O Vento das Reformas, Lázaro Cárdenas e a Revolução Mexicana (1934-1940) O Vento das Reformas nas Lázaro Cárde a e a ção Mexican u Revol (1934-19 40) Ival de Assis Cripa Conselho Editorial Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected] Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt ©2013 Ival de Assis Cripa Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. C8684 Cripa, Ival de Assis. O Vento das Reformas, Lázaro Cárdenas e a Revolução Mexicana (1934-1940)/Ival de Assis Cripa. Jundiaí, Paco Editorial: 2013. 148 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-425-9 1. Lázaro Cárdenas 2. Revolução 3. Política 4. México I. Cripa, Ival de Assis. CDD: 970 Índices para catálogo sistemático: História da América do Norte Processo Social IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal 970 303 Para Joaquim Ferreira de Assis – que contava muitas histórias e Amadeu Crippa – que andou por muitas estradas. Agradecimentos Este estudo contou com o apoio de muitas pessoas, aumentado a responsabilidade do autor com as mesmas. A Maria Helena Capelato, sou grato pela orientação rigorosa e por ter me convidado em seus cursos a “pensar a democracia como re-ivenção contínua da política”, na América Latina, num momento em que minhas certezas se evaporavam. Agradeço-a, também, pelo tempo de convivência em que pude, junto com os colegas de orientação, enriquecer minha prática docente pelo exemplo de atuação. À professora Maria Lígia Coelho Prado, agradeço a leitura rigorosa do relatório de qualificação e a oportunidade de ser seu aluno. Sua prática docente, marcada pelo rigor e seriedade, é uma forte referência para mais de uma geração de pesquisadores preocupados com a história da América Latina. À professora Helenice Rodrigues da Silva que, com muita paciência e disposição, acompanhou os passos iniciais da pesquisa e ajudou a redefinir os rumos do trabalho durante o exame de qualificação. Com a ajuda de Regina A. Crespo, tive acesso a toda a produção discursiva de Cárdenas analisada e que, graças ao seu empenho, me foi enviada. Com Gilberto Lopes Teixeira, dividi minhas inquietações iniciais sobre a gestão de Lázaro Cárdenas. Camilo de Mello Vasconcellos, Carlos Alberto Sampaio Barbosa e Cláudio Aguiar Almeida são interlocutores importantes em minhas pesquisas sobre o México e a América Latina. André Porto Ancona Lopez e Darcilene Sena Resende fizeram o layout da capa. Laércio Menezes da Silva e Maria Graciete Pinto Carneiro iniciaram-me nos mistérios da informática e sempre com muita disposição e amizade foram meus interlocutores. Marisa Montrucchio fez a revisão das citações em espanhol. Com alunos e professores do ensino público e da faculdade de história de Santo Amaro (UNISA) dividi momentos importantes da elaboração desse trabalho, em especial a Terezinha Prudente, Nelly Robles Reis Bacellar. A opção de ser professor de história foi influenciada por meus avós, contadores de história, e por meus pais, que foram profissionais da educação. Com Heloisa Mazorra Santos compreendi um pouco das dimensões subjetivas que envolvem a escolha de um tema de pesquisa. Sérgio Estephan, Claudia Andrade Vieira, José Carlos Soares, Selma Amaral Silveira e Acácio Sidinei foram companheiros de estrada com quem dividi as aventuras da pesquisa e/ou da docência no ensino superior. Alessandra Siegel de Assis me estimulou e inspirou a publicar esse livro. Esta pesquisa contou com apoio da Capes, que me concedeu uma bolsa de Mestrado no Programa de pós-graduação em História Social, do Departamento de História da USP. Sumário Prefácio......................................................................11 Introdução............................................................................13 CAPÍTULO I Para uma Revisão da Obra Política de Lázaro Cárdenas.........21 1. Arnaldo Córdova: do Caudillismo à “Revolução Populista”........25 2. Octavio Ianni e o Estado Capitalista na Época de Cárdenas.........33 CAPÍTULO II Trajetória de um “Revolucionário”........................................39 1. Formação Política.......................................................................42 2. O Engajamento no Exército Constitucionalista..........................48 3. A Convenção Revolucionária......................................................52 CAPÍTULO III Trajetória Política e Compromisso com as Massas.................59 1. O Governo de Obregón e Calles e o Movimento Sindical.............61 CAPÍTULO IV A Política de Massas do Cardenismo......................................85 1. A Unificação das Massas para a Constituição de uma Nova Hegemonia Política........................................................................88 2. Os Elementos Formadores da Nação Nova.................................93 3. A Oposição diante dos Conflitos Nacionais e Internacionais.......96 4. A Unificação Operária sob o Comando do Partido Nacional Revolucionário...................................................101 CAPÍTULO V O Vento das Reformas nos Anos 30......................................111 