SCHERRE, M. M. P. & NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In Ruffino, Giovanni (org.) Dialettologia, geolinguistica, sociolinguistica.(Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza) Centro di Studi Filologici e Linguistici Siciliani, Universitá di Palermo. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 5:509523, 1998. SOBRE A CONCORDÂNCIA DE NÚMERO NO PORTUGUÊS FALADO DO BRASIL Maria Marta Pereira Scherre (UFRJ/UnB) e Anthony Julius Naro (UFRJ) 1. INTRODUÇÃO Diferentemente do português de Portugal, o português vernacular do Brasil apresenta variação sistemática nos processos de concordância de número, exibindo variantes explícitas e variantes zero (0) de plural em elementos verbais e nominais, conforme ilustramos abaixo. 1) CONCORDÂNCIA VERBO /SUJEITO ... eles GANHAM demais da conta (variante explícita); ... eles GANHA0 demais (variante zero). 2) CONCORDÂNCIA ENTRE OS ELEMENTOS DO SINTAGMA NOMINAL - oS freguesES; aS boaS aç ÕES; essaS coisaS todaS (variantes explícitas); - essaS estradaS nova0; do0 meuS paiS (variantes explícitas e variantes zero); - aS codorna0; a S porta0 aberta0 (variantes explícitas e variantes zero). 3)CONCORDÂNCIA NOS PREDICATIVOS E PARTICÍPIOS PASSIVOS ... as coisas tão muito CARAS, né? ... (variante explícita); ... que as coisa0 tá0 CARA0, num dá mesmo ... (variante zero); ... os meus filhos foram AMAMENTADOS ... (variante explícita); ... os meus filhos foram ALFABETIZADO0 ... (variante zero). A variação apresentada acima configura-se como um caso de variação inerente (cf. Labov, 1975a, p.183-259), e tem sido amplamente documentada por estudiosos diversos (cf., por exemplo, Lemle & Naro, 1977; Braga & Scherre, 1976; Naro, 1981; Guy, 1981; Scherre, 1988;1994). Portanto, constitui nosso principal objetivo neste trabalho mostrar claramente que os processos variáveis de concordância de número do português vernacular do Brasil 2 evidenciam um sistema perfeito, correlacionado a variáveis lingüísticas e sociais. Na análise propriamente dita, vamos discutir, em primeiro lugar, resultados da concordância de número nos fenômenos supracitados, focalizando duas variáveis lingüísticas importantes para o entendimento da variação: saliência fônica e posição, com dados de todos os falantes de nossa amostra e, também, com os dados subdividos em termos dos anos de escolarização dos falantes. Em segundo lugar, vamos focalizar a influência de três variáveis sociais convencionais: anos de escolarização, sexo e faixa etária. E, em terceiro, vamos apresentar algumas considerações sobre a variação da concordância de número na escrita padrão. 2. FONTE DOS DADOS ANALISADOS As construções que analisamos foram extraídas do banco de dados do Corpus Censo do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL), grupo de pesquisa sediado no Departamento de Lingüística e Filologia da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este banco de dados é constituído por 64 gravações de 60 minutos cada com 64 falantes, estratificados em função dos anos de escolarização (1 a 4 anos, 5 a 8; 9 a 11), da faixa etária (7/14 anos; 15/26; 26/49 e acima de 49), e do sexo (feminino e masculino) (cf. Silva & Scherre, no prelo). Extraímos da amostra todos os dados relativos aos três fenômenos analisados, passíveis de variação não prevista pela tradição gramatical brasileira. A análise que vamos apresentar envolve um total de 4632 construções de concordância verbal, 13100 de concordância nos elementos dos sintagma nominais (aproximadamente 7000 sintagmas nominais) e 759 construções de concordância nos predicativos e particípios passivos. 