A ESCOLA ESTADUAL “VITAL DE MENDONÇA”: TRAJETÓRIA HISTÓRICA E ENSINO PROFISSIONAL (1952-2000) Heloíza Chaves Pinto Universidade Federal do Amazonas [email protected] Maria das Graças Sá Peixoto Pinheiro Universidade Federal do Amazonas [email protected] Palavras-Chave: História da Educação, Instituição de Ensino e Ensino Profissional INTRODUÇÃO O trabalho resulta de investigação que tem por objeto a construção da trajetória histórica da Escola Estadual “Deputado Vital de Mendonça” no Município de Itacoatiara, Estado do Amazonas, no período delimitado entre 1952 a 2000. A pesquisa focaliza a organização do ensino profissional oferecido por essa Instituição de Ensino diante do contexto local e em articulação com as políticas públicas para a educação do país. O trabalho respalda-se nos fundamentos teórico-metodológicos da pesquisa histórica, na perspectiva da história das instituições educativas. Os estudos e pesquisas no campo das instituições de ensino na historiografia da educação contribuíram com orientações teóricometodológicas para a construção do percurso histórico e a organização do ensino profissional da Escola. Para análise da organização do ensino oferecido pelo Estabelecimento de Ensino foi necessária a sustentação da base legal e concepções do ensino profissional ao longo da história da educação brasileira. A metodologia da pesquisa utiliza-se da análise documental e privilegia as fontes históricas primárias centradas em documentos oficiais e escolares, dentre os quais se destacam: leis, decretos, portarias, diário oficial, regimento escolar, estatuto, relatórios de inspetores de ensino e diretores, atas escolares, livros de matrículas. As fontes secundárias consultadas referem-se às publicações dedicadas à história da cidade de Itacoatiara. As fontes da pesquisa proporcionaram a construção do percurso histórico da Escola “Vital de Mendonça”, instituição pública do sistema estadual de ensino no Município de Itacoatiara. 1. Trajetória Histórica e Ensino Profissional A história das instituições educacionais é uma tendência recente da historiografia da educação brasileira. Nessa linha de pesquisa se insere o interesse da construção da história da Escola “Vital de Mendonça”, em articulação com as políticas públicas para a educação do país e diante do contexto de cada período de seu percurso histórico. Nessa direção, segundo Werle (2004, p. 32), é “impossível falar de história das instituições educativas sem situá-las na região que estão inseridas e, ante as outras escolas, situá-las no contexto socioeconômico da época”. Na construção do percurso histórico da Escola “Vital de Mendonça” procurou-se trazer seu próprio desenvolvimento de organização do ensino frente à diversidade amazônica e diante das diretrizes instituídas para a educação do país. Nesse sentido, a construção da história de uma instituição educativa, com base nos argumentos de Magalhães (1999, p. 72) visa conferir uma identidade cultural e educacional. “Uma interpretação do itinerário histórico, à luz do seu próprio modelo educacional”. Para iniciar, é interessante salientar as recentes reflexões de Saviani (2007, p. 24): “propor-se a reconstruir historicamente as instituições escolares brasileiras implica admitir a existência dessas instituições que, pelo seu caráter durável, têm uma história que nós não apenas queremos como necessitamos conhecer”. A Escola Estadual “Deputado Vital de Mendonça” está situada a Rua Álvaro França nº. 1740, no Bairro da Colônia - Zona Sul, na cidade de Itacoatiara, interior do Estado do Amazonas e tem sua criação como Escola Comercial de Itacoatiara, em 6 de agosto de 1952, por força de um movimento local em defesa da educação. Esse segmento da sociedade itacoatiarense integrava a Associação Pró-Ensino do Município de Itacoatiara, fundada em 4 de agosto de 1952 (SEDUC/AM - Histórico das Escolas, 1981). A Associação era constituída por pessoas físicas e jurídicas em favor da educação no Município, que objetivavam a criação de escolas de ensino profissional, especialmente de ensino técnico comercial e agrícola (art. 2º, Estatuto - Diário Oficial do Estado do Amazonas, Manaus, 10/9/1960). Segundo