Relatório Econômico Mensal Janeiro / 2016 Nem gregos, nem troianos Sumário Executivo • Substituindo Joaquim Levy, o ministro Nelson Barbosa gastou seus primeiros dias à frente do ministério da Fazenda com um discurso de continuidade do processo de ajuste fiscal. Se a política não mudará, qual seria a justificativa para a substituição? A explicação oficial aponta para o desgaste político do ex-ministro Levy, o que dificultava o avanço das medidas fiscais no Congresso Nacional. • Embora seja inegável que a capacidade do ministro Levy de amealhar apoios junto aos congressistas vinha diminuindo ao longo de seu mandato, é ainda mais verdade que a principal perda de sustentação do agora ex-ministro se deu exatamente dentro do próprio governo e seus principais grupos de suporte, seja no âmbito do Congresso ou fora dele. • Dois fatores, porém, podem limitar ou adiar esse movimento: a) uma queda mais acentuada dos preços internacionais do petróleo e seus derivados, gerada sobretudo por uma elevação adicional dos estoques globais já bastante elevados e por temperaturas mais amenas no hemisfério norte e b) retomada dos temores quanto à capacidade da China de manter seu processo de desaceleração de forma controlada. Embora a inflação corrente ainda bastante elevada e a contínua deterioração das expectativas justifiquem um novo aperto pelo Copom, essas potenciais pressões desinflacionarias oriundas do exterior, juntamente com as pressões políticas em sentido contrário, podem levar a autoridade monetária a redesenhar seu plano de voo, que parecia bastante claro até recentemente. Cenário Nacional • Prova disso foram as recentes manifestações de lideranças de partidos que compõem a chamada “base aliada” no Congresso, bem como de dirigentes sindicais e de alguns movimentos sociais, todos cobrando mudanças na rota da política econômica, em especial no afrouxamento do ajuste fiscal e na retomada de medidas de estímulo à atividade econômica. Depois de enfrentar um penoso processo de enfraquecimento ao longo dos últimos meses e pouco antes de completar um ano à frente do cargo, Joaquim Levy deixou o Ministério da Fazenda como uma espécie de pregador no deserto. Sua luta por um ajuste mais profundo das contas públicas mostrou-se inglória e infrutífera. Apesar de seus esforços, 2015 se encerrou com um déficit primário das contas públicas de cerca de 2% PIB, incluindo o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais” dos anos anteriores. • Embora ninguém em sã consciência possa ser contra a retomada do crescimento, é importante lembrar, contudo, que um conjunto básico de condições precisa estar presente para que esse desejo generalizado se transforme em realidade. Infelizmente, porém, várias dessas condições mínimas não estão hoje disponíveis. Seu substituto, o até então ministro do Planejamento Nelson Barbosa, gastou seus primeiros dias à frente do ministério da Fazenda com um discurso de continuidade do processo de ajuste fiscal, sinalizando, inclusive, a apresentação de uma necessária e cada vez mais urgente proposta de reforma da previdência. 110 100 90 80 Consumidor 70 Indústria 60 Serviços Fonte: FGV. 09/15 05/15 01/15 09/14 05/14 01/14 09/13 05/13 01/13 09/12 05/12 01/12 09/11 05/11 50 01/11 • Em meio a esse quadro, o Copom deve iniciar já neste primeiro mês de 2016 um novo ciclo de elevação da taxa Selic, que deverá levá-la ao patamar de 16% até meados do ano. A inércia derivada de uma inflação de quase 11% no ano anterior, a deterioração das expectativas inflacionárias de curto e médio prazo e as pressões oriundas de uma taxa de câmbio bastante depreciada são alguns dos fatores que justificam esse novo ciclo de aperto monetário, a despeito da enorme queda da atividade observada no ano passado assim como da igualmente relevante contração esperada para o ano que se inicia. Gráfico 1: Brasil – Índices de Confiança (2010 = 100) 09/10 • Apanhado entre o fogo cruzado daqueles que defendem a necessidade de aprofundar as medidas de ajuste e dos que demandam uma mudança