3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA ANÁLISE A análise foi feita com base nos princípios teóricos da teoria da variação (cf. Cedergren & Sankoff, 1974; Labov, 1975a;1975b; Sankoff, 1988a). Para o tratamento quantitativo dos dados, usamos um conjunto de programas computacionais apropriados (Sankoff, 1988b; Pintzuk, 1988), que fornecem, 3 como produto final, pesos relativos associados aos diversos fatores dos grupos de fatores ou variáveis independentes consideradas, bem como a seleção destes grupos em função de sua relevância para a variação do fenômeno analisado. Os pesos relativos atribuídos indicam o efeito que cada um dos fatores tem sobre as variantes do fenômeno lingüístico analisado (a variável dependente), no caso em questão sobre a variante explícita de plural. 4. ANÁLISE DA SALIÊNCIA FÔNICA 4.1 CONCORDÂNCIA NO SINTAGMA VERBAL Estudos anteriores, com amostras de fala de falantes analfabetos, têm evidenciado que o aumento da saliência do material fônico na oposição singular/plural dos verbos analisados aumenta as chances concordância verbal (cf., Naro & Lemle, 1976; Lemle & Naro, 1977; Naro, 1981;), ou seja, aumenta as chances da variante explícita de plural. Segundo Naro (1981, p.73-78), a hierarquia da saliência deve ser estabelecida em função de dois critérios: (1) presença ou ausência de acento na desinência e (2) quantidade de material fônico que diferencia a forma singular da forma do plural. Tendo em vista o primeiro critério, estabelecem-se dois níveis de saliência e, dentro de cada nível, distinguem-se três categorias que refletem a diferenciação material fônica da relação singular/plural, resultando uma escala de seis níveis. Apresentamos a seguir uma síntese dos seis níveis da escala da saliência assim proposta com seus respectivos exemplos. Nível 1 (oposição não acentuada): "contém os pares nos quais os segmentos fonéticos que estabelecem a oposição são NÃO ACENTUADOS em ambos os membros" (Naro, 1981, p.74). 1a: não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural - Eles conhece0 Roma. Conhece Paris (MOR45MC51/2470)1 - Ceys conheceM? (NAD36FG57/1119) 1b: envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural - Eles ganha0 demais po que eles fayz (CAB02MP16/ 0026) - Eles ganhaM demais da conta (CAB02MP16/0012) 1c: envolve acréscimo de segmentos na forma plural - Eles também não diz0 (LAU28FC43/2601) - Eles dizEM : "chutei tudo" (HEL34FG62/1887) Nível 2 (oposição acentuada): "o segundo nível contém aqueles pares nos quais [os segmentos fonéticos que estabelecem a oposição] são ACENTUADOS em pelo menos um membro da oposição" (Naro, 1981, p.74). 4 2a: envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural - Os filho tá0 pedindo dinhero (LEI04FP25/0055) - Eles tÃO bem intencionados (JOS35FP59/0962) 2b: envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural; inclui o par foi/foram que perde a semivogal - Aí bateu0 dois senhores na porta (NIL12FP45/0646) - (eles) bateRU sete chapa da cabeça dele (LEI04FP25/0084) 2c: envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na forma plural: mudanças vocálicas na desinência, mudanças na raiz, e até mudanças completas. - Aí, veio0 aqueles cara correno atrás de (ALE55MG13/0555) - vIERAM os ladrões, quatro, hum? (ARI30FG43/1665) - Agora, os vizinho daqui é0 ótimo (EDP13MP62/0758) - Mesmo aqueles que SÃO sinceros (EDB07MP41/0334) Na tabela 1 apresentamos os resultados obtidos com base