ENSINO DE EVOLUÇÃO BIOLÓGICA: PANORAMA DAS PESQUISAS
PUBLICADAS EM PERIÓDICOS NACIONAIS
Vanessa Minuzzi Bidinoto
Orientadora: Maria Guiomar Carneiro Tommasiello
Universidade Metodista de Piracicaba. Programa de Pós-Graduação em Educação/SP
Agência de Fomento: CAPES
Eixo Temático: 2 - Pesquisa e Práticas Educacionais
Categoria do Trabalho: Pôster
1. Introdução
A evolução biológica, de Darwin, que é uma teoria cientificamente estabelecida,
tem como princípio fundamental que há um ancestral comum para os organismos
vivos, não sendo, no entanto, uma teoria sobre a origem da vida.
A ideia de
eventualidade, do acaso, é uma das suas principais inovações.
Apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN+ do Ensino Médio
(BRASIL, 2000) considerarem a Origem e Evolução da Vida um dos seis temas
estruturadores no ensino de Biologia, pesquisadores (TIDON e LEWONTIN, 2004)
relatam que os professores de biologia, em geral, admitem algum tipo de dificuldade
com o ensino dessa teoria, dedicando pouco tempo do curso a esse assunto.
Em função de entrar em choque com crenças religiosas, embates entre o
criacionismo/design inteligente e o evolucionismo, o ensino dos conceitos evolutivos
ainda desafia os professores de Biologia. Além de que para muitos, a teoria de Darwin
continua a ser uma teoria, ou seja, na acepção popular da palavra quer dizer algo
ainda não provado, portanto não merecedora de destaque.
Um dos trabalhos sobre a temática no ensino de Biologia no Brasil foi realizado
por Nélio Bizzo, em sua tese de doutorado de 1991, denominada ”Ensino de evolução
e história do Darwinismo” (BIZZO, 1991). Os resultados mostravam, nessa data, um
pequeno entendimento por parte dos alunos das teorias biológicas, sendo o significado
da Evolução ligado primordialmente ao Homem e entendido como progresso,
crescimento, multiplicação e melhoramento. Adaptação era vista como um processo
individual, que ocorre durante o transcorrer da vida do organismo.
Mais recentemente, Bizzo et al. (2013) em pesquisa com 2.365 jovens brasileiros
constataram, entre outros resultados, que somente 50% dos 1237 católicos
entrevistados, 39% dos 679 evangélicos e 51,4% dos 177 sem religião concordaram
com a afirmação de que o ser humano se originou da mesma forma como as demais
espécies biológicas. Os autores consideram um bom resultado, pois esperavam obter
ainda um número maior de alunos discordando da afirmação.
Roma (2011), ao pesquisar livros didáticos, conclui que os livros atuais de Biologia
não abordam a teoria da evolução e a evolução biológica como eixo organizador dos
conteúdos biológicos, sendo as teorias evolutivas trabalhadas de forma separada da
evolução biológica. A evolução biológica aparece nos capítulos finais do último volume
da coleção de livros do ensino fundamental, dando a entender que se pode estudar
Biologia sem o conhecimento dessa teoria.
Ao entrevistar dez professores de Biologia, Teixeira (2012) constata que estes
aceitam a evolução biológica, mas negam o acaso como um fator importante do
processo. Apesar do criacionismo não ter tradição no Brasil, esse movimento ganha
espaço especialmente no meio acadêmico (OLIVEIRA, 2009).
Neste contexto, o presente estudo teve por objetivo elaborar um panorama das
pesquisas em Ensino de Biologia, sobre a Teoria da Evolução de Darwin, nos
periódicos mais conceituados da área de Educação em Ciências, destacando-se quais
são os aspectos que têm sido mais abordados e os seus resultados.
2. Procedimentos Metodológicos
Buscando realizar um panorama das pesquisas em ensino de Biologia, partindo
da teoria da evolução de Darwin, foram utilizados procedimentos que geralmente são
empregados em pesquisas do tipo “estado da arte”, (SALES et al, 2011). Estes
buscam mapear, integrando obras dispersas, e discutir a produção acadêmica de uma
determinada área do conhecimento, analisando suas características e tendências
(TEIXEIRA; SILVA; ANJOS, 2009).
Utilizando-se dessa perspectiva, foi realizado um levantamento de artigos
publicados nas principais revistas brasileiras científicas, referentes às pesquisas
relacionadas ao tema evolução biológica no Ensino Médio e Superior, no período que
abrangeu desde a fundação do periódico até o último número online.
Foram escolhidos periódicos nacionais sobre Ensino de Ciências, Biologia e
Educação
que
tivessem
boa
qualificação
no
Qualis
da
CAPES
(http://qualis.capes.gov.br/webqualis/) na área de Ensino de Ciências, Biologia e
Educação. Os artigos de sete periódicos selecionados foram analisados a partir dos
textos completos.
Após a amostra selecionada, realizou-se a leitura na integra do texto e para cada
um deles foi elaborada uma ficha de leitura com os seguintes indicadores: principais
focos temáticos/resultados, distribuição geográfica do local de realização do trabalho,
instituições às quais os autores dos trabalhos estão vinculados e nível escolar no qual
as pesquisas foram realizadas.