brusca no mix atual da política econômica, o recém empossado ministro da Fazenda deve considerar seriamente o risco de acabar desagradando gregos e troianos. Embora seja inegável que a capacidade do ministro Levy de amealhar apoios junto aos congressistas vinha diminuindo ao longo de seu mandato, é ainda mais verdade que a principal perda de sustentação do agora ex-ministro se deu exatamente dentro do próprio governo e seus principais grupos de suporte, seja no âmbito do Congresso ou fora dele. 05/10 • A falta de um diagnóstico acurado sobre as reais origens da crise atual e, diante disso, de convicção quanto à necessidade de promover os necessários ajustes, além da própria fragilidade política da presidente, tornam a reversão do quadro atual, de enorme incerteza e, consequentemente, de virtual paralisação do investimento e do consumo, uma hipótese cada vez menos provável. Inevitável, surge a seguinte pergunta: se a política econômica não mudará, qual seria a justificativa para a troca de Levy por Barbosa? A explicação oficial aponta para o gradual, mas constante desgaste político do ex-ministro Levy, o que dificultava o avanço das medidas fiscais no Congresso Nacional. Adicionalmente, ouviam-se próceres do governo de que o discurso do agora ex-ministro era monotemático em torno do ajuste e não oferecia “perspectivas de um futuro melhor” para os agentes econômicos. 01/10 • A rápida e expressiva deterioração do quadro fiscal, a perspectiva de novas elevações da carga tributária e a enorme incerteza quanto ao futuro do emprego, entre outros fatores, têm dilapidado inapelavelmente a confiança dos agentes econômicos, sejam eles consumidores ou empresários, sem que haja qualquer vislumbre real de melhora significativa dessa trajetória. Elaboração: Porto Seguro Investimentos Janeiro / 2016 Relatório Econômico Mensal a) falta de diagnóstico adequado: ao apontar para a economia internacional como origem dos nossos atuais problemas, o governo não apenas ignora os equívocos domésticos cometidos nos últimos anos como a própria realidade global, que não apresenta a mesma piora exibida nos indicadores internos; Gráfico 2: PIB (variação %) 6 4 2 0 Fontes: IBGE, FMI. / Elaboração: Porto Seguro Investimentos 2015 * 2014 2013 2012 2011 2010 2009 Emergentes 2008 2007 2006 2005 Mundo 2004 2003 2002 2001 2000 Brasil 70 73 76 78 2011 2012 2013 2014 59 2008 67 57 2007 2010 53 2006 64 48 2005 2009 44 Elaboração: Porto Seguro Investimentos Como vários desses benefícios são ligados direta ou indiretamente ao valor do salário mínimo, que no mesmo período teve uma valorização média anual de 5,1% acima da inflação, tem-se uma alta anual dessas despesas de cerca de 12%. No mesmo período, o crescimento do PIB foi de cerca de 3,5% ao ano. Logo, o crescimento real (além do PIB) é pouco mais de 8% ao ano! Sem qualquer avaliação de mérito de cada uma dessas transferências, fica claro que essa progressão é absolutamente insustentável no tempo. Nesse caso, algumas opções se apresentam para corrigir a rota: a) elevação adicional da carga tributária para fazer frente a gastos maiores, b) elevação da dívida pública (como resultante de déficits crescentes). Essas têm sido as “soluções” adotadas recentemente. Desnecessário dizer que nenhuma delas é adequada. *projeção b) falta de convicção: se o diagnóstico é equivocado, as possíveis soluções tampouco podem ser adequadas, no que diz respeito ao como, onde e quando agir; c) fragilidade política da presidente: mesmo que “a” e “b” acima fossem repentinamente superados, a necessidade de obter um grande arco de apoios, envolvendo não apenas o Congresso, mas também de uma ampla parcela da sociedade para aprovar as medidas necessárias -- várias delas exigindo alterações constitucionais, mostra-se um objetivo, senão inalcançável, pelo menos muito difícil de ser obtido diante das atuais circunstâncias políticas; d) falta de consenso social: embora as consequências econômicas já comecem a ser sentidas por uma parcela cada vez maior da população, seja