Silva (1997, p.145), na composição da Associação destacavam empresários, bancários, profissionais liberais, advogados, juízes, com influência política e econômica na sociedade local daquela época. Na década de 50 do século XX, com o processo de industrialização do país, a Associação pleiteava escolas de formação profissional, na intenção de que essas escolas impulsionariam o desenvolvimento do Município e solucionariam o problema de capacitação dos trabalhadores, amenizando o desemprego local. Naquele contexto, a Escola Comercial de Itacoatiara nasceu no reflexo do clima desenvolvimentista da política nacional para industrialização do país. Havia uma crença de que a educação profissional seria o caminho para superação do atraso econômico em que se encontrava o país, ou seja, a transição de uma sociedade agrária que começava a se urbanizar. Para Nosella e Buffa (2002, p. 17): O trabalho sempre foi um fator pedagógico, pois sempre influiu no processo educativo dos homens e na configuração das instituições escolares. Entretanto, esse fato tornou-se um principio pedagógico na modernidade, quando se constituiu em categoria explicita da reflexão pedagógica. Isso ocorreu como conseqüência da revolução Industrial. No Brasil, essa questão ganha destaque a partir da intensificação do processo de industrialização. É significativo ressaltar que até meados do século XX, Itacoatiara continuava vivenciando o modelo de economia agro-exportador. Os setores dominantes da cidade estavam preocupados com a preparação de mão-de-obra para atender a demanda do setor econômico, na concepção de que a ausência de escolas de ensino técnico retardaria o desenvolvimento de Itacoatiara e o Município ficaria a margem do crescimento industrial e comercial, em relação às outras cidades amazonenses. A escolha da Associação Pró-Ensino de Itacoatiara recaiu sobre o ensino comercial na intenção de preparação de mão-de-obra para suprir o comércio local de exportação dos produtos regionais (borracha, juta, castanha, malva), operacionalizados pelas usinas de beneficiamento. Naquele contexto, dentre os cursos profissionais, o ensino comercial era o que mais se adequava às necessidades de Itacoatiara tendo em vista que a industrialização ainda não tinha expressão no Município. A Escola Comercial de Itacoatiara, de iniciativa particular, em 1 de outubro de 1952, começa suas atividades com o exame de admissão para selecionar alunos a cursarem o ensino comercial básico, correspondente ao 1º ciclo do nível ginasial, que precedia o ensino secundário (Ata de criação da Escola, Diário Oficial do Estado do Amazonas, Manaus, 10/9/1960). No ano seguinte, em 1953, a Escola inicia o curso, tendo sido autorizado pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1954 (Livro de Atas, 1953). A organização do curso comercial na Escola é resultado da Reforma Gustavo Capanema, que através das Leis Orgânicas, sobretudo, do Decreto-Lei 4.244, de 9 de abril de 1942 e do Decreto-Lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943, respectivamente, regulamentavam o ensino secundário e o ensino comercial do país. Por sua vez, a política econômica do país se fez refletir na área educacional, com a implantação do ensino profissional e do ensino secundário. A dicotomia existente entre essas duas categorias proporcionou a dualidade do ensino de acordo com a estratificação social. Estabeleceu-se assim, a existência de duas formas de ensino paralelas, que representavam dois tipos de ensino com diferentes funções. Segundo Machado (1982 p. 36), De um lado, um ensino secundário seletivo, enciclopédico, rígido, uniforme e intelectualista, destinado a capacitar os estudantes para o ingresso no curso superior [...] De outro lado, um ensino profissional, destinado às classes menos favorecidas como dizia a carta constitucional de 1937. Historicamente, além da dualidade escolar, o ensino secundário continuou basicamente propedêutico e preferido pela classe economicamente mais favorecida da sociedade para qual o ensino superior era reservado. Enquanto que a classe menos favorecida e quase excluída do processo educacional passou a ser estimulada na busca de formação