Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
VI Congresso Nacional de História da Mídia – Niterói –2008
TV Ceará (canal 2): a emissora que deixou de ser cearense
Bruno MARINONI
Mestrando no Programa de Pós-Graduação da UFPE – Pernambuco
[email protected]
GT de História da Mídia Audiovisual
Resumo
O canal 2 de televisão em Fortaleza foi o primeiro a transmitir para a capital cearense
sinais de televisão, a partir de 1960. Inicialmente propriedade dos Diários e Emissoras
Associados, com a desestruturação destes, a TV Ceará foi entregue na década de 1980
para ser explorada comercialmente pelo empresário Adolpho Bloch, tornando-se uma
das emissoras da Rede Manchete. Após a falência desta nos anos 90, o canal 2
novamente passou para a mão de outro proprietário, ligando-se, assim, à emergente
Rede TV. O objetivo deste artigo é contar a história dessa primeira emissora de
televisão do Ceará, que apesar de ter tantas vezes mudado de concessionário, nunca foi
propriedade de cearenses. Embora tenha em um primeiro momento dinamizado o
mercado profissional local, impulsionando a produção audiovisual, com a posterior
emergência da indústria cultural no Estado, representada pela chegada das redes
nacionais de televisão com padrões modernos de administração, reduziu a praticamente
zero a programação local, permanecendo nesta condição até o momento.
Palavras-chave
Televisão cearense; TV Ceará; TV Manchete
Introdução
Comparada à paulista e à carioca, a televisão cearense chegou com um atraso de cerca
de 10 anos. A decisão do empresário paraíbano das comunicações de começar seu
empreendimento por aquelas metrópoles e, somente no final da década, levar a televisão
para os demais centros político-econômicos do país estampa a dessimetria de poder
regional que se apresentará sob diferentes aspectos no decorrer da história desse
veículo. A formação de instituições modernas de cultura afinadas com os eixos de
desenvolvimento de um capitalismo monopolista1 vai aprofundar as desigualdades e a
concentração de poder também no que diz respeito à produção cutural. Submetida às
especificidades da política, da luta de classes, das questões socio-culturais vinculadas à
realidade brasileira, a televisão no Brasil, não está separada do processo em que se
1
Segundo Ortiz, “se os anos 40 e 50 podem ser considerados como momentos de incipiência de uma
sociedade de consumo, as décadas de 60 e 70 se definem pela consolidação de um mercado de bens
culturais” (2001, p. 113), em que se tem o crescimento do mercado interno e o fortalecimento da
articulação entre bens culturais e materiais.
1
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produzem e reproduzem as relações sociais2 no país. Assim, sua história deve ser
entendida de forma articulada com esse processo, e não de maneira puramente
endógena.
Da mesma forma, não se deve considerar a história da TV mero reflexo da dinâmica
exógena, desconsiderando o papel de sujeitos exercido por aqueles que atuaram
diretamente nessa história. Trabalhadores e proprietários, executivos e funcionários,
aqueles que de forma criativa (ou nem tanto) responderam aos desafios entrepostos pelo
devir ao recente campo da comunicação televisiva.
Tendo a compreensão dessa práxis como horizonte, este artigo tenta traçar um linha
interpretativa desse processo a partir de algumas publicações na imprensa local e
entrevistas com algumas pessoas que fizeram a história do canal 2 no Ceará (mais
especificamente a partir do momento em que este passou a ser propriedade da rede
Manchete) contra o pano de fundo das relações de produção que marcaram a história
desse veículo. As fontes, assim como o autor deste artigo, estão imersos na dinâmica
social de tal forma que é impossível dissociar da vivência dos sujeitos envolvidos as
informações selecionadas e a forma pela qual são expressas. Dessa forma, busca-se aqui
ao máximo, enquanto resposta criativa às limitações da realidade circundante, aproveitar
o material coletado cruzando informações e interpretá-lo à luz da periodização da
televisão brasileira definida por Sérgio Mattos (2002) e Sérgio Capparelli (1982).
O resultado desta interpretação deve ser considerado dessa maneira: uma interpretação.
