O Arminianismo e a Questão do Mérito
Paulo Cesar Antunes
Não são poucos aqueles que alegam que o Arminianismo faz a salvação não ser
uma obra puramente da graça. Ainda que Arminius tenha respondido esta questão de
forma satisfatória, muitos calvinistas não estão convencidos.
Para responder, a primeira coisa que precisamos entender é: quando se
caracteriza o mérito? Mérito há quando alguma pessoa faz algo por merecer, passando a
ser digna de alguma recompensa. Se um empregado trabalha durante um mês, seu
salário é uma questão de direito. Ele fez por merecer. Por outro lado, se esse mesmo
empregado faltou ao trabalho sem justo motivo durante todo o mês, ele não teria o que
reivindicar. Ele não fez nada por merecer. Caso seu patrão ainda assim lhe pague é por
pura generosidade.
Um pecador se encontra numa situação parecida com a desse relapso
empregado. Ele não tem o que reclamar a Deus. Deus não lhe deve nada. Se, mesmo
assim, por pura generosidade e misericórdia, Deus lhe concede salvação, este pecador
continua sem mérito algum, ainda mais quando levamos em consideração que ele é
salvo através dos méritos da morte de Cristo. Cristo sofreu em seu lugar. Ele não sofreu
nem sofrerá a pena por nenhum de seus pecados. No entanto, o pecador precisa crer no
sacrifício de Cristo. Só assim ele obtém os benefícios de Sua morte. É exatamente neste
ponto que levantam contra o Arminianismo a acusação de mérito, pois se a fé
verdadeiramente precede a regeneração, e a fé é algo que o pecador precisa ter e não
que Deus irresistivelmente a dá, segue-se que crer torna o pecador merecedor da
salvação.
Essa objeção não procede por algumas razões. Primeiro, porque merecedor o
pecador somente seria se fosse salvo pelas obras, e a Bíblia deixa nítido o contraste
entre fé e obras:
Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela
lei da fé (Rm 3.27).
Segundo, porque a fé não é algo que o pecador faz para merecer a salvação mas
para recebê-la. E é completamente ilógico afirmar que uma pessoa indigna ganhe
crédito por aceitar um presente doado liberalmente. Aceitar um presente não transforma
alguém indigno em digno de recebê-lo. Se assim fosse, esse presente deixaria de ser o
que é, uma doação generosa, e passaria a ser uma dívida. Pois, admitir esta hipótese é
chegar à conclusão absurda de que seria impossível doar um presente a alguém que não
o merece, porque, logo que esse alguém o aceitasse, passaria a ser merecedor dele.
Terceiro, porque o que acompanha a fé salvadora é justamente o reconhecimento
de falta de mérito. Quando um pecador se lança aos pés de Jesus, ele está reconhecendo
justamente sua total incapacidade de salvar a si próprio. Ele deposita sua confiança, não
em seus próprios esforços, mas na obra expiatória de Cristo. Dizer que alguém tem
méritos por reconhecer sua falta de méritos é tão absurdo quando afirmar que alguém é
forte por reconhecer sua fraqueza.
Na melhor das hipóteses os calvinistas concordariam perfeitamente com o que
foi dito, mas o que eles alegam é que, se de si próprio o homem gerar algo que o
beneficie em sua própria salvação, a salvação deixa de ser totalmente pela graça de
Deus. Mas o Arminianismo não ensina que a fé é gerada pelo homem. É, da mesma
forma que no Calvinismo, uma obra da graça. A diferença apenas é que, o Calvinismo
vê a fé como um dom incondicional e irresistível àquele que foi eleito, enquanto o
Arminianismo ensina que a fé é um dom no sentido que a fé não seria possível sem o
auxílio da graça. Na concepção arminiana, o Espírito Santo trabalha no coração do
pecador, não tornando a fé necessária, mas possível. Isto quer dizer que o homem tem
liberdade para aceitar ou rejeitar a graça que lhe é oferecida. Deus concede fé salvadora
àqueles que se mostram receptivos à Sua graça.
Os calvinistas objetam que, se for assim, então o homem tem verdadeiramente
uma parte em sua salvação, tornando-a uma obra conjunta entre Deus e o homem. É
necessário ressaltar que a fé não é a parte do homem na salvação, mas o meio pelo qual
ele a recebe. Não é que o homem faz uma parte e Deus faz o resto. A fé é justamente a
confiança que Deus fará tudo (não somente uma parte) o que for necessário para a sua
salvação. Como o calvinista J. Gresham Machen acertadamente coloca:
A fé do ser humano, corretamente concebida, não pode nunca permanecer em
oposição à plenitude com a qual a salvação depende de Deus: nunca pode
significar que o ser humano faz uma parte enquanto Deus apenas faz o resto,
pela simples razão de que a fé não consiste em fazer alguma coisa mas em
receber alguma coisa.[1]
Mas ainda assim os calvinistas querem saber dos arminianos: se a salvação é
inteiramente pela graça, por que uma pessoa crê e outra não? Ou, como Sproul
sarcasticamente coloca, “Por que você reconheceu sua desesperada necessidade de
Cristo, enquanto seu vizinho não o fez? Foi porque você era mais justo que seu vizinho,
ou mais inteligente?”[2] Sproul está insinuando que, no Arminianismo, o que diferencia
um crente de um incrédulo não é a graça de Deus mas a vontade do homem. Esta
objeção é um tanto capciosa, e, para respondê-la, alguns esclarecimentos são
necessários.