3. Resultados
No levantamento feito nas 7 revistas, desde a sua fundação, obtivemos um
total de 1.679 artigos publicados, sendo que 35 artigos estão relacionados com a
Teoria de Evolução de Darwin, correspondendo a 2,0 % do total de publicações. A
Tabela 1 mostra os períodos pesquisados, o total de publicações e os artigos de
interesse em números inteiros e em porcentagem.
Tabela 1: Dados das revistas pesquisadas e quantidade de publicações relacionadas
ao Ensino da Teoria da Evolução:
Revista
Período
Pesquisado
Total de
Publicações
Publicações sobre
o Ensino da Teoria
de Evolução de
Darwin e
criacionismo
Quantidade
% do total
Ciência & Educação
1998 a 2011
384
5
1,3
Investigações em Ensino
de Ciências
1996 a 2013
320
15
4,7
Revista Ensaio
1999 a 2014
313
0
0
RBPEC
2001 a 2013
274
2
0,7
Educação Pública
1996 a 2014
258
2
0,8
Ciência & Ensino
1996 a 2008
79
0
0
SBEnBIO
2012 a 2014
51
11
21,6
Total
-
1679
35
2,0
Para a análise das temáticas abordadas pelos autores, cumprimos os passos
descritos por Bardin (1977) para a Análise de Conteúdo (pré-análise, exploração do
material e tratamento dos resultados). As categorias foram definidas a priori, a partir
das estabelecidas por Strieder e Kawamura (2009), em uma pesquisa sobre as
abordagens CTS em trabalhos apresentados em Encontros Nacionais de Educação
em Ciências, que são: pesquisas e revisões teóricas; análise de propostas elaboradas
e/ou implementadas em sala de aula; levantamento e análises de concepções;
análises de materiais didáticos.
Tabela 2: Categorização dos artigos
Categoria
Nº de Artigos
% do Total
pesquisas e revisões teóricas
13
37,1
análises de propostas elaboradas e/ou
implementadas em sala de aula
9
levantamentos e análises de
concepções
8
análises de materiais didáticos
5
14,3
total
35
100
25,7
22,9
Quanto à categoria “Levantamento e análises de concepções”, dos oito trabalhos
identificados, quatro abordam a relação ciência X religião. Os resultados, retirados dos
respectivos resumos dos trabalhos, apontam que: a) Os alunos do ensino médio
desenvolvem
modelos pessoais
para
explicar
ideias
científicas à
luz dos
conhecimentos religiosos. (SEPULVEDA e EL-HANI, 2004); b) Ao terminarem o
Ensino Médio, os alunos tendem a acreditar em um tipo de evolucionismo com
preceitos ligados à religião, em que um designer consciente foi e é responsável por
toda a diversidade biológica, desde a criação dos primeiros seres até o aparecimento
das espécies que hoje são encontradas. (COSTA et al., 2011); c) os estudantes
aceitam os tópicos da evolução biológica e os registros fósseis como provas da
existência de espécies que viveram no passado, a ancestralidade comum e a seleção
natural. Mas discordam sobre a origem e a evolução da Terra e do ser humano
(OLIVEIRA e BIZZO, 2011); d) Aceitam tópicos de evolução biológica que sustentam
tal teoria; porém, demonstram sentimentos de rejeição quanto às teorias sobre a
origem da Terra e do ser humano (OLIVEIRA et al., 2012).
Em síntese, os alunos não concordam que o homem é resultado de uma
evolução biológica ou quando concordam, atribuem a um direcionamento dado por um
designer inteligente, rejeitando, portanto, o acaso. De acordo com Meyer e El-Hani
(2013, p.216) não aceitar a teoria da evolução tem um alcance para além da Biologia,
uma vez que implica aceitar que há erros fundamentais na forma como fazemos
ciência.
A partir dessas pesquisas e de outras, esses resultados já são esperados, pois
se professores afirmam que têm dificuldades em ensinar esse tema; se eles próprios
rejeitam o acaso; dedicam pouco tempo de trabalho ao tema, evitando confrontos com
as crenças dos alunos; se livros didáticos não abordam ou quando abordam é de
forma insuficiente; se o número de evangélicos – que em geral apresentam maior
resistência à teoria da evolução- vem aumentado a cada ano, o que poderíamos obter
como resposta se não a rejeição da teoria de Darwin?
Nesse sentido, concordamos com Sepúlveda e El-Hani (2004) que é
indispensável pensar em como contribuir para que os professores e alunos
administrem melhor o diálogo entre a educação científica e as crenças pessoais.
Assim seria preciso novas estratégias pedagógicas, segundo os autores, de forma que
os docentes e discentes pudessem lidar com os discursos conflitantes.
Com relação à natureza das instituições às quais os autores estão vinculados,
nota-se que a maior parte destas é pública, correspondendo a 21 instituições públicas
contra 3 instituições privadas, dos artigos publicados (TABELA 3). Confirmando o
papel das instituições públicas de ensino superior no desenvolvimento da pesquisa
científica e tecnológica no país. E com relação às instituições estrangeiras,
apareceram 8 instituições estrangeiras nos artigos analisados.