Porém, ao contrário do que o pensamento pós-moderno não inaugurou mas levou ao
paroxismo, a idéia de que toda interpretação é apenas mais uma, defende-se aqui que as
idéias, imersas na dinâmica social, se comprometem com diferentes projetos
(constituem-se ideologias): alguns mais vinculados à manutenção da dominação do
humano pelo o humano, outros com o solapamento dessa relação. A mídia é hoje parte
integrante do centro nervoso dessa dominação, o que esperamos justificar o esforço e o
interesse pelo desvelamento de sua problemática.
De mão em mão
Às 17 horas de sábado, 26 de novembro de 1960, foi oficialmente ao ar a TV Ceará,
canal 2 de Fortaleza, empresa vinculada aos Diários e Emissoras Associados. O grupo
empresarial não era neófito de forma alguma. Já possuía algumas emissoras de televisão
2
“...communication is a social process of exchange whose product is the mark or embodiment of a social
relationship” (MOSCO, 1996, p. 72)
2
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em outras regiões do Brasil e era proprietário de veículos de comunicação no estado3.
Pioneiro do Brasil na radiodifusão televisiva, Assis Chateaubriand chegou a possuir o
maior grupo de mídia da América do Sul do seu tempo, incluindo 15 emisoras de TV.
Às vésperas da inauguração, estavam englobadas 58 empresas (SIMÕES, 1986, p. 49).
Representante de um país com mercado interno em formação, de um momento propício
para as iniciativas capitalistas4, da figura do capitão de indústria, a personalidade desse
empresário se destacou e imprimiu sua marca na história da comunicação brasileira.
Apesar do monopólio de empresas, Chateaubriand era exemplo contrário do que se
costuma apresentar como tendência do capitalismo monopolista, a socialização da
propriedade e a racionalização da gestão em tal grau que faz subsumir a figura dos
proprietários diante da dos executivos. Mesmo com a formação de uma sociedade que
ficou conhecida como Condomínio Associado, a marca da empresa era o personalismo.
Não era à toa a alcunha do “velho capitão”.
Mais uma vez a presença do empresário foi sentida quando, em maio de 1959 os
cearenses foram covidados a comprar ações para financiar a implantação da TV Ceará.
Custavam Cr$ 1.000 e prometiam um rendimento de 8% ao ano. Os jornais associados
anunciavam a encomenda de equipamento à RCA, pois a relação cambial seria
favorável (CARVALHO, 2004, p. 13). A ideologia nacional-desenvolvimentista dava a
tônica para que o Brasil se engajasse numa pretensa “modernização”. Resultado: um
ano e meio depois Fortaleza, em uma festa solene na concha acústica da Universidade
Federal do Ceará, iniciavam as transmissões oficiais do primeiro canal de TV com
direito a bênção da igreja e apadrinhamento do governador da Bahia, Juracy Magalhães.
Em harmonia com os “meandros da expansão do capitalismo” no Brasil que se instala
nos pólos economicamente mais desenvolvidos, Rio de Janeiro e São Paulo, daí para as
maiores capitais e só depois para o interior do país, as emissoras de televisão seguiram
esse itinerário (CAPPARELLI, 2004, p.65). Mas se era sob o compasso das agências de
propaganda internacionais que se produziam os programas de TV no sudeste, em nome
dos patrocinadores multinacionais, no Ceará eram os nacionais e locais que davam
3
O jornal Correio do Ceará foi adquirido por Chateaubriand em 13 de maio de 1937. Em 1940 seria a
vez do Unitário. (NOBRE, 2006, p.145) No dia 11 de janeiro de 1944 a Ceará Rádio Clube, única
emissora cearense até 1948, passa das mãos de João Dummar para o controle dos Diários e Emissoras
Associados (DUMMAR FILHO, 2004, p.122).
4
Apesar de durante o governo Vargas se ter aberto um espaço considerável para a participação da
burguesia industrial, Chateaubriand instalou sua primeira emissora em São Paulo, a TV Tupi, em 1950
contrariando a avaliação de técnicos, que afirmavam não ser o momento propício. Passou, então, a
exemplo de seu tempo por provar que entendia mais dele do que os especialistas.
3
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nome ao Repórter Real (companhia de transporte aéreo), ao Repórter Cruzeiro (loja de
confecção) e ao Tele Jornal Crasa (revendedora e concessionária de automóveis Ford).