1. Primeiro o Solo, depois o Subsolo: A Reforma Agrária e a Nacionalização da Exploração do Petróleo...................................113 2. A Rebelião Cedillista.................................................................125 3. Relações Internacionais e América Latina................................128 4. A Guerra..................................................................................133 5. A Sucessão Presidencial...........................................................136 Considerações Finais...........................................................141 Fontes.................................................................................145 Referências.........................................................................145 Prefácio A publicação do mestrado de Ival de Assis Cripa muito me alegra porque, na condição de ex-professora e ex-orientadora, acompanho sua dedicação ao trabalho acadêmico de longa data. Sua paixão pela “Revolução Mexicana” é antiga, já perceptível nas aulas de graduação que ministrei sobre o tema. A escolha deste objeto analisado na obra foi coerente com seu antigo interesse sobre o assunto e a opção pelo momento do governo de Lazáro Cárdenas foi acertada porque permitiu que ele apresentasse uma contribuição ao debate sobre as definições dos movimentos sociais na América Latina como reforma ou revolução. As discussões em torno dos conceitos de reforma e revolução foram muito intensas na década de 1970 e Ival de Assis acompanhou as polêmicas acaloradas em torno desta questão que envolveram acadêmicos e militantes políticos. O fato de ter acompanhado tão de perto essas discussões conceituais permitiu que ele se aparelhasse, de forma competente, para enfrentar este desafio metodológico em seu estudo sobre o cardenismo. O governo de Lázaro Cárdenas é visto pela historiografia sobre a revolução mexicana como etapa final e decisiva do movimento revolucionário porque parte das reivindicações dos insurgentes foi posta em prática. Ao analisar esse período, o autor esclareceu sua posição frente às possibilidades de definir a política cardenista como “reforma ou revolução”. Procurando fugir das interpretações binárias, que exigem uma tomada de posição frente a uma ou outra perspectiva, o autor procurou mostrar a complexidade que caracterizou essa história de longa duração. Neste sentido, recuperou os diferentes significados de revolução que foram se modificando com o passar do tempo para mostrar a impossibilidade de adoção de um conceito fechado. A análise aqui apresentada sobre o período cardenista se insere nas vertentes interpretativas que estimulavam os estudos sobre as representações ou imaginários sociais. O autor optou por esse caminho historiográfico ao se dar conta de que a “revolução mexicana” se transformara num mito, deixando de lado os atores sociais de “carne e osso” que foram responsáveis pelas mudanças históricas do período. Neste sentido, Ival de Assis se propôs a compreender não apenas o significado da Revolução em si, mas a representação que dela faziam os mexicanos que se mobilizaram para participar da luta armada e que resultados esperavam dela. Procurou acompanhar, também, as mudanças de perspectivas dos atores sociais sobre o significado da “revolução” ao longo desse processo de grandes transformações. Tendo como objetivo desconstruir o mito da revolução a partir das falas de seus agentes, procurou desmontar, também, a imagem de um futuro idílico para o qual o mito apontava. Valendo-se das reflexões de autores como Claude Lefort, 11 Ival de Assis Cripa Bronislaw Baczko e muitos outros que analisaram o tema da revolução, concluiu que, no caso do México, a produção de imaginários sociais pelos protagonistas do movimento foi intensa porque, como em outras situações similares, os imaginários contribuíam para afastar as incertezas em relação ao futuro que tendiam a enfraquecer a motivação para a luta. Ival de Assis analisou os escritos de Cárdenas procurando reconstituir o significado que a “Revolução Mexicana” teve para o autor e a partir de qual lugar ele se referia ao movimento. Acompanhou a trajetória do líder a partir da “escrita de si”, ou seja, de suas anotações em seu diário de campanha – Los Apuntes – elaboradas entre 1913 e 1925. Abordou as estratégias políticas de Cárdenas que resultaram em sua chegada ao poder e as medidas importantes que pôs em prática durante seu mandato presidencial. Tomando como referência tanto a “utopia” cardenista como os projetos e realizações do governo cardenista, procurou explicar o significado mais profundo de suas realizações no plano econômico, social e político. Suas análises evidenciam a fragilidade das definições sobre a política cardenista a partir de rótulos como reformista, socialista, autoritária e populista. A tarefa mais difícil à qual se propôs o autor foi a de decifrar os significados polimorfos das ideias e conceitos que compunham os discursos de Cárdenas: eles deram ensejo a múltiplas interpretações e constantes revisões que são