profissional. O cenário educacional itacoatiarense refletia a tendência política, social e econômica da conjuntura nacional, na intenção de formar mão-de-obra para os setores produtivos. O ensino comercial estabelecido pela Reforma Capanema definia a organização e o regime do ensino comercial, destinado à formação do educando e tinha como finalidade formar profissionais aptos ao exercício das atividades específicas no comércio, como também as de funções auxiliares de caráter administrativo nos negócios políticos privados (art. 1º, DecretoLei nº. 6.141/1943). O ensino ginasial comercial na Escola de Itacoatiara foi implantado de acordo com aquela legislação federal referente à organização do ensino comercial. O Decreto Federal de 1943 definia a estrutura do ensino comercial de 1º ciclo, que se constituía, essencialmente, de disciplinas de cultura geral e técnica (art. 12). Naquele período, os alunos deveriam satisfazer as exigências para cursar o ensino comercial básico: ter pelo menos onze anos completos ou por completar no ano em curso, ter recebido satisfatória educação primaria; ter revelado, em exames de admissão, aptidão para os estudos a serem realizados. Os alunos do curso comercial básico (1º ciclo) eram obrigados a participarem de práticas educativas como educação física, canto orfeônico e aos alunos do sexo masculino eram ministradas aulas de instrução militar. O ensino religioso era de caráter obrigatório para o estabelecimento e facultativo ao aluno (Livro de Atas, 1953). É significativo ressaltar que durante quinze anos, de 1953 a 1968, a Escola ministrou apenas o ensino comercial básico, já que o interior do Estado do Amazonas, historicamente, sempre foi esquecido na fixação de políticas públicas concretas para o desenvolvimento municipal. Assim, por mais de uma década, o ensino comercial básico oferecido pela Escola apresentava dificuldades de espaço físico, em razão disso, o curso funcionava em prédio cedido pelo Estado. Além das dificuldades de infra-estrutura física e material enfrentadas pela Escola, havia também professores insuficientes e sem qualificação para ministrar esse ensino. Pelas atas da Escola foi possível verificar que o quadro docente era formado de juízes, promotores de justiça, bancários, funcionários públicos, daí a dedução da falta de professores para ministrar, em especial, as disciplinas específicas (Livro de Atas, 1963). Ao longo de dez anos, a Escola Comercial de Itacoatiara foi mantida pela Associação PróEnsino de Itacoatiara, por subvenções do poder público e investimento financeiro dos associados e da elite econômica local. Silva (1997, p. 147) comenta: De 1952 a 1963 prelecionaram mestres abnegados, cuja remuneração era feita com os cursos provenientes do pagamento de taxas pelos próprios alunos, donativos dados generosamente por paladinos da causa educacional por autoridades e pelo povo, além de subvenções mínimas e nem sempre pontuais do poder público. A estadualização da Escola Comercial de Itacoatiara ocorreu em 1963 (Decreto Estadual nº. 57, de 14 de março de 1963), tendo sido alterada a denominação para Ginásio Comercial de Itacoatiara. O Ginásio de responsabilidade estadual ficou definido como estabelecimento de ensino técnico de grau médio, mas poderia continuar com o curso comercial básico, com base na Lei de Diretrizes e Bases – LDB, Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Até então, a educação pública em Itacoatiara mantida pelo Estado alcançava apenas o ensino primário (Regimento da Escola, 1963). No ano seguinte, em 1964, a Escola mudou a sua denominação para Ginásio Comercial “Deputado Vital de Mendonça” em homenagem a Antonio Vital de Mendonça, considerado filho ilustre da terra, por ter ocupado o cargo de deputado estadual, desaparecido em acidente aéreo no Município (SEDUC/AM - Histórico das Escolas, 1981). O Ginásio Comercial, em 1966, ganha sede própria e definitiva, no Bairro da Colônia, atendendo aos apelos da comunidade estudantil local, pois chegou a ocupar no turno noturno espaço de outras escolas da rede estadual, como anexos, para atender a demanda deste ensino. O Ginásio solucionou a precariedade em que o