Quando da inauguração da TV Ceará o Condomínio Associado já havia sido formado5.
Em 1959, 49% das ações e cotas associadas de Chateuabriand passaram a 22
funcionários de sua confiança. Em 1962, já com problemas sérios de saúde, passou os
restantes 51% aos mesmos beneficiados anteriores, substituindo apenas seu filho
Gilberto pelo ex-prefeito de Fortaleza Paulo Cabral de Araújo (SIMÕES, 1986, p. 49).
Quem passou a dirigir os negócios do grupo no Ceará é Manuel Eduardo Pinheiro
Campos até 2007, quando veio a falecer.
A tomada do poder pelos militares em 1964 definiu uma nova dinâmica à economia
brasileira, consolidando o capitalismo tardio no país (ORTIZ, 2001, p. 114), o que
complicou a situação do Condomínio, emaranhado em disputas internas e comum
modelo de gestão destoante da racionalização operada pelos concorrentes.
Mattos define os três períodos históricos da TV brasileira em que esteve inserida a TV
Ceará como (1) a fase elitista (do início da TV a 1964), quando a economia restringia
bastante o círculo de beneficiados com um televisor em casa; (2) a fase populista (de
1964 a 1975), quando a televisão representava a modernidade e programas de baixo
nível tomavam conta da programação; e (3) a fase do desenvolvimento tecnológico (de
1975 a 1985), quando as redes se aperfeiçoaram e passaram a trabalhar com maior
profissionalismo (2002, p. 78-79). Já Capparelli classifica duas fases, o império
Chateaubriand e a internacionalização do mercado, e um período de transição, onde se
operam mudanças de posições entre concorrentes (CAPPARELLI, 1982).
Embora baseados em critérios diferentes, os autores permitem que seja destacado de sua
caracterização a distinção entre dois momentos separados por um terceiro de dinamismo
do mercado, em que se operam mudanças de posições. O primeiro autor enfatiza os
seguintes aspectos em sua nomenclatura das fases: a TV de elite (uma comunicação
entre a empresa e poucos); a TV para o “povo”, para a “massa” (uma comunicação entre
a empresa e a massa populacional em processo de incorporação pela sociedade
brasileira nos grandes centros urbanos); a TV racionalizada (uma comunicação entre
empresa e massa, marcada por técnicas modernas de produção). O segundo enfatiza o
monopólio que hegemoniza o setor e a relação do mercado interno com o externo.
5
E se mantém até hoje, apesar das alterações decorridas em sua história, sob a seguinte filosofia: “O
Condomínio Acionário é um colegiado com características únicas: exerce seu poder via Assembléias
Gerais e Conselhos de Administração e é formado por 22 cotas que são de propriedade de funcionários
das empresas que tenham demonstrado desempenho diferenciado e lealdade à filosofia empresarial do
grupo” extraído em 13 de abril de 2008 de http://www.associados.com/historia.php.
4
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A influência no mercado de televisão da mudança no padrão de acumulação catalizada
pelos militares fica bem definida nos termos de Bolaño
...no início da década de 70 (...), a Rede Globo passa a moldar o
padrão competitivo de acordo com seus interesses de empresa líder,
construindo fortes barreiras limitativas da concorrência interna e da
concorrência potencial, consolidando o seu poderio e ditando os
termos da concorrência no setor (1988, p.76).
Ou seja, havia [na fase concorrencial] uma grande mobilidade nesse
mercado e as barreiras à entrada limitavam-se à possibilidade de se
conseguir ou não uma concessão para a instalação de emissora,
situação bastante diferente da que vai vigorar a partir da implantação
da redes de televisão no Brasil (1988, p.81)
A nova barreira vai ser definida a partir da administração racional exigida pelo setor que
vai estabelecer “padrões tecnoestéticos” de produção.
A incapacidade das emissoras associadas se adaptarem às exigências dessa nova fase da
TV brasileira, as crises financeiras que paralisavam os trabalhadores do grupo e a
indisposição do regime militar em manter a polêmica instituição6 vão culminar com o
fechamento em 18 de julho de 1980 da TV Ceará (assim como na sua inauguração, com
a bênção da igreja) para em 12 de fevereiro de 1984 retornarem as transmissões do
canal 2, já com a concessão sob a responsabilidade de um outro grupo. Passou a ser
denominada TV Manchete.