nos dados de nossa amostra, comparando-os aos resultados obtidos por Naro (1981). Tabela 1 Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável saliência fônica na oposição singular/plural Fatores Nível 1 1a. 1b. 1c. Nível 2 2a. 2b. 2c. Total Nossos resultados Naro (1981) Freqüência Pesos Freqüência Pesos 202/463 =44% 1159/1766=66% 188/267 =70% 0,16 0,37 0,38 110/755 =15% 763/2540=30% 99/273 =36% 0,11 0,26 0,35 585/718 =81% 212/260 =82% 1023/1158=88% 0,64 0,66 0,75 604/927 =65% 266/365 =73% 1160/1450=80% 0,68 0,78 0,85 3369/4632=73% 3002/6310=48 Como podemos ver na tabela 1, os resultados dos dois estudos são extremamente semelhantes: os níveis mais baixos da hierarquia da saliência favorecem a concordância menos do que os níveis mais altos. Relembramos que os resultados de Naro (1981) se referem a dados de analfabetos e que os nossos envolvem dados de falantes com 1 a 11 anos de escolarização, o que faz com que estes resultados sejam particularmente notáveis. Todavia, os resultados da análise de Naro (1981) evidenciam uma amplitude de variação maior, apresentando uma separação mais nítida entre as diversas categorias de cada um dos níveis. Sabemos que as duas análises envolvem 5 diferenças com relação a outras variáveis analisadas. Sendo assim, consideramos oportuno apresentar uma outra etapa de análise que separa os informantes em termos dos anos de escolarização: 1 a 4; 5 a 8 e 9 a 11, a fim de se procurar verificar se a nitidez da escala da saliência tem alguma relação com os níveis de escolarização dos falantes de nossa amostra. Vejamos estes resultados na tabela 2. Com base nos resultados obtidos, dois aspectos bem gerais merecem ser destacados: 1) a regularidade absoluta que se verifica no efeito da saliência fônica na sua primeira dimensão: oposição não acentuada, desfavorecendo a concordância, vs. oposição acentuada, favorecendo a concordância, independentemente dos anos de escolarização do falante; 2) a separação nítida entre a primeira categoria da oposição não acentuada (0,15; 0,18; 0,13 e 0, 11) e as outras duas categorias (0,35/0,40; 0,37/0,35; 0,39/0,36 e 0,26/0,35) para os quatros grupos de falantes. Tabela 2 Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável saliência fônica na oposição singular/plural por anos de escolarização dos falantes Nossos resultados por anos de escolarização 1-4 anos de esc5-8 anos de esc. 9-11 anos de esc. Freqüência Pesos Freqüência Pesos Freqüência Naro (1981) Pesos Freqüência Pesos N1 1a. 58/192=30% 1b. 393/725=54% 1c. 64/110=58% 0,15 0,36 0,40 77/142=54% 466/652=71% 69/ 90=77% 0,18 0,37 0,35 67/129=52% 0,13 300/389=77% 0,39 55/ 67=82% 0,36 110/ 755=15% 0,11 763/2540=30% 0,26 99/ 273=36% 0,35 N2 2a. 161/227=71% 2b. 63/ 81=78% 2c. 386/452=85% 0,64 0,68 0,80 236/290=81% 108/132=82% 402/446=90% 0,58 0,64 0,74 188/201=94% 0,77 41/ 47=87% 0,67 235/260=90% 0,67 604/ 927=65% 0,68 266/ 365=73% 0,78 1160/1450=80% 0,85 886/1093=81 3002/6310=48% 1125/1787=63% 1358/1752=78% Com relação à influência da saliência em termos escalares, podemos observar que, para a concordância verbal, a escala da saliência é mais nítida nos dados dos falantes com menos anos de escolarização: a que Naro (1981) apresenta para os falantes analfabetos. Observando os nossos resultados, verificamos que os dados dos falantes que têm de 1 a 4 anos de escolarização e de 5 a 8 apresentam também uma escala de saliência mais nítida do que os dados dos falantes de 9 a 11 anos de escolarização. Além disso, é exatamente 6 nos dados dos falantes de 1 a 4 anos de escolarização e nos dos falantes analfabetos que se verifica um distanciamento maior entre os pesos relativos associados à categoria de saliência mais baixa (0,15 e 0,11) e os associados à categoria de saliência mais alta (0,80 e 0,85), da forma proposta por Naro (1981). Portanto, é bastante razoável pressupor que a nitidez da escala da saliência na concordância verbal tem a ver com as diferenças entre os anos de escolarização dos falantes. 