através do crescente desemprego ou da inflação elevada, há pouca consciência coletiva da necessidade de se ajustar a estrutura de gastos públicos. Cada beneficiário de pagamento, financiamento ou subsídio público se imagina como legítimo recipiente de tal transferência e, sendo assim, isento de contribuir para a redução do gasto público. Apanhado entre o fogo cruzado daqueles que defendem a necessidade de aprofundar as medidas de ajuste e dos que demandam uma mudança brusca no mix atual da política econômica, o recém empossado ministro da Fazenda deve considerar seriamente o risco de acabar desagradando gregos e troianos. Gráfico 4: Brasil – Expectativas IPCA (%) 7,5 7,0 6,5 6,0 5,5 5,0 4,5 4,0 2016 2017 02/01/2015 19/01/2015 03/02/2015 20/02/2015 09/03/2015 24/03/2015 09/04/2015 27/04/2015 13/05/2015 28/05/2015 15/06/2015 30/06/2015 15/07/2015 30/07/2015 14/08/2015 31/08/2015 16/09/2015 01/10/2015 19/10/2015 04/11/2015 19/11/2015 04/12/2015 21/12/2015 8 -4 Fontes: MPS, STN. A redução (permanente e não apenas temporária) do gasto, por outro lado, parece distante, especialmente num ano eleitoral. Diante das atuais circunstâncias, mesmo que teoricamente restrito à esfera municipal, o pleito de outubro deve adquirir um caráter mais amplo, ao menos nas grandes cidades, ultrapassando questões meramente locais. Em sendo assim, propostas que se mostrem economicamente necessárias, mas em alguns casos inevitavelmente desgastantes do ponto de vista político-eleitoral terão escassas chances de progredir. 10 -2 2004 A rápida e expressiva deterioração do quadro fiscal alimenta uma perspectiva cada vez mais inexorável de novas elevações da carga tributária, o que reduziria ainda mais a renda disponível de indivíduos e empresas, com consequências óbvias sobre o consumo e o investimento. Adicionalmente, a enorme incerteza quanto ao futuro do emprego também ajuda a dilapidar inapelavelmente a confiança dos agentes econômicos, sem que haja qualquer vislumbre real de melhora significativa dessa trajetória. Esse ceticismo quanto a uma reversão do quadro atual se baseia em alguns pilares, a saber: Gráfico 3: Brasil – Programas federais de transferência de renda (MM de beneficiários) 39 Outra “demanda” recorrente de boa parte das forças políticas que apoiam a presidente Dilma é a retomada de medidas de estímulo à atividade econômica. Embora ninguém em sã consciência possa ser contra a retomada do crescimento, é importante lembrar que ela não se dá por combustão espontânea ou por obra meramente da fortuna. É preciso, fundamentalmente, que um conjunto básico de condições esteja presente para que esse desejo generalizado se transforme em realidade. Infelizmente, porém, várias dessas condições mínimas não estão hoje disponíveis. Somando-se diversos programas federais de transferência de renda (seguro desemprego, abono salarial, LOAS/RMV, previdência social, bolsa família e servidores inativos), o número de beneficiários passou de 39 milhões em 2003 para 78,3 milhões em 2014, com um crescimento médio anual de 6,6%. 2003 Prova disso foram as recentes manifestações de lideranças de partidos que compõem a chamada “base aliada” no Congresso, bem como de dirigentes sindicais e de alguns movimentos sociais, todos cobrando mudanças de rota na orientação da política econômica, com particular destaque para o afrouxamento do ajuste fiscal. Sintomáticas dessa postura foram as críticas feitas à já mencionada proposição pelo ministro Barbosa de uma suposta reforma da previdência. Assim, ao tentar convencer os mercados de sua preocupação com a saúde das finanças públicas no longo prazo, o novo titular da Fazenda já começa a enfrentar as mesmas dificuldades de seu antecessor. Fonte: BCB. Elaboração: Porto Seguro Investimentos 2 Janeiro / 2016 Relatório Econômico Mensal É em meio a esse quadro que o Copom deve iniciar já neste primeiro mês de 2016 um novo ciclo de elevação da taxa Selic, alçando-a ao redor de 16% até meados do ano. A inércia derivada de uma inflação de quase 11% no ano anterior, a