O que aconteceu com os 300 funcionários com “salários atrasados há anos” dos quais
nos fala a “Tribuna do Ceará” de 18 de julho de 1980? Boa parte, assim como aconteceu
com os artistas que em 1966 se depararam com a chegada do vídeo-tape na emissora,
perdeu o vínculo com o canal 2. Parte dos técnicos de equipamentos foi incorporada
pela nova empresa. Não por simples solidariedade à sua pena, e sim por serem os que se
encontravam disponíveis no mercado de trabalho.
Rubens Furtado diretor-geral da rede é enviado do Rio de Janeiro para supervisionar a
montagem da estrutura e a organização da nova equipe, para logo voltar às terras
cariocas. Ângela Borges assume a direção-comercial substituída posteriormente por
Augusto Benevides e traz Ruy Lima7 para dirigir o departamento de jornalismo. Assim
ia se formando a equipe que iria tocar o barco de propriedade de Adolpho Bloch.
6
No período em que a Rede Globo de Televisão engatinhava João Calmon, talvez a figura mais destacada
do Condomínio Associado, protagonizou uma denúncia contra a empresa de Roberto Marinho, menina
dos olhos militares, por receber capital estrangeiro, contrariando a constituição; o que envolveu críticas ao
próprio presidente da república.
7
As informações sobre a composição da direção foram repassadas por esse em entrevista realizada no dia
8 de abril de 2008.
5
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Embora a concessão do canal 2 tivesse passado para as mãos dos Bloch, o prédio e o
equipamento da antiga TV Ceará foi comprado pelo governo do Estado que o
incorporou ao patrimônio da sua emissora (canal 5), posteriormente denominada
também TV Ceará. A nova rede encomendou seu prédio a Oscar Niemeyer.
A quinta emissora de televisão a funcionar em terras cearenses8 preparava o canal 2 para
disputar mercado dentro dos padrões de organização característicos da nova fase da
história da televisão brasileira. Anunciava-se a chegada no Ceará da “Televisão do Ano
2000”. Na programação de inauguração, o show “O mundo mágico” e o filme “Contatos
imediatos de terceiro grau”.
A mudança de concessionário do canal 2 aprofundou a crise da produção televisiva
local. O que já havia sido consideravelmente reduzido após a chegada do vídeo-tape em
1966 resumia-se agora a uma pequena equipe de reportagem e, posteriormente, por
alguns responsáveis pela produção de programação esportiva. Adolpho Bloch cobrava
do departamento de jornalismo notícias positivas do Ceará 9. Por conta da pressão dos
funcionários locais a matriz acaba por ceder um horário na programação para emissão
do breve noticiário produzido em Fortaleza.
Apesar da consonância da administração da TV Manchete com os padrões modernos de
gestão em comunicação, a emissora passou por sérias dificuldades. Em junho de 1992,
por conta de dívidas, os Bloch vendem a emissora para Amílton Lucas de Oliveira,
presidente do grupo IBF de loterias instantâneas Em um mês, 668 funcionários da rede
nacional foram demitidos. Outros entravam no ar denunciando o atraso nos salários. Em
abril de 1993, Adolpho Bloch retoma a emissora, pois o comprador não cumpre o
compromisso de pagar a venda.
Atrasos nos salários e falta de manutenção no equipamento faziam com que o ambiente
na empresa se tornasse tenso. A despeito do trabalho realizado pela cúpula da emissora
no sentido de desmobilizar os funcionários, realizou-se um dia de paralisação no Ceará.
Como retaliação, a matriz da rede no Rio de Janeiro mandou cortar o telejornal local,
que a partir de então deixa de ser produzido. A chefe de redação desde 1990, Ana
Márcia, pressionada para demitir parte dos trabalhadores pede seu desligamento da
emissora.
8
Antes dela funcionaram respectivamente a TV Ceará (canal 2) - 1960, a TV Verdes Mares (canal 10)
-1970, a TV Educativa (canal 5) - 1974 e a TV Uirapuru (canal 8) - 1978.
