ID: 50707241 09-11-2013 Tiragem: 38650 Pág: 10 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,28 x 31,96 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 3 Director do Hospital da Cruz Vermelha cria empresa para obter novos doentes Responsável clínico da unidade lisboeta lançou empresa que contratava médicos de hospital público para enviar doentes. Tribunal de Contas alerta para “situações de incompatibilidade” Saúde Catarina Gomes O presidente da comissão executiva e director clínico da sociedade que gere o Hospital da Cruz Vermelha, Manuel Pedro Dias de Magalhães, é desde 2004 sócio gerente de uma empresa que teve ao seu serviço médicos de um hospital público que encaminharam doentes para a unidade que dirige. No acordo que o Estado mantém com o Hospital da Cruz Vermelha, é proibido que pessoal médico exerça funções nesta unidade e, ao mesmo tempo, em hospitais públicos nas áreas médicas abrangidas pelo acordo, como é o caso de cirurgia pediátrica, para evitar situações de conflito de interesses. O médico afirma que a proibição não abrange a cardiologia pediátrica. Já em 2011 uma auditoria do Tribunal de Contas (TC) alertava para situações de “incompatibilidades” no Hospital da Cruz Vermelha, que é gerido pela Cruz Vermelha Portuguesa — Sociedade de Gestão Hospitalar. Nessa altura, o relatório dava como exemplo o caso de uma médica a exercer funções em cirurgia cardiotorácica no Hospital da Cruz Vermelha, exercendo, em simultâneo, a cardiologia pediátrica no Hospital Amadora-Sintra. Em novo relatório, conhecido no mês passado, que pretendia verificar se as recomendações do TC tinham sido acolhidas, referia-se que o problema não tinha ficado resolvido e dava exemplos de novas situações. Uma delas era precisamente o facto de o próprio presidente do conselho de administração, que é também um dos 11 accionistas individuais da sociedade que gere o hospital e é membro do corpo clínico, ter sido “o representante legal” de uma empresa que contratou, em regime de prestação de serviços, médicos da especialidade de cardiologia pediátrica, que iam à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, ver doentes que depois encaminhavam para a cirurgia pediátrica da Cruz Vermelha. O seu período de vigência decorreu entre Maio de 2009 e Dezembro de 2011. Segundo o que o PÚBLICO apurou, a empresa em causa, a MPMConsultoria e Gestão, Lda, foi criada em 2004 e tem sede na morada de residência do médico, na Cruz Quebrada (Oeiras). Segundo relatório da empresa de informação comercial Dun & Bradstreet sobre a empresa, a MPM tem apenas mais um sócio, mas o médico é detentor de 98% do seu capital. Como sector de actividade refere-se que presta serviços na área de “hospital de medicina geral e cirurgia” e que não tem qualquer funcionário a seu cargo. Conflito de interesses O TC qualificou a situação de “evidente conflito de interesses” e “uma prática também criticável por envolver o presidente da comissão executiva e director clínico da Cruz Vermelha Portuguesa”. Inquirido sobre estas questões, o médico remeteu todos os esclarecimentos prestados para a auditoria do Tribunal de Contas. Aí, enquanto representante da MPM, alega que “a regra da proibição da simultaneidade do exercício é restrita às áreas clínicas mencionadas, não incluindo a especialidade de cardiologia pediátrica, objecto da prestação de serviços da MPM”. O TC considerou a interpretação do médico “muito restritiva”, “tendo em conta que a cardiologia é a principal (senão a única) especialidade referenciadora de doentes para a cirurgia cardiotorácia”. Por email, o médico diz ainda que, convidado a pronunciar-se sobre o conteúdo do relatório do TC, “o Ministério Público expressamente afirma não existirem [no relatório] quaisquer situações que mereçam censura ou responsabilidade financeira”. O TC referia no seu relatório que continua a haver médicos a exercer em simultâneo em hospitais públicos e na Cruz Vermelha. Segundo o gabinete de imprensa do Hospital Amadora-Sintra, um cardiologista pediátrico, que faz parte do corpo clínico da Cruz Vermelha, dá consultas semanais na unidade. Uma outra médica da Cruz Vermelha, Médico realça que Ministério Público afirmou a propósito da auditoria do relatório do Tribunal de Contas “não Estado desperdiça milhões de euros em Hospital da Cruz Vermelha O Tribunal