estabelecimento de ensino funcionou durante quatorze anos e se instalou em seu prédio até os dias atuais. Segundo Silva (1997, p. 264), Desde a época em que foi criada, até fins de 1965, a antiga Escola Comercial funcionou exclusivamente no turno noturno, em dependências do prédio do Grupo Escolar “Coronel Cruz”. Do inicio do ano a setembro 1966, ainda na parte da noite, ocupou salas do então recém-inaugurado Grupo Escolar “Dr. Fernando Ellis Ribeiro”. Contudo, graças a inauguração da sua sede própria, a 04/09/1966, instalou-se definitivamente no bairro da Colônia, a Avenida Álvaro França nº. 1740. A Escola assume um papel nuclear na educação do Município, tornando-se ao mesmo tempo um pólo cívico e cultural. Naquele período, o país estava sob a vigência da ditadura militar, marcado pelo autoritarismo. Segundo Germano (1993, p. 104) “a política educacional faz parte desse contexto, em que o Estado assume um cunho ditatorial, a economia apresenta um forte crescimento em alguns períodos e os interesses do capital prevalecem enormemente sobre a necessidade do trabalho”. Diante do regime militar é pertinente inferir que a Escola ao oferecer para os alunos e para comunidade atrações cívicas e culturais, eventos esportivos e outros atrativos, refletia o pensamento dominante de ordem e de civismo daquele período. Com o desenvolvimento dos grandes centros urbanos causados pela industrialização, a vida no Município de Itacoatiara também foi se modificando pela urbanização, mas ocasionando o esvaziamento do interior do Município e, conseqüentemente uma maior procura pelo ensino profissional. Entretanto, em decorrência da economia local, o ensino comercial básico já não satisfazia as exigências do mercado de trabalho que estava cada vez mais competitivo na região. As profundas mudanças pelas quais passou o mundo, na segunda metade do século XX, produziram transformações na prática social do trabalho. Foi sob o impacto dessas transformações ditada pela ordem econômica, que o Ginásio Comercial, em 1968, passa a oferecer, além do curso comercial básico, o curso de técnico em contabilidade, em prosseguimento ao ensino comercial (Res. n.094/CEE-Am, de 28 de abril de 1968). Assim, o Ginásio Comercial troca a denominação para Colégio Estadual “Deputado Vital de Mendonça” (Res. n.094/CEE-Am, de 28 de abril de 1968). É significativo destacar que o Colégio “Vital de Mendonça” era a única Escola pública que ministrava ensino ginasial, ou seja, equivalente à 5ª a 8ª série do ensino fundamental no Município de Itacoatiara (Ata Escolar, 19/5/1970). Além disso, o Colégio Estadual, CVM como era conhecido naquela época, em sua condição de escola pública, pioneira no ensino profissional, tinha um contingente de alunos, tanto masculino quanto feminino, proveniente de todas as camadas sociais, tendo em vista ser a única instituição no Município com essa modalidade de ensino (Relatório da Unidade Educacional de Itacoatiara, 1971). Naquele ano de 1968, o Colégio modifica o currículo do ensino comercial básico e inicia a organização do ensino técnico profissional de grau médio, com o curso Técnico em Contabilidade. Dessa forma, o currículo do curso comercial básico permanece com as disciplinas obrigatórias e específicas, porém modifica a estrutura das disciplinas optativas e práticas educativas. O Curso Técnico de Contabilidade, com duração de três anos, destinavase as funções de caráter especial no comércio ou na administração dos negócios públicos. A matriz curricular inseria disciplinas obrigatórias e específicas, que contemplavam conhecimentos gerais e da área do curso, além de disciplinas optativas e práticas educativas (Res. CEE/Am, de 13 de dezembro de 1968). Convém assinalar que a profissão do técnico em contabilidade sempre esteve associada à expansão comercial em todos os setores produtivos. Até então, o profissional de contabilidade era conhecido como guarda livro e se encarregava dos livros mercantis das empresas comerciais. A implantação do curso técnico de contabilidade no Colégio Estadual acarretou um fluxo migratório de jovens do interior de Itacoatiara e de outros municípios, que ainda não possuíam o ensino