaginário. 37 A FUNDAÇÃO CULTURAL EXÉRCITO BRASILEIRO O Exército Brasileiro dispõe de um rico patrimônio histórico e cultural, disseminado por todo o espaço territorial brasileiro. Todo esse patrimônio, representado por inúmeros fortes, fortalezas, sítios históricos, bibliotecas, documentos, museus, monumentos, armas, equipamentos e obras de arte, constitui referência de grande importância para a história da sociedade brasileira. A fim de permitir melhor acesso a esse acervo, o Comando do Exército apoiou a iniciativa do empresariado brasileiro de constituir uma Fundação Cultural, entidade civil, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, dispondo de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. A Fundação pretende atingir um amplo campo de atuação, incluindo as atividades de natureza educacional, de preservação ambiental, comunicação e assistência social, oferecendo oportunidade para que se realizem diversos tipos de parcerias com a iniciativa privada e o terceiro setor. A possibilidade legal de celebração de convênios e outros instrumentos jurídicos entre a Fundação Cultural e o Exército permitirão a utilização de espaços, instalações e acervos históricos sob a administração do Exército, em todo o País, em proveito de diferentes instituições e da sociedade brasileira em geral. O ponto forte da credibilidade da Fundação é a parceria entre a instituição militar e as pessoas e empresas de projeção nacional que lideram o projeto. A sede da Fundação Cultural Exército Brasileiro está localizada em Brasília, possuindo um escritório no Rio de Janeiro, RJ. Sua atuação abrange todo o território nacional, por meio de escritórios regionais que funcionam em São Paulo, Baixada Santista, Recife, Salvador, Campo Grande, Curitiba e Porto Alegre. Finalidade atender às atividades de natureza cultural, educacional, de comunicação social, de preservação do meio ambiente e de assistência social desenvolvidas pelo Exército Brasileiro; promover os valores centrais das instituições militares brasileiras; promover o inter-relacionamento entre militares, suas famílias e os diferentes segmentos da sociedade em geral, por intermédio de projetos e atividades cívicas e culturais; recuperar e preservar o patrimônio histórico e artístico do Exército Brasileiro; divulgar a história, o patrimônio artístico militar e outros aspectos da cultura militar brasileira; difundir estudos e informações que mostrem a importância do Exército Brasileiro para o País; contribuir para a preservação das tradições nacionais brasileiras, especialmente aquelas relacionadas à atividade militar; promover o patriotismo e a cidadania; incentivar o enaltecimento dos grandes vultos da vida nacional e seus feitos; promover atitudes favoráveis à conservação do meio ambiente e ao aprimoramento da qualidade de vida; e desenvolver e apoiar iniciativas relacionadas à assistência social. Projetos modernização do Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, RJ; restauração e atividades de turismo cultural e ecológico na área da Fortaleza de Itaipu, Praia Grande, Santos, SP; atividade de turismo e eventos nas fortalezas históricas da Baía de Guanabara; edições de livros de arte, exposições sobre mapas históricos e outros eventos culturais; estudo da utilização de fortes e fortalezas brasileiras e sua importância na definição territorial do País; organização do Acervo Documental Histórico do Exército Brasileiro; educação ambiental para os jovens que se apresentam para o serviço militar; estimular o culto à Bandeira Nacional; vídeos sobre aspectos da história do Exército; qualificação de mão-de-obra para o trabalho, durante a prestação de serviço militar; rádio verde-oliva, divulgando informações sobre o Exército; banda sinfônica do Exército, e outros. 38 ANO II / Nº 4 ANO II / Nº 4 39