4.2 CONCORDÂNCIA NO SINTAGMA NOMINAL Os dados da concordância no sintagma nominal foram também categorizados em função da saliência fônica, devidamente exemplificados na primeira coluna da tabela 3. TABELA 3 Marcas explícitas de plural nos elementos do SNs em função da variável saliência fônica na oposição singular/plural FALANTES--> TODOS OS FALANTES Falantes de 1 a 4 Falantes de 5 a 8 Falantes de 9 a anos de anos de 11 anos de escolarização escolarização escolarização FATORES PLURAL DUPLO Freq. 75/85=88% 24/28=86% 34/40=85% 17/17=100% (ovo/ovos) (novo/novos) Peso 0,90 0,92 0,87 + relativo -L Freq. 97/116=84% 23/37=62% 30/32=94% 44/47=94% (igual/iguais) (casal/casais) Peso 0,87 0,82 0,95 0,90 relativo -ão Freq. 182/213=85% 34/50=68% 67/79=85% 81/84=96% (avião/aviões) (machão/machões) Peso 0,84 0,78 0,85 0,93 relativo -R Freq. 269/312=86% 91/112=81% 92/109=84% 86/91=95% (cor/cores) (maior/maiores) Peso 0,87 0,88 0,85 0,91 relativo -S Freq. 271/331=82% 105/130=81% 102/131=78% 64/70=91% (país/países) (feliz/felizes) Peso 0,82 0,88 0,76 0,81 relativo Plural regular de Freq. 393/471=83% 149/188=79% 148/179=83% 96/104=92% base oxítona (café/cafés) Peso 0,69 0,69 0,67 0,68 relativo Plural regular de Freq. 99/185=54% 17/53=32% 44/84=52% 38/48=79% base proparoxítona Peso 0,52 0,42 0,53 0,67 (médico/médicos) relativo (indígena/indígenas) Plural regular de Freq. 7873/11387=69% 2522/4202=60% 2934/4193=70% 2417/2992=81% base paroxítona (casa/casas) Peso 0,45 0,45 0,45 0,44 (verde/verdes) relativo Total de dados 9259/13100=71% 2965/4800=62% 3451/4847=71% 2843/3453=82% 7 De forma geral, todos os itens mais salientes favorecem mais a presença de marcas explícitas nos elementos nominais dos SNs. Os menos salientes, os regulares, favorecem menos a presença de marcas explícitas. Neste caso, há uma oposição nítida entre o efeito dos regulares oxítonos - favorecedores - e os regulares paroxítonos - desfavorecedores. Todavia, o efeito da saliência na concordância nominal em função dos anos de escolarização é menos evidente do que na concordância verbal. Somente os nomes em -ão nos dados dos falantes de 1 a 4 anos de escolarização, os nomes em -S nos dados dos falantes de 5 a 8 anos de escolarização e os proparoxítonos evidenciam ligeiras diferenças de comportamento. 4.3 CONCORDÂNCIA NOS PREDICATIVOS E PARTICÍPIOS PASSIVOS Tendo em vista que os dados dos predicativos e particípios passivos eram relativamente poucos para uma categorização detalhada em função dos diversos níveis da saliência fônica, optamos por apresentar a análise destes dados de forma binária: [+saliente] e [-saliente], cujos resultados estão na tabela 4 (cf. Scherre, 1991). TABELA 4 Marcas explícitas de plural nos predicativos em função da variável saliência fônica na oposição singular/plural FALANTES--> TODOS OS Falantes de 1 a 4 Falantes de 5 a 8 Falantes de 9 a 11 FALANTES anos de anos de anos de escolarização escolarização escolarização FATORES [+SALIENTE] Freq. 87/131=66% 32/49=65% 31/53=58% 24/29=83% (morto/mortos) (legal/legais) Peso 0,73 0,77 (0,60) 0,85 (pior/piores) relativo (feliz/felizes) [-SALIENTE] Freq. 307/628=49% 75/224=33% 116/225=52% 116/179=65% (grande/grandes) (doido/doidos) Peso 0,45 0,43 (0,48) 0,43 relativo Total de dados 394/759=52% 107/273=39% 147/278=53% 140/208=76% Os resultados da saliência fônica nos predicativos e particípios passivos seguem, portanto, a mesma grande linha dos demais resultados: quanto mais salientes forem as formas mais marcas explícitas de plural (os parêntesis indicam não seleção estatística da variável). 