técnico como possibilidade de profissionalização. O Colégio Estadual Deputado “Vital de Mendonça” encontrou dificuldades inerentes a todo sistema de ensino da época, no que diz respeito à estrutura e para a organização didático-pedagógica do curso. O Colégio nunca dispôs de um laboratório de contabilidade para exercício das práticas específicas das disciplinas, como também havia dificuldades na formação do quadro docente, em função da precariedade da mão-de-obra qualificada para o curso de contabilidade (Relatório da Unidade Educacional, 15/12/1971). Com a implantação da reforma do ensino de 1º e 2º graus firmada na Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, o Colégio Estadual, em 1973, deixou de oferecer somente o ensino profissional para atender o ensino de 1º grau. Além do que, o Colégio continuava com os cursos profissionais anteriores, ou seja, o ginásio comercial e o técnico de contabilidade, de nível secundário (Relatório da Escola, 1975). Por essa razão, o Colégio mudou, mais uma vez, a denominação para Escola Estadual de 1º e 2º Graus “Deputado Vital de Mendonça” (Ata Escolar, 25/4/1975). A Escola Estadual de 1º e 2º Graus reorganizou o oferecimento do ensino, incorporando o ensino de 1º grau, inclusive de 1ª à 4ª série e o ensino de 5ª à 8ª série, como preparação para o trabalho. Porém, em 1976, a Escola inicia o oferecimento do ensino profissionalizante de 2º grau, através da habilitação profissional de técnico em contabilidade, para atender as diretrizes firmadas na Reforma do Ensino de 1971 (Relatório da Escola, 1976). A Lei 5.692/1971 eliminava a divisão dos ramos de ensino, ou seja, comercial, industrial, agrícola, normal, para ser oferecido no ensino profissionalizante de 2º grau, que tinha caráter de terminalidade e nessa condição o estudante era conduzido para o mercado de trabalho, sem que lhe fosse dada uma preparação para prosseguimento de estudos em nível superior. A reforma do ensino de 1º e 2º graus de 1971 visava atrelar o sistema educacional ao modelo econômico imposto pela política norte-americana para os países da América Latina e o Brasil recebeu assistência técnica e cooperação financeira para implantação do ensino de 1º e 2º graus em todo o país. A reforma subordinava o ensino ao mercado produtivo em expansão e a profissionalização do ensino de 2º grau passou a ser uma das propostas no plano educacional. Na esteira de Saviani (1987), pode-se afirmar que a reforma do ensino de 1º e 2º graus de 1971 estava inserida no contexto da política educacional ao regime autoritário e submisso aos interesses ideológicos e econômicos da burguesia nacional e estrangeira. De acordo com a Reforma do Ensino de 1971, a parte diversificada do currículo de 1º grau era responsável pela sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho. Sendo assim, em 1975, como preparação para o trabalho, os alunos de 5ª a 8ª série do ensino de 1º grau da Escola Estadual “Vital de Mendonça” passaram a receber a parte diversificada do currículo no Centro Interescolar Osório da Fonseca (Relatório da Escola, 1976). O Governo Federal cria em todo país os Centros Interescolares para atender a parte diversificada do ensino de 1º grau. Assim, o Centro Interescolar Osório da Fonseca – CIOF no Município de Itacoatiara trabalhava com a parte diversificada do currículo no ensino oferecido pela Escola Estadual de 1º e 2º Graus Deputado “Vital de Mendonça”, que era constituído pelas disciplinas: Técnicas Comerciais, Técnicas Agrícolas, Artes Industriais e Educação para o Lar, para atender o ensino de 1º grau (Relatório da Escola, 1978). Essas medidas de certa forma trouxeram mais dificuldades para os estudantes da Escola acarretando ônus para o aluno que tinha necessidade de se deslocar entre um estabelecimento e outro, inclusive em horários diferentes para cumprir as exigências do currículo. O deslocamento do aluno representava custos, muitas vezes esse aluno migrava para o ensino supletivo por não disponibilizar de recursos e tempo integral para esses estudos. Desse modo, a Escola tinha que ministrar as aulas da parte diversificada do currículo sem laboratórios para aulas práticas (Relatório da