de Contas (TC) disse em relatório divulgado no mês passado que se os doentes enviados para o Hospital da Cruz Vermelha, ao abrigo de um “acordo de cooperação” com o Estado, tivessem sido tratados em hospitais públicos, em apenas três anos poderiam ter-se poupado quase 30 milhões de euros. “A celebração dos acordos de cooperação continua a não ser sustentada em quaisquer outros estudos económicos.” “Os custos unitários por doente tratado, suportados pela Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo, são superiores aos custos apurados em unidades hospitalares do Sistema Nacional de Saúde.” Refere-se como exemplo a especialidade de cirurgia cardiotorácica, em que, comparando custos nos hospitais de Santa Marta e Santa Maria, ambos em Lisboa, com os da Cruz Vermelha, o que o Estado pagou a mais rondou, em média, os 48% (no triénio 20092010). Foi já no mandato do actual ministro ID: 50707241 09-11-2013 Tiragem: 38650 Pág: 11 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 16,65 x 31,04 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 3 JOAO HENRIQUES também cardiologista pediátrica, deixou de trabalhar na unidade pública recentemente. Mas o assessor de imprensa da unidade lembra que a Administração Regional de Saúde Lisboa e Vale do Tejo, ARSLVT, impôs numa circular normativa a suspensão, desde Julho de 2011, da referenciação de doentes para a Cruz Vermelha. Desde então, o Amadora-Sintra deixou de referenciar doentes para a instituição, a não ser que os hospitais públicos com a valência em Lisboa, Santa Cruz e Santa Marta não tenham capacidade de resposta, explicou. “Este ano não foi mandada nenhuma criança para a Cruz Vermelha.” O Tribunal de Contas considerou que “o risco de conflitos de interesse, embora parcialmente mitigado com as novas regras de referenciação, continua a existir, competindo às entidades públicas adoptarem medidas que o eliminem por completo”. 2011 Tribunal de Contas alertava em 2011 para situações de “incompatibilidades” o existirem quaisquer situações que mereçam censura” da Saúde, Paulo Macedo, que o acordo de cooperação com a unidade foi revalidado, mas o montante envolvido — de mais de 20 milhões de euros para cada ano do triénio 2008-2009-2010 — passou para cerca de sete milhões de euros para o ano de 2013. A história da relação do Estado com o Hospital da Cruz Vermelha começa em 1998. Nessa altura, o Estado através da Partest, actual Parpública, resgatou da ruína o hospital (até então exclusivamente detido e gerido pela Cruz Vermelha Portuguesa). Injectado o capital, passou então a integrar uma sociedade nova criada com esse propósito, a CVP — Sociedade de Gestão Hospitalar que continua, até hoje, a ser detida em 45% pelo Estado e em 54,7% pela Cruz Vermelha. O Tribunal de Contas lamentava que a Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo, com a qual a Cruz Vermelha mantém o acordo, não tenha adoptado “medidas que prevenissem e detectassem eficazmente conflitos de interesses, designadamente: exigindo que a entidade prestadora dos serviços apresente declarações da inexistência de conflitos de interesses dos profissionais”. O presidente da ARSLVT, Luís Cunha Ribeiro, diz desconhecer a existência da empresa em causa e a existência de médicos a trabalhar em simultâneo na Cruz Vermelha e em hospitais públicos. “Se houver ilegalidade, nós agiremos.” Quanto à recomendação do TC de passar, neste caso, a ter como prática que os médicos apresentem declaração de conflitos de interesses, essa fórmula nunca poderia ser aplicada apenas neste caso, diz, sob pena de se estar a discriminar esta unidade, uma vez que o Estado tem milhares de convenções com várias entidades. “A lei portuguesa permite que um médico trabalhe de manhã num hospital e à tarde numa das instituições privadas com quem o Estado mantém convenções. Há milhares de situações destas.” ID: 50707241 09-11-2013 Tiragem: 38650 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 21,55 x 6,94 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 3 de 3 Director de hospital criou empresa para captar clientes Responsável clínico do Hospital da Cruz Vermelha criou empresa que contratava médicos de um hospital público para enviar doentes para a unidade que dirige. Tribunal de Contas qualifica a situação de “evidente conflito de interesses” Portugal, 10/11