9
“Quando ele esteve aqui na inauguração da TV ele virou pra mim e disse assim: ‘Meu filho, o Ceará tem
coisas muito bonitas. Só mande coisas bonitas pra gente, viu? Mande coisas bonitas e otimistas’”, de
acordo com entrevista cedida por Ruy Lima em 8 de abril de 2008.
6
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A situação se arrastaria nesse passo até 1999, quando Pedro Jack Kapeller, sobrinho de
Adolpho Bloch, venderia as concessões da manchete a Amilcare Dallevo e Dallevo Jr.,
formando a Rede TV!, com os quais se encontra ainda hoje. A principal consqüência
dessa substituição para o conteúdo foi a mudança no padrão dos programas. Marcante
por sua propostas de difundir uma programação sofisticada, a TV Manchete investiu em
uma programação mais identificada com os padrões culturais das classes abastadas.
Com a chegada da Rede TV!, a nova emissora opta por buscar uma faixa de público
mais identificada com o que Mattos havia observado na fase da história da televisão que
chamou de “populista”. Chegou a tal ponto a “apelação”, que foi condenada pela justiça
devido à pressão que a sociedade civil organizada fez para que se punisse a emissora
por seus programas preconceituosos. Como conseqüência, foi cedido um horário na
programação para o direito de resposta da sociedade.
A Rede TV! no Ceará não possui mais do que alguns técnicos e dois jornalistas que
produzem material para o telejornal nacional. Alguns meses após receber a concessão
da Manchete em Fortaleza, demitiu parte dos trabalhadores, ficando apenas com o que
considerou necessário.
Programação local
Como foi visto na seção anterior, o processo desenrolado na história da televisão
apresentou estruturas que vão se relacionar com organização interna da empresa e com a
amplitude da produção de conteúdo, além de estar diretamente vinculado à luta dos
trabalhadores pelo emprego e por uma maior espaço no produto final da televisão que é
a programação. Em sua breve incursão na primeira fase da história da televisão no
Brasil, a TV Ceará teve espaço amplo para produzir seus “Contador de Histórias”,
“Teatro Universitário na TV”, “Dois na berlinda”, “Repórter Cruzeiro”, “Correio do
Ceará” (depois “Repórter Real”), “Telesemana Unitário”, “Noticiário Relâmpago”,
“Tele Jornal Crasa”, “Punhos de Campeão”, “Sete dias em destaque”, “TV de
Romance”, “Videorama”, “Música de todo o mundo”, “TV Juventude”, “TV de
Mistério”, que incluíam teatro, telejornalismo, esporte, cerimônias de premiação, novela
e musicais. Isso em um tempo em que o número de televisores era muito reduzido,
contemplando apenas uma pequena elite econômica.
Mesmo não estando tão integrada ao centro econômico e cultural do país quanto as
emissoras que se juntaram em rede nas décadas de 1970 e 1980, as emissões da TV
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Ceará estavam afinadas com a dinâmica do capitalismo no Brasil de urbanização e
valorização dos bens de consumo:
É através da TV que se inicia, para valer, a escalada na venda dos
eletrodomésticos até então acessível a poucos brasileiros; Anunciam-se
automóveis, carpetes, brinquedos e sorvetes industrializados, móveis
funcionais como sofás-camas, perfeitos para as dimensões dos apartamentos
que se multiplicam rapidamente nas grandes cidades (SIMÕES, 1986, p.42)
Mesmo longe de alcançar o poder de compra dos consumidores sudestinos, os
moradores das regiões periféricas são concebidos como consumidores potenciais. A
mensagem publicitária não vai só induzir o público ao consumo de um produto, “mas
também ao desejo genérico de consumir”, engajando a audiência no projeto
desenvolvimentista (SIMÕES, 1986, p. 92).