discutidas neste livro, com muita propriedade. Para que o leitor tenha uma visão de conjunto da obra, cabe esclarecer que: as interpretações sobre o cardenismo estão expostas no primeiro capítulo; a análise sobre os programas de reformas postas em prática durante o governo Cárdenas aparece no capítulo seguinte. As intrincadas relações entre Estado-Partido-Sindicato e a política de massas, temas centrais para a compreensão do cardenismo, são discutidas nos capítulos 3 e 4. No último capítulo, o autor aborda as medidas mais impactantes do governo Cardenas – reforma agrária e nacionalização do petróleo – e as consequências que tiveram, tanto no âmbito interno como externo. Como se pode notar por esta breve apresentação do livro, o cardenismo representou um momento importante da “Revolução Mexicana”, fenômeno considerado dos mais significativos da história deste continente. Um estudo específico sobre os “Ventos de Reforma” que sopraram sobre o México, nos anos 1930, representa, sem dúvida, uma contribuição relevante para a historiografia latino-americana. São Paulo, 14 de novembro de 2013 Maria Helena Rolim Capelato Depto. de História – FFLCH-USP 12 Introdução O tema Revolução, no final dos anos 1970, sofreu um “esfriamento”, afirma Edgar de Decca. Tanto no campo da política, quanto da prática científica, abriram-se novas perspectivas para a historiografia das Revoluções. A partir dos anos 70, a historiografia passou a tomar, como um de seus alvos prediletos, a crítica ao “modelo” de interpretação marxista da Revolução. A morte de Che Guevara, na Bolívia, foi uma perda significativa em torno do imaginário da Revolução, abrindo “caminho para as primeiras críticas à teoria da Revolução inspiradas nos ideais das revoltas camponesas, principalmente, na América Latina”1. Este trabalho, diante da dissolução dos projetos de Revolução vigentes até o final dos anos 60, procura compreender o mito da Revolução como uma ruptura no tempo e como um corte abrupto na história. Tal como o fenômeno revolucionário foi entendido, a partir do século XVIII, tomando-o como a inauguração de um tempo novo. Ao analisar o cardenismo, no contexto da Revolução Mexicana, procurarei fugir da “velha” problemática das causalidades e da linearidade nos processos revolucionários, que acabaram por enredar as Revoluções em esquemas muitos rígidos de análise, perdendo de vista sua historicidade. Segundo Jacques Julliard, a história política abordou o tema da Revolução: [...] como uma espécie de bastião inexpugnável da singularidade; como uma espécie de momento demiúrgico em que a história, alterando as suas próprias normas, procede a uma nova distribuição autoritária das cartas entre os jogadores. Durante muito tempo, portanto, a história “revolucionária” figurou entre as mais conservadoras que existiam, as mais presas ao acontecimento.2 Trata-se, hoje, de escapar da tirania do acontecimento único e da continuidade espaço temporal e conceber as Revoluções – do ponto de vista da história política – não como um parênteses ou um “ponto”, diz Julliard, mas concebê-las sob o ângulo das estruturas mentais, do comportamento social ou do “projeto”. Como algo que implica na reconstrução da trajetória dos agentes no interior dos processos revolucionários, para que possamos compreender qual a representação da Revolução pelos homens de “carne e osso” que tomaram parte no evento. Em outras palavras, trata-se de escapar dos modelos rígidos de interpretação, construídos sob perspectivas políticas bem determinadas e tentar entender como – dentro de um processo revolucionário – ocorre a “formação e evolução das racionalidades políticas, ou seja, dos sistemas de representações que comandam 1. De Decca, Edgard. “A revolução acabou”. Maria Stella Bresciani e Vavy Pacheco Borges. In: “Reforma e Revolução”. Revista Brasileira de História, n. 20. São Paulo, 1990. 2. Julliard, Jacques, O Político. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 186. 13 Ival de Assis Cripa a maneira pela qual um país ou grupos sociais conduzem sua ação e encaram seu futuro”3. Desde a Revolução Francesa, diz Claude Lefort, viu-se nascer “a idéia de criação de uma sociedade inteiramente nova, de um homem novo, como se fosse possível construí-lo sobre tábula rasa”4. Cristalizou-se, então, o mito de uma ruptura temporal, de um corte entre o antigo e o novo, para usar uma expressão de Baczko sobre o imaginário social da Revolução. Segundo Baczko, os períodos revolucionários são períodos “quentes”, em termos de produção de imaginários sociais, pois seus protagonistas são obrigados a esconjurar o destino incerto por meio de programas e visões do futuro, imaginando situações futuras para si e seus adversários. Sob este prisma, toda Revolução não pode estar separada da produção de seu próprio imaginário, de sua mitologia e de seu repertório simbólico e ideológico.5 Os escritos pessoais de Cárdenas remetem-se ao repertório simbólico da Revolução Mexicana e revelam o lugar no qual ele fala, qual a sua posição no espaço da luta entre as lideranças