Escola, 1978). O Centro Interescolar Osório da Fonseca funcionava num antigo prédio que foi adaptado para esse atendimento, com instalações precárias, já que, da forma como foi estruturado não preenchia aos pré-requisitos para qualificar o aluno para as exigências do mercado de trabalho. As maiores dificuldades estavam centradas na falta de docentes qualificados para atender as disciplinas de formação especifica, de recursos materiais e de laboratórios para cada área (Relatório da Escola, 1978). No tocante à qualificação dos docentes do ensino profissionalizante de 2º grau da Escola foram oferecidas bolsas de estudo para formação de professores em outros Estados para trabalharem as disciplinas da parte diversificada do currículo, em atendimento ao Parecer n. 76/1975, do Conselho Federal de Educação – CFE, referente ao ensino de 2º grau na Lei 5.692/1971 (Sobre a análise do Parecer, cf. WARDE, 1983). No entanto, a distribuição de bolsas foi insuficiente para atender a demanda do ensino no Município que num universo de dois mil alunos, tinha apenas quatro professores qualificados, ficando a maioria dessa demanda a cargo de professores sem qualificação. (Relatório da Escola, 1978). Com o passar dos anos, a Escola de 1º e 2º Graus Deputado “Vital de Mendonça” formou um expressivo contingente de mão-de-obra, porém uma parcela migrou para trabalhar na Zona Franca de Manaus – ZFM, em busca de emprego. Segundo Oliveira (2000, p.4) a “instalação da ZFM provocou na Região Amazônica exigências da educação no que se refere à qualificação e escolaridade para a força de trabalho em função da instalação do seu pólo industrial”. A instalação do pólo industrial da Zona Franca de Manaus refletiu no mercado local do Município de Itacoatiara e, por conseguinte, no setor educacional. Nesse contexto ditado pelas políticas para a educação no país e na região, a Escola Estadual, em 1977, absorve o curso de magistério que funcionava na Escola Nossa Senhora do Rosário de Fátima, por muitos anos, sob a direção das Irmãs do Preciosismo Sangue (Port. n. 161, de 7 fevereiro de 1977). Portanto, em 1977, a Escola oferecia o ensino de 1º grau, o técnico em contabilidade e o magistério, em nível de 2º grau. A partir de então, único estabelecimento com ensino de 2º grau na sede do Município de Itacoatiara. No ano seguinte, em 1978, a Escola obtém autorização para funcionar o 4º Adicional ao Curso de Magistério de 2º grau (Res. n.60-CEE/AM, de 10 de abril de 1978). Assim, a Escola inicia o oferecimento do Curso Adicional ao Magistério, nas áreas de Comunicação e Expressão e Ciências, para formação de professores para lecionarem as disciplinas dessas áreas nas 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau (Relatório da Unidade Educacional de Itacoatiara, 1983). Na década seguinte, a Escola Estadual extinguiu o ensino de 1º grau, o de 1ª à 4ª série deixou de ser oferecido em 1991 e o de 5ª à 8ª série em 1996. Entretanto, a Escola continuou a atender o ensino de 2º grau, com cursos profissionais de magistério e contabilidade. Nesse mesmo ano, em 1996, a Escola implanta o curso acadêmico, equivalente ao ensino de 2º grau, cujo oferecimento tem curta duração, em decorrência das novas diretrizes e bases para a educação nacional. A organização do ensino da Escola é produto da reforma do Estado brasileiro, a partir de 1990, refletida nas políticas públicas para a educação nacional. As transformações do mundo contemporâneo e dos processos de reestruturação produtiva, a qualificação para o trabalho deixa de ser compreendida como fruto da aquisição de habilitações especifica. Para Kuenzer (2001, p. 80): A formação dos trabalhadores passa então, a ter como objetivo o desenvolvimento de competências. Nessa perspectiva, a formação assume como finalidade capacitar o indivíduo para que tenham condições de disponibilizar durante seu desempenho profissional os atributos adquiridos na vida social, escolar, pessoal e laboral, preparando-os para lidar com a incerteza, com a flexibilidade e a rapidez na solução de problemas. Nesse entendimento, o desenvolvimento de competência como padrão de articulação entre o conhecimento e a inteligência