deterioração das expectativas inflacionárias de curto e médio prazo e as pressões oriundas de uma taxa de câmbio bastante depreciada são alguns dos fatores que justificam esse novo ciclo de aperto monetário, a despeito da enorme queda da atividade observada no ano passado assim como da igualmente relevante contração esperada para o ano que se inicia. De um lado, a pressão baixista sobre os preços das commodities gerada pela combinação de uma grande oferta desses bens, com destaque para o petróleo e os produtos metálicos, e uma menor demanda proveniente das economias emergentes. De outro lado, as dúvidas quanto à capacidade das autoridades chinesas em manter o controle do processo de desaceleração de sua economia, evitando um colapso do crescimento, também continuam presentes, o que representa uma outra ameaça de desinflação global (neste caso, sobretudo através de produtos manufaturados). Dois fatores, entretanto, podem limitar ou adiar esse movimento: a) uma queda mais acentuada dos preços internacionais do petróleo e seus derivados, gerada sobretudo por uma elevação adicional dos estoques globais já bastante elevados e por temperaturas mais amenas no hemisfério norte neste primeiro trimestre e b) retomada dos temores quanto à capacidade da China de manter seu processo de desaceleração de forma controlada. Embora a inflação corrente ainda bastante elevada e a contínua deterioração das expectativas justifiquem um novo aperto pelo Copom, essas potenciais pressões desinflacionarias vindas do exterior, juntamente com as pressões políticas em sentido contrário, podem levar a autoridade monetária a redesenhar seu plano de voo, que parecia bastante claro até recentemente. Na hipótese de um ou mesmo dos dois riscos se materializarem, o cenário de alta da inflação nos EUA que justificasse a continuidade do ciclo de alta dos juros não se sustentaria, limitando o escopo e a velocidade de alta dos juros ou mesmo interrompendo prematuramente esse processo. Embora não consideremos essas hipóteses como as mais prováveis, é inegável reconhecer que as incertezas que rondaram a economia internacional ao longo de todo o ano passado permanecem bastante presentes neste início de 2016. Cenário Internacional Como largamente esperado, o Banco Central norte americano (Fed) deu início em dezembro último ao processo de normalização das condições monetárias, depois de exatos sete anos de juro zero. As primeiras reações dos mercados locais e internacionais foram bastante positivas, não produzindo maiores instabilidades. Quadro de Projeções: Indicadores 2013 2014 2015 2016 (p) 2017 (p) var. acum. % PIB var. acum. % IPCA R$/US$, dez Câmbio %, dez Selic (p): projeções 2,3 5,9 2,34 10,00 0,2 6,4 2,66 11,75 -3,8 (p) 10,7 3,90 14,25 -3,0 7,0 4,10 15,50 0,0 6,0 4,25 13,00 Essa reação é um dos fatores que devem justificar a continuidade do ciclo gradual de elevação dos juros nos EUA, com mais três ou quatro altas de 0,25 pp/cada ao longo deste ano. Além disso, a manutenção do processo de redução do desemprego e a continuidade da expansão do consumo doméstico sustentariam esse plano de voo. Há, porém, alguns fatores, sobretudo de origem externa, que podem justificar uma postura mais cautelosa por parte do Fed. Gráfico 5: Produção Industrial (12 meses, MM 3M) 9% 6% Emergentes Desenvolvidos 7% 4% 2% 5% Fonte: World Trade Monitor. 09/15 05/15 01/15 09/14 05/14 01/14 09/13 05/13 01/13 09/12 05/12 01/12 09/11 05/11 01/11 3% 0% -2% Elaboração: Porto Seguro Investimentos Considerações Legais: A Porto Seguro Investimentos é responsável pela elaboração desse material, mas não se responsabiliza por quaisquer atos e/ou decisões tomadas com base nas informações disponibilizadas por meio de suas publicações e projeções. Todos os dados e/ou ou opiniões aqui presentes não devem ser tomados, em nenhuma hipótese, como base, balizamento, guia ou norma para qualquer documento, avaliações, julgamentos ou tomadas de decisões, sejam de natureza formal ou informal. 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