8 5. SOBRE A ANÁLISE DA VARIÁVEL POSIÇÃO Pesquisadores diversos (cf., por exemplo, Lemle & Naro, 1977; Naro, 1981) têm demonstrado que a presença do sujeito e a sua posição em relação ao verbo têm forte influência no tipo de variante nas formas verbais. Vejamos exemplos para quatro fatores desta variável focalizados neste trabalho: 1) Sujeito imediatamente anteposto: - Eles dizEM: "chutei tudo" (HEL34FG62/1887); 2) Sujeito anteposto separado do verbo por 1 a 4 sílabas: - Eles também não diz0 (LAU28FC43/2601); 3) Sujeito anteposto separado do verbo por 5 ou mais sílabas: - Essas troca de experiência vai0 crescendo (PAC20MG25/0169); 4) Sujeito posposto ao verbo: - Aí bateu0 dois senhores na porta (NIL12FP45/0646). Vejamos os resultados na tabela 5. TABELA 5 Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável presença, posição e distância do sujeito em relação ao verbo FALANTES--> TODOS OS Falantes de 1 a 4 Falantes de 5 a 8 Falantes de 9 a FALANTES anos de anos de 11 anos de escolarização escolarização escolarização FATORES Sujeito Freq. 1529/1857=82% 507/684=74% 628/716=88% 394/457=86% imediatamente anteposto ao Peso 0,62 0,63 0,65 0,60 verbo relativo Sujeito anteposto Freq. 756/1025=74% 246/402=61% 291/363=88% 219/260=84% separado do verbo por 1 a 4 sílabas Peso 0,55 0,53 0,55 0,55 relativo Sujeito Freq. 83/135=61% 25/46=54% 26/45=58% 32/44=73% anteposto separado do Peso 0,39 0,44 0,30 0,40 verbo por 5 ou relativo mais sílabas Freq. 50/194=26% 13/72=18% 22/80=27% 15/42=36% Sujeito posposto ao verbo Peso 0,08 0,07 0,07 0,06 relativo Freq. 731/1166=63% 223/452=49% 309/453=68% 199/261=76% Sujeito oculto próximo Peso 0,35 0,32 0,34 0,37 relativo Freq. 220/255=86% 111/131=85% 82/95=86% 27/29=93% Sujeito oculto distante Peso 0,63 0,71 0,54 0,72 relativo Total de dados 3369/4632=73% 1125/1787=63% 1358/1752=78% 886/1093=81% Coerentemente com os resultados de outras pesquisas, os da tabela 5 indicam que sujeito anteposto ao verbo ou imediatamente a ele mais próximo favorece a variante explícita e sujeito anteposto distante ou posposto ao verbo 9 a desfavorece. Este efeito é sempre uniforme, independendo do grau de escolarização dos falantes.2 A análise da variável posição nos dados dos sintagmas nominais seguiu a mesma linha da análise dos sintagmas verbais: verificamos se os elementos nominais não nucleares se localizavam antes ou depois do núcleo e, se nucleares, analisamos sua posição linear na cadeia sintagmática (cf. Scherre, 1988; 1994 para detalhes). Os resultados da análise podem ser vistos na tabela 6. Para os elementos nominais que não exercem a função de núcleo dos sintagmas nominais, o que importa é a sua posição em relação ao núcleo. Elementos não nucleares à esquerda do núcleo favorecem marcas explícitas; elementos não nucleares à direita do nome desfavorecem-nas. Os núcleos, por sua vez, favorecem mais marcas explicitas se ocuparem a primeira posição na cadeia sintagmática, ou seja, se estiverem linearmente mais à esquerda na construção (cf. Scherre, 1988; Naro & Scherre, 1993 e Scherre, 1994). 