O homem é uma pessoa, criado à imagem e semelhança de Deus. Dessa forma
Deus o trata, como pessoa. Numa relação pessoal você influencia e espera ser
correspondido. A decisão de corresponder ou não tem que estar em poder da pessoa que
está sendo influenciada, não da que influenciou. Não é inteligente nem gratificante
causar amor em outra pessoa. Ainda que Deus detenha esse poder, usá-lo seria esvaziar
o amor de sua beleza. Amor é conquistado, não causado. Amor irresistivelmente
causado é uma ilusão.
O Calvinismo enxerga a relação entre Deus e o homem de uma outra
forma. Sproul, por exemplo, nos explica como Deus produz fé no homem:
Para receber o dom da fé, de acordo com o calvinismo, o pecador também deve
estender a sua mão. Mas ele assim o faz apenas porque Deus mudou a disposição
do seu coração para que ele mais certamente deseje estender a sua mão. Pela
obra irresistível da graça, ele nada fará a não ser estender a sua mão. Não que ele
não pudesse reter a sua mão mesmo se não quisesse, mas ele não pode não
querer estender a sua mão.[3]
Ou seja, Deus causa fé no homem, o homem não tem outra escolha a não ser
crer. Isso é um tanto estranho para uma relação pessoal. Schaff deve ter percebido esta
implicação quando disse que “ninguém é salvo mecanicamente ou pela força.”[4] Não é
que os calvinistas concebem que o homem se relaciona com Deus como uma máquina,
mas apenas que a resposta do homem é o efeito inevitável da causação divina.
Então, respondendo a pergunta „por que uma pessoa crê e outra não?‟,
respondemos que Deus, como Ser pessoal, quis relacionar-se com Suas criaturas como
seres pessoais, de forma recíproca.
Mas esta resposta ainda não satisfaz. Os calvinistas ainda querem saber: “Se
todos recebem uma medida suficiente da graça de Deus para ser salvos, e alguns não se
salvam, o que diferenciou um salvo de um não salvo? Não pode ter sido a graça de
Deus, visto que todos a receberam.”
Esta objeção parece desprezar um ponto fundamental da teologia arminiana.
Ora, se Deus nos deu real liberdade de escolha, obviamente nossa escolha será decisiva
em nossa salvação. Não seremos salvos pela nossa escolha, mas sem nossa escolha não
seremos salvos de forma alguma.
Mas a objeção é capciosa por dois motivos. Primeiro, ela coloca ênfase demais
na resposta do homem, fazendo-a parecer o fator preponderante na salvação. A resposta
do homem é um fator importante mas nãopreponderante. Ela, por exemplo, teria
alguma utilidade se Deus não a considerasse relevante? Obviamente, se colocarmos
ênfase demais em um fator (seja a resposta do homem, seja a morte de Cristo, seja o
convencimento do Espírito Santo), e desprezarmos os outros, somos levados a crer que
aquele é o fator preponderante, quando, na verdade, não o é. O fato é que existem vários
fatores envolvidos na salvação, sendo a resposta do homem apenas um deles, mas a
base da nossa salvação não é outra coisa senão a justiça de Cristo imputada ao crente, e
esta obra é de Deus apenas. Por mais objeção que o calvinista levante, a base da
salvação no Arminianismo continua a mesma: a justiça de Cristo. E isso nos dá todo o
direito de creditar toda a nossa salvação a Deus. A fé não é a base mas acondição da
salvação. Se os calvinistas fizessem esta distinção, teriam poupado os arminianos de
mais esta acusação.
O que, também, eles não levam em consideração quando fazem esta objeção é
que a fonte de todos os fatores envolvidos na salvação é a graça de Deus. Dela flui tudo
o que nos é necessário, inclusive a concessão graciosa de decidirmos juntamente com
Ele o nosso destino eterno.
E o segundo motivo dessa objeção ser capciosa é que, se não for assim, teríamos
que adotar a desagradável seleção arbitrária, da qual estamos justamente querendo
fugir.
[1] J. Gresham Machen, citado em J. I. Packer, Fundamentalism and the Word of God,
p. 172.
[2] R. C. Sproul, Eleitos de Deus, p. 93.
[3] R. C. Sproul, Sola Gratia, p. 147.
[4] Philip Schaff, History of the Christian Church, Livro 3, Capítulo XIV, § 114.
Paulo Cesar Antunes
Site: http://www.arminianismo.com/
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