pessoal, ganha espaço nas instituições educacionais por exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, de 20 de dezembro de 1996, que entre outros princípios, institui o ensino médio, focalizando a competência como eixo do processo de ensino aprendizagem. Para atender as diretrizes da LDBEN/1996, a Escola altera a denominação para Escola Estadual “Deputado Vital de Mendonça”, retirando o termo 1º e 2º graus. A Escola, gradativamente, deixa de oferecer o ensino acadêmico e o ensino profissional em magistério e contabilidade, em substituição ao ensino médio, implantado progressivamente, a partir de 1998. As últimas turmas de ensino profissional de magistério, contabilidade e o curso acadêmico foram extintas no ano de 2000 (Relatório da Escola, 2000). Por mais de duas décadas do século XX, a Escola Estadual “Deputado Vital de Mendonça” ofereceu somente o ensino profissional e entre as décadas de 1970 a 1990 é que introduziu o ensino de 1º grau, tendo retomado a oferta apenas do ensino profissional, em nível de 2º grau, em 1996. Sob os efeitos da LDBEN/1996, em 2001, o oferecimento do ensino na Escola fica concentrado no ensino médio, representando mais uma etapa de sua trajetória histórica na educação no Município. Considerações Finais Por mais de quatro décadas, a Escola formou mão-de-obra para o mercado local, através do ensino comercial e do ensino técnico de contabilidade. Além do que, por mais de duas décadas ofereceu o curso de magistério de 2º grau, tendo contribuído para formar professores para as séries iniciais do ensino fundamental. Enquanto Escola de ensino profissional teve um papel fundamental para as classes menos favorecidas como possibilidade de entrada deste contingente no mundo do trabalho. A Escola marcou a educação e o ensino profissional no Município de Itacoatiara, em diferentes momentos da história política, social e econômica local, como conseqüência das políticas públicas instituídas para a educação brasileira. Entretanto, a Escola “Vital de Mendonça” é produto de seu tempo, nasceu no período de expansão do capitalismo e da industrialização no país, estando sua origem e criação atrelada aos interesses do poder econômico local. A Escola Estadual firmou sua imagem de respeitabilidade diante da comunidade local. Desde sua fundação, obteve projeção no cenário educacional do Município, contando com prestigio e reconhecimento. Esse estabelecimento de ensino profissional sempre se preocupou com uma educação de qualidade, pautada pela seriedade e tendo como princípios norteadores a ética, a valorização e o respeito humano, conforme registros nas atas da própria Escola. Diante da posição de destaque local, é imprescindível reconhecer a importância dessa instituição de ensino profissional para os filhos de Itacoatiara. Por suas salas de aulas passaram inúmeras gerações que trilharam caminhos e conquistaram espaços nos diversos segmentos sociais, ou seja, indivíduos dos diversos setores, cultural, intelectual, políticos e econômicos que prestam relevantes serviços ao Município e ao Amazonas. A Escola “Vital de Mendonça”, como é carinhosamente conhecida pelos seus alunos professores e funcionários, ainda hoje é uma referência na educação do Município de Itacoatiara. Os resultados demonstram que a Escola “Vital de Mendonça” marcou a educação e o ensino profissional em Itacoatiara, nos diferentes momentos de sua existência, tendo reforçado o caminho, em especial das camadas populares, para entrada no mundo do trabalho frente aos desafios amazônicos. O trabalho confirma a importância da história dessa Instituição de Ensino e a contribuição para a história do ensino profissional e da educação, tanto no Município de Itacoatiara, quanto no Amazonas. REFERÊNCIAS AMAZONAS – Estatuto da Associação Pró-Ensino de Itacoatiara e Ata de criação da Escola Comercial. Diário Oficial do Estado do Amazonas, Manaus, 16/9/1960. ____ /Decreto n. 2.064, de 9 de março de 1963 – Regimento da Escola. Diário Oficial do Estado do Amazonas, Manaus, 16/03/1963. ____ /Decreto n. 57, de 14 de março de 1963 – Cria o Ginásio Comercial de Itacoatiara. 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