Tabela 3: Distribuição dos artigos de acordo com instituição de publicação.
Instituições
Nº de Artigos
% do Total
Públicas
20
57,1
Privadas
3
8,6
Estrangeiras
8
22,9
Todas
35
100
Conforme a Tabela 4, as instituições de ensino que mais produziram trabalhos
são da região nordeste, sendo duas universidades públicas- Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)-, seguida da
região sudeste com a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal
Fluminense (UFF) e Universidade de Campinas (UNICAMP).
Tabela 4: Distribuição dos artigos por instituição
Instituições
Nº de Artigos
% do Total
UFBA
6
17,1
UEFS
6
17,1
USP
5
14,3
UFF
3
8,6
UNICAMP
3
8,6
TODAS
35
100
Na análise da distribuição geográfica dos artigos, verificou-se a presença de
autores de apenas 13 estados do Brasil, sendo que a região Sudeste concentra a
maior parte das publicações (21 instituições), seguida pelas regiões Nordeste (18
instituições) Sul (06 instituições) Centro- oeste (3 instituições) e Norte (01) e
estrangeiras (08). Como cada trabalho tem, em geral, mais de um autor, a soma do
número de autores (57) é maior que o número de trabalhos (35). (TABELA 5).
Um dos fatores que contribui para essa concentração de artigos da região
Sudeste é que a maior parte dos programas de pós-graduação em ensino de Ciências
se concentra nessa região.
Tabela 5: Regiões do Brasil a que pertencem os autores que mais publicaram
sobre a temática
Instituições
Autores
Sul
6
Sudeste
21
Centro-Oeste
3
Norte
1
Nordeste
18
Estrangeiras
8
4. Considerações Finais
No Brasil, conforme identificamos nesta análise, a pequena produção de artigos
sobre o Ensino da Teoria da Evolução de Darwin revela que há poucos pesquisadores
se envolvendo com a temática. Esse resultado corrobora o encontrado por Sales et al.
(2011) em um trabalho sobre as tendências das pesquisas em Ensino de Biologia,
realizada por meio da análise dos 243 artigos publicados de 2006 a 2010 em cinco
periódicos científicos nacionais da área de Ciências Ensino de Ciências e Matemática.
Segundo os autores, a maior parte dos trabalhos (125 artigos) aborda o ensino de
Biologia de forma genérica, 27 envolvem outras áreas das ciências, como Geologia,
Física e Química, 22 tratam de Educação Ambiental, 13 de Genética e Biologia
Molecular; 11 de Educação e Saúde e somente 10 de evolução. Os outros 48 artigos
tratam de outras áreas específicas da Biologia.
Além de poucos pesquisadores, estes se encontram concentrados em
determinadas regiões e universidades do país: em universidades públicas, das regiões
Sudeste e Nordeste do país e, principalmente, em universidades paulistas (USP e
UNICAMP) e em universidades baianas (UFBA e UEFS).
Também se constata que há uma concentração de investigações em Ensino
sobre Evolução realizadas por meio de pesquisa bibliográfica, seguidas de trabalhos
sobre atividades didática, realizadas no Ensino Médio e Superior.
Por outro lado, os resultados das investigações sobre concepções de evolução
apontam que tanto professores do ensino médio como alunos têm visões criacionistas,
uma vez que adotam a perspectiva de que as características dos seres vivos, em
especial, o homem, não podem ser explicadas somente com base nos processos
naturais, base do estudo da biologia evolutiva. (MEYER e El-HANI, 2013).
Os resultados encontrados justificariam, a nosso ver, uma maior atenção dos
pesquisadores com o assunto, dada a sua importância para a biologia contemporânea.
Essa baixa dedicação ao tema pode ser devido ao fato de que as proposições
criacionistas já foram e são rebatidas no âmbito da ciência, mas não dá para ignorar
as concepções criacionistas uma vez, que, segundo Meyer e El-Hani (2013), a retórica
persiste. Os autores, no entanto, questionam a validade dos “debates” entre
criacionistas e evolucionistas considerando que não há embates de ideias, uma vez
que são proposições antagônicas, visões de mundo diferenciadas, não tendo o
criacionismo nenhuma evidência científica. Além do mais os debates podem dar uma
chancela de “autoridade’ aos criacionistas, uma legitimidade científica que eles não
têm. Por outro lado, os debates podem instrumentalizar professores a contrapor teses
criacionistas.
Concordamos com os autores que o criacionismo deveria ser trabalhado num
contexto mais amplo, não só pela Biologia, mas também pelas outras ciências, numa
perspectiva interdisciplinar. Também, segundo os autores, deveria ser feita uma
distinção clara entre o ensino de ciências e o de religião.
Em vez de ignoramos o criacionismo, segundo Meyer e El-Hani (2013), para
rebatê-lo é preciso compreendê-lo melhor, entender o modo de pensar criacionista, o
que pode ser feito por meio de pesquisas que investiguem a sua origem, impactos na
formação dos alunos, e seu alcance do ponto de vista de políticas de educação.
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