Esperando a revolução
Por Jota Mombaça
Vi tanta gente desejar um Egito para Natal... Contra borboletas & coronéis!, uns quase
adiantaram-se na feitura dos cartazes. Recebi um panfleto, inclusive.
Fiquei me perguntando se a nós nos caberia tal proeza?
É um desbunde se por acaso insurge-se uma multidão pelo mundo. Parece que algo se
acende na gente, e é bonito. Mas não se engane: Egito não nos serve como fórmula
aqui, nunca serviria. Nossas ameaças estão muito bem camufladas (e mais:
legitimadas pelas nossas escolhas).
Um cara uma vez questionou - numa roda de conversa - se a conjuntura política
amaciada pela presença de um Lula não esfriaria o (vou chamar como chamaram na
ocasião) “espírito ativista”. Eu de certo não serei cabeção como o Plínio Arruda a ponto
de desejar um destino político mais duro a fim de estimular esse tal espírito, também
porque não acredito que essa “conjuntura política amaciada”, mesmo que colabore, é
determinante na produção dessa letargia revolucionária. Há, suponho que dentre
vários, pelo menos um outro ponto que vale a pena mencionar aqui: a coisa do voto.
YES, NÓS TEMOS SUFRÁGIO!
“Mas brasileiro não sabe votar...” “A população é alienada!” “A massa é burra!”, me
disse uma vez um cara por quem fui invadido enquanto fumava um beque numa
esquina perto do Maloca conversando despretensiosamente sobre contracultura.
Outra vez, numa cigarreira velha, bebendo cerveja, ouvi de um colega seu projeto ideal
de estado: uma ditadura de intelectuais que sufocasse as manifestações massificadas e
alienantes.
Eu pensei – e penso: meninos, vocês tem sido tão cafonas...!
Parafraseando o difundido funk do Emblemas, pergunto – e inclusive, no dia da
invasão na esquina enquanto o beque, perguntei: quem é você no midway? Massa?
Povo? Qual o seu papel para além desse teu avatar de consciência? Aqueles no Egito,
por acaso, o que são? Povo? Massa?
Multidão.
É uma tristeza se um aspirante a revolucionário (o que nessa nossa sociedade do
glamour representa mais ou menos a vontade irracional de vir a ser alguém que
mereça virar estampa em camisetas) pensa através de idéias como a de povo (uno) ou
como a de massa (cinza), afastando-se disso com uma suposta “consciência” como
escudo; como se fosse possível estarmos fora de nossas generalizações e como se, em
contraponto a qualquer tentativa de generalizar, a minha própria experiência diária
não aguçasse as minhas diferenças e, no mais íntimo delas, as minhas similaridades
para com essa “massa”, esse “povo”.
A partir desse afastamento GROTESCO de quem é “consciente” em relação a quem é
“alienado”, é comum ouvir dos tais “espíritos ativistas”: “então não adianta fazer nada
se somos minoria.”
Se somos minoria, cabe-nos - mais que recuar - investir contra um alvo diferente: não
é o estado, não é a prefeita depravada ou as famílias bregas: somos nós. O palco da
revolução aqui não é uma praça Tahrir, mas os corpos (os nossos).
“O slogan ‘Revolução!’ transformou-se de sinal de alerta em toxina, uma maligna e
pseudo-gnóstica armadilha-do-destino, um pesadelo no qual, não importa o quanto
lutamos, nunca nos livramos do maligno ciclo infinito que incuba o Estado, um Estado
após o outro, cada ‘paraíso’ governado por um anjo ainda mais cruel.” (Hakim Bey em
Zona Autônoma Temporária, cap. 2: Esperando pela revolução)
Quando eu falo em insurreição - que, conforme aprendemos em história, diz respeito a
revoluções fracassadas -, faço coro justamente com o Hakim Bey, que me diz que o
“levante é uma ‘experiência de pico’”, e por isso temporária, mas com
desdobramentos por toda a vida – “algo mudou, trocas e integrações ocorreram – foi
feita uma diferença
”. Ou seja, um levante prol extravio... Da pluralização das
rotas...
“Você está esperando pela revolução? A minha começou há muito tempo atrás!
Quando você estará preparado? (Meu Deus, que espera sem fim!)
Não me importo em acompanhá-lo por um tempo. Mas quando você parar, eu
prosseguirei em meu caminho insano e triunfal em direção à grande e sublime
conquista do nada!
Qualquer sociedade que você construir terá seus limites. E para além dos limites de
qualquer sociedade os desregrados e heróicos vagabundos vagarão, com seus
pensamentos selvagens e virgens – aqueles que não podem viver sem constantemente
planejar novas e terríveis rebeliões!
Quero estar entre eles!
E atrás de mim, como à minha frente, estarão aqueles dizendo a seus companheiros:
‘Voltem-se a si mesmos em vez de aos seus deuses ou ídolos. Descubra o que existe
em você; traga-o à luz; mostrem-se!’
Porque toda pessoa que, procurando por sua própria interioridade, descobre o que
estava misteriosamente escondido dentro de si, é uma sombra eclipsando qualquer
forma de sociedade que possa existir sob o sol!
Todas as sociedades tremem quando a desdenhosa aristocracia dos vagabundos, dos
inacessíveis, dos únicos, dos que governam sobre o ideal, e dos conquistadores do
nada, avança resolutamente.
Iconoclastas, avante!”¹
¹ parte de um manifesto do Renzo Novatore da segunda década do último século
* via Coletivo Sabotagem, o T A Z – Zona Autônoma Temporária do Hakim Bey:
http://www.quadrinho.com/cpq/wp-content/uploads/downloads/2010/02/HakimBey-TAZ-Zona-Autonoma-Temporaria1.pdf
Download

Esperando a revolução