10 TABELA 6 Marcas explícitas de plural nos elementos do SN em função da variável relação com o núcleo do SN e da posição linear a partir da esquerda FALANTES--> TODOS OS Falantes de 1 a 4 Falantes de 5 a Falantes de 9 a FALANTES anos de 8 anos de 11 anos de escolarização escolarização escolarização FATORES Elemento nominal Freq. 4885/5005=98% 1820/1869=97% 1780/1824=98% 1285/1312=98% À ESQUERDA do núcleo na posição 1 Peso 0,88 0,89 0,87 0,83 relativ o Elemento nominal Freq. 264/ 279=95% 74/81=91% 87/93=94% 103/105=98% À ESQUERDA do núcleo na posição 2 Peso 0,84 0,83 0,85 0,90 relativ o Elemento nominal Freq. 102/ 147=69% 15/29=52% 39/56=70% 46/60=77% À DIREITA do núcleo na posição 2 Peso 0,28 0,27 0,33 0,21 relativ o Elemento nominal Freq. 170/ 479=35% 30/158=19% 60/178=34% 80/143=56% À DIREITA do núcleo na posição 3 Peso 0,15 0,14 0,18 0,13 relativ o Freq. 180/ 190=95% 34/38=89% 66/ 71=93% 77/78=99% Núcleo na POSIÇÃO 1 (MAIS À ESQUERDA) Peso 0,67 0,62 0,67 0,86 relativ o Freq. 3277/6375=51% 894/2405=37% 1277/2404=53% 1094/1554=70% Núcleo na POSIÇÃO 2 Peso 0,20 0,19 0,20 0,23 relativ o Freq. 381/625=61% 98/220=45% 142/221=64% 141/184=77% Núcleo na POSIÇÃO 3 Peso 0,27 0,23 0,32 0,31 relativ o Total de dados 9259/13100=71% 2965/4800=62% 3451/4847=71% 2826/3436=82% Portanto, a generalização mais importante que queremos focalizar neste trabalho, a partir dos resultados das tabelas 6 e 7, é que a posição à esquerda - a posição de proeminência tópica - favorece mais marcas explícitas de plural do que a posição à direita, tanto para os dados da concordância verbal quanto para os da concordância nominal, independentemente do nível de escolarização dos falantes. 6. SOBRE A INFLUÊNCIA DE VARIÁVEIS SOCIAIS Analisamos três variáveis sociais convencionais: sexo, anos de escolarização e faixa etária. As variáveis mais significativas são anos de escolarização e sexo. Como já explicitamos, nossa amostra consta de 32 11 falantes do sexo masculino e 32 dos sexo masculino com anos de escolarização assim especificados: 1 a 4; 5 a 8 e 9 a 11, o que corresponde no Brasil, atualmente, às quatro primeiras séries do primeiro grau, às quatro últimas séries do primeiro grau; e às três séries do segundo grau que antecedem o curso universitário. Os resultados destas variáveis apresentados na tabela 7 indicam que os fenômenos analisados são sensíveis a variáveis sociais, revelando as pressões que os falantes sofrem pelo fato de a variante zero ser estigmatizada pelos padrões gramaticais vigentes. TABELA 7 Marcas explícitas de plural em função de três variáveis sociais convencionais FENÔMENOS--> Concordância Concordância verbal Concordância no nos predicativos e sintagma nominal particípios passivos VARIÁVEIS SOCIAIS Anos de escolarização FATORES Freqüência P.R Freqüência P.R Freqüência P.R 1 a 4 anos 1125/1787= 63% 0,39 2965/4800=62% 0,35 5 a 8 anos 1358/1752=78% 0,56 3451/4847=71% 0,53 9 a 11 anos 886/1093= 81% 0,58 2843/3453=82% 0,66 107/273= 39% 0,39 147/278=53% 0,50 140/208=67% 0,64 Sexo Feminino Masculino 2003/2601=77% 0,54 5144/6752=76% 0,58 1366/2031= 67% 0,45 4115/6348=65% 0,41 287/482=60% 0,56 107/277=39% 0,40 Faixa etária 7/14 anos 15/25 anos 26/49 anos 50/71 anos 587/ 854=69% 862/1218=71% 1025/1283=80% 895/1277=70% 1386/2122=65% 0,45 2245/3125=72% 0,50 2894/3848=75% 0,55 2734/4005=68% 0,48 64/136=47% 67/151=44% 148/229=65% 115/243=47% Total de dados 3369/4632=73% 9259/13100=71% 394/759=52% 0,41 0,47 0,56 0,53 0,51 0,40 0,60 0,46 Apresentam mais a variante explícita as