que se formaram nas duas primeiras décadas do Século XX. A partir de suas anotações em seu diário de campanha – Los Apuntes – elaborados entre 1913 e 1925, refletiremos sobre sua trajetória militar. Desde seu engajamento no exército revolucionário, em 1913, após a eclosão do movimento iniciado por Francisco Madero em 1910, contra mais uma reeleição de Porfírio Díaz que estava no poder desde 1876. Madero foi assassinado pela reação dos porfiristas liderados por Huerta. Com a morte de Madero, Carranza assumiu o comando do exército Constitucionalista. Villa comandou a divisão dos exércitos do Norte e Zapata a divisão do Sul. Cárdenas entrou para o Exército Constituicionalista, aos dezoito anos, obedecendo as ordens do General Aragón, um ex compadre de Zapata, mais tarde assassinado a mando do mesmo. Durante toda sua trajetória militar, manifestou em seus escritos a lealdade para com a liderança militar de Carranza, Obregón e Calles e ajudou a combater Villa e Zapata, apesar de identificar-se com o agrarismo de Zapata. A reconstrução da trajetória militar de Cárdenas permitirá compreender de que maneira ele conseguiu obter apoio suficiente no meio militar, desmontando a hegemonia do General Calles sobre os poder presidencial. Pois este último, diante das lutas entre as lideranças militares pertencentes ao exército Constitucionalista, criou o cargo de chefe máximo da Revolução, a ser ocupado por ele e submeteu todos os presidentes entre a morte de Obregón, em 1928, e a eleição de Cárdenas. A hegemonia do chefe máximo da Revolução só será desmontada em 1935 por Cárdenas, que conseguiu sobrepor o poder Executivo ao Partido Nacional Revolucionário, 3. Rosanvallon, Pierre. Por uma história conceitual do Político. São Paulo: Barsileira de História, 1995, p. 15. 4. Lefort, Claude. A invenção democrática, os limites do totalitarismo. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 85. 5. Ver: Baczko, B., Imaginação social, p. 321 e Los imaginários Sociales, memórias y esperanzas colectivas. Buenos Aires: Nueva Visión, 1991, p. 96. 14 O Vento das Reformas, Lázaro Cárdenas e a Revolução Mexicana (1934-1940) tirando-o do controle de Calles. A reconstrução de sua experiência militar permitirá compreender como Cárdenas realizou tal façanha, pondo fim a uma das lideranças mais autoritárias da fase armada da Revolução Mexicana. Pode-se explicar, também, porque Cárdenas conseguiu sobreviver a todas as revoltas militares durante sua gestão presidencial, pois possuía grande prestígio no meio militar. Reconstruiremos, também, a experiência política de Cárdenas, entre 1928 e 1934; quando foi eleito governador de Michoacán, e ganhou fama de “agrarista radical” pela defesa da reforma agrária, aumentando seu prestígio entre os camponeses ao colocar-se como um porta-voz dos anseios das massas camponesas por terra. Em 1931, afastou-se do cargo de Governador, para assumir o cargo de Presidente do Partido Nacional Revolucionário. Recuperamos suas falas sobre o papel do partido, que explicitam sua contribuição para a construção da hegemonia do PNR e de que maneira identifica a organização do partido como única via para “unificar as massas” e realizar o “programa social da Revolução”, sob a liderança dos generais que compunham os Exército Constitucionalista. A reconstrução da trajetória militar e política de Cárdenas, entre 1913 e 1933, permitiu-nos compreender como obteve apoio de amplos segmentos da sociedade mexicana, durante sua gestão presidencial entre 1934 e 1940: militares, camponeses, movimento sindical e o Partido Comunista Mexicano. De certa maneira, a sua experiência militar e política, anterior a sua gestão presidencial, permitiu-lhe conhecer os principais problemas políticos do México e conseguiu, em seus discursos, tocar em questões cruciais para as massas camponesas e outros segmentos sociais organizados, como o movimento sindical e os militares. Ao dirigir seus discursos às massas, Cárdenas penetrava em todo um repertório simbólico que compunha o imaginário social da Revolução Mexicana e que era atravessado pela promessa de terra aos camponeses, de direitos e liberdades aos trabalhadores do campo e da cidade e de cumprimento ao “programa social da revolução”, assim designado por ele. Sobre o período em que Cárdenas esteve no poder, ou sobre a utopia cardenista, Gilly afirmou que o projeto consistia na organização de um Estado paternal e protetor que controlaria a indústria e alimentaria as necessidades de um cem número de pequenas comunidades rurais donas de suas terras e de seus destinos, nutridas pela antiga tradição comunal. Para Gilly, a utopia cardenista consistia em fazer com que o México pudesse: [...] passar da sociedade pré-capitalista à sociedade futura, o socialismo, sem ter que atravessar os terríveis sofrimentos que o desenvolvimento do capitalismo impõe em todos os lugares, aos trabalhadores, aos camponeses, aos pobres, aos desprotegidos, aos desvalidos.6 6. Gilly, Adolfo. El cardenismo, una utopía mexicana. México/DF, Cal Y Arena, 1994, p. 405. 15