Essa relação estava também estabelecida por via direta com o imperialismo
internacional:
Terminava 1964 deixando um saldo favorável. O departamento de
Telejornalismo era considerado modelo de organização. Já poderia dispensar
parte do sintomático apoio da filmoteca do USIS [United States Information
Service] em Fortaleza (depredado no período interior ao golpe acusado de
espionagem a favor dos americanos), a cuja frente estava Paulo Lima Verde,
que cedia o Panorama Pan-Americano, documentário com acontecimentos
políticos, administrativos e diplomáticos das três Américas, e o Telegrama
Britânico, para exibição pelo canal 2, bem como concertos do lar, desenhos
animados, filmes educativos (Disney dando conselhos de saúde e higiene) e
culturais (CARVALHO, 2004, p.60)
Em 1966, com a chegada do vídeo-tape, a produção vai gradualmente cair, dando
grande espaço para, além dos enlatados estrangeiros, novelas, comédias e demais
programas produzidos no sudeste do país. Não porque o novo equipamento
determinasse esse procedimento. Ele apenas abria a possibilidade, que se apresentava
como tendência impulsionada pela força de concentração do capitalismo monopolista
em sua busca por acumular capital. De acordo com Simões, é a concorrência que vai
determinar o pólo central dessa concentração: “A conseqüência imediata da difusão
desses programas produzidos nas duas principais cidades do país é o declínio das
produções locais, pois essas sofrem desde já a séria concorrência de núcleos mais bem
aparelhados e desenvolvidos” (1986, p. 77).
O protesto dos trabalhadores locais por mais espaço na programação e pela garantia de
seus empregos (duas faces da mesma moeda) era recorrente. Na noite do fechamento da
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TV Ceará, estes se organizaram em vigília, tentando sensibilizar a sociedade e o poder
público para a manutenção da empresa. Em vão.
Na mão dos empresários cariocas e paulistas que vieram posteriormente, formada a
rede, a produção se limitou à condição que se subordinam a maioria das empresas de
televisão fora do eixo Rio-São Paulo: realização de algumas poucas matérias para
noticiários nacionais ou programetes que comparados ao resto da programação
abocanham uma porcentagem pífia. A principal conseqüência e a marca da
“modernização da administração” na televisão do Ceará foi a perda da autonomia local
(mais notável ao público no que diz respeito à definição de conteúdos) e o enxugamento
do quadro de funcionário (nem sempre notável ao público), reduzindo o potencial de
absorção do mercado para trabalhadores do setor.
Conclusão
O desenvolvimento do canal 2 no Ceará acompanhou a história da televisão brasileira
seguindo sua tendência à racionalização da produção. O processo foi acompanhado de
uma alienação local, fazendo com que se perdesse um número considerável de
representantes da produção artística cearense, os quantidade de jornalistas ficasse
reduzida e o restante do quadro técnico minguasse. Tudo isso não aconteceu
linearmente nem sem resistência. No entanto, a reafirmação do consumo se estabeleceu
inexoravelmente. A sofisticação do conteúdo não se consolidou, vigindo hoje em grande
parte da programação a reprodução de preconceitos sociais, se aproveitando da distância
que possibilita o escarnecimento dos interessados no conteúdo para o proveito dos
interessados nos dividendos.
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Governo suspende concessão de 7 estações de TV Associada. Tribuna do Ceará.
Fortaleza, 17 de julho de 1980 p. 5
Saiu do ar o canal 2 Tribuna do Ceará. Fortaleza, 19 de julho de 1980 p. 2
Saíram do ar 7. estações associadas de TV Tribuna do Ceará. Fortaleza, 19 de julho de
1980 p. 5
Ceará perde opção com fechamento do Canal 2 O Povo Fortaleza, 20 de julho de
1980 p. 11
Dentel calou a TV Ceará O Povo Fortaleza, 19 de julho de 1980 p. 9
Cassação do canal 2 provoca protestos O Povo Fortaleza, 18 de julho de 1980 p. 5
Chega ao fim demanda contra a TV Canal 2 O Povo Fortaleza, 29 de junho de 1982
p. 7
Governo compra sede da extinta TV Ceará O Povo Fortaleza, 04 de fevereiro de
1982 p. 9
Vídeo-tape e enlatados decretam a falência da nossa criatividade Caderno 2 O Povo
Fortaleza, 27 de novembro de 1980 p.22
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Silêncio: acabou o programa Caderno 2 O Povo Fortaleza, 26 de novembro de 1980
p. 19
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