pessoas com mais anos de escolarização e as do sexo feminino. Aquelas por estarem mais expostas à correção gramatical e estas, como outras pesquisas já atestam, por “quebrarem” menos as regras sociais estabelecidas, sendo, em particular, mais sensíveis às norma de prestígio. A variável faixa etária apresenta um padrão ligeiramente curvilinear, indicando que as pessoas mais pressionadas pela idade profissionalmente produtiva usam também mais as formas de prestígio. O comportamento destas três variáveis convencionais indicam um padrão típico de variação estável (cf. Guy, 1981), mas Naro (1981) e Naro e Scherre (1993) consideram que variáveis sociais mais finas, não apresentadas aqui, 12 evidenciam fluxos diversos na comunidade de fala brasileira, revelando que há também indícios de perda e de aquisição das variantes explícitas de plural. 7. SOBRE A CONCORDÂNCIA VARIÁVEL NA ESCRITA PADRÃO Embora o foco do trabalho seja a concordância no português falado do Brasil, consideramos oportuno fazer algumas observações a respeito da variação na escrita, em particular na escrita padrão, evidenciando que a variação registrada não se restringe aos casos arrolados pelas gramáticas brasileiras (cf., por exemplo, Ribeiro, 1930; Cunha & Cintra, 1985; Faraco & Moura, 1992), mas envolve quatro grandes configurações estruturais apenas parcialmente previstas, as quais sintetizamos e exemplificamos abaixo. 1) Construções com sujeitos pospostos, independentemente de serem compostos. . Mas se a população de rua não for retirada de nada ADIANTARÃO medidas de segurança . SAIRÁ das AD's caravanas de docentes para participarem deste evento 2) Construções com sujeito simples de estrutura de estrutura complexa, independentemente de expressarem noções quantitativas, coletivas ou partitivas. . A programação das grandes emissoras REFLETE sua linha de pensamento. . A apresentação das cores em duetos OBEDECEM a uma harmonia que atende a todos os estilos de maquilagem. . Um grupo de artistas ESTAVA sábado à noite no Cine Ricamar. . Um grupo de turistas CHEGAM a uma aldeia de canibais e vão a um restaurante. 3) Construções com sujeito que expressam percentual . 70% ACHAM que o presidente conseguirá encontrar ... . 59% ACHA que o governo é a favor dos ricos. . Ela diz que 90% dos prematuros SAEM da maternidade mamando. . 64% de pesquisados RECEBE no máximo uma visita por semana. . 75% da população APÓIAM a entrada de Erundina no ministério, e... . 77% do setor privado já DÁ o reajuste de mais de 60%. 4) Construções com sujeito composto singular de estrutura complexa . O crescimento e o dinamismo da economia da Tailândia SÃO incompatíveis com a tradição de compra de votos. . A atuação da máfia do contrabando e o crescente interesse de comerciantes em descarregar mercadorias em bancas de camelô ESTÁ inflacionando o mercado do asfalto. A conclusão a que já chegamos, através da análise de um número significativo de casos, é a seguinte: a concordância verbo/sujeito é sempre 13 regida pelo(s) núcleo(s) do sujeito quando (1) o sujeito for de um só núcleo de estrutura sintagmática simples anteposto ao verbo ou (2) quando o sujeito for de dois núcleos antepostos ao verbo com pelo menos um de seus núcleos no plural. Nos demais casos, outros elementos podem entrar em jogo para assumir o controle da concordância (cf. Scherre, Almeida & Azevedo, no prelo; Saraiva & Bittencourt, 1990). Por exemplo, em casos de sujeito de um só núcleo de estrutura complexa, o controle da concordância também pode ser assumido pelo núcleo do sintagma nominal dentro do sintagma preposicional adjunto ou complemento; e, se houver mais de um sintagma preposicional, quem assume o comando da concordância é o núcleo do sintagma nominal dentro do sintagma preposicional na posição mais alta, ou seja, mais à esquerda na hierarquia sintática (cf. Scherre, 1995; Scherre & Naro, 1995). Este tipo de variação também pode ser encontrado em textos escritos do português de Portugal como atestam os seguintes dados, extraídos de textos técnicos de autores portugueses: “A interpretação semântica atribuída às expressões derivadas pelo sistema formal PODEM SER DETERMINADAS por regras “tardias” do próprio sistema, ou...:” “Acordo teórico apenas, pois, na prática, a formulação de regras capazes de salvaguardar esse princípio VARIAM de autor para autor.” Além do mais, variação semelhante já é encontrada no português arcaico, como muito apropriadamente registra Mattos e Silva (1991, p.70-71).3 8. CONCLUSÃO Por tudo que apresentamos ao longo deste artigo, verifica-se que a variação na concordância no português falado do Brasil está definitivamente internalizada na mente de seus falantes. Neste momento da língua, trata-se de uma variação inerente, altamente estruturada em função de aspectos lingüísticos e sociais. Pelos resultados obtidos, evidencia-se que existe um sistema gerenciando a variação na concordância de número no português do Brasil, sendo, portanto, possível se prever em que estruturas lingüisticas e em que situações sociais os falantes são mais propensos a colocar ou não todas as marcas formais de plural nos elementos flexionáveis das diversas construções. Pelo menos em termos de escrita, verifica-se que a variação não é específica do português do Brasil, podendo ser encontrada no português 14 escrito de Portugal exatamente nos mesmos contextos do português do Brasil e, também, do português arcaico. E até que ponto as variações encontradas no vernáculo do português do Brasil podem ser interpretadas como indícios de (des)crioulização é uma pergunta que ainda está em aberto e bem longe de ser respondida. 9) REFERÊNCIAS BRAGA, M. L. & SCHERRE, M. M. P. (1976) A concordância de número no SN na área urbana do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO NACIONAL DE LINGÜISTICA, 1º, 1976. Anais ... 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Os nove caracteres que identificam o falante têm o seguinte conteúdo: os cinco primeiros, o código do falante; o sexto identifica o sexo (M para masculino e F para feminino); o sétimo, os anos de escolarização (C, para 9 a 11 anos; G, para 5 a 8; e P, para 1 a 4) e os dígitos numéricos em oitavo e nono lugar indicam a idade do falante: 7 a 71 anos) 2 Discussões a respeito do efeito dos fatores “sujeito oculto próximo” e “sujeito oculto distante” podem ser encontradas em Scherre & Naro (1992). 3 Depois do Congresso de Palermo, fomos a Portugal, com o objetivo específico de buscar as origens da variação no português do Brasil. Fomos acolhidos com especial atenção pelo Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, a quem agradecemos de coração. Pudemos realmente perceber, pelos arquivos sonoros gentilmente colocados à nossa disposição, que a variação da concordância de número na fala dos portugueses é realmente baixa. Todavia, pudemos constatar que, na escrita, a variação é bastante semelhante à que temos encontrado na nossa pesquisa com dados da escrita em andamento. Farta exemplificação pode ser encontrada no registro minucioso de Peres & Móia (1995, p.443-517).